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CASO 181 - H. H. Costa

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Academic year: 2021

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CASO 181

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CASO 181

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Para meu filho, que mesmo trazendo consigo momentos difíceis, me transformou em um homem.

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Um homem de conhecimento é aquele que seguiu honestamente as dificuldades da aprendizagem. Um homem que, sem se precipitar nem hesitar, foi tão longe quanto pôde

para desvendar os segredos do poder e da sabedoria.

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P

REFÁCIO

Ipatinga era como uma adolescente em crise existencial, perdida, procurando se encontrar. Este era meu playground, as possibilidades de uma cidade emergente a caminho do mundo moderno, sem história ou tradição, apenas a certeza de estar ocupando um lugar no espaço/tempo.

Escrevo para aqueles que buscam um algo a mais, os inquietos, os que amam e que sofrem, e para aqueles que não se sentem parte deste mundo, aqueles que procuram o sentido da vida e não fecham os olhos para a realidade, os raros, quase extintos. Para os indiferentes que não se posicionam diante o certo ou errado, para os corajosos que discursam sobre questões na qual hoje ninguém tem coragem, para os que têm sede de mudança, que sem medo, se perdem, na esperança de poder se encontrar. Para os solitários, aqueles que têm ouvidos para o novo e olhos para o que está além do alcance, para os que se mantêm conscientes para verdades até então adormecidas. Para os que se amam e se respeitam, para os espíritos livres.

Como diria um grande pensador: “que importa o resto? O resto é somente a humanidade. É preciso ser superior à humanidade pela força, pela altura da alma – pelo desprezo...” (Friedrich Nietzsche).

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“culpado até provarem o contrário” Baseado em Fatos Reais - Planet Hemp Nunca soube responder ao certo porque a Psicologia, esta era uma pergunta muito frequente em minha vida, apesar de uma grande parte de colegas e amigos não entenderem minha escolha, principalmente aqueles colegas com quem não tinha um contato frequente. Quando dizia que estava fazendo psicologia, era quase como um susto, não me viam com este perfil, “você, psicólogo?!”, soava sempre com ar de surpresa, acompanhado daquela risadinha. Mas sentia como se tivesse nascido pra aquilo, foi uma identificação quase que imediata e nunca tive dúvidas sobre minha escolha durante toda minha formação.

No primeiro dia de aula, cheguei na faculdade e fui me situar, sabia o bloco e o número da sala, sempre o primeiro dia é o mais complicado, pedi informação sobre o bloco e parti a caminho, encontrei a sala e fiquei ali próximo parado esperando o horário de início. Enquanto estava ali, pensava sobre minhas expectativas, via todas aquelas pessoas passarem e sentia meio que envergonhado sendo calouro, não fazia ideia de como me comportar neste ambiente, era tudo novo para mim. Comecei a ver as pessoas entrando pra dentro de suas respectivas salas e parti de encontro à minha, entrei, já havia muitas pessoas lá dentro, quase todos reparando detalhadamente um por um que atravessava a porta. Procurei um lugar mais no fundo, que estava com menos pessoas ao redor, sentei e fiquei esperando a professora e claro reparando os outros também.

Do lado de fora da sala, já não se via qualquer movimentação, todos pareciam muito ansiosos, aquele silêncio total, foi quando do fundo da sala, na última carteira da fila do meio, ouviu-se uma voz:

- Pessoal, vamos fazer um círculo. Disse a professora, que estava com as pernas cruzadas, com alguns papéis e um livro sobre a mesa, debaixo de sua bolsa.

Começamos a movimentar, arrastando as carteiras, se ajeitando até formarmos um grande círculo. Ela continuou, a partir de agora vou ser sua professora de Introdução à Psicologia e gostaria que todos me dissessem os seus nomes, de onde são e por que escolheram a Psicologia como profissão, pode começar, disse, apontando uma menina que estava sentada próximo da porta. Ela começou, os outros foram se apresentando até que chegou em mim e eu disse:

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- Não sei ao certo o porquê, nunca tive nenhum contato com a Psicologia antes, não conheço nenhum Psicólogo, mas quero ajudar as pessoas, gosto de ajudar e sou muito questionador, principalmente quando se trata de questões que envolvem o ser humano.

O ciclo continuou até que todos se apresentassem e após a apresentação a professora distribuiu o cronograma do semestre, discutimos um pouco sobre o que era o campo de atuação e outros detalhes, assim se seguiu com os demais professores. O primeiro dia de faculdade foi bom demais, afinal de contas, eram aproximadamente setenta alunos, e se somassem os homens da sala, acho que não daria dez. Setenta mulheres de todas as cores, de vários tamanhos e muitos sabores, eu estava no paraíso.

Nesta época eu estava namorando, era uma pessoa muito especial, e além da minha família, foi uma das grandes incentivadoras a me ingressar na faculdade. Nosso namoro tinha ficado meio “balançado”, pois como estávamos na idade do vestibular, ela havia passado na federal a uns quatrocentos e cinquenta quilômetros de distância, a distância nos separou, literalmente. Foi muito difícil para ela, mais do que para mim, ela estava sozinha lá, em fase de adaptação, ligava e chorava, a saudade era muito grande de ambas as partes, não queria terminar o namoro, mas não via outra alternativa, éramos muito novos e à mercê de um mundo novo também, precisávamos desfrutá-lo, isso também fazia parte da nossa formação. Depois de alguns meses dando uma força para ela por telefone, eu resolvi ligar para dar um ultimato, a situação estava ficando complicada, terminar parecia ser a forma mais racional de dar continuidade aos nossos objetivos, a faculdade representava para mim, liberdade e criatividade, seria meu processo de construção a partir da desconstrução, ali estaria como um caderno em branco, conhecendo um novo mundo, a ter um novo olhar e principalmente disposto a explorá-lo.

Subi para o terraço de casa e liguei, começamos a conversar, ela me contando as novidades, as vivências dela na Federal, as histórias, ficamos conversando por horas, o DDD de lá era 31, o mesmo daqui, como tínhamos aquela promoção 31 anos, nos finais de semana sempre nos falávamos, muito, e depois de horas conversando ela virou para mim, do nada e disse:

- Pode falar.

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- O que você ligou para dizer, pode falar, eu já sei, já sabia desde quando atendi sua ligação. Ela disse aos prantos.

Fiquei alguns minutos calado, sem palavras, nem sei o que me passou pela cabeça naquela hora, e do outro lado, silêncio também, respirei fundo, na esperança de que me ajudaria a tomar coragem de fazer algo que eu não queria, mas que era preciso, assim como o técnico que tem que substituir o homem do jogo, por causa de uma lesão. Comecei a falar, dizer que o tempo que ficamos juntos foi tudo que esperava de um grande amor, o quanto ela me fazia bem, o quanto significou cada momento que passamos, cada beijo, carinho, olhares e abraços, e quanto mais eu falava, mais ela chorava, tentava acalmá-la dizendo que não precisava chorar, que nossa história havia sido linda, que tínhamos que estar felizes por ter vivenciado mesmo que por um tempo menor do que imaginávamos, foi real. Quando desliguei o telefone, desci para o meu quarto, senti um nó na garganta e me faltou ar, e de repente, a menos do que dois metros da porta do meu quarto, pronto, foi a primeira vez que chorei por uma mulher.

Tínhamos o costume de nos comunicarmos através de cartas, ela mandava algumas cartas e eu respondia e mandava algumas também, ela me mandava várias cartas através de uma amiga, que era vizinha dela e estudava na mesma faculdade que eu, por coincidência a amiga dela fazia Psicologia, segundo período, a sala dela era do lado da minha. Ela sempre fazia questão de me entregar as cartas em horário de aula, abria a porta pedia quem estava sentado mais próximo a mesma para me chamar, então eu saía e entrava com aquele envelope na mão e todo mundo ficava muito curioso, era um modo de mostrar que “esse” já tinha dona.

Logo depois que terminamos, ainda mandei uma última carta para ela, uma música do Bob Marley, cantada pela Tribo de Jah – Me Satisfaz a Alma.

