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O VYGOTSKI ESTERILIZADO : UMA CRÍTICA ÀS INTERPRETAÇÕES DO PENSAMENTO VYGOTSKIANO POR PARTE DO CONSTRUTIVISMO NORTE-AMERICANO

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Academic year: 2021

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O VYGOTSKI “ESTERILIZADO”: UMA CRÍTICA ÀS INTERPRETAÇÕES DO PENSAMENTO VYGOTSKIANO POR PARTE DO CONSTRUTIVISMO

NORTE-AMERICANO

Oriomar Skalinski Junior1

INTRODUÇÃO: Em tempos de progressiva expansão da ideologia neoliberal, não é surpreendente que teorias relacionadas à educação sejam alvo de investidas por parte daquela. Neste sentido, a obra de Lev Seminióvitch Vygoski (1896–1934) constitui-se em exemplo emblemático do quanto pressupostos forjados em determinado contexto – em seu caso no da revolução russa – podem ser deturpados em função de uma nova organização dos modos de produção. Assim, algumas teorias educacionais contemporâneas, evidentemente, carregadas do espírito neoliberal de seu tempo, vêem incorporando muitos conceitos vygotskianos ao seu corpo teórico de modo a esvaziá-los das bases metodológicas materialista-históricas sobre as quais foram construídos. É fundamental que fique claro que o projeto de Vygotski estava intimamente relacionado ao projeto de uma sociedade socialista, e que seu trabalho buscava a criação de uma psicologia de base marxista, em que o desenvolvimento das funções psicológicas superiores pudesse ser explicado a partir das relações sociais estabelecidas historicamente entre os homens. Sua obra, portanto, não pode ser dissociada das questões que se colocavam para a sociedade russa no início do século passado e do projeto de transformação social que a norteava. O marxismo tem por objetivo apreender o movimento dos fenômenos, uma vez que compreende que tudo o que existe encontra-se em movimento, encontra-sendo este derivado das contradições constituídas social e historicamente. O interesse do autor, desta forma, estava focalizado na aplicação do método de Marx e não na reprodução estéril de suas idéias. Como o materialismo 1 Psicólogo e Mestrando em Educação pela Universidade Estadual de Maringá. Endereço: Av. Dr. Mário

Clapier Urbinati, 724, Bloco J, Apto. 06, Maringá – PR. Telefone: (44) 3224-3204, e-mail: jrskalinski@yahoo.com.br

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histórico contempla as relações sociais como um todo, entendendo as bases materiais de uma época enquanto determinantes da consciência dos homens e dos modos pelos quais organizam e explicam a sociedade, afasta-se de explicações idealistas que consideram apenas as idéias de uma época, desvinculando-as da materialidade relacionada à produção das mesmas. A partir disso, buscaremos demonstrar no decorrer do presente texto o quão ideológicas são as apropriações contemporâneas feitas de alguns conceitos vygotskianos. Para tal, nos focaremos principalmente no construtivismo norte-americano, que claramente toma aleatoriamente os conceitos de Vygotski e os desvincula totalmente de seus fundamentos epistemológicos.

OBJETIVOS: O objetivo central deste trabalho é demonstrar que a obra de Vygotski vem sendo progressivamente esvaziada de suas bases marxistas, principalmente através de apropriações realizadas pelos construtivistas norte-americanos, a fim de que seja feita sua incorporação às emergentes pedagogias do “aprender a aprender”, sabidamente, filhas diretas da ideologia capitalista contemporânea.

METODOLOGIA: O presente texto trata-se de pesquisa conceitual baseada em levantamento de fontes e literatura de apoio. Os procedimentos foram os de: seleção de literatura, leitura, análise e correlação dos dados obtidos. Foi tomado como objeto de análise o livro Construtivismo: teoria, perspectivas e prática pedagógica, organizado por Catherine Twomey Fosnot, que foi selecionado em virtude de se tratar de exemplo emblemático do tipo de postura que destacamos em nossos objetivos. A fim de realizar a análise deste, nos pautamos na metodologia materialista histórica, buscando desvendar as interações entre os elementos que compõem o movimento do cenário contemporâneo, tomando sempre os objetos como inseridos dentro de um contexto, jamais os analisando isoladamente, uma vez que se assim empreendêssemos não contemplaríamos a totalidade. Deste modo, conforme os pressupostos metodológicos marxistas, participamos da idéia de que um fato analisado jamais pode deixar de ser situado dentro do quadro histórico a partir do qual foi extraído, caso contrário, o resultado desta pesquisa se constituiria em mera somatória de dados.

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RESULTADOS: A atual conjuntura do capitalismo, a saber, mais decisivamente, o

capitalismo leve através de suas reverberações neoliberais, tem tido como um de seus

corolários no âmbito das teorias educacionais contemporâneas, uma apropriação equivocada da obra de Vygotski. A progressiva desvinculação de seus escritos da base marxista sobre os quais foram edificados, vem contribuindo para o surgimento de interpretações extremamente desviantes de sua obra, uma vez que, ao isolá-las de suas bases metodológicas, acabam por fundamentar a importância do social e do cultural de modo claramente diferente do defendido pelo autor. Nota-se uma nítida tendência em transformar o social mencionado por Vygotski em uma espécie de categoria genérica que faz referência ao meio que cerca indivíduo, desta forma, deixando de contemplar as relações de trabalho e a estruturação social, deturpando completamente o significado essencial do conceito empregado pelo autor.

