• Nenhum resultado encontrado

Virginia C Andrews - A Saga Dos Casteel - 02 Anjo Negro (DARK ANGEL)

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Virginia C Andrews - A Saga Dos Casteel - 02 Anjo Negro (DARK ANGEL)"

Copied!
220
0
0

Texto

(1)

Título: Anjo Negro.

Autor: Virginia C. Andrews. Título original: DARK ANGEL.

Dados da edição: Círculo de Leitores, Lisboa, 1995. Género: romance.

Digitalização: Dores Cunha. Correcção: Fátima Tomás. Estado da obra: corrigida. Numeração de página: rodapé.

Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destina-se unicamente à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos de autor, este ficheiro não pode ser distribuído para

outros fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente. ANJO NEGRO

Virginia C. Andrews V. C. ANDREWS

ANJO NEGRO

Tradução de MARIA LUÍSA SANTOS Círculo de Leitores

Título original: DARK ANGEL Capa: FORTESPÓLIO

Ilustração: CARLOS ANTUNES/FORTESPÓLIO Copyright (r) 1987 by Virgínia Andrews

Impresso e encadernado para Círculo de Leitores por Companhia Editora do Minho, S.A.

no mês de Maio de 1995 Número de edição: 3997

Depósito legal número 88 061/95 ISBN 972-42-1126-6

PRIMEIRA PARTE 1 REGRESSO A CASA

Em meu redor, a casa erguia-se, escura, misteriosa e solitária. As sombras sussurravam segredos e incidentes que era melhor permanecerem no esquecimento, e prenunciavam perigos, nada dizendo, porém, da segurança e estabilidade que eu tanto almejava. Era a casa da minha mãe, da minha mãe já falecida. O lar pelo qual ansiara quando vivera na cabana de montanha dos Willies, o lar que preenchera os meus sonhos de criança, imaginando toda a felicidade que ali me aguardava quando nele fosse viver. Ali, naqueles aposentos, que os sonhos tornados realidade enchiam de uma espécie de arco-íris, eu encontraria o pote de ouro do amor familiar um tipo de amor que nunca conhecera. E desfrutaria de preciosidades como a cultura, o conhecimento e a educação, com os quais me resguardaria do mal, do desprezo e do escárnio. Assim esperei, como uma noiva, que todas essas maravilhas aparecessem para me enfeitar; porém, não foi o que aconteceu. Sentada na sua cama, senti as vibrações do seu quarto despertar os pensamentos perturbadores que enchiam sempre

(2)

os cantos mais recônditos e sombrios do meu cérebro. Porque teria a minha mãe fugido de uma casa assim?

Nessa noite fria e invernosa, já lá iam tantos anos, a minha avó

levara-me a visitar um cemitério, revelando-me então, nessa altura, que eu não era a filha mais velha da Sarah, e mostrando-me a campa da minha mãe. Da minha mãe, uma linda jovem chamada Leigh, que fugira de Boston. Pobre avó... com a sua ignorância e ingenuidade. Como fora confiante, acreditando que o Luke, o filho mais novo, mais cedo ou mais tarde provaria ser suficientemente valoroso para reabilitar o nome

escarnecido e ridicularizado dos Casteel. "Escumalha", tinha a

impressão de ouvir a badalar como sinos de igreja no meio da escuridão que me rodeava,

"não valem nada, nunca nenhum deles terá préstimo para o que quer que seja..." ao ponto de eu levar as mãos aos ouvidos para abafar o som. Um dia, eu seria o orgulho da minha avó, apesar de esta já ter morrido. Um dia, quando completasse os meus estudos, voltaria aos Willies,

ajoelhar-me-ia diante da sua campa e dir-lhe-ia todas as palavras que a tornariam mais feliz do que alguma vez se sentira em vida. Eu não tinha a menor dúvida de que a minha avó, que estava no céu, me sorriria, certa de que pelo menos uma Casteel fizera o liceu, depois a

faculdade...

Que ignorante e inocente eu era por ali chegar munida de tais esperanças...

Aconteceu tudo muito depressa: a aterragem do avião, a minha tentativa desesperada para abrir caminho por entre a multidão que enchia o

aeroporto, até chegar junto da passadeira rolante da bagagem, toda aquela movimentação mundana que eu imaginara muito simples mas depressa vira que não o era. Apesar de depressa localizar as minhas duas malas azuis, que pareciam tão espantosamente pesadas, não deixei de me sentir assustada. Olhei em volta, atrapalhada e receosa. E se os meus avós não aparecessem? E se tivessem mudado de ideias e já não quisessem receber a neta desconhecida no seu mundo seguro e abastado? Tinham passado sem mim todo aquele tempo... Porque não continuarem assim para sempre? De modo que esperei, convencendo-me, à medida que os minutos passavam, de que não viriam.

Nem mesmo ao ver um casal extraordinariamente elegante avançar na minha direcção, envergando a roupa mais rica que eu alguma vez vira, fui capaz de me mover, de acreditar que, quem sabe, afinal de contas Deus iria conceder-me algo mais além de agruras.

O homem foi o primeiro a sorrir, a mirar-me dos pés à cabeça com muita atenção. Nos seus luminosos olhos azuis surgiu uma luz brilhante que fazia lembrar a de uma chama de vela vista através do vidro de uma montra de Natal.

- Deves ser a Heaven Leigh Casteel - cumprimentou o homem louro e sorridente. - Reconhecer-te-ia em qualquer lado. És tal e qual a tua mãe, com excepção do cabelo escuro.

O meu coração saltou em resposta, esmorecendo logo a seguir. Lá estava a minha maldição, o cabelo escuro. De novo, os genes do meu pai a prejudicarem o meu futuro.

- oh, por favor, por favor, Tony - sussurrou a bela mulher ao seu lado-, não me recordes o que perdi...

Ali estava, portanto, a avó dos meus sonhos. Dez vezes mais bonita do que eu alguma vez imaginara. Calculara que a mãe da minha mãe fosse uma velhinha gentil de cabelos grisalhos. Nunca me passara pela cabeça que alguma avó pudesse ter o aspecto daquela beldade de casaco de peles, botas altas cinzentas e luvas compridas no mesmo tom. O cabelo, de um louro de tom claro e brilhante, penteado para trás, revelava o seu

(3)

rosto escultural e isento de rugas. Não duvidava da sua identidade, não obstante a sua espantosa juventude, pois era demasiado parecida com a imagem que eu via todos os dias ao espelho.

- Vem, vem - disse-me ela, fazendo sinal ao marido para que pegasse nas minhas malas e se apressasse. - Detesto locais públicos. Poderemos conhecer-nos uns aos outros quando estivermos sozinhos.

O meu avô pôs-se imediatamente em movimento, pegando nas minhas duas malas, enquanto a minha avó me puxava pelo braço; não tardei a entrar apressadamente dentro de uma limusina que nos aguardava, com motorista fardado.

- Para casa - ordenou o meu avô ao motorista, sem sequer olhar na sua direcção.

Sentei-me no meio dos dois e, a certa altura, a minha avó sorriu, finalmente. Abraçou-me com meiguice e beijou-me, murmurando palavras que escapavam, parcialmente, ao meu entendimento.

- Desculpa termos sido tão abruptos nesta recepção, mas não dispomos de muito tempo - disse a minha avó. Temos muitos quilómetros para

percorrer daqui até casa, querida Heaven. Esperamos que não fiques triste por não te mostrarmos Boston hoje. E esse homem bonito que vai ao teu lado chama-se Townsend Anthony Tatterton. Eu chamo-lhe Tony. Alguns dos seus amigos tratam-no por Townie, só para irritá-lo, mas aconselho-te a não fazê-lo.

Como se eu algum dia fosse capaz de tal!

- Eu chamo-me Jillian - continuou a minha avó, mantendo a minha mão firmemente segura entre as suas, enquanto eu continuava encantada com a sua juventude, beleza e com o som da sua voz doce e sussurrante, tão diferente de qualquer outra que já ouvira. - O Tony e eu tencionamos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para tornarmos a tua visita agradável.

"Visita?". Eu não viera em visita, mas sim para ficar! Para

ficar para sempre! Não tinha para onde ir! O meu pai ter-lhes-ia dito que eu só ia visitá-los? Que outras mentiras lhes enfiara na cabeça? Olhei ora para um, ora para outro, profundamente receosa de me debulhar em lágrimas que o instinto dizia-me não serem de bom gosto. Porque presumira eu que umas pessoas cultas da cidade haveriam de querer uma neta rústica como eu? Senti um nó formar-se na garganta. E quanto aos meus estudos universitários? Quem, a não ser eles, os pagaria? Mordi a língua para não chorar ou dizer algo que não devia. Talvez conseguisse trabalhar e estudar ao mesmo tempo... Sabia escrever à máquina...

Dei-me conta, completamente siderada, dentro daquela limusina negra, do enorme engano deles.

Antes de poder recobrar do choque, o marido da minha avó começou a falar com uma voz baixa e ligeiramente rouca, utilizando palavras que eram inglesas mas estranhamente pronunciadas.

- Acho melhor que saibas desde já que eu não sou o teu avô biológico. A Jillian casou primeiro com o Cleave VanVoreen, que faleceu há cerca de dois anos, e o Cleave é que foi o pai da tua mãe, a Leigh Diane

VanVoreen.

