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Produção midiática: questões teórico-metodológicas

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Academic year: 2021

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Produção midiática: questões teórico-metodológicas

Elizabeth Bastos Duarte

Dos preliminares

As investigações realizadas no PPGCC Unisinos inserem-se em duas Linhas de Pesquisa – Mídias e processos de significação e Mídias e processos sócio-culturais –, ambas tendo como eixo comum a área de concentração do Programa, Processos midiáticos, que, ao definir o objeto de estudo mais amplo dessas pesquisas, as enforma e inter-relaciona, respeitadas as ênfases conferidas às distintas instâncias ou componentes desse processo e às diferentes abordagens teórico-metodológicas adotadas pelos pesquisadores.As reflexões aqui apresentadas são uma tentativa de sistematização das respostas, talvez provisoriamente encontradas, às questões surgidas no desenvolvimento de minha pesquisa e a partir das leituras e debates empreendidos nos seminários de doutorado. Centram-se na discussão sobre o objeto de estudo da Comunicação, e de suas relações com outras áreas da ciência e da tecnologia; sobre a apropriação de metodologias de outras áreas na análise e interpretação desse objeto; sobre as reais possibilidades de contribuição das ciências das linguagens, em particular da Semiótica; e, finalmente, sobre o interesse de tais contribuições para a constituição do Campo da Comunicação.

Do contexto

A relevância da Comunicação no mundo contemporâneo deve-se indubitavelmente ao desenvolvimento midiático acelerado dos últimos cinqüenta anos. Tanto isso é verdade que só então a comunicação humana, motivo de estudo e interesse de diferentes áreas científicas, passou a se propor enquanto campo autônomo de conhecimento.

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A constituição de qualquer campo de conhecimento tem de encarar de frente um vazio teóricometodológico inicial, responsável pela apropriação de conceitos e metodologias de outras áreas, cuja articulação nem sempre corresponde aos critérios de coerência e consistência desejáveis e/ou cobre as exigências de adequação ao objeto de estudo.

No caso da Comunicação, a essa lacuna teórica agregam-se algumas questões tais como a complexidade dos fenômenos a serem analisados, em particular a dos processos midiáticos, cujo conhecimento envolve relações interdisciplinares, e a conseqüente e relativa ausência de investigações sobre esse tipo de fenômeno. No que concerne aos processos midiáticos, a verdade é que, se, como muitos dizem, não há mais no Planeta espaços exteriores à mídia, se ela funciona como uma agenda coletiva, sobredeterminando outras esferas do social, bem pouco se sabe sobre seu papel, função e efeitos, que não são nem lineares, nem calculáveis, como, aliás, acontece com qualquer processo complexo.

Por processos midiáticos, entende-se a comunicação humana mediada pelos meios de comunicação de massa, os mídias, constituindo-se tal processo de instâncias produtoras e receptoras, com os respectivos sujeitos envolvidos e os cenários amplos e restritos que os enformam; dos próprios meios empregados na produção e circulação das mensagens; do tipo de suporte e ambiência que permite sua recepção; dos produtos midiáticos frutos desse processo e da complexa rede de relação entre as diferentes linguagens empregadas na manifestação de tais produtos.

Mas, se não restam dúvidas de que a autonomia do Campo da Comunicação se deve ao desenvolvimento acelerado dos processos midiáticos contemporâneos e de que, conseqüentemente, eles são o objeto de estudo preferencial do Campo, isso não diminui as inúmeras dificuldades que a análise de tais processos atualiza.

Nessa perspectiva, só resta aos pesquisadores da comunicação enfrentar as dificuldades advindas da insuficiência e inadequação do aparato teórico-metodológico de que dispõem à complexidade do processo em estudo. Aliás, é preciso lembrar que os aspectos relativos à midiatização necessitam até mesmo de uma metalinguagem descritiva que possibilite a articulação dos diferentes níveis de apreensão dos fenômenos midiáticos. A própria noção de meios é puramente empírica, não estando ligada a nenhuma teoria. E, se os

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modelos existentes fornecerem explicações muito simplificadas e elementares da comunicação midiática, é hora de buscar outros caminhos.

