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Palavras - chave: quilombolas, direitos sociais, proteção social.

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SEGURIDADE SOCIAL E COMBATE À POBREZA: CONSIDERAÇÕES SOBRE A PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL E GENÊRO NA COMUNIDADE RURAL NEGRA

DE AGRESTE EM SÃO JOÃO DA PONTE MINAS GERAIS (53)

JORGE, Amanda Lacerda1

amandalacerdajorge@hotmail.com ZIMERMMANN, Clóvis2

clovis.zimmermann@gmail.com

RESUMO

O presente artigo pretende discorrer sobre o desenvolvimento e definição do conceito de Seguridade Social no Brasil contemporâneo, com enfoque no ambiente das comunidades rurais negras quilombolas, pois analisar as principais características e dificuldades de acesso de comunidades negras rurais quilombolas à proteção social, é relevante no que concerne ao processo de afirmação e impacto das políticas de proteção social no Brasil Contemporâneo. Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo fazer uma discussão sobre o acesso da comunidade rural negra de Agreste localizada no município de São João Da Ponte - MG à previdência social rural com enfoque na questão de gênero. É preciso ressaltar que as indagações sobre essa realidade surgiram a partir dos primeiros contatos com a comunidade, através do grupo de pesquisa Negros do Norte de Minas3, desenvolvido no âmbito do Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social da Unimontes com financiamento da FAPEMIG.

Palavras - chave: quilombolas, direitos sociais, proteção social.

INTRODUÇÃO

1 Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES)

Aluna regular do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros e bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – CAPES.

2 Doutor em Sociologia Política pela Universidade de Heidelberg, Alemanha. Professor de Ciência Política da

Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) e Relator Nacional para o Direito Humano à Alimentação Adequada e Terra Rural da Plataforma Brasileira de Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais. 3 Este artigo é resultado dos dados finais obtidos a partir do grupo de pesquisa Negros do Norte de Minas realizada entre os anos de 2006 à 2008 na comunidade de Agreste localizada entre São João da Ponte e Capitão Enéas – MG.

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Diante das mais novas mudanças instituídas na Constituição de 1988, podemos afirmar que a definição de Seguridade Social partilhando o conceito organizador de Proteção Social, é um marco histórico para a sociedade brasileira. Tal fato foi de grande importância, pois esse modelo de proteção social passa a assumir um escopo mais amplo, desvinculando-se parcialmente do modelo anterior contratual/contributivo. Assim, a Seguridade Social passa a se apresentar como um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinada a assegurar o direito relativo à Saúde, Assistência e Previdência Social, articulando, pois, as políticas de seguro social, assistência social, saúde e seguro-desemprego no campo dos direitos sociais.

Nesse contexto a proteção social expande seu campo de atendimento a outros grupos sociais que antes se encontravam à margem de seus direitos sendo que é nesse contexto que idosos, deficientes, trabalhadores da agricultura familiar, mulheres trabalhadoras rurais e doentes que não tinham acesso à assistência médica passam a ser atendidos por tais políticas de proteção a partir da responsabilidade do Estado.

No âmbito dessas considerações, foi também na Constituição de 1988 que o Brasil passou a ser reconhecido como um país multicultural e multiétnico com a (des) invisibilidade dos povos e comunidades tradicionais, que passam a ser vistos como sujeitos de direito. Levando em consideração os aspectos acima citados, analisar as principais características e dificuldades de acesso de comunidades negras rurais quilombolas à proteção social, é relevante no que concerne ao processo de afirmação e impacto das políticas de proteção social no Brasil Contemporâneo.

Nesse sentido, este trabalho tem como objetivo discorrer sobre o acesso da comunidade rural negra de Agreste localizada no município de São João Da Ponte - MG à previdência social rural com enfoque na questão de gênero É preciso ressaltar que as indagações sobre essa realidade surgiram a partir dos primeiros contatos com a comunidade, através do grupo de pesquisa Negros do Norte de Minas vinculado à Universidade Estadual de Montes Claros entre os anos de 2006 e 2008. A trajetória metodológica está fundamentada no método qualitativo, utilizando como forma de coleta de dados a observação participante e entrevistas semi-estruturadas, além de pesquisas bibliográficas que abarquem as considerações feitas por esse trabalho. Buscaremos nesse sentido, explicitar o desenvolvimento das políticas de proteção social no Brasil com uma análise perante o acesso de povos tradicionais a ela, especificamente das comunidades rurais negras quilombolas a

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partir de seus direitos sociais e impacto dessas políticas no combate à pobreza com um olhar específico para o acesso da comunidade de Agreste às políticas de previdência social no âmbito das questões de gênero.

PARADIGMAS DA SEGURIDADE SOCIAL NO BRASIL

No bojo histórico das políticas de proteção social brasileira, um longo caminho foi percorrido para a consolidação de nosso arcabouço constitucional. De forma geral até a década de 1960 o nosso sistema de proteção social evoluiu de forma estratificada e excludente, pois até então somente tinha acesso a ela setores mais organizados dos trabalhadores. Dessa forma, políticas como educação, saúde, saneamento, nutrição e habitação eram demandas reconhecidas de acordo com a categoria profissional a qual o indivíduo pertencia (SANTOS, 1994). A partir da década de 80 no contexto de repressão militar vivido historicamente amplia-se o debate político sobre a democratização e sobre o acesso à cidadania sendo que tais reflexões contribuem, portanto, na formação e consolidação da então denominada Constituição Cidadã de 1988.