Acreditamos que a passagem que transcreveremos a seguir ilustra o modo como a teoria de Vygotski, no que tange a constituição social do conhecimento, é utilizada pela autora a fim de fundamentar a perspectiva construtivista. Fosnot tenta superar o solipsismo e o subjetivismo, peculiar à teoria que defende, inserindo uma espécie de “social genérico”, que se limita a fazer referência a convivência com outros indivíduos e com o meio como um todo. Evidentemente que isto não ocorre sem as devidas deturpações de conceitos.

“A ênfase de Vygotsky sobre o aspecto social do conhecimento – de que modo as noções intuitivas dão lugar a noções culturalmente mais aceitas – faz sentido a partir do ponto de vista da interação. A cultura e, dentro dela os indivíduos coletivos criam uma dialética que faz com que o indivíduo se desequilibre; porém, reciprocamente, o todo é desequilibrado pelos indivíduos à medida que eles constroem seu ambiente. Assim, o pensamento individual progride em direção a idéias culturalmente aceitas, mas sempre em uma estrutura dinâmica capaz de inovação criativa” (FOSNOT, 1998, p.43).

Na citação, o social é reduzido a uma espécie de relativismo cultural, em que as peculiaridades de cada cultura devem ser consideradas para se entender o indivíduo. Contudo, estas diferenças são naturalizadas, desvinculadas das relações sociais que as

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constituem. As bases materiais/econômicas que constituem esta realidade não são sequer mencionadas, o que garante o caráter benigno desta formulação teórica, que assim não faz menção à ideologia do neoliberalismo econômico e suas implicações na constituição dos indivíduos e do conhecimento. Conforme Duarte (2001), este é um artifício ideológico constantemente empregado pelas teorias educacionais contemporâneas, trata-se do repetido esforço em caracterizar a psicologia vygotskiana como sendo de cunho interacionista. Daí advém várias denominações atuais dadas a sua obra como por exemplo: interacionista, concepção interacionista, sócio-interacionista-construtivista (TULESKI, 2002).

É através de estratégias ideológicas deste tipo que as teorias filiadas ao “aprender a aprender” vão se sustentando perfeitamente dentro do contexto contemporâneo, uma vez que os sujeitos progressivamente estão se tornando mais individualistas, inativos e pragmatistas, isto em função, do atual modo de organização do trabalho. Frederico (1997), citado por Duarte (2001), fala de uma fragmentação progressiva que se instauraria em vários níveis como o da produção na indústria, no mercado, na organização da classe operária, no sujeito e no discurso político, além de na própria atividade política. Ou seja, o modo como esta sendo organizado o trabalho atualmente e concomitantemente o mercado, vem construindo uma escalada da fragmentação do social conduzindo os indivíduos ao niilismo e a inatividade política. Dentro deste espaço, paulatinamente, foram se erigindo concepções relativistas e fragmentárias que na verdade são uma demonstração da crise cultural contemporânea.

CONCLUSÕES: Entendemos, assim como Tuleski (2002), que a leitura é “discursiva, política e histórica em si mesma, intimamente relacionada à prática social” (p.40). Assim, quando pesquisadores se aproximam da obra de Vygotski e retiram os conceitos que lhes interessam sem nenhum comprometimento com as raízes epistemológicas dos mesmos, torna-se praticamente impossível compreender a totalidade da obra. Perde-se toda sua perspectiva revolucionária, e o seu modo de entender que apenas uma psicologia marxista poderia contemplar de modo realmente historicizado a constituição

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do psiquismo humano. Contudo, ainda vale ressaltar, uma vez que assumimos uma perspectiva metodológica materialista histórica, que o modo como a teoria de Vygotski vem sendo apropriada é indício de alguma necessidade que está sendo produzida na atualidade. Nos parece que infelizmente esta necessidade que vem sendo suprida por muitos teóricos é a da justificação para a progressiva deteriorização das relações de trabalho e, por conseguinte, sociais. Nota-se que dentro da perspectiva do construtivismo norte-americano a edificação do conhecimento por parte do indivíduo é algo derivado, principalmente, de sua ação e do modo como se relaciona com os objetos e o meio social que o cerca. Ao se privilegiar uma perspectiva biologizante, que esteja focada na ação do sujeito, cria-se um ambiente de análise em que tudo gira em torno do indivíduo. Ou seja, cria-se um contexto que favorece a culpabilização individual e a naturalização dos fenômenos sociais, desconsiderando-se o sentido dado por Marx às relações sociais enquanto produtoras e transformadoras da história a partir das relações de trabalho. Assim, retomar as raízes epistemológicas de Vygotsky e recolocar no centro da discussão as bases produtivas e suas implicações na formação das funções psicológicas superiores, nos parece ser a principal via para a superação da tendência relativista e fragmentária do conhecimento presente em algumas teorias educacionais. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

ANDERY, Maria A. et al. Para compreender a ciência: uma perspectiva histórica. 6 ed. Rio de Janeiro: Espaço Tempo: São Paulo: EDUC, 1996.

DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2.ed. Campinas: Autores Associados, 2001.

FOSNOT, Catherine Twomey (org). Construtivismo: teoria, perspectivas e prática pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã (Feuerbach). 10. ed. São Paulo: Hucitec, 1996.

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MARX, Karl. Contribuição à crítica da economia política. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes,1983.

ROSSLER, João Henrique. Sedução e modismo na educação: processos de alienação na difusão do ideário construtivista. Araraquara: 2003. (Tese defendida junto ao programa de pós-graduação em educação da Unesp de Araraquara).

TULESKI, Silvana Calvo. Vygotski: a construção de uma psicologia marxista. Maringá: Eduem, 2002.

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