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12/10/2012 DE: FERNANDO LIRA UM HOMEM,UMA MULHER, PARA NÃO FALAR NO GARÇOM. Contatos

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12/10/2012

Contatos flira@ifce.edu.br

DE

:

FERNANDO

LIRA

(2)

flira@ifce.edu.br 2

UM HOMEM, UMA MULHER, PARA NÃO FALAR DO GARÇOM

PERSONAGENS:

HOMEM

MULHER

GARÇOM

(Entra o garçom)

GARÇOM: (Para o público) Um boteco qualquer. O garçom, que sou eu, a

personagem e não eu, o ator, limpa a mesa. A minha única função na peça: presenciar um crime.

(O homem entra. Dá um forte abraço no garçom)

HOMEM: Zé, uma cervejinha bem gelada, que hoje estou muito feliz. (Para o público)

Duvido que continuaria neste estado de alegria, se soubesse que daqui a pouco viria alguém aqui para acabar com a minha vida... Eu não, a minha personagem. Porque ela está muito perto de morrer na primeira cena desta peça. Mas a minha personagem ainda mantém a ilusão de que permanecerá viva por muitos anos. O meu futuro assassino, que eu sei quem é, mas minha personagem não, entrará por aquela porta daqui a alguns segundos.

(O garçom serve a cerveja. A mulher entra por detrás do homem)

MULHER: (Para o garçom) Onde está ele? (O garçom apenas aponta) Eu estou fula

da vida! Eu não, a minha personagem. Eu, atriz, estou muito feliz por ser protagonista pela primeira vez em uma peça. Ruinzinha, concordo. Já a minha personagem, está prestes a matar o marido. Eu, a atriz, jamais faria uma tolice dessas. Porém, esta é uma história de crime passional. Um tema banal. Com motivações éticas comuns! Também pudera, o autor não é lá essas coisas. Nunca escreveu uma peça em que apresentasse personagens densos que, por meio de um tema simples, conseguisse apresentar a complexidade da condição humana! Escreve à moda antiga, cheio de apartes.

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HOMEM: Você por aqui? Que surpresa! Zé, traz mais um copo! (Para o público) Ela

não sabe que estou tendo um caso.

MULHER: (Para o público) Ele não sabe que eu sei que ele está tendo um caso.

GARÇON: (Para o público) Eu sei o que os dois sabem... Mas não posso demonstrar

por palavras... Nesta peça, eu não tenho falas... Desde que inventaram o terceiro ator, que todos os garçons, ascensoristas de elevadores, porteiros de prédios têm a mesma função dramática: ser a terceira visão, diferente da protagonista (Apontando para a mulher) e do antagonista (Apontando para o homem). E isso tem me deixado bastante irritado. Eu, ator, e não a minha personagem. Todos os dias, tenho de permanecer em cena, durante todo o espetáculo, sem dar um pio, é de lascar! Já para minha personagem está tudo bem, tanto faz. Ela é garçom mesmo. E os garçons apenas assistem os seus clientes.

MULHER: Me contaram que você está tendo um caso! (Para o público) Esta é uma

frase determinante para se estabelecer um conflito... Talvez fosse melhor que a dissesse dando pausas. Acompanhado por um som que pontuasse a tensão, assim: Me contaram... Que você... Está tendo um caso!

HOMEM: Como?... Como?... Como? Ensaiei muito este “Como”. Até descobrir o tom

mais adequado que revelasse o caráter da minha personagem. No começo, tinha dúvidas se a personagem era cínica, se tinha crises de consciência, se estava surpresa com a descoberta da esposa. Até que percebi, que era um fingido... A minha personagem, é claro! (Rindo) Como? Rá, rá, rá.

MULHER: Você ouviu muito bem! (Para o público) Estes últimos diálogos são

clichês. Trata-se um recurso batido utilizado pelo autor para prolongar a peça... Aliás, tudo aqui é clichê: toda a trama, o bar, o garçom... Seria muito mais interessante se o autor iniciasse a cena assim: (A cena se realiza conforme a descrição dela) O marido já está sentado aí, onde você está. A mulher, que sou eu, entra por aquela porta, correndo como louca... Pega a garrafa e acerta na cabeça do marido, assim... Sai correndo! Seria um suspense maior, deixaria o público intrigado e manteria, ao longo de toda a peça, o mistério em torno da motivação do crime. Que tal?

