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Texto

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Processo

109/17.1T8BJA.E1.S1

Data do documento

13 de abril de 2021

Relator

João Cura Mariano

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

SUMÁRIO

I. Na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, após reapreciar os meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que, mostrando-se relevantes, se encontrem acessíveis, podendo proceder à alteração do julgamento sobre a matéria de facto provada e não provada efetuado pela primeira instância, sempre que conclua, com a necessária segurança, que a análise e apreciação das provas produzidas impõem diferente resultado.

II. A previsão do artigo 2199.º do Código Civil abrange as situações em que o testador, apesar de ser uma pessoa juridicamente capaz, acidentalmente ou de forma permanente, quando elaborou o testamento não se encontrava em condições de compreender os termos ou o alcance da declaração produzida, uma vez que a sua capacidade de perceção, compreensão ou entendimento se encontravam seriamente diminuídas.

III. É este estado de reduzido discernimento que, ao assumir um nível que não permite ao testador ter consciência do conteúdo ou alcance da declaração testamentária emitida, justifica a possibilidade da sua anulação, de modo a impedir a produção de efeitos de uma declaração provinda de uma vontade viciada.

TEXTO INTEGRAL

Autores: AA e

BB

(2)

DD

*

I - Relatório

Os Autores propuseram a propuseram a presente ação contra os Réus, pedindo que o testamento outorgado pelo pai de ambos, EE, no dia 23 de agosto de 2016, em benefício dos Réus, seja anulado, em virtude de o testador padecer de demência, no momento em que foi outorgado.

Os Réus contestaram, por impugnação, concluindo pela improcedência da ação.

Realizou-se audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que, julgando a ação procedente, decidiu declarar anulado o testamento outorgado, no dia 23 de agosto de 2016, por EE, numa casa sita na Praceta ……….., ……., perante o notário FF, com cartório na Rua ………., ………., e que aí se acha exarado de fls. 21 a 22, do livro de Testamentos n.º ….-…..”.

Os Réus recorreram desta decisão para o Tribunal da Relação ……. que, por acórdão proferido em 17 de dezembro de 2020, concedeu provimento à apelação e, revogando a sentença recorrida, julgou a ação improcedente, absolvendo os Réus do pedido formulado.

Desta decisão os Autores recorreram para o Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído as suas alegações do seguinte modo:

1ª – Em processo civil regem, sobre a apreciação da matéria de facto, os princípios da imediação, da oralidade e da livre apreciação da prova, guiando-se o julgamento por padrões de probabilidade e não de certeza absoluta.

2ª – Se a decisão da 1ª instância elencou e explicitou, de forma criteriosa, completa e esclarecedora, os motivos que levaram o julgador, em obediência àqueles princípios, a formar a sua convicção, permitindo assim acompanhar todo o processo lógico que esteve na base da formação dessa mesma convicção no que respeita à fixação dos factos provados, inexiste qualquer erro de apreciação da matéria de facto julgada provada.

3ª – Essa decisão, devidamente fundamentada em face da globalidade da prova produzida, apresenta-se como uma das soluções plausíveis e, logo, é inatacável.

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convicção, em resultado de uma interpretação parcelar e fragmentada de toda a prova produzida, e que ignora a prova pericial produzida e incontestada, traduz-se numa infundada e ilegítima discordância quanto ao juízo feito pela 1ª instância a propósito da matéria de facto julgada provada e viola o disposto no art. 607º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

5ª – Em face de toda a prova produzida, aí se incluindo a prova pericial, que desconsiderou, o acórdão recorrido ajuizou/alterou erradamente a matéria de facto julgada provada, pelo que devem ser julgados provados, na sua integralidade, os factos assim julgados sob os pontos 10. e 12. da matéria de facto da sentença proferida pela 1ª instância.

6ª – O acórdão recorrido, ao sobrepor a sua convicção à convicção adquirida pelo tribunalda1ª instância, violou o disposto no art. 607º, n.º 5, do Código de Processo Civil.