Mais uma vez embasbacada, senti-me mirrar. Ele era o tipo de pai que eu sempre desejara, um homem brando e de fala suave. A minha desilusão foi tão devastadora que nem pude deleitar-me totalmente com a alegria que imaginara vir a ter quando soubesse o nome completo da minha mãe. Voltei a engolir em seco e mordi a língua com mais força ainda,

afastando a imagem de que aquele homem bom e bonito era do meu sangue e tentando imaginar, com grande dificuldade, como teria sido o Cleave VanVoreen. Que espécie de apelido era aquele? Nunca conhecera ninguém nas colinas da Virgínia Ocidental com um nome de família tão estranho

(4)

como VanVoreen.

- Sinto-me muito lisonjeado por ficares com esse ar tão desiludido ao saberes que não sou o teu avô biológico - observou o Tony, esboçando um pequeno sorriso de satisfação.

Intrigada pela sua voz e entoação, olhei interrogativamente para a minha avó. Esta corou sem que eu soubesse porquê, e o afluxo de cor tornou o seu rosto ainda mais bonito.

- Sim, querida Heaven, eu sou uma dessas mulheres modernas e desavergonhadas que são incapazes de suportar um casamento insatisfatório. O meu primeiro marido não me

10

merecia. No início do nosso casamento eu amava-o, pois dedicava-me muito do seu tempo. Infelizmente, durou pouco. Negligenciou-me em troca dos seus negócios. Talvez tenhas ouvido falar na Companhia dos Navios a Vapor VanVoreen. O Cleave orgulhava-se imensamente dela. Os seus tolos barcos e navios exigiam toda a sua atenção. Portanto, nem os fins-de-semana e feriados me dedicava. Comecei a sentir-me solitária, tal como aconteceu com a tua mãe...

- Jillian, repara nesta rapariga! - interrompeu-a o Tony. - Já viste os olhos dela? São incrivelmente azuis, tal qual os teus e os da Leigh! A minha avó inclinou-se para a frente e lançou-lhe um olhar frio e admoestador.

- Claro que ela não é exactamente igual à Leigh! Há também algo mais além da cor do cabelo. Algo nos seus olhos... algo que não é, bem, tão inocente.

Oh! Tinha de me acautelar. Devia cuidar mais com o que os meus olhos pudessem revelar. Nunca, nunca eles deveriam imaginar, sequer, o que se passara entre o Cal Dennisson e eu. Se descobrissem, desprezar-me-iam, tal como acontecia com o Logan Stonewall, o meu namorado de infância. - Sim, claro que tens razão - concordou o Tony com um suspiro. - Nunca existiram duas pessoas exactamente iguais.

Os dois anos e dois meses que"eu passara em Candlewick, nos arredores de Atlanta, com a Kitty e o Cal Dennison, não me haviam dado o tipo de sofisticação de que necessitava naquele momento, ao contrário do que eu pensara anteriormente. A Kitty tinha trinta e sete anos quando morrera e considerara a sua idade avançada intolerável. E agora tinha ali a minha avó, muito mais velha do que a Kitty, mas com um ar muito mais jovem e seguro que esta. Na verdade, eu nunca vira uma avó com uma aparência tão juvenil como aquela. E nos montes, as avós atingiam essa fase em idades muito precoces, sobretudo quando casavam aos doze, treze ou catorze. Dei comigo a tentar imaginar quantos anos a minha avó teria. Eu faria dezassete anos em Fevereiro. A minha mãe tinha apenas catorze quando eu nascera; o mesmo dia em que morrera. Se ainda fosse viva, teria trinta e um anos. Eu estava bastante bem informada e, segundo todos os factos de que me inteirara relativamente aos membros de sangue azul de Boston, sabia que só casavam depois de terminarem a sua

educação. Os maridos e os bebés não eram considerados tão 11

essenciais na vida das jovens de Boston como acontecia às da Virgínia Ocidental. Aquela avó devia ter, no mínimo, uns vinte anos quando

casara pela primeira vez. Naquele momento andaria, portanto, pelo final da casa dos cinquenta. Imaginem! A mesma idade em que eu me lembrava melhor da avó. A avó com o seu longo cabelo branco ralo, os ombros encurvados e a marreca de velhinha, a artrite nos dedos das mãos e nas articulações das pernas, a escassa roupa surrada e escura, os sapatos gastos.

(5)

O escrutínio intenso e demorado a que submeti a minha juvenil avó fez surgir duas pequenas lágrimas brilhantes nos cantos dos seus olhos azuis, cor de centáurea, tão parecidos com os meus. Lágrimas que tremularam sem cair.

Encorajada pelas suas escassas lágrimas estáticas, consegui falar: - Avó, que foi que o meu papá lhe disse acerca de mim?

Fiz a pergunta com uma voz tremulamente baixa e assustada. O meu pai contara-me que falara com os meus avós e que estes receber-me-iam em sua casa. Mas que mais lhes dissera? Ele sempre me desprezara,

culpando-me pela perda de Angel, a sua esposa. Ter-lhes-ia o meu pai dito tudo? Nesse caso, eles nunca chegariam a gostar de mim, muito menos a amar-me. E eu precisava de alguém que me amasse como eu era... com todas as minhas imperfeições.

Os brilhantes olhos azuis desviaram-se de mim, totalmente desprovidos de expressão. Incomodava-me ver como ela conseguia torná-los

impenetráveis, como se soubesse ligar e desligar todas as suas emoções. Não obstante a frieza do olhar e as lágrimas que desafiavam a

gravidade, quando falou fê-lo com voz doce e afável:

- Querida Heaven, importas-te de não me tratar por avó? Tenho tido um empenho enorme em conservar a minha juventude e sinto que vou obtendo sucesso nas minhas diligências... De modo que ser chamada "avó" em frente de todos os meus amigos, que me imaginam vários anos mais nova do que na realidade sou, deitaria a perder todos os meus esforços. Sentir-me-ia muito humilhada por ser apanhada numa mentira. Confesso que minto sempre acerca da minha idade, às vezes até mesmo aos médicos. Portanto, peço-te que não fiques magoada ou ofendida por te pedir que, daqui em diante, me trates apenas por... Jillian.

Novo choque, mas naquela altura já me começava a habituar a eles. 12

- Mas... mas... - gaguejei. - Como é que lhes vai explicar a minha existência? E de onde vim? E o que estou a aqui a fazer?

- Oh, minha queridinha, por favor, não fiques com esse ar tão triste! Em privado, talvez em ocasiões esporádicas, poderás chamar-me... Oh, não! Pensando melhor, isso não resultaria. Se eu te permitisse... descuidavas-te e tratavas-me por avó sem querer. Portanto, o melhor é cortarmos já o mal pela raiz. Sabes, querida, não se trata propriamente de mentir. As mulheres têm de fazer o que está ao seu alcance para criarem a sua própria mística. Sugiro-te que comeces desde já a mentir sobre a tua idade. Nunca é cedo de mais. E apresentar-te-ei

simplesmente como minha sobrinha, a Heaven Leigh Casteel.

Levei alguns momentos a interiorizar a ideia e a encontrar a pergunta seguinte.

- Tem alguma irmã cujo apelido seja igual ao meu... Casteel?

- Ora essa, não, claro que não. Mas as minhas duas irmãs já se casaram e divorciaram tantas vezes que é impossível alguém recordar-se de todos os apelidos que tiveram. E tu não tens de inventar nada, não é? Dizes apenas que não queres falar nos teus antecedentes. E se alguém for suficientemente rude para insistir, dizes a essa pessoa detestável que o teu querido paizinho te levou para a sua terra natal... Como é que disseste que se chamava?

- Winnerrow, Jill - elucidou o Tony, cruzando as pernas e passando meticulosamente os dedos por um dos vincos impecáveis das suas calças cinzentas.

Nos Willies, a maioria das mulheres competia entre si para ver quem se tornava avó mais cedo! Era motivo de ostentação, de orgulho. Ora, a minha própria avó fora-o aos vinte e oito anos, embora esse primeiro neto não chegasse a completar um ano de idade. Mas, ainda assim...

(6)

Aquela avó parecia ter, aos cinquenta anos, oitenta ou mais. - Está bem, tia Jillian - aquiesci, mais uma vez em voz sumida.

- Não, querida, não é tia Jillian, mas apenas Jillian. Nunca gostei de títulos: mãe, tia, irmã ou esposa. Basta o meu nome próprio.

O marido, que ia ao meu lado, riu-se.

- Nunca ouviste palavras mais verdadeiras, Heaven, mas a mim podes chamar Tony.

Desviei o olhar sobressaltado para ele. Vi-o sorrir maliciosamente. 13

- Se ela quiser pode tratar-te por avô - declarou Jillian friamente. - Afinal de contas, querido, ter laços familiares ajuda, não é?

Havia ali um fluxo de correntes subterrâneas que eu não conseguia entender. Olhava ora para um ora para outro, pelo que prestei muito pouca atenção ao caminho que o carro levava até as rodovias se

alargarem em auto-estradas, altura em que vi uma placa a indicar que seguíamos para norte. Insegura relativamente à minha situação, esbocei nova tentativa para descobrir o que o meu pai lhes dissera no seu telefonema interurbano.

- Muito pouco - respondeu o Tony, enquanto a Jillian baixava a cabeça e dava a impressão de fungar... Eu não saberia dizer se de uma

constipação ou da emoção. De vez em quando levava delicadamente o lenço de renda aos olhos. O teu pai parecia um sujeito muito simpático. Disse que tinhas acabado de perder a tua mãe, um desgosto que te fizera

mergulhar numa depressão profunda, e nós, naturalmente, pusemo-nos à disposição para ajudar no que fosse necessário. O facto de a tua mãe nunca ter entrado em contacto connosco, ou dito onde estava, sempre nos entristeceu. Cerca de dois meses depois de ter fugido, escreveu-nos um postal onde nos disse que se encontrava bem mas, depois disso, nunca mais deu notícias. Fizemos os possíveis por descobrir o seu paradeiro. Chegámos mesmo a contratar detectives. O postal estava tão manchado que era quase ilegível e a gravura era de Atlanta, não de Winnerrow, na Virgínia Ocidental. - Fez uma pausa e cobriu a minha mão com a sua. Querida menina, estamos ambos muito contristados por saber da morte da tua mãe. Também sentimos muito a tua perda. Se ao menos pudéssemos ter sabido do seu estado antes de ser demasiado tarde! Poderíamos ter feito tanto para tornar os seus últimos dias mais felizes... Creio que o teu pai se referiu a... um cancro...