As ciências das linguagens – e, em especial, a Semiótica, que se preocupa com o estudo de diferentes linguagens sonoras e visuais – teriam muito a oferecer à Comunicação. Afinal, elas possuem constructos teóricos sólidos e aparatos metodológicos coerentes, consistentes, rigorosos, e, ousaria dizer, adequados ao objeto de estudo da comunicação, pois seu objeto também é um processo, o texto, espaço de identificação da rede de relações que o define. Nessa direção, não só se pode compreender todo processo midiático como um texto lato sensu, como todo processo comunicativo se materializa em textos strictu senso, textos que produzem significação e sentidos, utilizando-se, para sua expressão, de diferentes linguagens.

Curiosamente, num momento em que há tanto interesse por parte dos comunicólogos pelas linguagens e signos em geral; em que há tanta preocupação em perquirir os sentidos, nunca a Semiótica gozou de tão pouco prestígio no Campo, nunca foi tão rejeitada e/ou tão acusada de falta de atualidade.

Das proposições operacionais

A meu ver, não há sentido em a Comunicação abdicar das contribuições que a Semiótica possa lhe oferecer. Mas, para que ela possa delas usufruir, há a necessidade de se ressaltarem alguns pontos que, acredito, possibilitariam essa relação de apropriação.

O primeiro deles diz respeito à permanência constante de um lembrete: para a Comunicação, o conhecimento dos textos, das linguagens, dos sentidos, não é um fim em si mesmo; os modelos semióticos, nessa perspectiva, são instrumentos, ferramentas a serviço da análise dos objetos da Comunicação.

O segundo ponto a cogitar refere-se à necessidade de um revisionamento e/ou mesmo “relaxamento” em relação a certas questões teóricas, muito caras à Semiótica mais ortodoxa, mas que não são pertinentes aos propósitos da Comunicação. Essa revisão parte de um “mea culpa”, isto é, da admissão de que há índices evidentes de congelamento, esgotamento e/ou falta de atualidade, que, se não dizem respeito às potencialidades da Semiótica – sem

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dúvida, há muito o que investigar –, possivelmente sejam concernentes à validade e eficácia heurística de seus modelos, quando aplicados de fo rma ortodoxa, aos vários níveis de complexidade e hibridação característicos dos textos midiáticos.

É que as mídias, como quaisquer outras empresas privadas de caráter comercial, pautam-se pelo atingimento de objetivos que conduzam à maximização dos lucros: sua lógica é mercantilista; seus textos, mercadoria, que, como qualquer outro produto acabado, são oferecidos ao mercado global. Por isso, seus produtos devem ser compreendidos na sua especificidade: a de terem sua produção presidida por interesses e estratégias comunicativas de marketing ou de lógicas próprias do mercado que os produz e veicula e que pretende o seu consumo.

Disso decorre, aliás, um outro ponto que deve ficar evidente: não se podem analisar os produtos midiáticos independentemente do processo que os engendra e constitui. Aliás, a definição de processo midiático, anteriormente explicitada, o concebe na inter-relação entre processo de produção e produto. A forma de tratamento da instância enunciativa é questão amplamente discutida pelas ciências das linguagens. Em princípio, podem-se divisar duas posições: (1) a que parte de marcas sígnicas encontradas no texto para reconstituir a instância de produção em termos culturais, ideológicos, sociais, psicológicos; (2) a que recupera essa instância para, a partir desse resgate, dotar de sentidos o texto. A primeira limita-se ao texto; a segunda estabelece limites precisos entre texto e contexto. Ocorre que, em relação aos textos midiáticos, essas duas posições não oferecem soluções confortáveis para o analista, porque esses produtos são produzidos no espaço midiático, cuja atualização é necessária à interpretação de seus sentidos e cujos limites muitas vezes não são facilmente definíveis – cada caso é um caso. Dependendo do que se pretende analisar, pode ou não haver a necessidade de recorrência à enunciação e, quando isso acontece, muitas vezes precisa-se selecionar apenas alguns elementos desse processo –, aqueles pertinentes à análise empreendida. Dito de outra forma, devido à complexidade dos processos midiáticos, não se pode pretender dar conta de todos os aspectos envolvidos na produção dos textos midiáticos. Por isso, como, em cada análise, a proposta é examinar determinados elementos e, dificilmente, o processo em sua integridade, são tais elementos que devem definir que aspectos e instâncias do processo midiático devem ser atualizados para que se possam alcançar os objetivos perseguidos. Essa deliberação, aliada à decisão de apelar a

