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O bê-á-bá das finanças

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14/10/2014 às 05h00

O bê-á-bá das finanças

Por Luciana Seabra | De São Paulo

Annamaria Lusardi: "É bom lembrar que o analfabetismo financeiro é regressivo. É um imposto sobre o pobre"

A decepção das pessoas ao se aposentar, por não terem guardado dinheiro

suficiente para essa fase da vida, foi o que seduziu a economista italiana Annamaria Lusardi a se dedicar ao estudo da alfabetização financeira. Desde então foram 15 anos dedicados ao tema, em que a pesquisadora desenvolveu métodos para medir o que parecia um conceito abstrato, em meio a questionamentos dos colegas

economistas sobre tanto desvelo para um tópico aparentemente sem relevância. Foi o colapso financeiro de 2008 que fez o tema decolar, considera Annamaria. "A crise despertou para o fato de que, em finanças, a ignorância tem grandes custos", diz. Ph.D em Economia pela Universidade de Princeton, Annamaria foi homenageada com o Fidelity Pyramid Prize, destinado a pesquisadores que ajudam a melhorar o bem-estar financeiro dos americanos. Hoje professora da George Washington School of Business, ela é considerada uma das maiores especialistas do mundo em alfabetização financeira.

Annamaria fez parte nos últimos anos do grupo de especialistas selecionados pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para encontrar uma medida capaz de avaliar a alfabetização financeira de jovens de 15 anos em 18 países. O resultado da primeira avaliação, divulgado em julho, põe países como Austrália, Nova Zelândia e Estônia no topo do ranking da alfabetização financeira. Do lado negativo, estão, por exemplo, Estados Unidos, França, Espanha e Itália. O único país latino que participou da prova foi a Colômbia, que ficou com a pior média. O Brasil, que não constou da primeira prova, realizada em 2012, já se comprometeu a fazer parte da próxima, em 2015.

No Rio para participar no início do mês da conferência da International

Organization of Securities Commissions (Iosco), que reúne as comissões de valores mobiliários do mundo, Annamaria não resistiu ao convite para ministrar uma palestra no Insper, em São Paulo, deixando para trás os planos de passar uma sexta-feira admirando a paisagem carioca. Para ela, educação financeira é uma missão. Antes da palestra, Annamaria conversou de forma apaixonada sobre o assunto com o Valor.

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Valor: Qual a diferença entre alfabetização e educação financeira?

Annamaria Lusardi: Penso em alfabetização financeira como os conceitos básicos que são importantes para as decisões financeiras, o que vai além de

conhecimento. A definição oficial, da OCDE, trata de conhecimento e de confiança, de que as pessoas tenham habilidade de tomar decisões financeiras que vão

beneficiar a elas e à sociedade. Hoje se cobra muito mais do que no passado que as pessoas tomem essas decisões. E a educação financeira é o caminho por meio do qual as tornamos alfabetizadas financeiramente.

Valor: É possível medir o nível de alfabetização financeira?

Annamaria: Esse é um tópico recente. Quando comecei a estudar essa questão, há mais de 15 anos, essa foi a primeira pergunta que fizemos: mas como nós medimos isso? Temos usado uma medida muito simples, em que testamos conceitos básicos, como conhecimento de taxa de juros, inflação e diversificação de risco (ver

quadro). Normalmente em decisões financeiras usamos porcentagem, que envolve cálculos até mais complexos.

Valor: Essas medidas já têm sido usadas para avaliar o nível de alfabetização financeira?

Annamaria: Recentemente, e isso é muito importante, a OCDE adicionou a alfabetização financeira em meio à lista de tópicos do Pisa (sigla em inglês para o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), que mede a cada três anos o nível de conhecimento de jovens de 15 anos. No passado, o Pisa media habilidades de matemática, ciências e leitura. O fato de em 2012 a OCDE ter adicionado alfabetização financeira a esses tópicos é para mim uma evidência de que essa se tornou uma habilidade adicional que nós precisamos para viver no século XXI. Valor: E quais são os melhores países em alfabetização financeira?

Annamaria: É interessante que nos resultados da primeira avaliação, que ficaram prontos em julho, o grupo que foi realmente bem não inclui os EUA, em nível intermediário apesar de ser um dos países com mercado financeiro mais

desenvolvido. Países como Nova Zelândia, Austrália e Estônia foram bem. E a razão é que eles têm sido muito proativos em relação à alfabetização financeira, já

oferecida nas escolas. Interessante também Xangai ter ficado no topo, mas é só a cidade, não a China como um todo.

Valor: Incluir alfabetização financeira no Ensino Médio é uma defesa sua. É algo comum hoje?

Annamaria: Poucos países tornaram o tema obrigatório nas escolas. O Reino Unido começou este ano, por exemplo. Outros países não tornaram a alfabetização financeira obrigatória, mas começaram a adicionar ao currículo, como Nova Zelândia e Austrália. Nos EUA, como a educação é responsabilidade dos Estados, alguns adotaram e outros não. Estamos começando a ver um movimento, o que penso que é muito importante. O tema é complexo demais para deixarmos para os pais. Queremos ensinar de forma rigorosa. Nós não deixamos física para os pais. Por que vamos deixar as finanças?