GARÇOM: E o garçom?

MULHER: Não teria garçom!

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MULHER: Claro! O papel do garçom é extremamente redundante. O teatro hoje em

dia privilegia essencialmente os símbolos. Uma mesa de bar, uma cerveja, já simbolizam a presença do garçom. Além de ter a vantagem de economizar um ator!

HOMEM: Eu discordo desta proposta. E as minhas falas iniciais: Zé, uma cervejinha

bem gelada, que hoje estou muito feliz; Você por aqui, que surpresa! Zé, traz mais um copo! Como?...Como?...Como?...Como? Rá, rá, rá.

MULHER: Desnecessárias! A ação já fala por si!

HOMEM: E a densidade da minha personagem, como fica, sem nenhuma fala?

MULHER: Não há necessidade de que a sua personagem fale para que o público saiba

quem é você. Basta que as outras personagens, que sou eu mesma, falem de você, num magnífico monólogo que se daria numa cena a seguir.

GARÇOM: E eu?

OS DOIS (HOMEM E MULHER): Você é símbolo!

GARÇOM: Símbolo é o cacete! Eu digo que o garçom é de suma importância para o

desenrolar da trama. Mesmo não pronunciando uma só palavra, ele pode, com recursos de interjeições, sugerir um subtexto que dê margem a muitos significados, sugestionando um denso suspense e um intrigante mistério.

OS DOIS (HOMEM E MULHER), ALTERNADAMENTE: Como?... Como?...

Como?... Como?

GARÇOM: Vamos recomeçar!

(Entra o homem e abraça o garçom)

HOMEM: Zé...

GARÇOM: Xii! (Explicando) No sentido de que pintou sujeira.

HOMEM: ...uma cervejinha bem gelada...

GARÇOM: Hum... (Explicando) No sentido, que novidade!

HOMEM: ...que hoje estou muito feliz!

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flira@ifce.edu.br 5 (Entra a mulher)

MULHER: Onde ele está?

GARÇOM: Ih... No sentido, a coisa vai engrossar.

HOMEM: Você por aqui, que surpresa!

GARÇOM: Apenas um olhar e um sorriso irônico, dizendo: que falso!

HOMEM: Zé, traz mais um copo!

GARÇOM: Ai! Ai! Ai! Que quer dizer, ai, ai, ai, mesmo!

MULHER: Me contaram que você está tendo um caso!

GARÇOM: Viche Maria!

OS DOIS (HOMEM E MULHER): Viche Maria?

GARÇOM: Sim! É para sinalizar que o garçom é nordestino...

MULHER: E que sentido tem isso?

GARÇOM: Contraste.

HOMEM: Contraste?

GARÇON: Contraste é um artifício usado pelos escritores para evidenciar um aspecto

da personagem que se diferencia contrariamente as demais personagens.

MULHER: Besteira! O garçom já está falando demais.

GARÇOM: E eita, posso dizer?

HOMEM: Não, tem muitas letras para a fala de um garçom. Já foi o bastante o seu

exagero no ai, ai, ai.

GARÇOM: Tudo bem, vamos continuar.

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GARÇOM: Sss (Os dois olham para o garçom) No sentido de viche Maria e eita.

(Rápido) HOMEM: Como? GARÇOM: Ahã! HOMEM: Como? GARÇOM: (Assobio) HOMEM: Como?

GARÇOM: (Tosse) Tudo no sentido de tá lascado.

MULHER: Você ouviu muito bem!

(A mulher se levanta, pega a garrafa de cerveja. Quando está prestes a atingir o marido, o garçom a interrompe)

GARÇOM: Ei, espere, uma garrafa não é arma de crime! (Tirando um revólver do

bolso) Pegue esta. Agora repita a sua última fala para me dar a deixa!

MULHER: Você ouviu muito bem!

(O garçom se mete entre o homem e a mulher)

GARÇOM: Não!

(A mulher atira no garçom, que cai ensanguentado. Mulher e homem se entreolham, por alguns segundos surpresos. A mulher larga a arma e sai correndo)

HOMEM: (Chorando) Zé, Zé, você não pode morrer... Assassina! Assassina! Zé, Zé,

meu amor, minha vida, não faz isto comigo, diz alguma coisa!

GARÇOM: O final deve ser sempre uma surpresa! (Morre)

HOMEM: Zezinho!!!

Referências

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