“Eu gosto de você assim, você sabe o quanto gosto, o quanto sou a fim. Você me satisfaz a alma e a cada leve toque provoca em mim um choque, não vê o bem que pode me fazer, feliz eu fico por dentro, todo, todo o tempo. Então eu te abraço forte, você é toda minha sorte, eu me sinto tão bem,

você me faz ficar tão zen, quantas emoções intensas irão naufragar na lembrança pela vastidão imensa, sem palavras para contar o que o coração abriga, que persistem em marcar, cada momento, sentimento, que não se cansam de jorrar, só a solidão tranquila e o silêncio do lugar, que não querem se apagar, lembranças e momentos, desfilando no olhar, que persistem em ficar em um lugar onde alguém jamais conseguirá tirar.”

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O tempo foi passando e os meus dias de glória chegando, ainda não conhecia muitas pessoas, mas isso estava próximo de se tornar outra realidade. A calourada do nosso curso estava se aproximando e como sempre gostei de festa, não poderia ficar de fora, o pessoal do CAP (Centro Acadêmico de Psicologia) estava divulgando a calourada, principalmente entre nós calouros, afinal a festa era uma desculpa para interagirmos, como uma recepção informal. Havia muitas pessoas empolgadas com tal situação, e era chegado o grande dia, a festa estava marcada numa sexta-feira, às vinte horas, como estudávamos de manhã a ansiedade e a euforia tomou conta de nós, na sala de aula na parte da manhã, o comentário era geral, só se falava da calourada.

Sexta à noite, fomos eu e um colega de sala, quando chegamos lá, por volta de vinte e quarenta, o pessoal estava começando a chegar. Como a festa era estilo Sarau, havia uma mesa de frutas e muita cerveja, mas o ambiente era de interação, vários grupos conversando, professores participando e cerveja rolando. Quando o álcool começou a subir, escutei uma menina da minha sala gritando e xingando, olhei, algumas pessoas estavam segurando ela, parecia como uma fera selvagem, tentando se soltar e a cada palavra que ela gritava as veias do pescoço dela pulsavam parecendo que iam explodir. Quando percebi que ela estava brigando com um professor, não tínhamos assistido nem quinze aulas dele e ela já estava soltando os bichos no cara. Ele sem dizer uma palavra, foi embora, muitas pessoas ainda não sabem o que realmente aconteceu.

Com os ânimos exaltados, o evento continuou, após algum tempo a festa ganhou ares de festa novamente. Alguém de dentro do balcão, um veterano, gritou que era chegada a hora dos calouros servirem a cerveja, um trote sadio, começamos então a servir cerveja para todas as pessoas que ali estavam. Eu já havia tomado muita cerveja e como passei a servir, estava tomando o dobro, afinal, eu estava sempre com uma garrafa cheia nas mãos. Subi em cima do balcão e comecei a dançar, escutei algumas meninas gritarem, tira! tira!, comecei a simular um strip-tease, em tempo de cair daquele balcão de mármore todo molhado de cerveja, mais eu estava doidão e caí na pilha. Na segunda-feira, passando pelos corredores da faculdade, as pessoas me olhavam e riam, e todos (da Psicologia) pareciam saber do fato, não me recordo muito bem de algumas coisas, mas lembro-me que meu colega havia sumido lá, sem me dizer nada. Já estava indo embora, a festa acabando e nada dele, ninguém sabia onde ele estava, desci para o carro e o encontrei dormindo dentro do carro, com a porta aberta e uma poça de

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vômito ao lado. A partir de então comecei a conhecer as pessoas do curso e em pouco tempo, já estava interagindo com quase todos.

Tinha uma amiga na sala, Eufrásia, que era muito alto astral, meio maluquinha também, adorava o jeito dela, já tinha feito alguns semestres de Filosofia na PUC-MG e resolveu mudar para Psicologia por algum motivo em particular. Era muito inteligente e ousada, aprendi muito com ela, em fim, um certo dia, o professor de Filosofia passou um trabalho em que teríamos que apresentar alguns Mitos da Filosofia Grega, a sala foi dividida em grupos, montamos o nosso grupo e recebemos o Mito de Er, de Platão. Começamos a discutir em sala a forma de interpretação, pois o professor queria que fosse interpretado como uma peça teatral, e praticamente nenhuma ideia boa surgiu, nem todos queriam participar da peça, por vergonha, timidez, a aula acabou e ficamos de nos reunir novamente. No dia seguinte, como Eufrásia era muito ligada à Filosofia e Poesia, voltou com algumas ideias, ela me chamou para matar a primeira aula, Informática Aplicada à Psicologia, quando estávamos indo para a biblioteca ela avistou uma árvore no meio da área onde ficavam dois campos de futebol, no campus, e me chamou para ir pra lá discutir sobre o Mito. Sentamos debaixo da árvore e ela abriu a bolsa e começou a mexer como se estivesse procurando algo lá dentro, então eu disse:

- Não precisa procurar não, eu tenho o mito aqui comigo. Disse pegando o papel que estava dentro do meu caderno.

- Pode pegar também. Ela disse, continuando a procurar em sua bolsa.

Sem dizer nada, Eufrásia pegou um estojo e pediu para mim ler o mito, comecei a ler e enquanto lia, ela retirou uma seda e um dichavador com um pouco de erva já dichavada e perguntou:

- Você sabe apertar? Porque eu sei mais ou menos.

Peguei os artefatos e dei início ao processo, sempre foi uma especialidade apertar um baseado, não que fizesse questão, mas gostava do artesanal, preferia nem usar um dichavador. Fumamos enquanto liamos e discutíamos o Mito, depois de alguns minutos, que pareciam horas, voilá, a peça estava pronta, o que faltava ao restante do grupo era apenas o arrumar figurino. O Mito representava a vida pós-morte, onde Er era um guerreiro morto em batalha que fora escolhido o mensageiro dos homens, para contar-lhes as coisas daquele lugar, na

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representação eu interpretava o Guerreiro, esta amiga a Narradora. Todos apresentaram seus Mitos dentro de sala, mas essa amiga teve a ideia de apresentar em um local de frente ao nosso Bloco, que tinha uma grama com árvores em volta, o cenário era inspirado no Mito, onde o rio Lete e Amelas era envolto por jardim e árvores. Quando estávamos pronto para dar início à apresentação, havia um monte de pessoas, da nossa sala, de outros cursos, todas vendo nossa apresentação, que resultou em uma nota dez.

Empolgados ainda com as aulas de Filosofia, amor à sabedoria, e sob a influência de Eufrásia, fizemos algumas noites da Poesia em sua casa, quando próximo à faculdade. Uma das últimas foi quando aconteceu um evento de comemoração aos 150 anos de Sigmund Freud, foi uma noite de palestras com o tema Psicanálise e depois das palestras tinha um evento festivo, com vinho, água, refrigerante e salgadinhos, muita música também. Depois da festa, algumas pessoas tinham combinado de ir para a casa da Eufrásia falar sobre Psicanálise, Poesia, Sociedade e Questões Contemporâneas. Acho que fui o último a chegar, subi as escadas e dei de cara com a porta aberta, entrei e me deparei com Simão (um amigo de curso – Calouro) deitado sobre o tapete da sala, que por sinal estava escura, batendo os pés e os braços, nadando, quase que emplacando um ritmo Trainspotting como se estivesse em mar aberto. Pulei-o e segui para o quarto, e Simão continuou com suas braçadas e nem percebeu minha chegada, quando entrei no quarto estavam todos sentados em círculo e um baseado rodando, comentei da viajem do Simão e disseram que ele havia tomado meio LSD. Enquanto conversávamos sobre diversos assuntos eis que surge Simão, já numa boa, comentei com ele sobre o episódio, e ele:

- Nossa estava em uma viajem, nóoooo, muito louca! Respondeu rindo.

As letras LSD não me eram estranhas, mas eu conhecia muito pouco sobre a substância, nunca havia experimentado, comecei a perguntar sobre a trip, e conversamos por um bom tempo, me deu uma aula sobre o “doce”.

- É praticamente impossível de descrever o que se sente, o LSD tem a capacidade de inspirar a genialidade ou te levar para uma experiência de loucura, isso depende de cada um, do momento emocional que a pessoa se encontra ou dos traumas que habitam seu inconsciente. Você tem que estar consciente do que está fazendo e focar em um objetivo, procurar manter a calma, pois quando o LSD faz o efeito, você perde as rédeas da situação,

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não tem como voltar atrás, tem que se deixar levar e não se impressionar tanto com as experiências. Relatou Simão.