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Valor: E por que começar no Ensino Médio? E a infância?

Annamaria: Acho que temos que começar tão cedo quanto possível. Os países que já adotaram a alfabetização financeira na escola, frequentemente por conveniência, fizeram isso como um curso no Ensino Médio. Tomara que possamos ir além dessa abordagem. Não aprendemos literatura, matemática, história em um curso. Isso leva muitos anos, começamos pequenos e vamos construindo o conhecimento aos poucos. Penso que temos que fazer o mesmo para a alfabetização financeira, mas estamos só no começo.

Valor: E o que seria ensinado nessa disciplina?

Annamaria: De fato, é muito importante definir um currículo comum, que ainda não existe. Temos que entrar em um acordo. Nos EUA, por exemplo, existe um currículo sendo desenhado. Para dar alguma ideia, tem que ter um pouco de matemática, porque para tomar decisões, como de alugar ou comprar uma casa, você tem que fazer contas. Mas vai além disso. Você tem que fazer as pessoas entenderem a importância das instituições, seus direitos e responsabilidades, como quando você assina um contrato. As pessoas fazem doações, por exemplo. Como doar? São tópicos a serem tratados.

Valor: A crise financeira de 2008 tem a ver com a falta de alfabetização financeira?

Annamaria: Penso que a alfabetização financeira decolou por causa da crise. Venho trabalhando nesse tópico há 15 anos e mesmo meus colegas economistas questionavam a importância disso. A crise despertou para o fato de que, em finanças, a ignorância tem grandes custos. Vimos pessoas entrarem em hipotecas que não podem financiar, muitas vezes assinando contratos que não podiam

entender. É tempo de considerar o quanto as pessoas sabem antes de se engajar em decisões financeiras.

Valor: Mas a alfabetização financeira é um papel do governo ou do mercado? Annamaria: Penso que é um papel do governo. Em economia, chamamos isso de externalidade. Se um grande grupo de pessoas erra, então o governo vai ter que promover um resgate. É muito melhor então fazer prevenção. Muitas pessoas me falam que educação financeira é cara. Eu digo: e a crise financeira? Não foi cara? Assim como quando se trata de saúde, a educação financeira realmente se paga. O governo tem um papel importante de promovê-la nas escolas e no mercado de trabalho. É bom lembrar que o analfabetismo financeiro é regressivo. É um imposto sobre o pobre. É um custo para todo mundo, mas esse é um custo pago de forma desproporcional pela população de baixa renda. O melhor exemplo disso é a hipoteca. Nos EUA, você pode refinanciar sua hipoteca quando os juros caem. Quando a taxa cai, todas as pessoas de alta renda fazem isso, os pobres não. Valor: E como está o Brasil em temos de alfabetização financeira?

Annamaria: Nós não sabemos muito sobre o Brasil, porque não temos dados suficientes. E esse é o primeiro passo que temos adotado em muitos dos outros países. Temos que fazer isso da forma mais rigorosa possível, adicionar essa questão às pesquisas nacionais, para que tenhamos uma representatividade da população. Com o Pisa, estamos aptos a comparar os países. Infelizmente, o Brasil não participou da prova em 2012, mas a boa notícia é que vai fazer parte em 2015. É

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muito importante ter os dados para, na hora de definir as políticas, olhar para os grupos vulneráveis.

Valor: Quais em geral são os grupos vulneráveis?

Annamaria: O que vimos nos EUA, e isso tem se mostrado verdadeiro para outros países, é que existem três grupos realmente vulneráveis: mulheres, jovens e idosos. Eles mostram nível muito baixo de alfabetização financeira, provavelmente por razões diferentes. E aí você precisa de políticas diferenciadas. Para os jovens provavelmente você tem que levar isso à escola. Para os idosos, você precisa de proteção, já que você não vai levar a avó de volta para a escola.

Valor: E como inserir a educação financeira no mercado de trabalho?

Annamaria: Isso é algo que enfatizo muito. Para que a alfabetização financeira seja escalável, você precisa estar nos dois lugares: na escola, onde o jovem está, e no trabalho, onde está o adulto. As pessoas têm cada vez mais que tomar decisões importantes no local de trabalho, como sobre aposentadoria. Se as pessoas tomam boas decisões financeiras, é menos provável que entrem em apuros e elas devem ser melhores trabalhadores. E eu não estou pensando sobre poupança, mas sobre empréstimos. Ouvi dizer que no Brasil, por exemplo, os juros são muito altos. Existe portanto valor em adicionar educação financeira ao trabalho.

Valor: E como educar os adultos?

Annamaria: Você pode ter cursos, ensinar sobre poupança, previdência... Mas por que também não contratar um consultor financeiro na empresa? Não um consultor independente, mas um empregado da firma, uma pessoa com quem você vá

almoçar junto. Ele conhece você e, se não der resultado, vai ser demitido, porque esse é o trabalho dele. Se você tem academia de ginástica na empresa, por que não ter alguém ali para aconselhar os funcionários sobre finanças?

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