7ª – Na imprestabilidade da prova direta produzida pelos Réus, da prova indireta e circunstancial produzida – decorrente da prova documental e da perícia psiquiátrica documental – resultam sem margem para dúvida factos correlacionados de cuja verificação resulta, segundo as regras da experiência comum de vida, que o testador carecia de capacidade para testar no momento da outorga do testamento.

8ª – Com efeito, daquela prova indireta resulta a existência de indícios fortes no sentido de que o estado mental e físico do testador era impeditivo do ato de testar, em plena, total e absoluta posse das suas faculdades, vontade e discernimento.

9ª – Esse estado era notório para terceiros, neles incluído o notário perante quem foi lavrado o testamento.

10ª – O testador, que apresentava alteração significativa das funções cognitivas de natureza confusional, encontrava-se em estado terminal e numa fase agónica, o que era incompatível como bem-estar físico e mental que lhe permitisse outorgar o testamento.

11ª – O testador encontrava-se num estado de absoluta ausência de iniciativa e de total dependência.

12ª– Ponderada a globalidade dos factos circunstanciais apurados, segundo os padrões da experiência comum de vida, o testador, no momento em que outorgou o testamento, não estava em condições de manifestar uma vontade livre e esclarecida, bem como de entender o significado do ato.

13ª – O complexo factual apurado traduz uma incapacidade do testador por ocasião da outorga do testamento, pois não tinha o domínio da sua vontade nem a mesma foi manifestada de forma livre e esclarecida

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em incapacidade, violou o disposto no art. 2199º, do Código Civil.

15ª – Logo, na procedência da revista, impõe-se a revogação do acórdão recorrido e a sua substituição por outro que, como decidiu o tribunal da 1ª instância, declare procedente o pedido de anulação do testamento outorgado por EE, por comprovada e demonstrada incapacidade do testador ao tempo da sua outorga.

Não foram apresentadas contra-alegações.

*

II – O objeto do recurso

Tendo em consideração as conclusões das alegações apresentadas pelos Autores e o conteúdo do acórdão recorrido, cumpre apreciar as seguintes questões:

- O acórdão recorrido ao alterar a decisão sobre a matéria de facto provada e não provada, violou o disposto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil?

- O complexo factual apurado traduz uma incapacidade do testador por ocasião da outorga do testamento, que permite a anulação do testamento, nos termos do artigo 2199.º do Código Civil?

III – Da alteração da matéria de facto provada

O acórdão recorrido, apreciando a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, proferida pela 1.ª instância, após fazer uma análise de toda a prova produzida sobre a matéria de facto em discussão, entendeu alterar o conteúdo dos factos provados constantes dos pontos 10 e 12 da sentença da 1.ª instância, eliminando do ponto 10, a menção “confuso e sem conhecer o que se passava à sua volta” e no ponto 12. “sem conhecer a filha, o neto e algumas pessoas amigas que ali o visitavam”, expressões que passaram para o elenco factual não provado.

Na apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o Tribunal da Relação tem autonomia decisória, competindo-lhe formar e formular a sua própria convicção, após reapreciar os meios de prova indicados pelas partes ou daqueles que, mostrando-se relevantes, se encontrem acessíveis, podendo proceder à alteração do julgamento sobre a matéria de facto provada e não provada efetuado pela primeira instância, sempre que conclua, com a necessária segurança, que a análise e apreciação das provas produzidas impõem diferente resultado.

Foi precisamente o que aconteceu neste processo, sem que isso constitua alguma violação da liberdade limitada de apreciação da prova reconhecida aos tribunais de 1.ª instância no n.º 5, do artigo 607.º do

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Código de Processo Civil. A existência de um controlo, em sede de recurso, da correção do resultado do exercício dessa liberdade, com possibilidade desse resultado ser alterado, numa reapreciação das provas produzidas, em nada afeta essa liberdade de valorar e julgar.

O Tribunal da Relação após ter efetuado uma análise minuciosa das provas produzidas quanto às condições em que testador se encontrava à época da elaboração do testamento, entendeu que não se tinham provado as circunstâncias referidas nos pontos 10 e 12 dos factos provados, tendo, por conseguinte, no exercício da sua liberdade valorativa, alterado o que havia sido decidido pela primeira instância quanto à prova dessas circunstâncias.