- Nossa o LSD é tão forte assim? Perguntei.

- É uma das substâncias mais poderosas do mundo, ela te proporciona tal efeito com apenas alguns microgramas, você pode ter uma viajem que dure horas. O LSD oferece uma viagem psicosensorial te levando ao seu inconsciente trazendo fatos do passado, muitas vezes esquecidos ou mal elaborados, de volta à tona, fazendo com que você reviva esses fatos com sensações de realidade, é uma segunda chance, é todo o universo dentro de você. Mas não é a mesma coisa se por exemplo, o LSD for usado de forma recreativa, o ambiente influência tanto quanto o emocional e a finalidade do uso, por assim dizer.

Fiquei muito curioso com toda explicação, comecei a ler vários artigos, estudos, livros, tudo que encontrava que estava relacionado com o tema. Tive a oportunidade de experimentar em um Congresso da área da Educação, na UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei-MG), lá conhecemos um grupo de pessoas de Montes Claros-MG. Estávamos todos na mesma república, algumas meninas da minha sala tinham conhecido os caras da república em um Congresso da área Social, esses caras estudavam em São João e se comunicando por redes sociais, as meninas combinaram com eles de ficarmos na república deles. Tinha a nossa galera e o pessoal de Montes Claros na república, todos os dias rolava luau, a gente fez passeios em Tiradentes-MG (cidade muito bonita), e tomamos umas cervejas com o pessoal da República Forte Quebec, galera nota 10, fez uma carne de panela no fogão a lenha e rodou um bagulho bom, isso em 2006. Foi a maior pegação, acho que só eu não peguei ninguém, na época, um pouco antes do congresso, estava ficando com uma menina da minha sala, ela era demais, muito especial, não me recordo por qual motivo, a gente se desentendeu e às vésperas do congresso nos distanciamos. Ela viajou para o congresso e ficou na mesma república que eu, tinha um carinho muito grande com ela, gostava muito dela também e resolvi ficar na minha, mas ela acabou ficando com um dos caras da república, e eu, com ninguém.

No penúltimo dia de Congresso, iria rolar uma festa de encerramento do evento e ficamos de fazer o aquecimento da festa, em um bar tradicional de São João, um camarada de Montes Claros retirou do bolso dois quadrados de LSD e dividiu em oito pedaços pra quem quisesse, peguei um quarto e coloquei debaixo da língua, algumas meninas também fizeram o mesmo e saímos a pé, sentido o bar. Como a caminhada era um pouco longa, no caminho

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mesmo começou a fazer efeito, e as meninas iam fazendo aquela bagunça, pulando nas calçadas da cidade como se estivessem brincando de amarelinha, todos rindo muito. Chegamos no bar, olhando o bar pelo lado de fora, havia só um portão de entrada, um muro enorme, todo coberto por planta trepadeira, a entrada estava escura e o portão fechado. O portão era todo fechado, havia somente uma abertura, um quadrado na altura da cabeça, então uma das meninas se aproximou, viu um reflexo e perguntou se o bar estava fechado e não obteve nenhuma resposta, insistiu, continuou sem resposta. Me aproximei e perguntei também, e nada, foi quando percebi que se tratava de um espelho, era nosso reflexo em um espelho dentro do bar, posicionado exatamente para criar essa falsa impressão, todos riram muito, zuando que a gente estava falando com o espelho.

Seguimos para a boate onde estava acontecendo o evento, nessa hora o efeito ainda estava no auge, mas nada de muita viajem, somente o corpo quente e uma euforia inexplicável. Entramos na boate, para ter acesso à pista, tínhamos que subir uma escada, quando terminei de subir a escada dei de cara com um salão, cheio de luzes e o som muito alto, o piso era de azulejos preto e branco, combinando como se fossem um tabuleiro de xadrez, algumas meninas saíram pulando, alegando que o chão estava se mexendo. Comigo aconteceu com as pilastras da boate, elas pareciam que tocavam o céu, tentava olhar para o final das pilastras e perdia de vista. Foi minha primeira experiência com LSD, não achei nada demais, esperava algo diferente, não sei bem o que, mas por ser a primeira experiência eu não soube explorar bem as potencialidades, foi uma trip muito prazerosa, mas não me surpreendeu.

Na faculdade, fui cada vez mais me interessando pelos mistérios da mente humana, respirava Psicologia, fazia muitas leituras, muitos textos, pesquisas sobre o ser

biopsicossocial, estudava desde as sinapses, passando pela consciência, até o comportamento,

tudo parecia fazer sentido e muitas coisas eram claras como água. Comecei a ler bastante teorias da Filosofia, principalmente as que seguiam a linha Existencialista, essa que na qual era a minha base de pensamento. Muitas delas, bastante interessante por sinal, começou a me fazer questionar a existência de Deus, com tantos embasamentos teóricos bem estruturados, como a visão de Sartre (1943) em sua obra O Ser e o Nada, onde ele diz que “a existência precede a essência” , a existência é algo do real, do biológico, palpável, já a essência é algo do divino, um conceito. Sartre via a crença em Deus e na religião algo que anulava a responsabilidade do homem, como por exemplo, alguém que morreu por imprudência e as

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pessoas dizem: “Fazer o que, Deus quis assim” ou alguém que tenha uma conquista importante e diz: “se não fosse Deus, eu não conseguiria” ou até mesmo “Deus lhe pague”. O homem tende a projetar o seu melhor/pior à Deus, e tal projeção o isenta da culpa de suas ações ou mesmo do mérito de tais. Talvez no nítido (ou não) desejo de ser Deus, o homem o mantém como uma fuga da própria condição humana.

A existência de várias obras questionando de forma racional, lógica e polêmica me fez desacreditar na existência de Deus, Nietzsche (1888) em sua obra O Anticristo relata que “no cristianismo, nem a moral nem a religião têm qualquer ponto em comum com a realidade. Nada além de causas imaginárias (“Deus”, “alma”, “eu”, “espírito”, “vontade livre” – ou até mesmo a “vontade não-livre”); nada além de efeitos imaginários (“pecado”, “redenção”, “graça”, “punição”, “remissão de pecados”). Um intercurso entre seres imaginários (“Deus”, “espíritos”, “almas”); uma ciência da natureza imaginária (antropocêntrica; ausência completa da noção de causas naturais); uma psicologia imaginária (nada além dos mal-entendidos sobre si, das interpretações de sentimentos gerais agradáveis ou desagradáveis, por exemplo, os estados do nervus sympathicus, por meio da semiótica da idiossincrasia religiosa e moral – “arrependimento”, “remorso”, “tentação do maligno”, “a proximidade de Deus”); uma teologia imaginária (o “reino de Deus”, “o juízo final”, a “vida eterna”) – Esse universo de pura ficção se distingue com total desvantagem daquele dos sonhos, no fato de que este

reflete a realidade, enquanto que aquele falsifica, desvaloriza e nega a realidade.”

Venho de família Católica, meus avós eram Católicos praticantes, minha avó por parte de pai, é muito fiel às práticas de Deus, sempre teve a esperança de que algum filho fosse padre, esperança que vem passando pelas gerações, agora netos, e assim sucessivamente (já que ainda tal evento não ocorreu). Fui criado na doutrina Católica, batizado, cresci frequentando a igreja, fiz cinco anos de catecismo até minha primeira comunhão, e depois mais quatro anos até a crisma, apesar do longo tempo estudando a bíblia, confesso que não sou um conhecedor das palavras. Não me sentia muito interessado nas doutrinas da igreja, talvez por ser muito jovem, por não conseguir interpretar as palavras e associá-las um sentido que me fosse compreensível. Com o passar dos anos, ir à igreja para ver e paquerar as meninas do bairro, já estava ficando desinteressante, pois haviam festas com um maior número de meninas e coisas do tipo.

Na faculdade comecei a questionar a existência de Deus e as ações religiosas, havia um amigo que fazia aulas comigo que se chamava Cordeiro, nós costumávamos passar horas

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discutindo qualquer tipo de assunto que se enquadrava na Psicologia (todos, acho) e um dia começamos a falar de Deus, passamos dias, meses, sempre com a certeza e a dúvida como companhia. Deus criou o homem, ou será o homem que criou Deus, um aforismo de Voltaire (filósofo francês 1694-1778), assim como o homem que procurava Deus com uma lanterna em pleno dia, de Nietzsche em Zaratustra.