Nessa perspectiva, nosso sistema de Seguridade Social que abarca a Saúde, Previdência Social e Assistência Social, possui princípios próprios e diferentes objetivos. A definição de Seguridade Social na Constituição de 1988, foi sem sombra de dúvidas um marco importante na instauração de bases que consolidassem o conceito da proteção social no contexto brasileiro, articulando políticas que foram assim expandidas aos idosos, deficientes, doentes e agricultores familiares como um direito e um dever do Estado.

Nesse sentido, conforme dispõe o Art. 194 da Constituição Federal do Brasil de 1988, a Seguridade Social se apresenta como um conjunto de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinada a assegurar o direito relativo a Saúde, Assistência e Previdência Social. Assim “o termo Seguridade Social é um conceito estruturante das políticas sociais cuja principal característica é de expressar o esforço de garantia universal da prestação de benefícios e serviços de proteção social pelo Estado” (DELGADO, 2008, p. 21).

No Brasil:

Tal fato teve grande importância, pois, a partir dele, a proteção social devida pelo Estado desvincula-se, parcialmente, do formato contratual/contributivo que caracteriza a previdência, para assumir escopo mais amplo, incluindo a saúde, como uma política universal e

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a assistência social aos segurados pobres e aos não segurados (PEREIRA, 1998, p. 65).

O arcabouço legal dado pela Constituição Federal de 1988 adotou segundo Delgado (2008) definições que combinam os paradigmas: universalista que abarca saúde e previdência rural, o paradigma contributivo a partir das políticas de previdência urbana e o paradigma seletivo para o direito às políticas de Assistência Social. Nesse contexto, o autor ressalta que a política de combate ao desemprego, sob a forma de seguro (seguro-desemprego) também foi inscrita no texto constitucional como parte da política previdenciária, sendo executada institucionalmente pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) – por meio do Conselho do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT).

Assim, Silvério (2009) observa que a Constituição de 1988, comemorada pelos setores progressistas e democráticos, trouxe para o capítulo da ordem social, a superação da concepção de cidadania regulada, ao incluir no arcabouço da proteção social o conjunto dos brasileiros independente da existência de vínculos com o mercado de trabalho, entretanto promulgada em uma situação paradoxal seja com vistas à universalização dos benefícios, seja por outro lado acompanhada de restrições estruturais. Ou autor considera ainda que a exigência pela ampliação da cobertura universal com amplo debate a partir dos movimentos sociais na luta pelas mulheres, índios, e negros nas últimas décadas com o intuito de garantia de que todos os brasileiros possam ter acesso à proteção social, permanece como um desafio político no Brasil do século XXI.

O acesso à saúde pública tornou-se um direito universal e igualitário, sem qualquer tipo de contribuição e se consolida através do Sistema Único de Saúde mediante políticas sociais e econômicas que visem a redução de doenças e de outros agravos, junto à serviços para a sua proteção, promoção e recuperação. Pela primeira vez formalmente uma política social instituiu a participação social na organização dos serviços prestados com três princípios filosóficos aliados ao SUS: Universalidade, Integralidade, Equidade.

É necessário ressaltar que o SUS só foi regulamentado em 1990 pelas leis 8.080 e 8.142 e passa então a definir as três esferas do governo como agentes prestadores de ações e serviços de saúde e, a rede privada como complementar aos serviços da rede pública quando esses não forem suficientes para garantir atendimento à população; podendo assim ser contratada ou conveniada. Diante desse quadro a lei 8.080, Art.3 afirma que a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o

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acesso aos bens e serviços essenciais, sendo assim, o nível de saúde da população expressam a organização social e econômica do País.

A Previdência Social, por sua vez tem como finalidade assegurar aos seus beneficiários meios para sua manutenção diante de circunstâncias ocorridas que por algum motivo abalem sua autonomia social ou econômica tais quais por motivo de incapacidade, idade avançada, tempo de serviço, desemprego involuntário, encargos de família e reclusão, ou morte daqueles que tinham o papel de provedores de sua família e de quem dependiam economicamente. Cabe aqui lembrar a longa trajetória da Previdência Social, política social mais que centenária, desde que os primeiros regimes obrigatórios de seguro social foram criados na Europa nas últimas décadas do século XIX, sendo que na América Latina seu caráter tem se apresentado como tradicionalmente contributivo (DELGADO 2008).

É preciso ressaltar que no Brasil um sistema efetivo de proteção social aos trabalhadores rurais se consolida de fato apenas na Constituição de 1988 que introduziu como esclarece Delgado (1999), o acesso de idosos e inválidos de ambos os sexos à previdência social, em determinado regime especial cuja principal característica é incluir o chamado setor rural informal, “constituído pelo produtor, parceiro, meeiro e o arrendatário rural, o garimpeiro e o pescador artesanal, bem como respectivos conjugues que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, sem empregados permanentes” (Art. 194 da Constituição de 1988).

Na visão de Delgado (1999), tal fenômeno pode ser reconhecido como a universalização da previdência rural, por aumentar em poucos anos, o grau de cobertura do sistema sobre o conjunto dos domicílios rurais e elevar substancialmente a participação da renda previdenciária na renda familiar rural. É importante ficar atento:

(...) para o fato de que a universalização da previdência social rural estrutura-se e consolida-estrutura-se na década de 90 quando as ações do Estado no campo das políticas sociais têm sido redirecionadas para mecanismos de seletividade, eficácia, priorização e focalização na contra mão de processos universalizantes (BARBOSA, 2005, p. 69).