Oh, oh!

Que horror o meu pai ter mentido!

A minha mãe morrera logo cinco minutos após o meu nascimento, pouco depois de me dar o nome. A mentira abjecta do meu pai esfriou-me o sangue e fê-lo esvair-se até aos meus tornozelos, deixando-me um buraco doloroso no peito, ao ponto de me sentir agoniada. Não era justo

alicerçar um futuro feliz em mentiras! Mas a vida nunca fora justa para mim. Porque haveria de esperar algo diferente naquela altura? "Maldito sejas, pai, por não contares a verdade!" Quem

14

morrera há dias fora a Kitty Dennison! A Kitty, a mulher a quem ele me vendera por quinhentos dólares! A Kitty, que tão cruel fora com o seu banho a escaldar, o seu feitio temperamental e os acessos inesperados de violência que tinha antes de a doença lhe roubar as forças.

Desesperadamente ali sentada, com os joelhos juntos e as mãos no colo a retorcerem-se uma à outra de nervosismo, para não as cerrar em punhos, raciocinei que, afinal de contas, se calhar o meu pai fora muito

esperto em sair-se com aquela mentira.

Se ele lhes tivesse dito a verdade, que a minha mãe morrera há todos aqueles anos, quem sabe se eles se sentiriam tão dispostos a ajudar uma

(7)

pacóvia que crescera habituada a privações e à ausência de uma mãe... Depois foi a vez de Jillian me consolar.

- Queridíssima Heaven, um dia destes, muito em breve, sentar-nos-emos as duas para eu te fazer uma lista imensa de perguntas acerca da minha filha - sussurrou com voz enrouquecida, deixando escapar um soluço e esquecendo-se de limpar as lágrimas. - Neste momento estou demasiado perturbada e comovida para escutar algo mais. Por favor, querida, deixa o resto para depois.

- Mas eu gostaria de saber mais agora - declarou o Tony, apertando a minha mão, que ainda mantinha entre as suas. - O teu pai disse que estava a telefonar de Winnerrow e que ele e a tua mãe viveram a maior parte da sua vida nessa cidade. Gostavas dessa cidade?

Ao princípio, a minha língua recusou-se a formar palavras. Porém, ao ver que o silêncio se prolongava e se tornava desconfortavelmente denso, encontrei, por fim, uma resposta que não seria propriamente mentira.

- Sim, gostava bastante de Winnerrow.

- Óptimo. Detestaríamos saber que a Leigh e a filha tinham sido infelizes.

Permiti que os meus olhos se encontrassem com os dele por breves

instantes, antes de os desviar de novo e fixá-los, sem ver, na paisagem que se ia desenrolando.

- Como foi que a tua mãe conheceu o teu pai? - perguntou ele.

- Por favor, Tony! - exclamou a Jillian aparentemente muito perturbada. Não me ouviste acabar de dizer que me sentia demasiado comovida para ouvir os pormenores? A minha filha morreu e não me escreveu durante todos estes anos! Como queres que esqueça e perdoe semelhante

comportamento? 15

Esperei sempre por uma palavra e um pedido de perdão! Magoou-me muito, ao fugir! Chorei durante meses! Detesto lágrimas. Tu sabes bem, Tony! - Soluçou com violência, como se a sua garganta não estivesse habituada a tal, levando, mais uma vez, o pequeno lenço de renda aos olhos. - A Leigh sabia que eu era emotiva e sensível, mas não se importou. Nunca gostou de mim. De quem ela gostava era do Cleave. E a verdade é que contribuiu para a morte do pai, que nunca conseguiu recompor-se depois de ela fugir... Portanto, acabei de tomar uma decisão: não permitirei que a Leigh me roube a felicidade e arruine o resto da vida com mágoas! - Ora, Jill, nem por um momento imaginei que permitisses que a tristeza te desse cabo da vida. Além disso, não podes esquecer que a Leigh viveu dezassete anos da sua vida com um homem que adorava. Não é verdade, Heaven?

Continuei a olhar inexpressivamente pela janela lateral. Santo Deus, como poderia eu responder sem prejudicar as minhas possibilidades? Se soubessem - o que, obviamente, não acontecia -, talvez mudassem de atitude para comigo.

- Parece que vai chover - observei com nervosismo, olhando para fora do automóvel.

Encostei-me às costas do banco elegantemente forrado a cabedal, e tentei descontrair-me. A Jillian fazia parte da minha vida há menos de uma hora, mas eu já adivinhara que ela não queria saber dos problemas de ninguém, nem meus nem da minha mãe. Mordi o lábio inferior com mais força, esforçando-me por não mostrar as minhas emoções mas, a certa altura, o meu orgulho regressou, de armas e bagagens. Endireitei as costas, engoli as lágrimas, fiz desaparecer o nó que tinha na garganta, empertiguei os ombros e, para grande surpresa minha, a minha voz soou alta, forte, honesta e sincera:

(8)

- Os meus pais conheceram-se em Atlanta e apaixonaram-se profundamente um pelo outro à primeira vista. O meu pai apressou-se a levar a minha mãe para junto da família que tinha na Virgínia Ocidental, de modo a ela poder ter um sítio decente onde passar aquela noite. A sua casa não ficava exactamente em Winnerrow, era mais nos arredores. Casaram na igreja, numa cerimónia adequada, com flores, testemunhas e um sacerdote e, mais tarde, partiram em lua-de-mel para Miami. E, quando

regressaram, o meu pai mandou fazer mais uma casa de banho na casa, só para agradar à minha mãe.

16

Silêncio!

Era um silêncio de morte que se prolongava interminavelmente... Acreditariam eles nas minhas mentiras?

- Foi um gesto simpático, realmente - murmurou o Tony, fitando-me de maneira estranha. - Algo que nunca me ocorreria, uma casa de banho nova, mas prático, muito prático.

A Jillian ia com a cabeça virada para a janela, como se não desejasse ouvir quaisquer pormenores acerca da vida de casada da filha.

- Quantas pessoas viviam com os teus pais? - continuou o Tony.

- Só os avós - respondi, na defensiva. - Adoravam a minha mãe, ao ponto de só a tratarem por Angel1. Era Angel isto, Angel aquilo. O que ela fazia estava sempre bem. Teriam gostado da minha avó. Morreu há alguns anos, mas o avô continua a viver com o... papá.

- Em que dia e mês nasceste? - quis saber o Tony. Tinha dedos fortes e compridos, e as suas unhas brilhavam.

- A vinte e dois de Fevereiro - respondi, dando a data certa mas o ano errado: a data de nascimento da Fanny, um ano depois de mim.

- Ela estava casada com o papá há mais de um ano acrescentei, achando que pareceria melhor do que um nascimento que tivesse lugar logo oito meses após o casamento, o que poderia ter dado a conhecer a necessidade incontrolável que os meus pais tinham tido de não esperar...

E só depois de as palavras me saírem é que me dei conta do que acabara de fazer.

Caíra numa ratoeira. Agora eles pensariam que eu tinha apenas dezasseis anos. Nunca mais poderia falar-lhes dos meus meios-irmãos, o tom e o Keith, e das minhas meias-irmãs, a Fanny e a "Nossa" Jane. E eu que tencionara seriamente recorrer à ajuda dos meus parentes para reunir de novo a família debaixo do mesmo tecto! Deus me perdoasse por só ter pensado em assegurar o meu próprio lugar!

- Tony, estou cansada! Tu sabes que tenho de repousar entre as três e as cinco se quero estar em forma para o jantar desta noite. - A sua expressão toldou-se por momentos, antes de explicar rapidamente. - Querida Heaven, não te importarás que o Tony e eu passemos algumas horas fora de casa hoje à noite, pois não? Tens uma televisão no teu quarto,

1 Angel: anjo. (N. da T.) 17

e no primeiro andar há uma biblioteca maravilhosa com milhares de livros. - Inclinou-se para me depositar um beijo leve na face,

sufocando-me com o seu perfume, que já enchia o espaço fechado. - Teria cancelado, mas esqueci-me por completo e só esta manhã é que me dei conta de que chegarias...

Senti um formigueiro na ponta dos dedos, talvez por tê-los fechados com tanta força. Já estavam a arranjar desculpas para não ficarem comigo. Nos montes, ninguém seria capaz de deixar um hóspede sozinho numa casa estranha.

(9)

cansada.

- Estás a ver, Tony, ela não se importa. Bem te disse. Depois

compensar-te-ei, querida Heaven, a sério. Amanhã irei andar a cavalo contigo. Sabes montar? Se não souberes, eu ensino-te. Nasci num rancho de cavalos e a minha primeira montada foi um garanhão...

- Jillian, por favor! A tua primeira montada foi um pequeno pónei tímido.

- Óh, que desmancha-prazeres tu és, Tony! Francamente, que diferença faz? Apenas soa melhor dizer que se aprendeu com um garanhão do que com um pónei. E o Scuttles era um querido, um verdadeiro amorzinho.