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subdistinções do fluxo de sentido, ocorridas no momento preciso em que se verifica o processo comunicativo, possibilitariam ao analista precisar que elementos enunciativos devem ser atualizados.

Uma tal concepção faz pressupor a integração de uma dimensão mais pragmática ao percurso de análise dos processos textuais, não como simples pressuposição, mas como elemento essencial à emergência dos sentidos, não podendo, porém, ser dele – texto – dissociado, não só porque impregna o texto, como também porque uma dissociação forçada, deixaria escapar muitos dos sentidos textuais.

A esse respeito, não obstante, vale lembrar que a enunciação midiática tem características bem particulares. Os processos midiáticos são, em muitos casos, formas de ação coletivas: parece haver uma espécie de fuga dos enunciadores que se remetem uns aos outros, em termos de concatenações progressivas e culturalmente determinantes o que resulta num apagamento dos sujeitos nas duas pontas do processo comunicativo. Quem é, por exemplo, o enunciador de um telejornal ou de um programas de entrevistas? Os âncoras, os atores, os entrevistados, os redatores, os câmeras, a cadeia de televisão que os transmite, as forças políticas e/ou econômicas que estão por trás da emissora, a sociedade em geral?... Mesmo a listagem de créditos no final dos programas certamente não esgota o número de sujeitos responsáveis pelo processo enunciativo. Não há, portanto, possibilidadede delimitação precisa. É como se ho uvesse sempre um enunciador cada vez mais atrás, mas,

com isso, o que fazer?

Esse estilhaçamento, essa ruptura dos limites entre o processo de produção e o produto, aponta para o deslocamento do conceito de texto para o de uma textualidade que contenha em si as chaves necessárias à interpretação do fenômeno textual. Para que a Semiótica tenha serventia à Comunicação, há a necessidade de um alargamento da noção de texto que inclua nessa textualidade o processo que o engendra como um todo, articulando conjuntos ou sistemas de vários tipos, superpostos uns aos outros por meio de vários tipos de intertextualidades, de sucessões de fragmentos relacionados em pura processualidade, o que descartaria a necessidade de determinação de limites precisos entre o que é interior ou exterior ao texto, visto que dessa processualidade fariam parte instâncias de produção e recepção, entornos e cenários de caráter social, cultural e ideológico.

Ora, concebendo a questão de maneira a se extinguirem tais limites, está-se frente a uma textualidade que dispõe dos elementos necessários à interpretação dos fenômenos

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textuais; que comporta as estruturas de significado que acompanham o texto, determinando-o e especificanddeterminando-o-determinando-o, inscrevenddeterminando-o-determinando-o numa textura de significaddeterminando-o cujas categdeterminando-orias, pdeterminando-orque nãdeterminando-o previamente definidas, a entenderiam como um conjunto a ser segmentado de acordo com as necessidades e os interesses do analista. Em cada caso, então, seriam propostas categorias, gradualmente identificáveis, que poderiam ser utilizadas para segmentar provisoriamente alguns fenômenos de sentido, as quais, graças à sua interdefinição, teriam condições de atingir uma certa eficácia interpretativa. Como qualquer fenômeno cultural pode ser concebido como texto; como, para cada texto, haveria então muitas textualidades, uma vez que nenhuma delas estaria pré-definida – dependendo do que se pretendesse analisar, seria possível convocar as categorias pertinentes àquela textualidade, à descrição daqueles elementos.