A religião desde os tempos de colonização do Brasil vem se mostrando uma grande opressora, com a chegada dos Jesuítas, os índios eram catequisados de forma obrigatória, não respeitando suas crenças e culturas, era um batalhão de padres que por causa da recente Reforma Protestante, foram recrutados para difundir o catolicismo pelo mundo. Eram enviados em conjunto às caravanas para converter o máximo de fiéis, sem preocuparem com a importância histórica e cultural de um povo, com a finalidade de evitar o avanço do protestantismo no mundo. Toda a questão do catolicismo não passava de uma guerra de interesses próprios, travada pelo domínio de territórios e pela conquista do poder, consequência da extensão de patrimônios. A igreja era vista como algo inquestionável, uma vez que defendia os interesses de Deus, e em todas as instâncias de maior poder havia um representante da igreja, na política, nos conselhos, nenhuma pedra era levantada sem o aval da igreja, toda manifestação cultural que pudesse ameaçar tal poder, não era tolerada e punida com a morte. Como a igreja, manifestação divina na terra, poderia tolerar a expulsão dos índios e sua cultura de suas terras e a posse de seus bens materiais, a ação voltada somente para seus interesses, e a miséria alheia.

Acho que o Catolicismo nos deu uma grande demonstração de poder com a introdução do estilo Barroco, Sec. XVII, as igrejas históricas de Minas Gerais são esplêndidas, todo o poder convertido em ouro e esculturas dignas de serem obras de arte, detalhes de imponência. Mas como não ter poder quando se tem o ser humano sobre controle, afinal eles padronizaram a conduta do ser, impondo o que pode ou não fazer, nos fizeram acreditar que todos somos eternos pecadores e para o perdão seria preciso confessar todos os nossos atos, nos inibem de qualquer ação e sabiam tudo o que acontecia no âmbito social, os mais variados segredos e nos mantinham como reféns de nós mesmos. Imagine o que se pode conseguir sabendo o segredo de todos, mantinham todos comendo em suas mãos, era uma coibição individual, discreta, pois anulava qualquer movimento contra, uma vez que ninguém tivesse a intenção de se afirmar pecador, um projeto de controle engenhoso, admirável, com máxima margem de sucesso, porém mal intencionado e hostil ao que se esperava dos que se diziam homens de

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Deus. Os prejuízos da igreja são evidentes aos olhos de quem quer ver, e inimagináveis aos olhos cristãos, pois a religião Católica é a religião dos sofredores, do homem celibatário, castrado do gozo da vida, para os sofredores, homens pecadores, eterno devedor a Deus.

O cristianismo tem como estratégia enfraquecer, para domesticar, tornar o ser do-ente, ele despreza o intelecto e a cultura, despreza o que lhe apresenta como diferente, contra aqueles que pensam de modo diverso. A esperança é a maior arma do cristianismo, ela alimenta a dependência dos cristãos, é necessário manter os sofredores por uma esperança á qual não se possa contrariar nenhuma realidade, ser desfeita por nenhuma realização, uma esperança no além. Ame Deus sobre todas as coisas, é a religião do amor incondicional, onde você ama de forma irracional, ama o que não vê, toca o que não se sente. A sensação de Deus é totalmente subjetiva, é uma construção consciente do imaginário, do que se acredita e aos estímulos que se é submetido, o amor, como diz Nietzsche, é o estado no qual o homem vê as coisas quase que totalmente como não são, é o auge da ilusão, é a sua construção sob um sentimento, um ideal, não compartilha de razão. No amor, tudo supera, tolera-se mais que de costume, a junção de fé, caridade e esperança, faz com que suporte o que há de pior na vida, mas este pior não te deixa fora de suas consequências, ele existe e é visto erroneamente de forma impessoal.

O meu maior desprezo para com a religião, o cristianismo principalmente, é que pela sua grandeza, ele permanece de forma imparcial com o que vem acontecendo no mundo, toda esta desordem, ordenada pelos interesses dos detentores do poder, a igreja, a mídia e a política, parecem agir somente em seu benefício. Não vemos uma mobilização da igreja, um apoio a um projeto social, uma vontade de fazer algo pela humanidade, até mesmo aquela fiel às suas palavras, tudo que a igreja faz é se opor a tudo aquilo que traga um desconforto, que ameace seu poder. Vejo tanta fome, desonestidade, injustiça, será que este é o posicionamento certo, se mostrar indiferente, não seria certo pensar na igreja como uma salvação das injustiças, como uma líder de um movimento para um mundo melhor e não só como uma alimentadora de almas. Acho que os três poderes, a roda viva, a igreja, a televisão e a política, são grandes responsáveis por todo este momento que estamos atravessando, juros altíssimos, distribuição de bens de maior inequidade do mundo, sistema jurídico que atende somente aos interesses dos ricos e poderosos, altas tachas de domínio do poder público, desvios de verba pública, superfaturamento de indústrias farmacêuticas e empreiteiras de construção civil. É o Comando Delta brasileiro, detentores do poder, que espalham a desigualdade por ganância e

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covardia, que tiram o prato da mesa dos trabalhadores honestos e escravizam suas mentes com seus processos persuasivos muito inteligentes, com o apoio dos veículos de comunicação em massa, e a coesão do corpo administrativo brasileiro. Pergunte a procedência, como dizia os caras do Planet.

“Vem ver um novo parque de diversão Andar em brinquedos que aumentam a percepção Visão privilegiada, aumento da consciência, E o nome disso aqui é: Pergunte a Procedência: Dinheiro do patrão, Armas e Munição, Tortura da Programação, Concessão de Rádio e Televisão” Procedência C. D. - Planet Hemp

O interesse nunca foi tornar o Brasil um país de primeiro mundo, uma vez que nossas condições climáticas, nossa terra, os minerais, a rica biodiversidade, o pré-sal, a cultura, a comunidade cientifica, o povo brasileiro, a beleza do país, nós temos mais do que qualquer país de primeiro mundo, temos as condições ideais para o desenvolvimento. Mas somos forçados a viver na miséria, na dependência daqueles que dependem de nós, que nos exploram sem dó e nem piedade, que nos pagam um salário mínimo vergonhoso e ainda tiram 8% para o bolso deles.

A televisão, maior veículo de comunicação do mundo, também não faz nada para mudar essa realidade, ela seleciona aquilo que é de seu interesse para noticiar às casas de todo Brasil, enchendo este povo humilde e pobre de falsas esperanças e meias verdades, não se noticia nada de construtivo nos canais abertos brasileiros, você liga no jornal e não vê uma notícia que alguém ajudou alguém, não estimulam a caridade entre os telespectadores, somente morte e tragédia, é o que impressiona. Existem tantas pessoas batalhando por um mundo melhor e elas não tem atenção nenhuma, a culpa não é contudo somente nossa, cidadãos, mas da falta de estímulos daqueles que podem fazer a diferença, estes que hoje produzem estímulos de total ilusão, carros de ultima geração, casas de luxo, roupas de grife, quanto mais caro, melhor, melhor? Melhor para nossa eterna insatisfação, deste modo, quando vamos alcançar algo que nos realize, e mais, algo que esteja dentro da nossa realidade, é como se eles dissessem, gaste tudo que tem e o que não tem, e ainda sim não pare. Eles criaram no homem uma fonte de lucros para toda e além da vida, uma máquina de consumo que age na

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velocidade da luz e mesmo depois da morte deixam suas dívidas, que é passada de geração em geração, essa é a herança dos homens do século XXI.

Me tornei um agente da contracultura, por questões de identidade e de busca de informação em outros lugares menos comuns, na história mais precisamente. Nunca fui muito ligado na televisão, sempre percebi a hipocrisia por detrás, acho que fui muito influenciado pela música, pelas bandas de rock dos anos 90, que tinham uma alma de protesto muito forte. Não consigo esclarecer a origem do meu lado Anarquista e como fui me interessando cada vez mais por essa filosofia de ser do contra. Claro que como qualquer ser humano eu não era perfeito, sempre tem algum objeto que desperta um interesse em você, mais isso comigo não era uma frequente, é muito difícil lutar contra o sistema, ele esta espalhado por todos os lugares, outdoors, pelas ruas desfilando, estampados nos outros, pela janela, dentro da sua casa, saindo da boca de seus amigos, estão em todo lugar, é uma batalha de tempo integral. Sempre busquei não me iludir, procurava seguir um caminho diferente, que me fazia sentir bem e me era mais conveniente. Procurava da minha forma, despertar um lado mais autêntico nas pessoas, buscava o íntimo e não o papel, gostava de saber como as pessoas pensavam em relação a certos assuntos, e não o que ela queria que os outros pensassem que ela pensava. Existe um grande muro entre o ser e o ser social, é o que podemos chamar de papéis sociais, a aceitação faz com que o ser se comporte em certas situações que contradizem suas próprias concepções.