O autor esclarece ainda que:

Nesse regime, o candidato a beneficiário não precisa ter contribuído com o sistema previdenciário, como ocorre com as demais categorias de trabalhadores. O requisito básico é que ele comprove seu enquadramento nas categorias previstas na legislação (BARBOSA, 2005, p. 64).

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Tais mudanças foram significativas, pois permitiram a incorporação das mulheres ao sistema, instituíram a redução do limite de idade para a aposentadoria (com 60 anos para homens e 55 para mulheres) e por fim estabeleceu-se o piso de aposentadoria e pensão de um salário mínimo. De acordo com a recente legislação previdenciária, o segurado especial não precisa contribuir diretamente para o Regime Geral de Previdência Social, bastando assim comprovar atividade rural. A contribuição social será incidente, sobre a comercialização da produção e deverá ser recolhida pela empresa adquirente, equivalendo ao recolhimento de 2,1%.

Podemos considerar, de acordo com os estudos de Delgado (1999), que o fenômeno da universalização da previdência rural tem um impacto positivo sobre a população rural, pois vai permitir uma revalorização da figura idosa, combater a pobreza e valorizar o papel da mulher como um agente ativo no âmbito familiar, além de possuir um caráter de redistribuição de riquezas, já que o custeio do fundo previdenciário será feito pelo conjunto da sociedade. O autor sustenta ainda, que os idosos possuem a maior cobertura do sistema, chegando a corresponder a 80% do total de beneficiários. A valorização da figura idosa vai se consolidar a partir da importância que seu beneficio passará a ter, ao se tornar um rendimento importante para a estrutura econômica familiar:

Na verdade, o fato de se ter um agricultor idoso em casa passa de uma situação anterior de dispêndio adicional de tempo familiar dedicado à sobrevida do ancião e de gastos financeiros, principalmente com remédios, para se tornar um evento positivo, na medida em que a sua presença significava a injeção mensal regular de recursos para a reprodução da família (BARBOSA, 2004, p. 79).

O combate à pobreza também tem sido destacado como principal efeito do processo de universalização da previdência rural:

Esse fenômeno permitiu a um conjunto expressivo de agricultores proprietários, parceiros, meeiros, arrendatários, entre outros, saírem das linhas de pobreza e indigência, por meio da injeção regular de recursos das aposentadorias e /ou pensões, contribuindo de forma expressiva na composição da renda das famílias rurais (BARBOSA, 2005, p. 69).

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Posto isso, fica claro percebermos que o fenômeno da universalização se soma a transformações tanto no campo social, como no político e econômico, atingindo de forma positiva o segmento da população rural. Sendo assim, os trabalhadores rurais passam a participar principalmente através de dois tipos de benefício. O primeiro se constitui pela contribuição obrigatória, quando trabalham com carteira assinada, ou ainda, como segurados especiais, ou seja, trabalhadores rurais que participam da agricultura familiar ou de subsistência e que não contribuem compulsoriamente para o sistema.

Para os trabalhadores rurais autônomos, como esclarece Delgado (1999), bastaria apenas comprovar tempo de atividade rural feito por documentos como título de propriedade, contrato de parceria ou arrendamento, notas de venda ou ainda declaração do sindicato rural. Essas características estariam colaborando para o maior acesso ao benefício, pois boa parte dos trabalhadores rurais exerce atividade sem contrato formal de trabalho, não contribuindo regularmente para a Previdência Social.

Sendo assim, o Art. 2º da lei Nº. 8213/1991 que prevê a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações rurais possibilitou o acesso dos segurados especiais a benefícios como: aposentadoria por invalidez, aposentadoria por idade, auxílio doença e auxílio reclusão ou pensão, no valor de um salário mínimo. Como vimos, no exame da literatura brasileira, são vários os temas abordados, além do combate à pobreza e da valorização da figura idosa, o que se torna importante para a nossa análise em profundidade seria a questão da distinção de gênero na concessão de benefícios da previdência rural, que será discutido posteriormente.

Por fim, complementando o tripé da Seguridade Social brasileira a Assistência Social pode ser caracterizada como uma política social que provê o atendimento das necessidades básicas, traduzidas com a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência, à velhice e a pessoa portadora de deficiência, independente de contribuição ao sistema de Seguridade. A denominação da Assistência Social como um direito surge mediante a conclusão de que a pobreza é um problema social e não individual, fazendo com que os poderes públicos se comprometam a proteger os indivíduos que não tem a capacidade de ter o mínimo para a sua manutenção e a de sua família.

Logo, de acordo com Correa (2005) a Assistência social visa garantir meios de subsistência as pessoas que não tenham condições de suprir o próprio sustento, dando especial atenção a idosos, crianças e portadores de deficiência, o qual fica garantido a esses indivíduos que comprovem estar em tal situação o valor de um salário mínimo mensal, que se encontra

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instituído no Art. 203 Cap. 5 da Constituição Federal. No âmbito dessas considerações, o Beneficio de Prestação Continuada (BPC) é considerado como um dos mais importantes programas da Seguridade Social, pois representou o reconhecimento do princípio da solidariedade social no campo da garantia de renda estabelecendo um direito social não contributivo a um benefício monetário no valor de um salário mínimo para idosos e deficientes em situação de pobreza.