Nessa perspectiva, como diferentes sujeitos participam do evento comunicativo midiático, para além dos aspectos centrados no(s) enunciador(es), essa textualidade poderia convocar também elementos que lhe permitissem, quando fosse o caso, as percepções do enunciatário. Embora se discuta muito a função do receptor na comunicação midiática e suas possibilidades interativas, não se pode esquecer de sua importância nesse processo que conside ra cuidadosamente seus interlocutores, não por delicadeza ou simpatia, mas porque eles são os seus consumidores – os compradores do seu negócio – aqueles que lhe garantem o pão de todos os dias.

Um outro ponto a ser levado em consideração é a forma de tratamento das linguagens que manifestam os produtos midiáticos. É preciso ter presente que os processos comunicativos que engendram os diferentes textos midiáticos caracterizam-se como um complexo de relações que remetem não só ao tipo de imagens e sons configurados, ou aos tipos de narrativa privilegiados, mas, simultaneamente, a outros elementos, tais como suportes, formas e horários de transmissão, público a que se destina, condições de recepção, cenários sociais e culturais, etc.

Normalmente, o conteúdo dos textos midiáticos – fílmicos, televisivos, videográficos, computadorizados – expressa-se simultaneamente através de diferentes tipos de linguagens sonoras e visuais, articuladas em função dos modos de contar a narrativa; das estratégias discursivas e mecanismos expressivos próprios da mídia empregada, selecionados dentre um arsenal de procedimentos disponíveis com vistas a impor ao receptor a interpretação que

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Também é esse comprometimento com a lógica do mercado que obriga as mídias a oferecerem constantemente novas séries de produtos que se apresentem como novidades. Ora, a busca frenética do novo, aliada à velocidade com que normalmente os textos midiáticos têm de ser produzidos, conferem a esse tipo de produção características bastante peculiares de substituição da integridade, da globalidade, da sistematicidade ordenada pela instabilidade, pela polidimensionalidade, pela mutabilidade, desfazendo-se muitas vezes com isso a unidade em prol de um pluralismo e multiplicidade por vezes resistentes ao significado. Mecanismos como a superposição de planos e imagens em velocidades distintas, articuladas à exclusão de temas centrais e à incessante rotação dos elementos, de forma, pelo menos aparentemente, aleatória, dificultam a percepção dos produtos midiáticos como qualquer coisa que não seja um amontoado de fragmentos cuja dimensão é cada vez mais exígua. A densidade das imagens, a sobrecarga de informações, a intertextualidade feita de referências, alusões, apropriações, o desdobramento do tempo em uma série de presentes ou em seqüências de duração desigual colocam em questão a própria noção de todo estruturado de sentido, como se a tensão que relaciona sistema e processo houvesse num dado momento perdido seu ponto de equilíbrio.

Embora essa seja uma tendência que não esgota o campo de produção cultural midiática, ela, em todo caso, resume a produção geral; pode mesmo ser considerada como o primeiro estilo literalmente midiático e – por que não? – global, assinalando que uma ruptura no modo de dizer contemporâneo. Por vezes, faz mesmo pensar no estilhaçamento de qualquer estrutura lógica. Mas o declínio de certas formas de racionalidade, sem dúvida, não pode ter como conseqüência a morte de toda e qualquer racionalidade, apontando possivelmente apenas para a busca de outras formas de racionalidade diferentes, mais adequadas aos produtos midiáticos. É bem provável que o nível de profundidade em que se operam essas rupturas não comprometa a validade dos modelos semióticos descritivos dos processos de produção de significação e sentidos, pois, em nível profundo, fundamental, a organização narrativa dos conteúdos dos textos continua obedecendo a regularidades, não se atingindo com isso, portanto, conceitos gerais como o de narratividade. Não obstante, já o esquema narrativo obedece a um caráter lógico-sintático-semântico no encadeamento de seus percursos narrativos; é uma grade cultural de leitura do mundo, sustentada por relações de pressuposição e implicatura – há coerência entre qualificação, ação e sanção – elas são pautadas por uma lógica que diz de causas e conseqüências, de meios e fins, etc. E é essa