Acredito que a mídia contemporânea exerce grande influência na construção da identidade do indivíduo, ela expõe estilos de vida, bombardeando as mentes em construção com informações muitas vezes supérfluas. A banalização dos conceitos de sexo é um exemplo disso, quase todo programa de TV tem uma assistente de palco seminua, mais isso é só mais um detalhe, as exposições à violência, o exagero com os novos modelos de piadas, é absorvido por crianças e adolescentes como sendo normal, mal interpretados, se transformam nessa violência que presenciamos todos os dias e no Bullying. As noções de senso não parecem estar presentes nas salas de aula e nos lares de modelos de família mais modernos, pais separados ou pais ocupados demais.

Quanto à política, essa é um caso a parte, na verdade nem sei o que falar, como algo como a política no Brasil consegue se sustentar? Por todos os lados você só escuta críticas à política. Pelas ruas, não acha um que rasgue elogios, mesmo assim não conseguimos acabar com essa porra, essa corrupção, essa força que puxa o Brasil pra baixo. Que doença é essa,

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que não tem cura, que problema é esse que não se vê solução, passa-se ano e não muda nada, será que alguém, um dia, vai conseguir reverter esse quadro? O Brasil, democraticamente falando é um país muito jovem, nós sofremos com a ditadura militar até o ano de 1985, e sinceramente ainda acho que não saímos dela, politicamente não temos tradição, não temos envolvimento político, talvez pelo medo e sofrimento causados ao povo brasileiro, que preferiu deixar a política de lado. Agora vivemos outros tempos, conquistamos apenas uma batalha, mas a guerra continua e não podemos parar de lutar, devemos respeito e luta à aqueles que deram a vida por dias melhores, que foram torturados, exilados, que abraçaram a causa, que se manterão à esquerda vivendo com dupla identidade e mesmo sobre o risco de morte, nunca deixaram de lutar por um bem de TODOS. A mancha de sangue não seca, Castelo Branco e seus sucessores não podem ser esquecidos e sim condenados pelos atos covardes, não é elegendo o Tiririca para deputado federal que vamos boicotar uma eleição.

Hoje temos mais informação, talvez uma boa medida fosse se inteirar das fichas limpas, vamos exonerar os políticos com fichas sujas, é o mínimo que podemos fazer de imediato, uma ação deve ser tomada. Também não sou um entendido de política, mas procuro votar de forma consciente, tirei meu título de eleitor aos dezesseis anos e desde então voto, confesso que ultimamente venho anulando todos os meus votos como uma forma de protesto, um desânimo político também deve ser levado em conta, pois o Brasil parece sustentar ao pé da letra a premissa, ordem e progresso, ordem para o povo e progresso para a burguesia. Fico aqui pensando, quem poderá nos salvar, quantos sacrificaram suas vidas por uma nação mais equitária, mais justa, mais altruísta, quantos foram exilados, torturados, para que alcançássemos a democracia? Alguns “poucos” se sacrificaram por uma maioria covarde, que hoje desfrutam de um bem comum, sem ao menos esboçar um sentimento de gratidão. Onde está o povo brasileiro, o filho que não foges à luta.

Os amores na mente As flores no chão A certeza na frente A história na mão Caminhando e cantando E seguindo a canção Aprendendo e ensinando Uma nova lição Vem, vamos embora Que esperar não é saber Quem sabe faz a hora Não espera acontecer Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores - Geraldo Vandré

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Este é o nosso país, ele confiamos às mãos dos políticos, a eles confiamos nossos votos e nossos sonhos de um futuro melhor, será que isso não é o bastante para comover um coração humano? A aposta, a credibilidade, a esperança em pessoas melhores, com diplomas e conhecimento para construir uma pátria de todos, quando vamos receber a atenção que merecemos, quando um homem, independente de sua raça, credo ou posição social, vai ser tratado como homem, como cidadão, com respeito. Até quando vamos acreditar em tudo que esses canalhas nos falam, em promessas, em meias verdades? Até quando vamos deixar que nossa ignorância seja alimentada por conspirações políticas, nós não precisamos de alguém que nos diga a verdade, precisamos nos levantar e ir em busca da verdade, mobilize-se, saia do seu conforto e recomece sua busca, não tente enxergar somente o muro, mas o que está atrás dele, pois o que parece óbvio, pode não ser. Surpreenda-se, se permita surpreender.

Como podemos deixar de ser objetos do sistema? Não sei, gostaria de ter as respostas, de poder salvar o mundo, mas cada um de nós é uma estrela, todos têm o seu brilho, somos únicos, insubstituíveis. Vai continuar acreditando que seu emprego te faz melhor do que os outros, então seu carro novo, talvez sua casa grande, deve ser as roupas que você usa, por que não os restaurantes que frequenta, ou os trocados que você dá para o menino no semáforo, isso sim, faz de você um ser humano exemplar. Não seja um hipócrita, seu burguês capitalista, procure olhar para o mundo de maneira mais simples, olhe à sua volta, e me diz o que vê, olhe para dentro de si, busque aquele vazio, que nem todo dinheiro do mundo vai fazer desaparecer e me diz o que sente, como se sente. Nascemos para brilhar e acabamos aprendendo a ofuscar todo o brilho do outro, com pequenas coisas, às vezes, coisas que nem percebemos como ruins, com isso vamos perdendo o nosso brilho também, por que uma estrela brilha para todos e todas tem seu brilho.

Tantas questões começaram a me deixar uma grande angústia, não me conformava com tamanho desprezo do homem à vida, sempre acreditei nas potencialidades do ser, no amor e na paz. Tudo parecia ser tão fácil para mim, somente gestos simples era preciso para mudar o mundo, um sorriso alegre e sincero, um olhar acolhedor e solidário, um bom dia carregado de positividade bastava, para fazer do mundo um lugar melhor, não era nenhuma missão impossível. Engano meu, onde havia um sorriso, havia uma segunda intenção, onde havia um olhar, havia uma maldade por traz e onde havia um bom dia, seguia-se uma arrogância imensurável, pronto, era tudo que as pessoas conseguiam ver. Já ouviu aquele ditado, a maldade está nos olhos de quem há vê, as pessoas são mais complexas do que

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podemos imaginar, muito mais, e isso me causava uma enorme angústia, uma grande tristeza que me fazia perguntar dia e noite, por que o ser humano é assim, sempre tem que procurar algo ruim na mais pura boa vontade. A herança paranoica interiorizada pela experiência vivida por Jesus, traído por Judas, nos persegue por gerações, sendo que toda a história do homem afeta nosso comportamento e modo de pensar e vão continuar afetando por gerações.

Sentia um leve desânimo quando andava pelas ruas e via todas aquelas pessoas, sendo mantidas sobre o poder do sistema, sem nem sequer ter noção disso, eram reféns dos engenhosos planos de controle em massa. Como funciona esse controle? O controle das massas no século XXI é monitorado em prol do grande consumismo contemporâneo e pelo desenvolvimento tecnológico. A sensação de liberdade está inserida na política de mundo moderno, mas a verdadeira sensação que temos é somente uma falsa liberdade, somos monitorados constantemente, em rodoviárias, aeroportos, locais públicos (olho vivo), celulares, cartões de credito, no trabalho, nos bares, hoje qualquer lojinha possui uma câmera que filma toda movimentação. Eles sabem o que comemos, o que compramos, onde gostamos de ir, com quem falamos, e se baseiam nestas estatísticas para manter o ser humano sobre controle. Meu cunhado me contou uma história, de imediato a relacionei com nossa condição de homens do sistema, ele disse que tinha um colega que adestrava Pitbull‟s, e às vezes pegava alguns muito bravos, difíceis de serem adestrados, então ele acorrentava e trancava o cachorro em um quarto escuro, totalmente escuro e o deixava lá por alguns dias, sem água e comida, depois de perceber que o cachorro estava muito fraco, ele abria a porta com uma vasilha de água e outra de comida nas mãos, neste instante criava-se um laço afetivo entre o homem e o animal, pois o adestrador era um “salvador” para o cachorro.