Embora o BPC seja um dispositivo de proteção social Sposati (2004) considera que ele se mostra como um quase direito, na medida em que seu acesso é submetido a forte seletividade de meios comprobatórios, que vão além da manifesta necessidade do cidadão, terminando por diluir o caráter universal do benefício e retrocedendo o direito do individuo à proteção social. A autora afirma que:

Embora o conceito seja abrangente, ocorre que, como já foi dito lhe foram sobrepostas restrições, como a condição de não ser sustentável por outrem. Para ser incluído o requerente precisa mostrar a miserabilidade da sua família além da sua miserabilidade. Necessita ser duplamente vitimizado. Não basta uma exclusão ser idoso ou com deficiência; são necessárias duas exclusões, ou seja além da sua, a da família (SPOSATI, 2004, p. 127).

Ao longo de processos históricos e com o surgimento do neoliberalismo, os direitos sociais passam a ser vistos como um problema do que como um dever do Estado, passando a se responsabilizar a Constituição pelo aumento com gastos públicos, por isso seria necessário sua reformulação. Nesse sentido, as políticas de proteção social acabam por se tornarem meras expectativas. Diante desse quadro nosso sistema de Seguridade Social passa a ser visto com um desempenho limitado e excludente.

Ressalta Behring (2003) citada por Borsato (2005) que as principais tendências de reorganização institucional no âmbito da Seguridade Social brasileira, vêm sendo a privatização e a descentralização, assumindo características na área da Saúde, na Previdência e na Assistência Social e consequentemente transformam as políticas sociais em ações pontuais e compensatórias resultante das ações do Estado neoliberal. Nesse contexto, a privatização segundo a autora, gera discriminação entre os que podem e não podem pagar pelos serviços. A focalização assegura acesso apenas a pobres e indigentes, e a partir desse redesenho institucional sob argumento de equilíbrio fiscal as funções do Estado são transferidas para entidades não governamentais e filantrópicas.

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No Brasil, a temática das desigualdades raciais se destacou a partir da década de 90, junto à reflexões de promoção da igualdade racial e busca de entendimento dos fenômenos sociais, culturais e econômicos que naturalizam a distância entre negros e brancos. Diante desse quadro, a criação da Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (SEPPIR) em 2003 junto aos órgãos do governo federal, consolida a temática em torno da discriminação racial com a articulação de ações no combate a desigualdade racial e com políticas de ação afirmativa para esses grupos sociais conhecida como Programa Brasil Quilombola.

No entanto, de acordo com o relatório do IPEA sobre a análise de políticas sociais em 2008 voltadas para a igualdade racial, a implementação de ações e políticas no campo das desigualdades raciais, no conjunto das políticas públicas, em especial nas sociais, tem se revelado um processo difícil e complexo. Considera-se que as dificuldades observadas têm várias causas, sendo que de fato a transversalidade é um dos grandes desafios apresentados, pois o objetivo de enfrentar desigualdades que derivam de um amplo processo de exclusão social, não pode se restringir a ações de responsabilidade de uma única instituição, mas integrar um extenso conjunto de mobilização de políticas, de agentes sociais e instituições que pensem e executem a perspectiva da igualdade racial.

Vários trabalhos ressaltam a questão da desigualdade social enfrentada pelas populações negras no Brasil. Nesse sentido ao verificarmos variáveis como saúde, educação, salário, trabalho e tantas outras, é possível afirmarmos que existe um grande abismo entre negros e brancos em nosso país. A cor seria, portanto, um domínio relevante para a definição das oportunidades dos atores sociais, se apresentando como uma barreira negativa no sentido de acesso as políticas de bem estar social:

Os vários dados estatísticos revelam que a raça é uma variável importante na explicação das desigualdades sociais, sobretudo quando se analisa o mercado de trabalho, educação, saúde, ou seja, aquelas dimensões da vida que estão relacionadas ao bem estar e a realização dos indivíduos em termos de inserção de modo não subalterno no mundo econômico e político (BERNARDINO, 2007, p. 24).

Nesse contexto, é possível afirmar que não existe equidade no acesso de brancos e negros ao bem estar social. As políticas de cunho compensatório que tem o propósito de

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amenizar esse quadro, têm sido conhecidas sob o termo de ações afirmativas. Assim, “o que as políticas sensíveis à cor propõem é desconstruir a atual atribuição de valores negativos à população negra através da desnaturalização do lugar do negro como um espaço subalterno” (BERNARDINO, 2007, p. 31). Analisando o acesso da população negra às políticas previdenciárias no país, Paiva e Paiva (2003) citado por Alvarez (2006) assinalam que a freqüência dos negros em postos de trabalho de pior qualidade, menores salários, desemprego e a questão da escolaridade são fatores de peso negativo que refletem na cobertura previdenciária dessas populações.

Em tempos recentes, as questões ligadas às comunidades quilombolas ganham cada vez mais destaque. Anteriormente a esse quadro de mudanças o termo quilombo “era de uso quase exclusivo de historiadores e demais especialistas, que por meio da documentação disponível ou inédita, procuravam construir novas abordagens e interpretações sobre o nosso passado como nação” (O’DWYER, 2002, p. 13). No imaginário nacional o termo quilombo remetia a idéia de uma comunidade de escravos foragidos de fazendas que buscavam a invisibilidade a partir de seu isolamento na busca de sua autonomia e reprodução da vida, em espaços territoriais denominados “terras de ninguém”.

