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Calvinismo, Arminianismo e a Teologia da Salvação

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Academic year: 2021

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Dr. Robert Picirilli

“Calvinismo, Arminianismo e a Teologia da Salvação”

QUARTA PALESTRA: A POSSIBILIDADE DE APOSTASIA

Por fim, tratarei da doutrina da perseverança e da possibilidade de apostasia É impossível tratar, em quatro palestras, de todas as questões contidas no livro Graça, Fé e Livre Arbítrio. Portanto, foi-me necessário decidir qual parte poderia ser mais útil para esta apresentação. Cada uma das três partes principais contém três capítulos: um para apresentar o ponto de vista calvinista, outro para o ponto de vista arminiano (estes dois por meio da teologia sistemática) e o terceiro capítulo para apresenta-los por meio da teologia bíblica.

Para esta palestra decidi focalizar na teologia bíblica. Definirei a teologia bíblica de uma forma simplista como a tentativa de se desenvolver a teologia a partir da exegese bíblica. Tratarei da passagem de Hebreus 6:4-6 e do seu contexto no livro como um todo, tirando do próprio livro de Hebreus o ensino a respeito da possibilidade da apostasia.

O contexto da passagem

Estes versículos se encontram dentro de um livro que tem a perseverança como tema principal. Os leitores originais aparentemente consideravam uma deserção de Cristo e o autor escreveu para exortá-los a perseverar na fé.

Apesar da paixão doutrinária de Hebreus ser cristológica, sua preocupação exortatória é a perseverança. A estrutura do livro é tal que uma exortação para perseverar está no centro de cada uma de suas divisões principais. Hebreus é tipicamente subdividido em quatro ou cinco seções, havendo um consenso geral de que a primeira inclui os capítulos 1 e 2. A primeira passagem de exortação encontra-se em 2:1-4 que inclui “... importa que nos apeguemos, com mais firmeza, às verdades ouvidas, para que delas jamais nos desviemos” (2:1).

A segunda seção é claramente os capítulos 3 e 4 com a segunda passagem de exortação em 3:7 – 4:2. Lemos “Tende cuidado, irmãos, jamais aconteça haver em qualquer de vós perverso coração de incredulidade que vos afaste do Deus vivo” (3:12). “Afaste” é a palavra grega apostenai de onde vem a nossa palavra “apostasia”.

A terceira seção (e seção central) é composta pelos capítulos 5-7. No centro desta divisão encontra-se a terceira passagem de exortação, 5:11 – 6:20. Ela inclui a passagem do nosso estudo e voltarei a falar dela.

1 N.T. Palestras anuais proferidas no seminário por palestrantes convidados. O nome das palestras é em

homenagem ao teólogo Leroy Forlines.

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A seção final é composta pelos capítulos 8-12, contendo a quarta e quinta passagens de exortação: 10:10-39 e o capítulo 12. Somos advertidos de que se decidirmos retornar aos nossos caminhos pecaminosos, pisoteando assim o sangue de Cristo e insultando o Espírito, nossa punição será muito pior do que a morte sem misericórdia da economia mosaica. O autor cita a passagem favorita do Antigo Testamento referente à justificação pela fé, “O justo viverá pela fé” e em seguida acrescenta: “Se retroceder (isto é, o justificado), nele não se compraz a minha alma” (10:26-38). O autor exorta “... por que ninguém seja faltoso, separando-se da graça de Deus" (12:15).

O trecho de 6:4-6 está, portanto, no coração de um livro que tem a apostasia em suas raízes. As cinco passagens de advertência ligam o livro como um todo e advertem os leitores contra se apostatarem de Cristo. Não existe sacrifício pelos pecados, nenhuma provisão para a justiça fora de Cristo. Cada uma das cinco passagens de advertência é esclarecida pelas outras. Todas as cinco descrevem a mesma advertência e exortam os mesmos leitores.

O texto

Aqui está minha tradução mais ou menos literal, organizada de forma a deixar clara a relação entre as diferentes orações:

 Pois é impossível para aqueles

que uma vez por todas foram iluminados e que provaram o dom celestial gratuito

e que se tornaram participantes do Espírito Santo

e que provaram a boa Palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro e que caíram/abandonaram

 serem renovados outra vez para arrependimento,

 crucificam novamente para si o Filho de Deus e o expõem à desonra pública. Existem três perguntas chaves sobre o significado deste texto.