Assim vejo a nossa relação com o sistema, eles se concentram em tirar tudo que temos, em não deixar que ninguém consiga o acúmulo de riqueza, riqueza é poder, detém todo o poder, cobram impostos por tudo, estipulam um salário mínimo vergonhoso, deixa o brasileiro na miséria e depois liberam o crédito, dizem que para comprar algo não precisão ter o valor total em mãos, parcela-se em dívidas “eternas” e cobram o dobro ou até mesmo o triplo do valor do produto. Ainda sim há aqueles que dizem que está melhor do que antes, que antes pobre não tinha televisão de 42 polegadas em casa, nem geladeira frostfree, que era coisa de rico e hoje toda casa tem, mas antes não tinham por que não podiam, hoje ainda não podendo tem, o que se resume em tolerar todo e qualquer tipo de humilhação no trabalho, trabalhar para pagar dívidas, acúmulo de dívidas, pois se financia mais de um produto ao

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mesmo tempo. Podemos ver o reflexo nos altos índices de depressão e estresse da população, há algumas décadas tínhamos a figura do pobre sempre acompanhada de um enorme sorriso, parece clichê, sou pobre mais sou feliz, a felicidade do morro, do samba, do espírito guerreiro e da personalidade forte, era a realidade, hoje ser pobre parece ter se tornado sinônimo de tristeza, lamentação. É isso que o sistema faz, te enfraquece, pois se alimenta do seu sofrimento para se manter forte.

Comecei a perceber que precisava ter um olhar diferente sobre as coisas, apesar de estar um tanto satisfeito com minha visão de mundo, era preciso buscar mais informações, tinha medo de cair no fanatismo e que essa questão da minha angústia se tornasse algo muito pessoal, eu posso até querer, mas não tenho o direito de intervir na vida dos outros, não gostaria de ser um formador de opiniões (já sendo), mas queria expressar minha opinião e se as pessoas quisessem acatar algo de seu interesse, tudo bem. Muitas vezes a gente fica obcecado com esse jargão: “mudar o mundo”, isso poderia estar se transformando em algo patológico, que direito tenho eu de mudar o mundo, isso é o mundo, sempre foi, é assim que as coisas funcionam, uns nascem para chorar, enquanto outros riem.

Em Ipatinga estava começando acontecer um movimento contra cultural muito interessante, tinha inaugurado um bar onde toda a galera universitária se encontrava, lá rolava bandas de rock, reggae e som alternativo. Este bar acabou se tornando uma referência contra cultural, pois o pessoal que frequentava o bar gostava de fumar maconha e não se interessava por estereótipos sociais. Comecei a ir ao bar, as pessoas se sentavam no chão, em grupos grandes, discutindo sobre os mais diversos assuntos, desde música até filosofia, estava acontecendo um movimento que iria mexer com a cidade. O bar estava situado em uma área pouco movimentada, apesar de ser em um bairro residencial, nesta rua não havia casas, somente uma oficina e um clube para associados, como ficava de esquina, a galera se reunia do lado de dentro/fora e ficava bem à vontade, acendia um baseado na calçada do bar e fumava por ali mesmo, esta ação se estendia pelos grupos.

Na época as universidades de Ipatinga estavam a todo vapor, uma em destaque, tinha muitas pessoas de cidades vizinhas estudando aqui e o Bom Retiro havia se tornado um bairro

“universitário”, então tudo estava acontecendo por lá. O movimento no bar começou a

crescer, mas somente a juventude alternativa frequentava e eu tinha uma grande identificação com este grupo, por questões pessoais, pelo modo que se comportavam, que se vestiam, pelo modo com que se relacionavam com o mundo e com as pessoas, em fim, por diversas

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questões. Como eu havia me ingressado na faculdade de Psicologia, senti que poderia iniciar uma observação participante, por interesse pessoal, como uma forma de aula de campo, praticar para aprender mais. Tudo que precisava estava ali, um grupo, em sua grande maioria, universitários, com faixa etária entre 18 e 30 anos, homens e mulheres, que partilhavam de muitas coisas em comum, inclusive o uso da Cannabis Sativa (cultuado por quase todos).

Passei a frequentar o bar, como já estava inserido em um contexto social favorável (universidade), já havia fumado maconha algumas vezes e encontrara com conhecidos que também frequentavam este mesmo ambiente, me senti bem à vontade rapidamente e comecei a me interagir com as pessoas que ali frequentavam. Como o grupo se tratava de um local aberto ao público, um bar, não era necessária a aprovação daqueles que frequentavam o local, mas claro que esta aceitação era um ponto chave da minha pesquisa, mesmo que uma aceitação totalmente simbólica, pois não poderia perceber aquele contexto em sua realidade se os colaboradores não me acolhessem como um membro do mesmo. O que poderia ser uma dificuldade, para mim era apenas uma questão a mais, já que aquele era também o meu contexto, a minha realidade, não precisava interpretar nenhum papel ou mesmo adquirir um novo repertório de ações, bastava agir naturalmente, ser espontâneo, que o resto aconteceria por assim dizer, salvo em certas situações.

O bar era como um espaço de autenticidade, as pessoas se vestiam da forma que achavam mais conveniente, da maneira que se sentiam bem, vestimenta alternativa, uma moda eclética, subjetiva, individual. Apesar dos frequentadores apresentarem uma característica grupal, roupas, músicas, pensamentos, comportamentos, existia e era claramente perceptível uma singularidade dentre todos os frequentadores, apesar de terem bastante coisas em comum se expressavam socialmente de maneira distinta e isso foi a primeira coisa que me chamou atenção, comecei a observar as pessoas ao redor e podia ver claramente a diferença entre todas elas, não falo de características físicas, nem de cores ou formas da vestimenta, mais de uma singularidade que vinha de dentro para fora, algo da subjetividade, da personalidade, do eu. A maneira como se interagiam, a forma como expressavam suas opiniões, a postura social, a individualidade no meio social, tudo era muito espontâneo, percebia-se que não havia um esforço em querer ser algo, se tornar algo, era uma relação verdadeira, estavam ali se interagindo por que queriam, se sentiam bem juntos, dividindo o mesmo espaço social. O espaço era compartilhado por todos, não existia uma liderança, um momento especifico para nada, tudo acontecia no desenrolar da noite, nada era programado, simplesmente acontecia,

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não havia indícios de relações fabricadas, relações por interesse, parecia que estava em um outro mundo, não tinha preconceito, não havia confusão, nem divergência, todo mundo falava, todo mundo opinava e todo mundo escutava, estava impressionado com tudo, com o respeito, cumplicidade e com o comportamento daquelas pessoas.

Comecei a frequentar o bar com mais assiduidade, afinal era um ótimo ambiente cultural e proporcionava sempre uma boa viagem, gostava muito de ir lá fumar um baseado e conversar com as pessoas, escutar boas músicas, conhecer gente nova, não havia lugar melhor, era como uma comunidade, jovens cansados de toda a hipocrisia da sociedade, de ver tanta coisa errada e ser classificados como errantes por fumar um baseado. De acordar todos os dias, ler o jornal e só ouvir falar de mortes e tragédias, de verem o poder público acabar com o nosso país, de ver tanta desigualdade, ligar a TV e ver tanta futilidade, perceber o desinteresse dos brasileiros nas questões sociais, e o pior, saber que fazemos parte disso tudo. Era ali que os jovens verbalizavam sua revolta e desfrutavam um pouco de sua liberdade, agindo espontaneamente, agindo feito loucos, dançando e cantando sem se importar com nada e contagiando os que estavam ao redor, era onde ganhávamos força e nos transformávamos em um, contra tudo.