No entanto, de acordo com o Ipea (2008) estudos recentes vêm revelando que além dos quilombos remanescentes do período da escravidão, outros quilombos foram se organizando após a abolição formal da escravatura em 1888, pois após o reconhecimento de sua liberdade, muitos negros diante de uma situação de miserabilidade continuaram as margens da sociedade brasileira e se recusavam a conviver em um espaço social estigmatizado. Nesse sentido, na busca de sua sobrevivência e afirmação cultural continuaram a constituir grupos sociais étnicos, fugindo de tal realidade. Várias dessas comunidades permanecem agregadas até os dias de hoje, por isso, considera-se que a classificação de comunidade quilombola não pode se basear em um passado de rebelião e isolamento, mas depende antes de tudo, de como aquele grupo se compreende e reflete seu auto reconhecimento.

A partir de vários estudos, mobilizações e reconhecimento das esferas políticas vêm crescendo na sociedade brasileira um novo entendimento sobre as comunidades quilombolas, com isso, na década de 80 foram obtidas importantes conquistas como o direito dessas comunidades à propriedade de suas terras e o dever da esfera pública em atuar a favor desse reconhecimento. Assim “quilombo ou remanescente de quilombo, termos usados para conferir direitos territoriais, permitem através de várias aproximações, desenhar uma cartografia

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inédita na atualidade, reinventando novas figuras do social” (O’DWYER, 2002, p. 13). Uma vez iniciado esse processo de reconhecimento mútuo é de suma importância frisar aqui a mudança de postura do Estado brasileiro diante da questão quilombola “ela deixa de ser vista como tema exclusivamente cultural, para ser incorporada na larga variedade de políticas de responsabilidade pública” (ARRUTI, 2009, p. 79).

Nesse sentido, o autor referido destaca ainda que entre as medidas estratégicas destinadas as comunidades quilombolas, a última delas resume uma boa parte da concepção governamental sobre qual é a natureza das políticas públicas destinadas à esse grupo a partir de seu reconhecimento como um segmento diferenciado da sociedade nacional, mas que tende a se limitar à constatação de que há no país uma camada ainda mais desprivilegiada e excluída até mesmo das políticas de combate à pobreza, do isolamento e da segregação. Sendo assim, de fato no campo dessas discussões acredita se que as políticas voltadas para as comunidades quilombolas se dividem entre duas concepções:

De um lado, há o reconhecimento de que o desrepeito histórico produzido pela escravidão e pela exclusão sistemática dos serviços e recursos disponibilizados pelo Estado Nacional deve levar a uma política de acesso diferenciado (...) e de outro lado, há uma segunda modalidade de reconhecimento, que corresponde ao reconhecimento não só da exclusão sistematicamente imposta (...) mas especificamente ao reconhecimento das formas próprias e distintas de organização social e cultural destas outras parcelas da sociedade (ARRUTI, 2009, p. 83).

Considerando os processos vividos pelas comunidades quilombolas aqui indagados, de maneira sucinta a comunidade de Agreste pode ser aqui apresentada como uma comunidade remanescente de quilombo, localizada na região do Norte de Minas, que se encontra entre os municípios de São João da Ponte e Capitão Éneas. A comunidade é composta por cento e dez famílias que vivem atualmente encurraladas por fazendas O território onde hoje vivem não dá condições para que produzam o que é necessário para o sustento das famílias, por isso, os moradores são obrigados a vender sua força de trabalho para as fazendas que cercam o povoado, ou até mesmo migrar para cidades próximas em busca de emprego.

Segundo as observações de Oliveira (2007), a Comunidade de Agreste se encontra num espaço campestre, junto a outras comunidades de populações negras como Vereda Viana, Quem-Quem e Brejo dos Crioulos, além de outras. Através do resgate da memória coletiva da comunidade estudada, sua pesquisa afirma que a história de Agreste pode ser dividida em dois

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tempos, sendo classificada pelos moradores como o Tempo Antigo e o Tempo Atual.

Segundo o autor “o Tempo Antigo, se inicia através de uma história de deslocamento e expropriação territorial, em que diversas famílias negras partiram de vários lugares na proximidade do atual povoado para formar o que hoje se constitui a comunidade de Agreste” (OLIVEIRA, 2007, p. 22). Nesse tempo, o autor esclarece que a terra era comum a todos, e assim as famílias podiam plantar o que era necessário para seu sustento e para o sustento da comunidade, “Os membros destas famílias antigas plantavam e cultivavam o que davam conta de cuidar, a roça não era muito grande e toda a produção era somente para o necessário” (OLIVEIRA, 2007, p. 23). O Tempo Atual será definido a partir de 1960. Nesse momento, ocorre a perda de terras por parte dos moradores de Agreste para os fazendeiros, assim nascendo o vínculo de dependência por parte da comunidade. É importante lembrar que:

Neste período, a Superintendência do desenvolvimento do Nordeste (SUDENE) passa a financiar o processo de mudança econômica e social da região rumo à “modernização”. Isto ocorreu através de projetos que permitiram, por um lado, as fazendas serem transformadas em empresas rurais e, por outro lado, os fazendeiros da região expandirem suas propriedades realizando uma intensa concentração fundiária (OLIVEIRA, 2007, p. 25).