Este juízo foi efetuado no âmbito dos poderes conferidos aos Tribunais da Relação na reapreciação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, não se mostrando infringida qualquer regra de direito probatório material.

Sobre o mérito do juízo probatório efetuado pelo acórdão recorrido, não tem este Tribunal competência para se pronunciar (artigo 674.º, n.º 3, do Código de Processo Civil).

III – Os factos

Neste processo encontram-se provados os seguintes factos:

1. Os Autores são irmãos e filhos de EE e de GG.

2. A Ré DD e o falecido EE viviam interruptamente, como de marido e mulher se tratasse, e estabeleceram como casa de morada de família a residência da Ré, na Praceta ……, ……

3. O Réu sempre partilhou o dia-a-dia com o tio, tornando-se pessoa da sua inteira confiança e nutrindo por ele elevada estima.

4. O pai dos Autores andava a tratar-se, no Hospital ………, ……, de uma eventual pneumonia,

5. No dia 5 de Agosto de 2016 deslocou-se ao Centro Hospitalar ………, a fim de ser submetido a um exame médico.

6. Sem que tal estivesse previsto, aí ficou internado, por não se encontrar em condições de saúde para ser submetido ao dito exame.

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7. Teve alta no dia 11 de Agosto de 2016, pois ali foi-lhe diagnosticada lesão neoplásica pulmonar, com atingimento de praticamente de todos os lobos pulmonares e eventual antigo carcinoma brônquio-alveolar, tendo saído medicado com morfina e administração de oxigénio 24 sobre 24 horas.

8. No dia 12 de Agosto de 2016, já em casa, foi acometido de febres muito elevadas.

9. No dia 13 de Agosto de 2016 voltou a dar entrada no Hospital ……, …….

10. Foi-lhe administrado oxigénio e morfina, tendo saído do referido estabelecimento hospitalar no dia 14 de Agosto de 2016.

11. Voltou ao mesmo hospital ………. no dia 18 de Agsoto de 2016, com necessidade permanente de administração de oxigénio.

12. Donde veio a sair no dia 20 de Agosto de 2016.

13. Por testamento outorgado a 23 de Agosto de 2016, numa casa sita na Praceta …….., ……., perante o notário FF, com cartório na rua ………., ……., e que aí se acha exarado de fls. 21 a 22, do livro de Testamentos n.º ….-….., compareceu EE que declarou o seguinte:« (…) Que, lega a CC (…) e a DD (…) um sexto indiviso a cada um, do prédio rústico sito na União de Freguesias ……….. (… e ….), inscrito na matriz predial sob o artigo …….., secção ….-A.

14. Por volta das 5 horas do dia 24 de Agosto, EE voltou ao Hospital Distrital ……, hipotenso, com dispneia severa e taquicardia, tendo saído no dia 1 de Setembro de 2016.

15. Voltaria ao Hospital Distrital …. no dia 7 de Setembro de 2016 e aí veio a falecer no dia seguinte, 8 de Setembro, no estado de divorciado da mãe dos Autores, GG.

16. Tendo os seus filhos, no dia 20 de Outubro de 2016, procedido a escritura de habilitação de herdeiros, pela qual se consideravam os únicos herdeiros de seu pai.

*

IV – O direito aplicável

O artigo 2199.º do Código Civil dispõe que é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.

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Estamos perante uma previsão específica das consequências da verificação de uma situação de incapacidade acidental aquando da elaboração de um testamento.

Traduzindo-se um testamento numa declaração de vontade, o legislador regulou as situações em que a vontade do declarante, no momento em que a manifestou, se encontrava viciada pela existência de uma situação de incapacidade acidental, sentindo necessidade de prever um regime específico, diferente do previsto para os negócios jurídicos em geral, no artigo 257.º do Código Civil, devido ao facto do testamento ser um negócio unilateral estranho ao comércio jurídico.

Determinou-se no referido preceito legal a anulabilidade do testamento feito por quem se encontrasse incapacitado de entender o sentido da sua declaração testamentária ou não tivesse o livre exercício da sua vontade por qualquer causa.