Cada dia que se passava me identificava mais com aquele grupo de pessoas. Com a globalização emergente, no início do século XXI, o Brasil estava a caminho do consumismo e as pessoas pareciam ainda mais insensíveis socialmente, o consumismo despertara nas pessoas uma grande obsessão pelo capital. Passei a observar dois grupos, aqueles Cannabinóides que vou chamar por diante de Sativos e respectivamente os grupos Não

Sativos, e passei então a compará-los enquanto ativos sociais. O que houve foi um conflito de

valores, tradicionalmente instituídos como de grande relevância social, como por exemplo: o contato interpessoal, nos grupos Sativos este contato não parece ter sofrido tanta influência negativa, a meu ver este contato se mantém fiel, pois a proposta dos grupos Sativos eram muito simples, partia do principio da socialização, a Cannabis é por sua natureza provocadora da socialização, no Brasil dos tempos de escravidão. A Cannabis era fumada nas senzalas, pós-labuta, no momento em que os escravos estavam em conjunto, dividindo o mesmo espaço e degustando a mesma Cannabis, esta que rodava de mãos em mãos, para todos aqueles que assim quisessem fazer seu uso, era um processo de cumplicidade que os fortalecia enquanto grupo, era um momento de interação tanto no uso, quanto no pós uso, onde era cantado

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cantigas de redenção, compartilhando o apoio emocional, o que pode ter influenciado na luta pela liberdade.

Já nos grupos contemporâneos esta característica se mantém como herança, a Cannabis continua sendo compartilhada, e ao compartilhar um baseado com outro grupo ou pessoa, enquanto se fuma, existe um diálogo acontecendo neste processo, enquanto se prepara a erva para o consumo, enquanto se debulha, enrola e fuma, esse diálogo, muitas vezes se estende ao ato de fumar, o que cria um vínculo, uma relação. Eu particularmente como Sativo, desconheço algum caso em que ocorreu o contrário, a pessoa fumar um baseado com alguém e não trocar nenhuma palavra, em fim, talvez isso se dê pelo fato de descobrir uma característica tão pessoal em comum, por mais que pareça banal, o vínculo é forte, mesmo entre pessoas que não se conhecem. Este vínculo pode ser compreendido pelo fato do preconceito social existente, pela condenação do social, quando o Sativo se depara com alguém que possui uma ação em comum (uso da Cannabis), eles tendem a se relacionar por uma variável de laços e interesses sócio afetivos.

Os Sativos, pela adesão ao modelo contra cultural, não se deixam influenciar pelos meios de comunicação convencionais na busca da realização dos seus desejos, iludidos por símbolos de felicidade, amor e outros que ganharam e vem ganhando um novo significado no século XXI, diferente daqueles que vem cada vez mais se individualizando, se concentrando em conseguir o bem material e estabelecem relações frágeis no âmbito social. O cotidiano se transformou em um campo de guerra, onde o capital está acima de qualquer ética ou moral, o outro não é visto mais como próximo e sim como rival, passamos por cima de tudo e de todos para conseguir conquistar nossos objetivos, deixamos até nós mesmos de lado, ocorre um culto ao capital, a relação interpessoal é carregada de interesse. É contra este “novo modelo social” que lutamos, mas esta é uma luta talvez imperceptível até aos próprios Sativos, pois torna-se uma coisa mais natural daquele que se identifica com a cultura Cannábica, isso faz parte da representação coletiva da Cannabis Sativa, dentre aqueles que a cultuam, os que fazem o uso dela com algum propósito pessoal, seja espiritual, recreativo, transcendente.

Estava conhecendo uma nova Cannabis, minha relação antes era de rebeldia, me postar contra o sistema, agredir os padrões sociais. Naquele meio ela era vista como uma filosofia de vida, algo que está além do convencional, nas muitas pessoas que faziam seu uso, percebia um propósito consciente que superava todas as especulações recreativas. Sentia uma forte energia em todo o lugar, conseguia-se conversar olhando nos olhos e dificilmente se via um

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rosto que não tivesse um grande sorriso estampado, comecei a perceber que ali as pessoas não falavam mal dos outros, não reclamavam de suas vidas, não usavam máscaras, nem tentavam ser perfeitas ou superficiais.

No início o bar foi tachado de “lugar de maconheiro”, somente o pessoal Sativo frequentava o bar, estávamos num ambiente social onde era possível compartilhar nossas opiniões com pessoas que tinham muitas características em comum, não só o pessoal de Ipatinga, mas também das cidades arredores e de outras cidades, no caso, os universitários que vinham estudar aqui. Universitários era o maior público, ia também alguns hippies ambulantes expor e vender seus trabalhos e curtir de tabela. Estava surgindo uma nova demanda, como no bar havia começado a rolar música ao vivo, o dono tinha colocado um palco tão pequeno que cabiam no máximo uma banda com três integrantes em cima. A juventude que frequentava, despertou o interesse de tocar no bar, a final público igual dificilmente se via, todos cantando e dançando, se divertindo com uma enorme empolgação, bandas e bandas começaram a surgir, agora no vale do aço tinha onde tocar e se expressar com o microfone na mão. A resistência social, contudo, parecia acompanhar o ritmo do crescimento do bar, mas a polícia parecia fazer um pouco de vista grossa, lá não havia brigas nem violência, era só uma geração se divertindo sem fazer mal há ninguém.

As pessoas iam para lá a pé, já que a maioria dos frequentadores morava ali por perto, iam de bicicleta e ficavam do lado de fora sentados no quadro da bike conversando, iam de carro, em fim, quando me refiro à grupo, falo pois os frequentadores eram basicamente os mesmos, ora ou outra aparecia alguém diferente, ainda sim muitas vezes acompanhado de um “veterano” do bar, todos sempre bem recebidos. Não que todos fossem amigos, pois muita gente frequentava o bar, mais o clima no ambiente era de amizade, existia alguns subgrupos, claro, como em qualquer grupo, impossível de fazer um círculo com oitenta pessoas todas no mesmo assunto, existia maior afinidade entre algumas pessoas, o que é totalmente admissível.

Uma vez estava na porta do bar com uma latinha de cerveja na mão, tomando numa boa, um hippie, parecia ser andarilho também, aproximou-se e começou a conversar comigo, enquanto conversávamos lembro que ele me disse algo muito interessante, disse que o ser humano tem o dom de enganar as pessoas, olha para estes políticos, policiais, o homem que é mau por natureza ele pode se colocar sob o respaldo do poder, fazer do poder um aliado para cometer crimes e injustiça. Um bandido pode fazer uma prova da polícia ou se candidatar ao poder público e se aproveitar da sua situação enquanto detentor do poder, quem vai contra

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essa pessoa, nós que somos meros cidadãos, e digo mais, um homem bom que entra no poder pode ser facilmente corrompido por ele, pode-se deixar seduzir pela superioridade que o poder o dá, e pior, pode se revoltar com aquele que o trata de forma comum, que não o reverência como poderoso, o que nós podemos fazer? Ser ou não ser, eis a questão.

Há dias em que torcemos por um mundo melhor, mais tem tanta coisa errada que não sabemos nem por onde começar, é frustrante você olhar para a humanidade, saber que só nós podemos mudar o mundo, e ver o capitalismo dominar as pessoas. O ser humano é autodestrutivo, destruímos tudo aquilo que necessitamos para nossa existência, os que têm a força para poder mudar, só se preocupam em aumentar o número de zeros em suas contas. É difícil recordar uma ação humana que não tenha se voltado contra nós, enquanto continuar pensando somente em nós mesmos, nunca se criará uma sociedade altruísta e equitária, algo digno e justo, um lugar para se viver, não só para nós, mas para gerações e gerações. Este mundo não tem dono, ele é nosso e tem que ser compartilhado, pelos homens, plantas e animais, temos que zelar por ele.

Por muito tempo senti nojo de ser humano, sentia uma angústia imensa em sair pela cidade e ver fome, pobreza, sofrimento, pessoas com muito, explorando e tirando o pouco de pessoas que não tinham quase nada, para que? Por quê? Para andar de carro importado? Para comer um enlatado que custa dez vezes mais que o convencional? Para mostrar a todos que você tem mais eles? Para pagar mais caro em um frango, só por que é servido em um restaurante chique e tem nome de prato francês? Para comprar uma garrafa de vinho de custo elevadíssimo só por que no rótulo possui a palavra cabernet sauvignon? É por isso que você passa por cima de tudo que é vivo na terra, desrespeita todos, para ostentar futilidades? Vou morar no mato, pelo menos lá não tenho que ver tanta opressão, embora sabendo que ela exista.