Agora que já sabia que ela tratava tudo e todos por "querido", já não parecia tão simpático. E, no entanto, quando me sorriu e fez uma festa na face com a sua mão enluvada, eu tremi, tão carente estava de afecto. Aquilo que eu mais desejava era que ela gostasse de mim, que chegasse a amar-me, e eu iria esforçar-me para que isso acontecesse muito, muito rapidamente!

- A única coisa que preciso que me digas é que a tua mãe foi feliz - sussurrou-me a Jillian.

- Ela foi feliz até ao dia da sua morte - declarei, sem, na realidade, mentir.

Segundo os meus avós, a minha mãe fora loucamente feliz, apesar de todas as agruras por que tivera de passar num casebre ventoso e

miserável nos montes e um marido que não podia dar-lhe nada daquilo a que estava habituada.

- Então não preciso de ouvir mais nada - disse a Jillian em voz baixa, envolvendo-me com um braço e puxando-me a cabeça para a gola de pele macia do seu casaco.

Que reacção teriam se soubessem a verdade acerca de mim e da minha família?

Limitar-se-iam a sorrir e a pensar que eu em breve partiria e, portanto, que diferença fazia?

18

Não podia permitir que soubessem a verdade. Tinham de me aceitar como alguém do seu meio; eu tinha de fazer com que precisassem de mim, facto de que eles ainda não tinham consciência. E não me iria assustar,

deixando que se apercebessem da minha vulnerabilidade.

E, no entanto, eles falavam um tipo de inglês diferente do meu. Tinha de escutar com muita atenção; até mesmo palavras conhecidas soavam estranhas com o seu sotaque. Porém, eu estava decidida a fazer com que depressa me aceitassem no seu mundo, tão diferente de tudo o que eu já conhecera. Era esperta, aprendia depressa, de modo que arranjaria

maneira, mais cedo ou mais tarde, de encontrar o Keith e a "Nossa" Jane. O perfume que inicialmente achara delicado, começara a sufocar-me com a sua forte essência de jasmim, fazendo-me sentir atordoada e

completamente alheada da realidade. Lembranças da Sarah, a minha

madrasta, começaram a passar-me pela mente. Oh, se a Sarah pudesse ter tido, ao menos uma vez na vida, um frasco do perfume da Jillian! Ou uma caixa do pó-de-arroz sedoso que ela usava.

A chuva, que eu já antevira, principiou com chuviscos dispersos que, em segundos, se transformaram em lençóis de água a tamborilar no asfalto. O motorista abrandou a velocidade e deu a impressão de se tornar mais cuidadoso, e nós três, que nos encontrávamos do outro lado da barreira de vidro, calámo-nos e remetemo-nos aos nossos próprios pensamentos. Eu só pensava em ir para casa, ir para casa. Ir para onde tudo era melhor, mais bonito, onde, mais cedo ou mais tarde, me sentiria verdadeiramente bem-vinda.

(10)

pudesse absorver todas as sensações. Queria provar e saborear aquela primeira viagem para onde quer que eles me levavam e, mais tarde, quando estivesse sozinha, reflectir sobre as impressões recolhidas. "Sozinha, esta noite, numa casa estranha." Surgiram, porém, pensamentos mais alegres. Oh, assim que pudesse escreveria ao tom a falar da minha linda avó! Ele jamais acreditaria que uma pessoa tão velha pudesse parecer assim tão jovem. E a minha irmã Fanny ficaria cheia de inveja! Se ao menos pudesse telefonar ao Logan, que se encontrava a poucos quilómetros de distância, no enorme dormitório de uma faculdade

qualquer... No entanto, eu fora suficientemente crédula e ingénua para cair na teia de sedução montada pelo Cal Dennison. O Logan já não me queria. Se telefonasse para ele certamente desligar-me-ia o telefone na cara.

19

A certa altura, quando o motorista virou à direita, a Jillian começou a perorar interminavelmente sobre os planos que tinha para em breve, me distrair.

- Nós fazemos sempre do Natal um acontecimento especial. Todos nós participamos, por assim dizer...

Agora sabia o que ela estava a dizer-me, à sua maneira... Contava comigo para passar ali o Natal. E estávamos ainda no princípio de Outubro... Porém, o Outubro sempre fora um mês agridoce: o adeus ao Verão e a tudo o que era luminoso e alegre; a espera do Inverno e de tudo o que era frio, sombrio e escuro.

Porque me ocorreriam tais pensamentos? O Inverno numa casa rica e opulenta dificilmente poderia ser frio e desolado. Haveria fartura de combustível, lenha ou até mesmo aquecimento eléctrico, o que

providenciaria calor suficiente. Quando o Natal chegasse e partisse, eu já teria enchido aquela casa solitária de tanta alegria que ninguém desejaria ver ir-me embora. Não, não desejariam. Precisariam de mim... Oh, Deus fizesse com que precisassem de mim!

Os quilómetros foram passando e, de repente, como que para melhorar o meu estado de espírito e fortalecer a minha confiança, um sol brilhante espreitou por entre as nuvens lúgubres. As árvores vestidas com as cores vivas do Outono iluminaram-se, e eu acreditei que, afinal de contas, Deus iria proteger-me. O meu coração encheu-se, subitamente, de esperança. Iria adorar a Nova Inglaterra. Parecia-se tanto com os

Willies... Só não tinha os montes e as cabanas.

- Não tardaremos a chegar - observou o Tony, tocando-me ao de leve na mão. - Olha para a tua direita e espera que surja uma aberta entre as filas de árvores. A primeira visão que se tem de Farthinggale Mannor é inesquecível.

Uma casa com nome! Impressionada, virei-me para o Tony e sorri. - É assim tão grandiosa como o nome dá a entender?

- Ainda mais - respondeu-me ele melancolicamente. O meu lar é muito importante para mim. Foi construído pelo meu tetravô, e todos os

primogénitos que o herdam contribuem para a sua conservação e melhoria. A Jillian deixou escapar um som desdenhoso, como se sentisse desprezo pela sua casa. No entanto, eu sentia-me entusiasmada, ansiosa por saber mais pormenores que me impressionassem. Cheia de expectativa, inclinei-me para a frente e fiquei à espera da clareira no inclinei-meio das árvores. Não tardou a surgir. O motorista enveredou por uma estrada particular

20

cujo início era marcado por portões altos em ferro forjado, e na arcada superior lia-se, em letras belamente desenhadas, "Mansão Farthinggale". Fiquei de boca aberta só de ver o portão, com os seus duendes, fadas e gnomos a espreitar por entre as folhas de ferro.

(11)

- Os Tatterton referiam-se afectuosamente ao nosso lar ancestral como "Farthy" - informou o Tony com voz nostálgica. - Nos meus tempos de menino costumava achar que não havia no mundo casa mais bonita do que aquela onde eu morava. Claro que existem muitas que são superiores a Farthy, mas não para mim. Quando fiz sete anos, o meu pai mandou-me para Eton porque achava que os Ingleses percebem mais de disciplina que as nossas escolas privadas. E nisso tinha razão. Em Inglaterra, eu não fazia outra coisa senão sonhar com o meu regresso a Farthy. Sempre que sentia saudades de casa, o que acontecia frequentes vezes, fechava os olhos e imaginava o cheiro dos abetos e dos pinheiros e, acima de tudo, a maresia do oceano. Depois regressava à realidade, desgostoso, com vontade de sentir o ar frio e húmido da manhã no rosto, desejando com tanto ardor a minha casa que chegava a doer fisicamente. Aos dez anos, os meus pais desistiram de Eton, caso contrário eu andaria sempre cheio de saudades, e permitiram-me que voltasse e... Oh, que dia feliz foi esse!

Eu não tinha dificuldade em acreditar nas suas palavras. Nunca vira uma casa tão bela e enorme, feita de pedra cinzenta, ao ponto de fazer lembrar um castelo, o que provavelmente fora intencional, segundo me parecia. O telhado era vermelho e alto, formando torreões e pequenas pontes vermelhas que davam acesso a zonas mais altas do telhado que, de contrário, teriam ficado inacessíveis.

A certa altura, Miles abrandou o andamento do carro, detendo-o

suavemente em frente dos amplos degraus que conduziam à porta arqueada da frente.

- Vem - convidou o Tony, mostrando um entusiasmo súbito. - Deixa-me ter o prazer de te apresentar Farthy. Adoro ver o ar de espanto no rosto daqueles que a vêem pela primeira vez, pois assim é como se eu próprio voltasse a vê-la de novo.

E com Jillian a seguir-nos com ar muito pouco entusiasmado, subimos lentamente a vasta escadaria de pedra. Ladeando a porta da entrada, estavam urnas enormes contendo

21

graciosos pinheiros japoneses. Eu mal conseguia reprimir a ansiedade que sentia em ver o interior. Era a casa da minha mãe. Em breve estaria dentro dela. Em breve veria os aposentos em que vivera, e os objectos que lhe haviam pertencido. "Oh, mãe, estou finalmente em casa!"

2 A MANSÃO FARTHINGGALE

Dentro da casa de pedra, assim que despi o casaco, virei-me lentamente, de respiração suspensa, olhos muito abertos, a olhar, a olhar, dando-me conta, demasiado tarde, de que reagir daquela maneira diante dos bens dos outros era provinciano e de mau tom. A Jillian fitava-me com ar de censura, e o Tony, de prazer.

- É tudo o que imaginaste que seria? - perguntou-me este.

Sim, era mais do que me atrevera a esperar! E, no entanto, reconheci-a pelo que era, o objecto dos meus anseios de montanhesa, do meu

imaginário juvenil.