1. O texto descreve cristãos genuínos? Alguns intérpretes sugerem que se trata de uma conversão menos que genuína. As pessoas descritas no texto vivenciaram quatro coisas

positivas:

Foram de uma vez por todas iluminadas: a iluminação espiritual é associada à salvação.

Provaram o dom celestial gratuito. Alguns sugerem que “provar” implica uma vivência parcial em vez de plena, mas Hebreus 2:9 usa a mesma palavra para dizer que Jesus “provou” a morte por cada pessoa!

Tornaram-se participantes do Espírito Santo. A mesma palavra, “participantes”, ocorre em 3:1 e 14 e 12:8. Todos identificam os “participantes” como verdadeiros cristãos, possuindo o Espírito Santo, assim como todos os outros crentes. Veja Atos 2:38-39 e Gálatas 3:14.

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Provaram a boa Palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro. Vivenciaram a bondade de que Deus falou e as obras sobrenaturais associadas com a era vindoura, inclusive a regeneração e o dom do Espírito Santo.

Seria difícil fazer uma descrição melhor de uma verdadeira regeneração e conversão. Qualquer uma das orações já seria suficiente, mas as quatro juntas providenciam uma das melhores afirmações a respeito da experiência da salvação que se pode encontrar em qualquer lugar nas Escrituras.

2. O texto descreve verdadeira apostasia de salvação?

A resposta está na oração, que na versão ARA se lê: “e caíram”, significando uma deserção da vivência descrita nas quatro orações positivas que a precedem. É isto que significa a apostasia. À luz do conteúdo do livro inteiro de Hebreus, “caírem” é sinônimo de “se desviar” (2:1), “se afastar [literalmente, apostatar] do Deus vivo” (3:12), “retroceder” (10:38) e “se desviar daquele que dos céus nos adverte” (12:25).

Alguns intérpretes, talvez desconhecedores do grego do original, não entendem a relação entre as orações. Concordam que as quatro orações positivas descrevem um estado da pessoa genuinamente regenerada e acrescentam que se tal pessoa regenerada viesse a se desviar, seriam apóstatas. Mas insistem que esta é uma situação hipotética e que o genuinamente regenerado não pode “se desviar”.

A gramática do original não permite esta leitura. A quinta oração não pode ser transformada em um adendo hipotético a uma série de circunstâncias reais. A tradução literal que coloquei acima demonstra isto. No grego é também claro. Temos cinco particípios equivalentes, em

série, coordenados e no tempo aoristo. Quem quer que sejam, as pessoas são descritas por

todas as cinco orações: foram (1) iluminadas, (2) provaram o dom, (3) tornaram-se participantes, (4) provaram a boa Palavra de Deus e (5) caíram.

Homer Kent, que não crê na possibilidade de apostasia, reconhece isto: “Gramaticalmente não há razão para se tratar o último [particípio] na série de maneira diferente das outras”. Repare na clareza da tradução da ARA: “... aqueles que uma vez foram iluminados... e caíram, sim, é impossível outra vez renová-los para arrependimento...”.

3. Qual é a natureza da impossibilidade da qual se fala?

Aqueles que vivenciaram as cinco coisas listadas não podem ser renovadas ao arrependimento: a palavra “impossível” foi colocada no início da oração para dar ênfase.

O que é impossível? “Renová-los para arrependimento”, o que deixa claro que tinham se

arrependido anteriormente. Agora que se desviaram, o arrependimento deste estado de apostasia não é possível. Veja 12:15-17 onde a ilustração de Esaú indica que “não achou lugar [oportunidade] de arrependimento”.

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Porque é impossível o arrependimento? A explicação é “visto que, de novo, estão

crucificando para si mesmos o Filho de Deus e expondo-o à ignomínia”. Alguns intérpretes argumentam que esta não é uma razão. Em vez de entender “visto que” como indicativo da causa, eles traduziriam “é impossível renová-los novamente ao arrependimento enquanto estão crucificando-o... e sujeitando-o à desonra pública”.

Mas a oração não se encaixa como oração subordinada de tempo. Intérpretes e tradutores são quase unânimes em traduzi-lo “é impossível... porque (“visto que”) estão crucificando-o novamente”.

Mais uma coisa, a ênfase em impossível, como dito acima, faz mais sentido se for uma impossibilidade real. A interpretação de Shank (enquanto) acaba dizendo que é impossível renová-los ao arrependimento enquanto persistem em sua atitude de rejeição. Mas isto acaba sendo um círculo vicioso, pois seria dizer que é impossível renovar tal pessoa ao arrependimento enquanto ela persiste na atitude que faz com que seja impossível traze-la ao arrependimento!