Sempre frequentando o bar, passei a observar a preocupação social dos frequentadores, o tempo todo alguém indagava sobre o posicionamento do governo ou de algum individuo sobre alguma situação que se encontrava alguém ou algum lugar, a solidariedade era uma característica marcante, mas não uma solidariedade material, e sim afetiva, um tratamento digno e respeitável. Buscava-se relacionar, interagir, com o outro não pela posição social, e sim pela condição de ser humano, que merece ser tratado com respeito. Um simples olhar pode fazer uma enorme diferença, é um mendigo na rua que vem te pedir esmola e você o olha como pessoa, não precisa dar esmola, basta tratá-lo com indiferença,

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isso é ser autêntico. As pessoas ali não demonstravam repulsa diante do novo, quando chegava alguém diferente, nem tampouco existia um sentimento de atenção em causar uma boa impressão, era visto apenas como mais um, e era o que realmente era, nada mais que isso. Acho que lá no fundo é assim que a maioria das pessoas querem ser tratadas, sem frescuras demais, bajulação, também sem arrogância, preconceito ou descriminalização, apenas com a boa e velha educação. O que a gente precisa é praticar o amor, amor pela vida, é com amor que podemos enxergar um mundo novo, que podemos nos enxergar, é o cuidar do outro, do planeta, daquilo que é importante para nossa sobrevivência, que a torna menos conturbada, se não sabemos amar, temos muito a aprender.

“Outro dia, um cabeludo falou: "Não importam os motivos da guerra A paz ainda é mais importante que eles." Esta frase vive nos cabelos encaracolados Das cucas maravilhosas Mas se perdeu no labirinto Dos pensamentos poluídos pela falta de amor. Muita gente não ouviu porque não quis ouvir Eles estão surdos!” Todos Estão Surdos - Roberto Carlos

O bar estava começando ganhar uma maior projeção no senário do Vale do Aço, embora tivesse conquistado uma má fama, decorrente de olhos preconceituosos, algumas pessoas pareciam querer tirar suas próprias conclusões. Frequentadores Não Sativos começaram a aparecer, pessoas que gostavam de rock, reggae e músicas alternativas, mas que não faziam o uso da Cannabis sentiram-se à vontade e passaram a compor o quadro de adeptos ao movimento. Aquele espaço representava muito mais do que um ponto de encontro de Sativos, representava um lugar de expressão jovem, um ambiente de liberdade, contra cultural, de construção de ideias e valorização do subjetivo e das diferenças, estas pessoas enriqueceram a cultura do bar. Comecei a perceber que a questão do preconceito, o preconceito inquestionável, moral, na nossa geração vem se comportando de uma forma diferente, os dois grupos se relacionavam diretamente com muita harmonia, poderia até haver uma discordância de ideais, mas era nítido que não passava de algo relativo e que era apenas uma questão de escolha, essa sim, teria que ser respeitada enquanto do próprio sujeito. Apesar da grande exposição à grupos e pessoas Sativas, não se fazia uma apologia ao uso da Cannabis, muitos Não Sativos tiveram o primeiro contato íntimo, experimentaram, com a Cannabis ali, nos arredores do bar, mas foi uma manifestação que partiu de um interesse e

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curiosidade deles, a final que coisa era essa que todos diziam ser um sem fim de coisas ruins, mas que faziam os que ali estavam demonstrar totalmente o contrário.

Acho, quase que com certeza, que as informações que temos sobre a Cannabis, as mais acessíveis do âmbito social, senso comum, são baseadas em falsas ideologias, são argumentos antigos de uma civilização pouco desenvolvida, à mercê de homens que dominavam e que faziam o que bem entendiam no comando. Hoje a juventude busca uma nova forma de pensamento, pelo menos alguns jovens, um pensamento mais questionador, que necessite de provas mais concretas, que não seja facilmente internalizado como verdade, esta busca se dá pelo grande acesso a informações e pelo aumento no nível intelectual do povo brasileiro, por meio de universidades espalhadas por todo país. Muitas vezes este interesse pela Cannabis é decorrente das meias verdades que se falam sobre seus efeitos, essa falsa ideologia desperta uma curiosidade naqueles que entram em contato visual, ou mesmo através de modelos sociais, grandes personalidades ou pessoas do mesmo círculo social, toda essa repressão política parece causar um efeito contrário, dá mais força à própria Cannabis e faz com que ela seja um grande ícone da luta contra cultural, não que seja preciso fazer seu uso para atestar seu protesto.

Após alguns anos o bar sofreu uma reforma e com as mudanças do bar, o público também estava mudando, daquele movimento que havia se iniciado, aqueles que frequentavam o bar, presenciaram uma grande migração de pessoas Não Sativas e agora o ambiente estava dividido meio a meio. Com a reforma não foi somente o público que aumentou, aumentou o preço da cerveja e começou a cobrar entrada, o que antes era sem ônus, iniciava-se uma nova era. Os novos frequentadores começaram a surgir e mudar o cenário do bar, o que antes era “imune” ao capitalismo começou a ganhar tais aspectos, estava icando caro frequentar assiduamente, nesta altura eu já havia criado um vínculo com aquele lugar. Como na época só estudava, arrumar um emprego passou a ser uma necessidade, a menos de dois anos para me formar, resolvi que teria que arrumar um emprego para poder continuar frequentando aquele lugar, tinha uma empatia muito forte, pelos momentos de alegria, histórias, amizades e, contudo, pela forma como me sentia dentro daquele lugar. Era onde eu me entendia, onde encontrava com outros que pensavam mais ou menos como eu, era onde eu podia entrar com os olhos vermelhos e não deparar com uma cara de desaprovação, onde podia pular e gritar, olhar para o lado e ver que tinha mais uns dez fazendo a mesma coisa, era o lugar.

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Havia um grande amigo meu, de sala, que trabalhava na faculdade concorrente, conversei com ele para me arrumar um emprego lá, que estava precisando trabalhar e ele ficou de olhar para mim. Antes de ingressar na faculdade eu havia rejeitado duas oportunidades de emprego, em uma siderúrgica de grande porte instalada em Ipatinga, estava decidido a estudar e me dedicar somente aos estudos, havia conversado com meu pai e ele me apoiou, desde então arcava com meus custos acadêmicos e de lazer. Passado pouco tempo, surgira uma vaga na concorrente e fui convocado para participar do processo seletivo, por indicação desse meu amigo, participei do processo e consegui a vaga. No meu primeiro dia de rabalho, fui orientado a evitar o envolvimento com alunas, já que ali havia muitas, uma mais bonita que a outra. Com seus sorrisos e corpos de dar água na boca, mas eu estava concentrado em ser um bom profissional, afinal não poderia quebrar a confiança que meu amigo depositara em mim.

Nos finais de semana estava religiosamente no bar, tomando uma e observando o movimento, pegava algumas garotas de vez em quanto, mas estava ali para explorar o universo Cannábico. Na maioria das vezes ia para lá sozinho e sempre encontrava com a rapaziada lá, sempre havia alguém conhecido, grupos conhecidos, mas agora em menor escala do que antes. Haviam cercado o bar, deixando um espaço do lado de fora como se fosse uma varanda em L, para o pessoal pegar um ar, pois lá dentro fazia muito calor. Numa noite paguei a entrada e segui direto para o caixa comprar uma ficha de cerveja, estava com a boca seca, tinha praticamente acabado de fumar um e estava morrendo de sede, quando adentrei no bar, vi uma garota com uma faixa amarrada na cabeça, com as duas pontas caindo sobre seus ombros e aquele sorriso enorme no rosto, parei meio admirado e pensei, é esta! Eu não era aquele cara que tinha sempre que estar pegando uma mulher toda vez que saía para curtir, o físico não era suficiente para despertar aquele interesse em querer chegar naquela ou nessa mulher, tinha um algo a mais, algo difícil de explicar, mas que eu sabia bem o que era, e esta tinha.

Comprei a ficha, peguei uma lata e comecei a admirá-la, era uma gata, um estilo meio Janis, espontânea, alegre, transmitia uma energia sem igual, percebi que ela estava com uma galera e nessa turma havia umas duas pessoas que eu conhecia, resolvi me aproximar como quem não quer nada. Chegando perto do grupo uma colega veio me cumprimentar, peguei uma carona e acabei cumprimentando todo o grupo, ela ficou por último, parei de frente para ela e fui perguntando:

Referências

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