Após uma breve descrição da história da Comunidade aqui pesquisada, e partindo de uma análise do que se faz presente, pode-se afirmar que Agreste nos remete a uma série de questões sociais, compreendidas no âmbito de todas as esferas necessárias para dar suporte ao bem-estar dos indivíduos. Ou seja, a comunidade de Agreste, assim como tantas, carece de atenção por parte dos poderes públicos, para que políticas como a saúde, educação, assistência e previdência sejam ativas diante desses espaços.

PREVIDÊNCIA SOCIAL RURAL E GÊNERO NA COMUNIDADE RURAL NEGRA QUILOMBOLA DE AGRESTE

No exame da literatura sobre Previdência Social no Brasil, a partir de inúmeras pesquisas, é possível observar, portanto, que existe uma distinção de gênero na concessão de benefícios da Previdência Rural. Essa realidade se fundamenta na discriminação histórico-cultural do trabalho feminino no Brasil e se concretiza no sistema previdenciário anterior a Constituição de 1988, pois concedia o direito à aposentadoria rural apenas ao chefe de

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família. No entanto, apesar das conquistas adquiridas pelas mulheres do campo, como o direito à aposentadoria aos 55 anos de idade, as estatísticas mostram que as mulheres rurais ainda necessitam de avanços muito maiores.

No caso da comunidade de Agreste, a situação do grupo feminino não se encontra de maneira diferente do que foi exposto ao longo das pesquisas sobre as mulheres do meio rural. Durante o estudo, foi possível perceber a dificuldade que as mulheres têm em serem reconhecidas como seguradas especiais do regime de aposentadoria rural, principalmente por não possuírem documentos como o Incra, carteira de trabalho, e outros documentos que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar. Concordando com os argumentos de Brumer (2002), a comprovação do trabalho rural feito pelas mulheres se torna difícil devido a descaracterização de seu trabalho, visto como uma “ajuda”.

O trabalho feminino torna-se dessa forma, invisível diante das estatísticas oficiais, dificultando seu reconhecimento como trabalhadora rural e consequentemente seu acesso à aposentadoria.

A partir dos dados analisados, é possível observar, portanto, que existe uma distinção de gênero na concessão de benefícios do regime especial da previdência rural. Essa realidade se fundamenta na discriminação histórico-cultural do trabalho das mulheres no Brasil e se concretiza no sistema previdenciário anterior a Constituição de 1988, pois concedia o direito à aposentadoria rural apenas ao chefe de família. No entanto, apesar das conquistas adquiridas pelas mulheres do campo, como o direito à aposentadoria aos 55 anos de idade, as estatísticas mostramque as mulheres rurais ainda necessitam de avanços muito maiores.

No caso da comunidade de Agreste, a situação das mulheres não é diferente do que foi exposto ao longo das pesquisas sobre as mulheres do meio rural. Durante o estudo, foi possível perceber a dificuldade que as mulheres têm em serem reconhecidas como seguradas especiais do regime de aposentadoria rural, principalmente por não possuírem documentos como o Incra, carteira de trabalho e outros documentos que comprovem o efetivo exercício de atividade rural, individualmente ou em regime de economia familiar. Concordamos com os argumentos de Brumer (2002) de que a comprovação do trabalho rural feito pelas mulheres se torna difícil devido a descaracterização de seu trabalho, visto como uma “ajuda”.

O trabalho das mulheres torna-se, dessa forma, invisível diante das estatísticas oficiais, dificultando seu reconhecimento como trabalhadora rural e consequentemente seu acesso à aposentadoria. Segundo J., que já prestou serviço à comunidade como enfermeira e que hoje

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orienta aqueles que já estão em idade de se aposentar, documentos como a carteira de trabalho, o Incra4, e até mesmo a certidão de casamento, se apresentam como maiores barreiras:

Eu estou instruindo as mulheres a tirarem os documentos como trabalhadora rural. No documento, quando perguntam a profissão principal das mulheres nunca que elas devem falar que trabalham em casa, porque fica claro que tem que trabalhar em casa né? Mas elas têm que falar que são trabalhadoras rurais, porque ela faz parte, ela vai levar um almoço, ela trabalha de alguma forma. Aí se ela falar que trabalha só em casa ela não consegue (J.- Enfermeira).

A situação de Dona P. de 60 anos de idade e de Dona N.M. de 67 anos é um reflexo da dificuldade que as mulheres rurais têm de se inserirem no sistema de segurado especial da previdência rural vigente. Elas declararam que já tentaram conseguir a aposentadoria mais de uma vez, e afirmam não consegui-la por não ter como comprovar a atividade rural. Citam dentre os documentos ausentes o Incra, além disso, afirmam que as orientações da enfermeira J. são de suma importância, pois sozinhas não conseguiriam “mexer com os papéis”:

Da outra vez que tentei não consegui por causa dos INCRA, mas eu fiz a entrevista agora de novo e eu consegui os INCRA com uns fazendeiros que eu trabalhei. Eu achei difícil demais pra conseguir aposentar, por causa dos documentos, logo da primeira vez que meu marido tentou, o dele saiu rapidinho. [...] quem está me ajudando na aposentadoria é J. Aquela mulher é boa demais, nossa tem tanta boa vontade assim, depende da gente procurar ela que nunca que fala não (Dona P. – 60 anos, trabalhadora rural).

Acho que tem já umas cinco vezes que eu tento aposentar e não consigo, eu não sei direito como é que é. Agora J. está me ajudando, eu não tenho condição, ela me explicou um monte de coisa, se não fosse ela! (Dona N.M - 67 anos, trabalhadora rural).