- Tenho de me despachar, querida Heaven - lembrou a Jillian, falando subitamente com ar muito animado. - Olha em volta o que te apetecer e fica à vontade no castelo do rei brinquedo. Lamento não poder ficar para testemunhar as tuas primeiras impressões, mas tenho de me apressar para fazer a minha sesta. Tony, mostra a tua Farthy à querida Heaven, depois acompanha-a aos seus aposentos. - Dirigiu-me um breve sorriso implorante que me apagou do coração parte da mágoa que sentia por ela

(12)

já estar a negligenciar-me. Querida menina, perdoa ter de me apressar para ir tratar das minhas obrigações incessantes. No entanto, mais tarde, ver-me-ás o suficiente para te fartares da pessoa chata que eu sou. Além disso, acharás o Tony dez vezes mais interessante. Tem uma energia sem limites. Não mantém nenhum regime de saúde ou beleza e veste-se num ápice - Lançou-lhe um olhar estranho, simultaneamente de irritação e inveja. Ainda bem que alguém aqui em casa é assim.

Jillian aparentava agora uma boa disposição que parecera ter perdido, como se a sua sesta e o seu regime de beleza e a perspectiva de uma festa mais tarde lhe dessem mais alento do que aquele que eu lhe poderia proporcionar. Subiu as escadas

23

com rapidez e graciosidade, sem olhar para trás sequer uma vez, enquanto eu me deixava ficar a ver, completamente deslumbrada.

- Vem, Heaven - disse o Tony, oferecendo-me o seu braço. - vou mostrar-te a casa anmostrar-tes de ires para os mostrar-teus aposentos. Ou será que precisas de te refrescar ou algo do género?

Levei uns segundos até perceber ao que ele se referia e depois corei. - Não, estou bem.

- Óptimo. Isso significa que dispomos de mais tempo para passar um com o outro.

Levou-me então a ver a enorme sala de estar com o seu imponente piano que, segundo contou, o seu irmão Troy utilizava quando aparecia... - Embora lamente dizer que o Troy encontra poucos motivos para vir a Farthy. Ele e a minha mulher não se dão muito bem. Acabarás por conhecê-lo.

- Onde está ele agora? - perguntei mais por delicadeza do que por qualquer outra razão, já que as salas, com as suas paredes e pisos de mármore exigiam quase toda a minha atenção.

- Não sei bem. O Troy vem e vai. É muito inteligente. Sempre foi. Formou-se aos dezoito anos e depois disso tem andado pelo mundo.

Formado aos dezoito anos? Ora essa, que espécie de cérebro teria aquele Troy? E eu que, com dezassete anos, ain-da tinha um ano de liceu pela frente! Foi então que, inesperadamente, comecei a sentir um forte ressentimento contra esse tal Troy e todas as suas benesses, a tal ponto que não quis ouvir falar mais dele. Fiz votos para nunca vir a conhecer alguém tão brilhante que me fizesse sentir uma insignificante, eu que me considerara sempre uma boa aluna.

- O Troy é muito mais novo do que eu - disse o Tony, fitando-me com desprendimento. - Quando era pequeno estava tantas vezes doente que eu o considerava uma verdadeira dor de cabeça. Depois de a nossa mãe morrer, seguida, um pouco mais tarde, do nosso pai, o Troy passou a considerar-me uma espécie de pai, não apenas um irmão mais velho. - Quem pintou os murais? - perguntei, para mudar de assunto.

Nas paredes e no tecto da sala de música viam-se murais requintados exibindo cenas de contos de fadas... Bosques sombreados, com a luz do Sol a infiltrar-se por entre a folhagem,

24

caminhos serpenteantes a desaparecerem de vista numa cadeia montanhosa no cimo da qual se viam castelos... O tecto abobadado executava um arco no alto, obrigando-me a inclinar a cabeça para poder olhar para cima. Oh, como era maravilhoso ter um céu pintado por cima, cheio de pássaros a esvoaçar e com um homem a voar num tapete mágico e mais outro castelo místico semioculto pelas nuvens. O Tony soltou uma risada.

- Fico contente em ver-te tão deslumbrada com os murais. Foram ideia da Jillian. A tua avó foi uma célebre ilustradora de livros infantis. Foi nessa altura que a conheci. Um dia, tinha eu vinte anos, voltava de um

(13)

jogo de ténis, ansioso por tomar um duche e voltar a sair antes que o Troy me visse e exigisse ter-me a seu lado para não ficar sozinho... quando vi, no alto de umas escadas, as pernas mais bem-feitas que alguma vez se me deparara. E quando essa criatura encantadora desceu e eu lhe vi o rosto, pareceu-me irreal. Era a Jillian, que viera a

acompanhar uma decoradora sua amiga, e foi ela quem sugeriu os murais. "Cenários de histórias de fadas para o rei dos fabricantes de

brinquedos", foi assim que ela pôs a questão, e eu concordei

imediatamente em género, número e grau. Era, também, uma maneira de ela aqui voltar.

- Porque lhe chamava ela rei dos fabricantes de brinquedos? - perguntei, sinceramente espantada. Um brinquedo era um brinquedo, embora a boneca que a minha mãe exibia no retrato fosse realmente mais do que um simples brinquedo.

Aparentemente, eu não poderia ter feito uma pergunta ao Tony que mais lhe agradasse.

- Minha querida menina, então tu imaginaste que eu fabricava vulgares brinquedos de plástico? Os Tatterton são os reis dos fabricantes de brinquedos, mas o que fazemos destina-se a coleccionadores, pessoas ricas que não conseguem crescer e esquecer a infância em que não puderam encontrar algo no seu sapatínho de Natal ou nalguma festa de aniversário. E tu ficarias admirada se soubesses a quantidade de

pessoas ricas e famosas que não tiveram oportunidade de ser crianças e que, portanto, agora, em plena meia-idade ou até mesmo velhice, não descansam enquanto não obtêm aquilo com que sempre sonharam. De modo que compram as antiguidades do momento, as valiosas peças de colecção feitas pelos nossos artesãos, os melhores do mundo. Quando tu entras numa Loja de Brinquedos Tatterton, penetras num reino

25

de fadas. Também escolhes a época que quiseres, quer seja no passado ou no futuro. Estranhamente, os ricos preferem o passado. Temos uma lista de espera de cinco anos para castelos de pedra construídos à escala, com os fossos, as pontes levadiças, o campo de actividades, as

acomodações do pessoal da cozinha, os aquartelamentos para cavaleiros e escudeiros, os estábulos para o gado, carneiros, porcos, galinhas. Aqueles que podem montam os seus próprios reinos, ducados ou o que quer que seja, e povoam-nos com as pessoas adequadas, criados, camponeses, cavalheiros e damas. E nós inventamos jogos bastante complicados que os mantenham ocupados durante horas e horas. É que os ricos e abastados aborrecem-se muito depressa com tudo, Heaven. Entediam-se tão

incessantemente que a partir de certa altura viram-se para as

colecções, quer sejam de brinquedos, quadros ou mulheres. Vendo bem, este tédio é uma maldição para todos aqueles que têm tanto que já não sabem o que adquirir... e tentam preencher o vazio.

- Há pessoas capazes de pagar centenas de dólares por uma galinha de brinquedo? - perguntei, deixando transparecer um enorme espanto na minha voz.

- Há pessoas capazes de pagar milhares de dólares para possuir o que mais ninguém tem. Portanto, as peças de colecção dos Tatterton são únicas e esse tipo de trabalho manual é muito caro.

Saber que havia pessoas no mundo com tanto dinheiro para gastar

assustava-me, e impressionava-me. Que diferença fazia possuir o cisne de marfim e olhos de rubi único, ou o par único de galinhas esculpidas nalguma pedra semipreciosa? O que um potentado rico pagava pelo seu jogo de xadrez exclusivo chegaria para matar a fome a um milhar de crianças esfaimadas dos Willies durante um ano!

(14)

trouxera consigo a sua arte, começando imediatamente a fazer fortuna? Como não me ocorriam palavras, voltei-me para algo mais familiar. A ideia de a Jillian pintar fascinou-me.

- Foi ela que pintou estes? - perguntei, admirada e profundamente impressionada.

- Fez os esboços originais e depois entregou-os a vários artistas jovens para os finalizarem. Embora tenha de admitir que ela vinha verificar o seu trabalho todos os dias, e cheguei mesmo a apanhá-la, uma vez ou duas, de pincel na mão. A sua voz suave adoptou um tom sonhador. - Nesse tempo,

26

usava o cabelo muito comprido, chegava-lhe até ao meio das costas. Num minuto, parecia uma mulher-criança em miniatura, no outro, uma mundana. Era senhora de uma beleza rara e, como é evidente, tinha noção do

facto. A Jillian conhece o poder da beleza e eu, aos vinte anos, não tinha grande jeito para disfarçar os meus sentimentos.

- Oh... Mas então, que idade tinha a Jillian? - perguntei com uma certa ingenuidade.

O Tony soltou uma gargalhada curta, dura e inconfundivelmente amarga. - A Jillian avisou-me desde logo que era demasiado velha para mim, mas isso só serviu para me interessar ainda mais. Gostava de mulheres mais velhas. Pareciam ter mais para oferecer do que as raparigas tolas da minha idade... Portanto, quando ela me disse que tinha trinta anos, embora eu ficasse um tanto surpreendido, continuei a querer vê-la constantemente. Apaixonámo-nos, apesar de ela ser casada e teruma filha, a tua mãe. Mas nada disso constituía impedimento para que não desfrutasse de todo o divertimento para o qual o marido nunca tinha tempo.

O facto de o Tony ser dez anos mais novo de que a Jillian, tal como acontecia com o Cal em relação à Kitty Dennison, a sua mulher, era uma coincidência, sem dúvida.