Estão abrangidas aqui todas as situações em que o testador, apesar de ser uma pessoa juridicamente capaz, acidentalmente ou de forma permanente, quando elaborou o testamento não se encontrava em condições de compreender os termos ou o alcance da declaração produzida, uma vez que a sua capacidade de perceção, compreensão ou entendimento se encontravam seriamente diminuídas. É este estado de reduzido discernimento que, ao assumir um nível que não permite ao testador ter consciência do conteúdo ou alcance da declaração testamentária emitida, justifica a possibilidade da sua anulação, de modo a impedir a produção de efeitos de uma declaração provinda de uma vontade viciada.

A existência desse estado de consciência é matéria de facto sujeita a prova, competindo o respetivo ónus ao arguente do vício e requerente da anulação do testamento, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, uma vez que é um facto constitutivo do direito de anulação.

Na presente ação, relativamente à situação do testador, na época da outorga do testamento, por ato notarial, em 23.8.2016, provou-se o seguinte:

- O testador no dia 5 de Agosto de 2016 deslocou-se ao Centro Hospitalar ………, a fim de ser submetido a um exame médico.

- Sem que tal estivesse previsto, aí ficou internado, por não se encontrar em condições de saúde para ser submetido ao dito exame.

- Teve alta no dia 11 de Agosto de 2016, pois ali foi-lhe diagnosticada lesão neoplásica pulmonar, com atingimento de praticamente de todos os lobos pulmonares e eventual antigo carcinoma brônquio-alveolar, tendo saído medicado com morfina e administração de oxigénio 24 sobre 24 horas.

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- No dia 13 de Agosto de 2016 voltou a dar entrada no Hospital ………., …….. .

- Foi-lhe administrado oxigénio e morfina, tendo saído do referido estabelecimento hospitalar no dia 14 de Agosto de 2016.

- Voltou ao mesmo hospital de Beja no dia 18 de Agosto de 2016, com necessidade permanente de administração de oxigénio.

- Donde veio a sair no dia 20 de Agosto de 2016.

- Por volta das 5 horas do dia 24 de Agosto, voltou ao Hospital Distrital de Beja, hipotenso, com dispneia severa e taquicardia, tendo saído no dia 1 de Setembro de 2016.

- Voltaria ao Hospital Distrital de Beja no dia 7 de Setembro de 2016 e aí veio a falecer no dia seguinte, 8 de Setembro.

Constata-se que o testador, no mês em que outorgou o testamento e que antecedeu o mês em que veio a falecer, tudo tendo ocorrido num espaço de 34 dias, foi-lhe diagnosticada uma lesão neoplásica pulmonar, tendo nesse período de tempo sido internado por diversas vezes, a fim de lhe ser administrado oxigénio e morfina, sendo certo que o testamento foi outorgado na sua casa e na madrugada do dia seguinte o testador foi mais uma vez internado em situação de hipotensão, com dispneia severa e taquicardia.

Se, da descrição acima efetuada, resulta um estado de saúde geral muito precário, relativo aos dias que antecederam a sua morte, nada nos permite concluir que, nesse período e, mais concretamente, no dia em que foi outorgado o testamento, esse estado de saúde tenha retirado ao testador o discernimento suficiente para entender o conteúdo e o alcance do testamento que emitiu.

Não existindo, pois, na factualidade apurada, elementos suficientes para se poder concluir que o testador, no momento em que outorgou o testamento aqui impugnado, se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou que não tinha o livre exercício da sua vontade, e competindo o ónus da prova dos respetivos factos aos Autores, a ação tinha necessariamente que improceder, pelo que deve ser negado provimento ao recurso de revista, confirmando-se o decidido pelo Acórdão do Tribunal da Relação …… de 17.12.2020.

*

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Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a revista, mantendo-se a decisão recorrida.

*

Custas da revista pelos Autores.

*

Notifique

*

Nos termos do artigo 15º-A do Decreto-Lei n.º 10-A, de 13 de março, aditado pelo Decreto-Lei nº 20/20, de 1 de maio, declaro que o presente acórdão tem o voto de conformidade dos restantes juízes que compõem este coletivo.

Lisboa, 13 de abril de 2021

João Cura Mariano (relator)

Fernando Baptista

Abrantes Geraldes

Referências

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