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lógica que, pelo menos em nível mais superficial, está em causa nos textos com que se trava contato diariamente, veiculados pela mídia, cuja conformação, bastante peculiar, persegue o vago, o indefinido, o ambíguo, o indistinto, deixando, aparentemente, pelo menos, à recepção a tarefa de preencher as lacunas, de precisar os sentidos, de estabelecer as relações lógicas.

Acontece, e esse é outro ponto a considerar, que, mesmo que preservados os universais semióticos, uma descrição nesse nível de generalização não interessa à análise dos textos midiáticos, pois o que os diferencia de outros textos se situa num outro nível, isto é, no seu processo de discursivização, lugar da opção pelo emprego de novas estratégias discursivas e mecanismos expressivos. A existência e a conseqüente identificação de certas formas universais organizadoras da narrativa não resolve o problema de quem busca as diferenças. A pretensão da comunicação não é verificar o que faz de todo texto um texto, mas o que caracteriza o texto midiático: mais ainda, como ele faz para dizer o que diz, para atingir os seus propósitos.

Essa necessidade, como não poderia deixar de ser, por si só, atualiza questões metodológicas significativas, implicadas na análise de tais produtos. Como já se referiu, cinema, vídeo, televisão, computação gráfica colocam em jogo simultaneamente diferentes sistemas de representação, diferentes linguagens na produção de seus textos. Todos esses textos são complexos, isto é, recorrem a múltiplas linguagens para a sua expressão; não é essa recorrência, portanto, que estabelece distinções entre eles. Ocorre que os meios técnicos de produção e aqueles referentes à circulação dos produtos midiáticos interferem na construção desses textos, impondo-lhes restrições e oferecendo-lhes possibilidades expressivas que configurariam o que se poderia chamar de diferentes gramáticas de formas de expressão. Esses recursos técnicos de que se pode lançar mão na produção de textos midiáticos ganham nessa perspectiva estatuto de linguagens, razão pela qual os sentidos e a significação também não podem mais ser analisados ignorando as dimensões técnicas e sensíveis dos aparelhos de transposição e veiculação dos seus significados.

O desenvolvimento tecnológico interfere estrutural e substancialmente no processo comunicativo e, conseqüentemente, na própria estruturação dos textos, manifestando-se diretamente no seu processo discursivo. É preciso ter presente que, no caso de produção midiática, cuja condição fundante e natural é de complexidade (utilização simultânea de diferentes linguagens) e de superposição de diferentes níveis de hibridação (apropriações

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intermidiáticas), não é mais possível distinguir categorias ou partes de seu conteúdo que sejam anteriores ao processo comunicativo que os instaura.

Da mesma forma, não interessa segmentar para fins de descrição, os distintos significantes visuais ou sonoros, mas antes levar em consideração que a característica de base dos textos midiáticos é a complexidade e a hibridação. Os meios técnicos de produção e circulação de mensagens funcionam como máquinas discursivas, que oferecem infindáveis possibilidades de seleções e combinações, transposições e fusões. A articulação entre essas possibilidades expressivas e determinadas restrições, próprias de cada mídia, coordena, nos limites do texto, as diferentes linguagens empregadas na construção dos textos midiáticos. Mais ainda, os textos midiáticos, ao transporem, ao fundirem, ao colarem diferentes sistemas, operam verdadeiras perfusões, e, nesse processo de apagamento de sua origem, constituem-se nos elementos constituintes de novas formas de expressão: as diferentes gramáticas midiáticas; de novos gêneros e formatos, aqueles próprios dos meios que os produzem e veiculam.