- Imagina a minha surpresa quando um dia descobri, estava já casado com ela há seis meses, que a Jillian tinha quarenta e não trinta.

Ele casara com uma mulher vinte anos mais velha? - Quem lhe disse? Ela?

- A Jill, minha querida, raramente fala da idade de quem quer que seja. Quem me atirou essa informação à cara foi a Leigh, a tua mãe.

A ideia de a minha mãe ter traído a sua própria mãe, num assunto tão importante, incomodava-me.

- A minha mãe não gostava da sua própria mãe?

O Tony deu-me uma palmadinha afectuosa na mão, sorriu esfuziantemente e em seguida afastou-se noutra direcção, fazendo-me sinal para que o acompanhasse.

- Claro que a Leigh gostava da Jillian. Sentia-se infeliz com o que acontecera ao pai... e odiava-me por ter afastado a tua mãe dele. Apesar de tudo, como acontece com a maioria da gente nova, depressa se adaptou a esta casa e a mim, e ela e o Troy não tardaram a tornar-se grandes amigos.

Eu escutava com metade da atenção, pois parte de mim extasiava-se com os luxos daquela casa esplendorosa; depressa

27

descobri que dispunha de nove salas no piso de baixo e de duas casas de banho. As acomodações dos criados ficavam por trás da cozinha, formando uma ala própria. A biblioteca era austera e senhorial, repleta de

livros encadernados. Era aí que o Tony tinha o seu gabinete de trabalho, que me mostrou só de passagem.

(15)

gabinete. Não gosto de ninguém por lá, a não ser que tenha sido eu a convidar. Nem sequer me agrada que os criados limpem o pó quando não estou presente para supervisionar esse trabalho. Compreendes, a maioria das criadas considera a minha organização uma perfeita desarrumação e dispõe-se imediatamente a arrumar os meus papéis, a colocar de novo os livros que tenho abertos nas prateleiras, e eu depois vejo-me aflito para encontrar aquilo de que preciso. Pode-se perder um tempo imenso a procurar o que se quer.

Nem por um minuto pude imaginar aquele homem de ar bondoso como um tirano. O meu pai é que era um tirano, com os seus berros, os seus punhos violentos, o seu temperamento turbulento, apesar de naquela altura, ao lembrar-me dele, as lágrimas me assomarem aos olhos contra minha vontade. Houvera tempos em que eu necessitara muito do seu amor, que ele me negara completamente, dedicando apenas um pouco ao tom e à Fanny. E se por acaso nutrira algum pelo Keith e pela "Nossa" Jane, eu nunca dera por isso...

- És uma rapariga desconcertante, Heaven. Ora pareces radiante de alegria, ora sobem-te lágrimas aos olhos e dás a impressão de estar infelicíssima. Pensas na tua mãe? Deves conformar-te com o seu

desaparecimento e consolares-te com a ideia de que teve uma vida feliz. Nem todos podemos dizer o mesmo.

Mas fora tão curta... embora eu não exprimisse os meus pensamentos. Teria de ter muita paciência até ganhar um amigo naquela casa. Ao olhar para o Tony, tive o pressentimento de que o veria muito mais do que a Jillian. Sabia que nessa altura lhe pediria ajuda, quando ele gostasse de mim o suficiente para...

- Pareces cansada. Anda, vamos instalar-te para poderes descontrair e repousar um pouco. - Então, sem mais delongas, voltámos para trás e em breve chegávamos ao segundo andar. O Tony abriu teatralmente uma porta dupla. Quando casei com a Jillian, mandei redecorar dois quartos para a Leigh, que nessa altura tinha doze anos. Como queria

28

agradar-lhe, dei-lhe aposentos femininos sem ser infantis. Espero que gostes...

Tinha a cabeça voltada de maneira a eu não poder ver-lhe os olhos. A luz do Sol que entrava pelas persianas em tom de marfim era enevoada e débil, conferindo à sala de estar um aspecto estranho e irreal. Em comparação com as salas que vira em baixo, aquela era pequena; ainda assim, tinha o dobro do tamanho de qualquer aposento onde eu já tivesse vivido. As paredes estavam forradas por um delicado tecido sedoso cor de marfim, entretecido com motivos subtilmente orientais em verde, violeta e azul, e os dois pequenos sofás exibiam o mesmo tecido, sendo as almofadas dos assentos em azul-claro, a condizer com o tapete chinês que cobria o soalho. Tentei imaginar-me instalada naquela sala,

aninhada em frente da pequena lareira, mas não fui capaz. A roupa áspera arranharia um tecido tão delicado. Teria de ter muito cuidado para não deixar dedadas nas paredes, nos sofás e nos numerosos

candeeiros. Depois, comecei a rir. Ali eu não viveria nos montes, nem trabalharia na horta ou esfregaria soalhos, como fizera na cabana e em casa da Kitty e do Cal Dennison, em Candlewick.

- Anda, vem ver o teu quarto - chamou o Tony, seguindo à minha frente. - Tenho de me apressar para ir vestir-me para a festa que a Jillian não quer perder. Tens de a desculpar. Planeou ir, antes de saber da tua vinda e além disso a mulher que nos convidou é a sua melhor amiga e pior inimiga. - Deu-me um beliscão por baixo do queixo, divertido com a minha expressão, e em seguida dirigiu-se para a porta. - Se precisares de alguma coisa, serves-te do telefone que ali está e pedes a uma

(16)

criada que te traga aquilo de que precisas. Se preferires comer na sala de jantar, ligas para a cozinha e dás ordens nesse sentido. A casa está à tua disposição. Diverte-te!

Saiu e fechou a porta antes de eu poder replicar. Olhei à minha volta, examinando a linda cama dupla de quatro colunas e dossel arqueado de renda pesada. Azul e marfim. Como aquelas duas dependências lhe deviam ter assentado bem... A espreguiçadeira era em cetim azul, enquanto as outras três cadeiras do quarto condiziam com as da sala. Fui até ao quarto de vestir e à casa de banho, fascinada com todos aqueles

espelhos, os candelabros de cristal, a iluminação oculta que permitia ver nos amplos espaços fechados dos armários. Em cima do toucador comprido alinhavam-se fotografias

29

emolduradas. Não tardou que me sentasse a olhar para a linda menina instalada nos joelhos do pai.

Aquela criança tinha de ser a minha mãe! E aquele homem, o meu

verdadeiro avô! Excitada e trémula, peguei na pequena moldura de prata. Nesse preciso momento bateram suavemente à porta do quarto.

- Quem é? - perguntei.

- Beatrice Percy - respondeu uma austera voz feminina. - Mister

Tatterton mandou-me cá acima ver se eu podia ajudar a menina a desfazer as malas e a arrumar as suas coisas. - A porta abriu-se, e uma mulher alta, em uniforme de criada, entrou no meu quarto. Sorriu-me

inexpressivamente.

- Todos me tratam por Percy. A menina também pode fazê-lo. Serei a sua criada pessoal enquanto cá estiver. Tenho formação que me qualifica para tratar do seu cabelo e das suas unhas, e se o desejar irei preparar-lhe imediatamente um banho de imersão.

Aguardou pela minha resposta com ar ansioso.

- Normalmente tomo banho antes de me deitar, ou então opto por um duche quando me levanto - declarei, com embaraço.

Não estava habituada a falar de questões íntimas com desconhecidas. - Mister Tatterton ordenou-me que cuidasse de si.

- Obrigada, Percy, mas neste momento não preciso de nada... - Há algum alimento que não aprecie, ou que não possa comer?

- O meu apetite é óptimo. Posso comer de tudo e não sou nada esquisita. Não, de esquisita eu não tinha nada, caso contrário teria morrido de fome.

- Deseja que lhe traga o seu jantar aqui acima? - Conforme lhe der menos trabalho, Percy.

A criada franziu quase imperceptivelmente o sobrolho, como se se sentisse constrangida diante de uma patroa tão tolerante.

- Os criados estão aqui para tornarem a vida de quem se encontra nesta casa o mais confortável possível. Quer jante aqui ou na sala de jantar, estaremos à sua inteira disposição.

Imaginar-me a jantar sozinha na enorme sala de jantar do piso de baixo, sentada àquela mesa compridíssima, rodeada de todas aquelas cadeiras vazias, provocou-me uma sensação de solidão.

30

- Então, se não se importa, traga-me algo de comer aqui acima, por volta das sete horas.

- Sim, menina - retorquiu a criada, aparentemente aliviada por poder servir-me e retirando-se em seguida.

E eu que me esquecera de lhe perguntar se conhecera a minha mãe!

Retomei de novo a inspecção aos aposentos que haviam pertencido à minha mãe. Tinha a impressão de que tudo permanecera tal qual como no dia em que fugira, embora tivesse sido arejado, limpo e aspirado recentemente.

(17)

Comecei a pegar nas fotografias emolduradas uma a uma, examinando-as pormenorizadamente, numa tentativa para descobrir o lado da minha mãe que escapara completamente aos meus avós. Tanta fotografia! Como a Jillian estava bonita, sentada junto da filha, com o marido dedicado atrás. Na orla da fotografia estava escrita em letra infantil, já desbotada e desvanecida, a seguinte frase: "O papá, a mamã e eu." - Ao abrir uma gaveta, deparou-se-me um gordo álbum de fotografias. Virei lentamente as páginas pesadas, ficando a olhar para as

fotografias de uma menina em crescimento, que a passagem dos anos ia tornando cada vez mais bonita. Havia imagens de festas de aniversários coloridas, aos cinco, seis, sete, até aos treze anos. Leigh Diane Van Voreen escrevera o seu nome vezes sem conta, como se se deleitasse em fazê-lo. "Cleave VanVoreen, o meu pai"; "Jillian VanVoreen, a minha mamã"; "Jennifer Longstone, a minha melhor amiga"; "Winterhaven, o meu futuro colégio"; "Joshua John Bennington, o meu primeiro namorado. Talvez o único."