Além do mais, justiça deve ser feita aos versículos 7 e 8. A impossibilidade não recai somente na atitude do apóstata, mas também no julgamento de Deus.

Por fim, deve-se também comparar com as outras passagens de advertência que igualmente sugerem um estado irreversível. Assim, Hebreus 2:1-4 pergunta como escaparemos se formos "negligentes". A passagem que se inicia em 3:7 nos lembra de que Deus jurou que os israelitas apóstatas não entrariam no descanso prometido. Em 12:25 mais uma vez a advertência é de que não escaparemos se nos desviarmos dele. A passagem de 10:26-39 esclarece este fato: Deus não tem prazer naquele que retrocede (v. 38). A verdadeira razão pela impossibilidade é que para o apóstata “já não resta sacrifício pelos pecados” (10:26). O sangue de Cristo é a única expiação pelo pecado. Tendo vivenciado e rejeitado isto, o apóstata não tem para onde ir.

Outras leituras do texto

Resumidamente, os calvinistas lidam com estas passagens de duas formas diferentes. (1) Alguns dizem que estas pessoas não eram realmente salvas e, portanto, a advertência não é contra a apostasia. (2) Outros dizem que as advertências são meramente hipotéticas e não significa que se possa realmente apostatar. Já lidei com estes argumentos acima. O que me intriga mais é que os próprios calvinistas providenciam toda a munição necessária para combater qualquer uma destas duas posições. Aqueles que creem que é um caso hipotético avançam excelentes argumentos para provar que as pessoas ali descritas são realmente convertidas. Aqueles que creem que estas pessoas não eram realmente salvas fornecem excelentes argumentos para provar que a passagem não pode ser hipotética.

Acho muito interessante que muitos calvinistas prestem atenção para esta passagem de advertência e para outras dadas aos cristãos do Novo Testamento. Alguns vão até ao ponto de

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dizer que estas passagens foram dadas com o propósito de ajudar os cristãos a evitar a tentação de cair em falhas espirituais e que as advertências servem um bom propósito em ajudar os cristãos a perseverarem na fé. Mas aí passam a dizer que a advertência da apostasia não é realmente possível. Se dissermos que a apostasia não é possível, de que servem as advertências?

Conclusão

Parece-me claro que Hebreus 6:4-6 e o contexto do livro do qual esta passagem faz parte ensinam a real possibilidade da apostasia. Não tomei o tempo para tratar da pequena carta de 2 Pedro, mas você verá que ela também contem ensino claro quanto a este assunto. Quero acrescentar algumas observações breves.

 O que tenho exposto aqui não significa que somos salvos pela fé e guardados pelas obras. Salvação é pela fé e sempre pela fé.

 Nossa doutrina não deve roubar a nós ou aos outros a certeza da salvação. A certeza é baseada no fato de que a fé salvadora estabelece uma união salvadora com Cristo e é por esta união que Sua justiça nos é imputada.

 Ao mesmo tempo, não devemos dar uma falsa segurança. As Escrituras descrevem o comportamento e a conduta de um verdadeiro cristão. A Bíblia não oferece muita segurança às pessoas que estão vivendo em pecado.

 Pelo lado negativo, devemos advertir os cristãos sobre a apostasia, especialmente os caminhos que podem eventualmente levar à apostasia, incluindo: brincando com o pecado, rebelião contra a correção e a falsa doutrina.

 Pelo lado positivo, podemos exortar e encorajar uns aos outros a caminhar no sentido do desenvolvimento e crescimento espiritual. Esta é a maneira mais certa de evitar a apostasia. 2 Pedro conclui: “Vós, pois, amados, prevenidos como estais de antemão, acautelai-vos; não suceda que, arrastados pelo erro desses insubordinados, descaiais da vossa própria firmeza; antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” (3:17-18).

 No corpo de Cristo temos importantes responsabilidades não somente por nós mesmo, mas também uns pelos outros. Hebreus, por exemplo, chama o leitor a ajudar uns aos outros pela exortação mútua nesta jornada de peregrinação. Veja 3:13; 10:24 e seguintes; 12:12 e seguintes e 13:17. Estes lembretes ocorrem lado a lado às advertências contra a apostasia.

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