Na visão de Brumer (2002), para as mulheres que exercem atividade no meio rural de maneira informal, sem registro na carteira de trabalho, ou sem registro de venda da produção em seu próprio nome e no de seus dependentes e que posteriormente enfrentarão dificuldades ou estarão excluídas do sistema previdenciário, não existe solução a curto prazo. O único encaminhamento possível é o acesso a programas de assistência social. Na Comunidade de

4 O inciso II, do art. 4º, do Estatuto da Terra (Lei 4.504/64), define como propriedade familiar o imóvel rural que, direta e pessoalmente explorado pelo agricultor e sua família, lhes absorva toda a força de trabalho, garantido-lhes a subsistência e o progresso social e econômico, com área máxima fixada para cada região e tipo de exploração, e eventualmente, trabalhado com a ajuda de terceiros.

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Agreste, essa solução se expressa através do Benefício de Prestação Continuada (BPC), previsto pela Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS). O BPC submete o direito do cidadão à condição econômica de sua família, pois o futuro beneficiário deve comprovar não ter meios para o provimento de sua família, apresentando dessa forma uma renda mensal per capita inferior a ¼ do salário mínimo e possuir 65 anos de idade.

Em relação ao regime especial da previdência rural, as mulheres terão que esperar 10 anos para acessão ao benefício. Além disso, para Sposati (2004) esse benefício tem um forte caráter de seletividade para o cidadão que dele necessita, e esses fatores explicam a dificuldade de alcance dos idosos. Na Comunidade de Agreste, a impossibilidade do acesso ao regime especial de segurado da previdência rural faz com que muitas mulheres acessem o Benefício de Prestação Continuada (BPC).

Para Sposati (2004), o BPC é visto como um dispositivo de proteção social, sendo um instrumento importante de apoio dos idosos, pois a avaliação acerca desse benefício comprova que em quase 50% das famílias brasileiras, essa é a única renda regular que possuem. Face ao exposto, podemos considerar que o BPC reforça a hipótese da vulnerabilidade do acesso das mulheres ao regime de segurado especial da previdência rural na comunidade do Agreste, e nesse contexto demonstra que a conquista desse dispositivo tem um papel fundamental para o bem-estar das mulheres que não conseguem se aposentar através do regime especial de previdência rural. Todavia, é preciso destacar que apesar do BPC preencher as lacunas da previdência rural, as mulheres chegam a consegui-lo tardiamente. Essa análise pode ser ilustrada pelo depoimento de M.B que conseguiu se aposentar aos 70 anos de idade:

Na linguagem do povo diz que eu sou encostada, né filha? Eu me aposentei com 70 anos. Eu já trabalhei na roça demais, trabalhei pra mim, e trabalhei para os outros, e hoje sou encostada. Eu não consegui nada disso antes, por causa de bestagem daquele tempo velho, eu já falo é assim né? Tempo de bestagem, porque naquele tempo, nem documento eu não tinha, nem registro eu não tinha, aí então depois que foi passando tempo, tempo, que Deus ajudou eu consegui ao menos encostar, mas já estava passada a idade. Até os 70 anos, eu ainda trabalhava na roça, fazia plantação pra mim, para os outros, eu desde garota eu já trabalhava na roça (M.B.- 79 anos, beneficiária do BPC).

Alvarez (2006) ressalta que não são poucos os casos de mulheres das comunidades rurais negras que poderiam se enquadrar no perfil de beneficiárias do BPC, ou até mesmo para o acesso ao salário-maternidade. No entanto, o que acontece é que elas na maioria dos casos são desprovidas de informações, não sabendo, dessa forma, efetivar seus direitos. Por

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sua vez, essas características refletem a realidade da comunidade estudada. O papel que J., a enfermeira, ocupa nesse espaço é indubitavelmente importante, pois as idosas de Agreste desprovidas de informação e em alguns casos de documentações básicas como RG e CPF, precisam de sua ajuda, ou da ajuda dos filhos ou de parentes para buscar o direito à sua proteção social. Entre tantas barreiras, quando há a conquista do benefício, tanto pelo BPC quanto pela aposentadoria como segurado especial, este é considerado, entre mulheres, como um acontecimento milagroso e não como um direito, devido às dificuldades e a morosidade em acessar o benefício.

Barbosa (2007, p. 261), demonstra que o peso da renda dos idosos no âmbito familiar é expressivo no que diz respeito ao aumento da renda rural para sua família ou até mesmo se constitui como a fonte de subsistência mais importante. Sendo assim:

Nos dias atuais, os aposentados e as aposentadas rurais são vistos pela sociedade como os beneficiários de uma das mais importantes políticas de superação da pobreza. Seus recursos animam, dinamizam a economia da família, da cidade. Permitem ao jovem neto continuar estudando, equipa a casa, compra geladeira. Os lares onde se encontram um casal de aposentados são, geralmente, aqueles em melhores condições econômicas, na maioria dos pequenos municípios.