Ainda não chegara ao meio do álbum e já sentia inveja daquela linda rapariga loura, dos seus pais ricos e da sua roupa fabulosa. Ela tivera idas ao jardim zoológico, a museus e, até, a países estrangeiros,

enquanto eu precisara de me contentar com gravuras do Parque de

Yellowstone que encontrava em revistas sujas do National Geographic ou em textos da escola. Ao ver a Leigh com os pais num barco a vapor, rumo a não sabia que porto distante, senti um aperto na garganta. Ali estava ela, a Leigh VanVoreen a acenar animadamente a quem lhe tirava a

fotografia. Mais imagens da Leigh a bordo do navio, a nadar ou com o pai a ensiná-la a dançar ou a mamã a tirar fotografias. Em Londres, em frente do Big Ben, ou a assistir à mudança da guarda defronte do

Palácio de Buckingham.

A certa altura, durante a fase de mudança da minha mãe da infância para a adolescência, perdi grande parte da comiseração

31

que sentia por aquela rapariga que morrera demasiado nova. Ela

experimentara, na sua curta vida, dez vezes mais alegria e divertimento do que eu conhecera ou viria a conhecer nos próximos vinte anos da minha vida. Desfrutara de um pai a sério durante os seus anos mais importantes, um homem bom e gentil, a julgar pelo ar que aparentava nas fotografias, que lhe aconchegava os lençóis na cama ao deitar, dizia as orações em conjunto com ela e lhe ensinava como eram as pessoas. Como é que eu fora capaz de pensar que o Cal Dennison me amava? Como poderia eu esperar que o Logan voltasse a querer-me, quando era mais que certo que me veria do mesmo modo que o meu pai?

Não, não, tentei dizer a mim mesma. Quem ficara a perder com o facto de o meu pai não me ter amado fora ele, não eu. Eu não ficara

irremediavelmente traumatizada. Um dia, eu daria uma boa esposa e mãe. Limpei as minhas lágrimas de fraqueza e ordenei-lhes que nunca mais aparecessem. De que servia a autocomiseração? Eu nunca mais voltaria a ver o pai. Não queria voltar a vê-lo.

Prestei, de novo, atenção às fotografias. Nunca me apercebera de que as meninas podiam usar roupa tão bonita, quando, aos nove, dez e onze anos, o meu sonho era possuir algo dos saldos baratos do Sears. E a Kitty ensinara-me a recorrer ao K Mart. Examinei as fotografias que mostravam a Leigh montada num reluzente pónei castanho, com a sua roupa de equitação a realçar a sua tez branca e os cabelos muito louros. E, junto dela, o pai. Sempre ao seu lado.

Vi a Leigh em fotografias de colégio, orgulhosa da sua figura que começava a ganhar formas. A sua postura dizia-me que era orgulhosa, permanentemente rodeada de amigos e admiradores. A partir de certa

(18)

altura, porém, o pai desaparecia abruptamente das fotografias.

O sorriso de felicidade da Leigh acompanhou o desaparecimento do pai. O seu olhar passou a mostrar-se perturbado e os seus lábios perderam a capacidade de sorrir. Via-se a mamã com um novo companheiro, um homem muito mais jovem e bonito. Percebi de imediato que aquele indivíduo muito bronzeado e louro era o Tony Tatterton, então com vinte anos. Era estranho, mas a linda e radiosa menina que até pouco antes sorrira espontânea e confiantemente para a máquina fotográfica, não era capaz de esboçar nem mesmo um sorriso falso. A partir dali apareceria apenas ligeiramente afastada da mãe e do novo homem desta.

Virei rapidamente a última página. Oh, oh, oh! Cenas do 32

segundo casamento da Jillian. A minha mãe aos doze anos, envergando um vestido de dama de honor, cor-de-rosa, até aos pés, com um arranjo de rosas nas mãos e, ao seu lado, um rapazito muito novo, que tentava sorrir, embora a Leigh VanVoreen não fizesse o menor esforço nesse sentido.

O menino devia ser o Troy, o irmão mais novo do Tony. Era uma criança esguia, de cabelo escuro e uns olhos enormes que não deixavam

transparecer felicidade.

Já fatigada e emocionalmente esgotada, tive vontade de fugir ao conhecimento de todos aqueles factos que caíam sobre mim com tanta rapidez. A minha mãe não gostara nem confiara no padrasto! Como poderia eu fazê-lo naquele momento? No entanto, era imperioso que eu ficasse e obtivesse a licenciatura universitária que representava todo o meu futuro.

Cheguei-me à janela e fiquei a olhar para o caminho circular que serpenteava a perder de vista. Vi a Jillian e o Tony, em trajes de noite, a entrarem num belo carro novo que ele conduzia. Daquela vez não iam de limusina... Seria por não quererem que o motorista ficasse à espera?

Quando o automóvel desapareceu de vista, senti-me muito só.

Que havia de fazer até às sete da tarde? Já sentia fome. Porque não o dissera à Percy? Que se passava comigo para ficar tão acanhada e

vulnerável quando decidira ser forte? Ficara demasiado tempo fechada no avião, no carro, ali, disse a mim mesma. Desci então ao piso de baixo e tirei o meu casaco azul de dentro de um armário que continha uma meia dúzia de casacos de pele pertencentes à Jillian. Depois dirigi-me para a porta da frente.

POR TRÁS DO LABIRINTO

Caminhei depressa e raivosamente, sem saber para onde ia, ciente apenas de que sentia intensamente o "cheiro a maresia", como o Tony lhe

chamara. Voltei várias vezes para trás, a fim de poder admirar Farthy do exterior. Tanta janela para limpar! Janelas altas e enormes. Como manteriam eles todo aquele mármore assim impecável? Ao recuar

lentamente, tentei descobrir quais eram as janelas dos meus aposentos. De repente fui contra algo e, ao virar-me rapidamente deparou-se-me não uma parede mas uma sebe tão alta e interminável que mais parecia um muro. Fascinada com o que imaginava ser, segui-a até descobrir que tinha razão! Tratava-se de um labirinto inglês. Entrei nele com um certo deleite infantil, sem imaginar, nem por um instante, que corria o risco de me perder. Encontraria a saída. Sempre fora boa a resolver puzzles. Não era por acaso que, nos testes de inteligência, o tom e eu soubéramos sempre como orientar os nossos ratos em direcção ao queijo ou os nossos piratas até ao tesouro.

Como aquele lugar era bonito, com as suas sebes altas atingindo os três metros e desenhando ângulos rectos perfeitos, e que tranquilidade! O

(19)

gorjeio dos pássaros no jardim soava distante e desvanecido. Até os guinchos lamurientos das gaivotas que revolteavam no alto estavam abafados longínquos. Quando me virei para ver se ainda divisava a casa reparei que esta desaparecera... Onde estaria? As sebes altas não deixavam passar o calor do Sol em declínio. Em breve este ficaria

reduzido a um frio desagradável. Acelerei os passos. Talvez devesse ter avisado a Percy de que ia dar uma volta. Olhei de relance para o meu relógio. Eram quase seis e meia da tarde. Dali a meia hora, alguém levar-me-ia o jantar ao quarto. Iria eu perder a primeira refeição que tomaria na minha sala de estar privativa? E alguém pegaria fogo, sem 34

dúvida, aos troncos de lenha que vira na lareira. Seria agradável ficar sentada em frente da minha lareira exclusiva, aninhada numa poltrona elegante, a provar iguarias que não comeria em nenhum outro lado. Virei mais uma esquina e vi-me diante de mais um beco sem saída. Voltei para trás. Dessa vez fui pela direita. Naquela altura, porém, já dera várias voltas e perdera a orientação, ficando sem saber por que caminhos já passara. Foi então que me lembrei de tirar um lenço de papel do bolso do casaco; rasguei-lhe um pedaço, que amarrei a um ramo da sebe. Pronto, a partir dali já disporia de um ponto de referência.

O Sol, que descia no horizonte, incendiava o céu com cores intensas, lembrando-me de que em breve desapareceria, substituído por um manto de frio mais intenso. Mas o que era aquela zona civilizada de Boston

comparada com um ermo como os Willies? Depressa descobri que um casaco comprado em Atlanta não fora concebido para quem vivia a norte de Boston!

Oh, aquilo era um disparate! Eu vestia o melhor casaco que alguma vez tivera, comprado para mim pelo Cal Dennison. Tinha uma pequena gola em veludo azul que, ainda há um mês atrás, eu considerara elegante.

Eu, que costumava deambular pelos montes aos dois e três anos de idade sem nunca me perder, desnorteada por um labirinto idiota, concebido para divertir as pessoas! Não podia entrar em pânico. Devia estar a cometer algum erro. Deparou-se-me, pela terceira vez, o pedaço de papel cor-de-rosa que adejava ao vento. Tentei concentrar-me... Visualizei o labirinto, o lugar por onde entrara, mas todas as faixas entre as sebes pareciam iguais e eu receava abandonar o conforto proporcionado pelo meu bocado de lenço de papel rasgado, que ao menos me dizia que já ali estivera três vezes. Detive-me, hesitante, tentando escutar o som da rebentação da costa... Porém, não ouvi as ondas a bater nas rochas mas sim um toque-toque contínuo. Era alguém a martelar. Havia gente por perto. Deixei que os meus ouvidos me orientassem.