Por outro lado, como as linguagens midiáticas são recentes e estão em permanente movimento de construção, a cada avanço técnico dos meios, há toda uma reordenação dessas gramáticas. É evidente também que esse mesmo desenvolvimento tecnológico permite hoje que o cinema ou a tevê se apropriem de recursos próprios da gramática videográfica, por exemplo, e/ou vice-versa, construindo textos cada vez mais híbridos. Portanto, à complexidade e sincretismo de base, constitutiva desse tipo de texto, somam-se novos processos de hibridação, decorrentes não só das constantes apropriações intersemióticas e intermidiáticas, como da própria hibridação dos meios. Haveria, nessa perspectiva, uma hibridação de base decorrente da natureza desses textos e vários outros níveis de hibridação superpostos. Por isso, mais do que estabelecer os contornos de suas gramáticas, interessa à Comunicação registrar suas transformações em ato.

Daí por que parece interessante à Comunicação trabalhar com os conceitos de estratégias comunicativas e discursivas/mecanismos expressivos. A enunciação, como espaço desencadeador de operações seletivas, é responsável pela eleição, dentre as combinatórias de unidades discursivas virtuais, as que estão em condições de produzir os efeitos de sentido desejados. A esse conjunto de deliberações tomadas pelo enunciador dá-se o nome de discursivização, e à atualização das escolhas frente ao repertório de possibilidades virtuais, estratégias discursivas. A estratégia é da ordem prática do uso, não

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implicando a obediência mecânica a regras explícitas e/ou codificadas.

Projetada essa noção de estratégia no âmbito da produção midiática – comunicação e mercadoria a ser consumida por milhões de receptores – pode-se imaginar o quanto ela deve ser elaborada, calculada, para poder responder às necessidades de economia de tempo da produção e às aspirações de novidade dos espectadores. Há um trabalho criativo de estrategista em cada texto midiático. Podem-se divisar dois níveis distintos de estratégias: as comunicativas, ligadas ao processo de produção e sobredeterminantes das discursivas; e as discursivas que têm manifestação textual.

Os mecanismos expressivos, arranjos de formas de expressão, cuja disposição se submete a regras (sintáticas) de combinação de elementos e de linguagens, são selecionados pelo enunciador dentre um repertório de possibilidades virtuais, para manifestar uma determinada estratégia discursiva. Mas essas possibilidades, com o desenvolvimento tecnológico dos meios técnicos de produção, vêm aumentando de forma considerável. E as distinções que se instauram no fluxo dos sentidos, só acontecem no momento preciso do processo comunicativo, considerando a dimensão técnica dos aparelhos de produção e circulação de conteúdos. Interessa à Comunicação estudar o percurso dos sentidos através das substâncias de expressão, de maneira a reconstruir os critérios de pertinência empregados, para formar, em cada ocasião, os sentidos dos textos.

Ressaltados esses pontos, finalmente, valeria lembrar que a Semiótica sempre teve, mais que uma vocação teórica, um propósito empírico: o de interpretar os sentidos textuais. Daí por que ela, como a Comunicação, não pode ignorar os fenômenos culturais contemp orâneos. Essa partilha de objeto e interesses de investigação – afinal, as mensagens se materializam em textos, textos que são processos, textos cujos limites caberia ao analista definir – tornam valiosa essa aliança entre Comunicação e Semiótica, até porque ela reservaria à Comunicação o papel preponderante, visto que a Semiótica apenas lhe serviria de ferramenta.

Num mundo tão prático e apressado quanto o contemporâneo, em nome do que abrir mão de ferramentas que lhe permitam analisar os seus produtos? Mais ainda, é preciso lembrar que, com a Semiótica, a Comunicação não correria o risco de se ver engolida, ou ame açada, como é o caso de outras áreas das ciências humanas que desde sempre pautaram os assuntos relativos à comunicação humana em sua agenda e que, certamente, não estão dispostas a serem meramente relegadas ao estatuto de metodologias.

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Bibliografia:

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