Nessa perspectiva, a partir dos depoimentos das mulheres aposentadas de Agreste, é possível observar que o alcance da política previdenciária ou assistencial traz impactos positivos para a sua condição e para a condição de sua família. As mulheres, em sua maioria, relatam que os recursos da aposentadoria transformaram sua vida, principalmente pelo fato de não precisarem mais trabalhar na roça, pois trata-se de um serviço “sofrido”, ao qual não conseguem mais se dedicar. A análise indica que a aposentadoria ajuda no combate à pobreza e se torna essencial para o sustento das famílias, por ser uma renda fixa e regular, pois o Agreste não apresenta oportunidades de emprego e quando aparece algum trabalho, geralmente são trabalhos temporários. Nesse sentido, é possível notar que as famílias de Agreste que tem algum membro segurado no regime especial da previdência social bem como BPC, vivem em condições menos precárias, se compararmos a outras realidades desse espaço. Nos depoimentos, as aposentadas manifestam que sem os recursos da aposentadoria não poderiam sobreviver, sendo utilizado principalmente na compra de alimentos, de remédios, roupas e calçados.

É preciso reconhecer, conforme Brumer (2002), o valor simbólico do recebimento do benefício pelas mulheres. De pessoas que nunca haviam recebido remuneração pelos

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trabalhos realizados, elas passam a ter uma conta e um cartão bancário em seus próprios nomes, recebendo seus benefícios regular e diretamente. Nesta lógica, o acesso ao benefício pela Previdência Rural e pela Assistência Social, pode ser considerado portanto, como um mecanismo de redistribuição de renda, pois através de um mínimo social, contribui de forma positiva para o bem-estar das famílias de Agreste, para que tenham uma condição básica de vida através de um ganho mensal regularmente. Sendo assim, o alcance das mulheres de Agreste à aposentadoria seja, pelo BPC, ou pela Previdência Rural, nos permite reconhecer a importância que o recebimento do beneficio passa a ter.

No entanto, as relações sociais mascaradas pela subordinação e invisibilidade de participação das mulheres como sujeitos ativos na esfera produtiva, ainda se encontram como grandes barreiras nas relações sociais internas e externas do âmbito familiar na comunidade aqui pesquisada. Além das representações sociais, as regras na concessão dos benefícios não auxiliam na efetivação dos direitos das mulheres, que acabam sendo excluídas do acesso aos benefícios. Além disso,

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perspectiva desenvolvida nesta pesquisa, ao analisar o impacto da questão de gênero no campo da política de Previdência Rural, corrobora com outras pesquisas desenvolvidas no mesmo viés, pois retoma a discussão sobre a invisibilidade do trabalho feminino e as principais dificuldades que as mulheres rurais têm para que sejam assistidas como seguradas especiais do regime de previdência. Nesse sentido, esse campo de análise nos revela que devido às desigualdades de gênero, que atribuem às mulheres uma posição subordinada na família, baseando-se na divisão sexual do trabalho, vem reforçar a descaracterização do trabalho da mulher e dificultar o seu reconhecimento como trabalhadora rural no âmbito das políticas sociais.

No que se refere a Previdência Rural, fica claro para nós que o grupo feminino só passou a ter direito a uma aposentadoria por idade a partir da Constituição de 1988, com a comprovação da atividade rural e com a idade mínima de 55 anos. Sem sombra de dúvida, os estudos apresentados até aqui, como a visão de Delgado (1999) Barbosa (2007) e Brumer (2002) comprovam a importância da universalização da Previdência Rural e conseqüentemente a extensão dos direitos para o grupo feminino. Concordando com os

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autores, o acesso ao benefício trouxe impactos positivos, agindo no combate à pobreza, valorizando a figura do idoso e principalmente, refletindo nas diferenciações de gênero, além de tantos outros impactos positivos. Ou seja, a extensão da aposentadoria rural para as mulheres possui um grande valor simbólico e traz condições para que não sejam vistas apenas como dependentes de sua família.

De fato, ficou evidente, que as mulheres da comunidade de Agreste possuem grande dificuldade de ter direito a aposentadoria rural. Isso retoma a discussão do não reconhecimento do trabalho da mulher, visto como uma “ajuda”. Nessa situação, as mulheres encontram-se indocumentadas para comprovarem atividade rural, e as barreiras se encontram desde a certidão de casamento por constar a título de ocupação de doméstica, mesmo trabalhando na roça, ou ainda por não possuírem o Incra. Diante disso o BPC terá uma participação positiva na vida das mulheres da comunidade, preenchendo as lacunas que a Previdência Rural deixa ao não se efetivar em suas vidas.

Durante o transcorrer da pesquisa, Agreste foi para esse estudo uma concretização do que encontrei em palavras, e ao entrar em contato com essa realidade, foi possível notar a importância que o direito à aposentadoria tem para a vida dessas mulheres, pois por ser uma renda regular e certa, traz uma estabilidade, refletindo no bem-estar das famílias. No entanto, sua renda ainda será vista como um complemento, e mesmo que ela seja aquela que providencia o sustento desse núcleo, na comunidade a figura masculina, como provedor será majoritária.

Sob essa ótica, apesar da Previdência Rural ser inovadora ao dar condições para que os trabalhadores rurais tenham o direito ao beneficio previdenciário sem a necessidade de contribuição, é importante destacar que a equidade entre homens e mulheres não se faz presente. Pensando na necessidade urgente de dar condições para que as mulheres rurais tenham o mesmo acesso, é preciso que as relações de gênero sejam indagadas no espaço doméstico, no espaço do trabalho e principalmente junto às organizações governamentais, para que providencias sejam tomadas, como, por exemplo, na simplificação dos procedimentos burocráticos de modo a ampliar o acesso das mulheres rurais aos benefícios previdenciários.

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Referências

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