A noite caiu, rápida e pesadamente, e a névoa rodopiava no solo, onde o ar frio encontrava a terra mais quente e não havia vento para a fazer subir e espalhar-se. Continuei a seguir o som do martelar. A certa altura assustei-me com o barulho de uma janela a fechar-se

estrondosamente! Acabaram-se as marteladas! Fiquei aturdida com o silêncio e com o que ele significava de assustador. Eu poderia ficar a deambular

35

por ali durante toda a noite e ninguém saberia. Quem se lembraria de me ir procurar no labirinto do jardim? Oh, porque me pusera eu a caminhar de costas? O hábito que eu trouxera dos montes parecia-me, naquele momento, estúpido.

Cruzando os braços sobre o peito à maneira da avó, voltei na esquina seguinte à direita, depois de novo à direita, nunca mais voltando a virar à esquerda até, de súbito, me ver no exterior do labirinto! Não voltara ao sítio por onde entrara, sem dúvida, visto não reconhecer

(20)

nada, mas qualquer lado era preferível a continuar no interior do

puzzle. Estava demasiado escuro e enevoado para ver a casa. Além disso, diante de mim estendia-se um carreiro de lajes claras que reluzia

fracamente na escuridão. Senti o cheiro dos pinheiros altos que o nevoeiro e a noite tornavam indistintos e foi então que avistei uma pequena casa de pedra baixa, com telhado de telhas inclinado, no meio de um aglomerado de pinheiros. Fiquei tão surpreendida que deixei escapar um pequeno grito.

Oh, como era bom ser rico! Ter dinheiro para desperdiçar! Aquela casa pertencia a um livro de histórias, não ali. A rodeá-la, estendia-se um cercado de madeira torto, que não protegia contra nada, servindo de ponto de apoio a um roseiral que eu mal distinguia. Descobrir tudo aquilo à luz do dia teria sido encantador... Contudo, era noite, de modo que a minha imaginação levantou voo e senti-me assustada. Parei e analisei a situação em que me encontrava. Podia dar meia volta e voltar para trás. Olhei de relance por sobre o ombro, e vi que o nevoeiro ficara ainda mais cerrado e já nem sequer conseguia ver o labirinto! O cheiro acre a madeira queimada mostrou-me que o fumo devia estar a sair pela chaminé. Devia ser, com certeza, a casa do jardineiro! Imaginei um velhote sentado lá dentro, junto da mulher, prestes a iniciar uma refeição simples que, sem dúvida, agradaria mais ao meu apetite do que os pratos requintados preparados numa cozinha que o Tony nem se dera ao cuidado de me mostrar.

A luz que passava pelas janelas não se projectava no exterior, recaindo sobre o carreiro para iluminar os meus passos. Era uma luz difusa, ansiosa por desaparecer. Dirigi-me para as janelas quadradas antes que, também elas, sumissem no meio da névoa.

Ao chegar diante da porta da casa, hesitei antes de me fazer anunciar. Bati três ou quatro vezes na porta sólida, cuja aspereza

36

magoou as mãos. Ainda assim, ninguém respondeu. Havia alguém ali dentro! Eu tinha a certeza! Impaciente porque, quem quer que fosse, fazia de conta que não me ouvia, e agora confiante no facto de ser um membro mais ou menos importante da família Tatterton, rodei a maçaneta e entrei numa sala iluminada apenas pela luz proveniente de uma lareira acesa.

Dentro da casa estava muito quente. Fechei a porta e deparou-se-me um jovem, sentado, de costas para mim. Via pelas pernas magras e

compridas, envoltas no tecido preto justo das calças, que era alto. Tinha os ombros largos e as chamas arrancavam reflexos acobreados ao cabelo castanho e revolto. Fiquei a olhar para aquele cabelo, pensando que era aquela a cor com que eu sempre imaginara que o Keith ficaria quando fosse um homem. Um cabelo espesso, ondulado, que chegava à nuca, revirado para fora, tocando-lhe ao de leve no colarinho da camisa

branca fina que fazia lembrar a de" um artista ou poeta, com as mangas muito largas.

O jovem voltou-se ligeiramente, como se o meu olhar prolongado o tornasse ciente da minha presença. Já conseguia ver-lhe o perfil. Sustive a respiração. Não era apenas a beleza. O pai, com o seu jeito forte, sensual e selvagem, era um homem bem-parecido, e Logan, com a sua teimosia inata, possuía uma beleza clássica; aquele indivíduo era belo de maneira diferente, de uma maneira especial de que nunca me dera conta antes, e a imagem do Logan veio-me à lembrança, enchendo-me de culpa. Mas o Logan fugira de mim. Deixara-me sozinha no meio do

cemitério, à chuva, incapaz de compreender que, por vezes, uma rapariga de quinze anos não sabia como lidar com um homem que se tornara seu amigo. Excepto cedendo, para que a sua amizade não morresse.

(21)

No entanto, o Logan pertencia ao passado e era bem possível que eu nunca mais voltasse a vê-lo. Portanto fiquei a olhar para aquele homem, profundamente intrigada pela maneira inesperada como o meu corpo

reagira só de eu o ver. Bastara virar o rosto na minha direcção para me atrair imediatamente... como se dirigisse a sua ânsia para mim... como se me dissesse que esta também passaria a ser minha! Também me alertava para que avançasse devagar, que fosse cuidadosa e mantivesse a

distância. Eu encontrava-me numa fase da minha vida em que aquilo de que menos precisava era de arranjar um romance. Já me fartara de homens forçando-me ao sexo sem que estivesse preparada para tal. E no entanto 37

ali estava, trémula, sem saber o que faria quando ele se voltasse completamente para mim, quando bastava o seu perfil para me excitar daquele modo. Disse a mim mesma, cinicamente, que era provável que lhe visse algum defeito quando me encarasse de frente, sendo talvez essa a razão que o levava a dar-se a tantos cuidados para manter o rosto oculto nas sombras. Ele continuou sentado, meio de costas. Ainda assim irradiava sensibilidade, como o poeta romântico ideal deveria fazer... Ou talvez se assemelhasse antes a um antílope selvagem, imóvel e à escuta, alerta, pronto a fugir se eu me movesse demasiado repentina ou agressivamente.

Já sabia, concluí. Ele tinha medo de mim! Não me queria ali. Um homem como o Tony jamais teria continuado sentado. O Tony levantar-se-ia, sorriria e inteirar-se-ia da situação. Devia tratar-se de um criado, um jardineiro ou trabalhador eventual.

A própria posição em que se encontrava, a maneira como inclinava a cabeça deu-me a perceber que ele estava à espera, possivelmente vendo-me, até, pelo canto do olho. Uma das suas sobrancelhas ergueu-se interrogadoramente mas, ainda assim, continuou imóvel. Pois bem, ele que continuasse ali sentado sem saber do que se tratava, pois assim eu dispunha de uma oportunidade magnífica para o examinar.

Voltou a virar-se um pouco mais, de martelo pronto a desferir novo golpe, e vi-lhe então o rosto um pouco melhor, reparando que as suas narinas tremiam e se agitavam, dando-me a perceber que respirava tão violenta e rapidamente como eu. Porque não falava? Que se passaria com ele? Seria cego, surdo?

Os seus lábios esboçaram o início de um sorriso ao baixar o martelo para bater delicadamente numa fina folha de metal prateado brilhante, como que para alisar as pequenas protuberâncias da sua superfície. O martelo minúsculo foi fazendo toque-toque, toque-toque.

Comecei a tremer, sentindo-me ameaçada pela relutância que ele tinha em, pelo menos, me cumprimentar. Quem era ele para me ignorar? Que faria a Jillian na minha situação? Certamente não se deixaria intimidar por aquele homem! Mas eu não passava de uma reles pacóvia Casteel e ainda não aprendera a ser arrogante. Tossi ao de leve e de propósito. Nem assim ele se apressou a virar e a fazer-me sentir bem-vinda. Dei comigo a pensar que o achava o jovem de aspecto e maneiras mais estranhas que jamais encontrara.

- Desculpe - disse eu em voz baixa, tentando imitar o 38

tom sussurrante da Jillian. - Ouvi-o a martelar quando andava perdida no labirinto. Lá fora está tão escuro e enevoado que não sei se

conseguirei encontrar o caminho de volta para a casa principal.

Sei que não é a Jillian - retorquiu o jovem sem olhar para mim -, caso contrário ainda não se teria calado um minuto, falando-me de mil coisas que não me interessam. E como não é a Jillian, não tem nada a fazer aqui. Lamento, mas estou ocupado e não tenho tempo para atender visitas

Referências

Documentos relacionados

Como já destacado anteriormente, o campus Viamão (campus da última fase de expansão da instituição), possui o mesmo número de grupos de pesquisa que alguns dos campi

nesta nossa modesta obra O sonho e os sonhos analisa- mos o sono e sua importância para o corpo e sobretudo para a alma que, nas horas de repouso da matéria, liberta-se parcialmente

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

3.3 o Município tem caminhão da coleta seletiva, sendo orientado a providenciar a contratação direta da associação para o recolhimento dos resíduos recicláveis,

A prova do ENADE/2011, aplicada aos estudantes da Área de Tecnologia em Redes de Computadores, com duração total de 4 horas, apresentou questões discursivas e de múltipla

17 CORTE IDH. Caso Castañeda Gutman vs.. restrição ao lançamento de uma candidatura a cargo político pode demandar o enfrentamento de temas de ordem histórica, social e política

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

3259 21 Animação e dinamização de actividades lúdico-expressivas - expressão musical 50 3260 22 Animação e dinamização de actividades lúdico-expressivas -