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FEMINISMO ISLÂMICO E IDENTIDADES: UMA RELAÇÃO DIÁLOGICA ATRAVÉS DO DISCURSO CORÂNICO

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FEMINISMO ISLÂMICO E IDENTIDADES: UMA RELAÇÃO DIÁLOGICA ATRAVÉS DO DISCURSO CORÂNICO

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2 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE

CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DA LINGUAGEM

FEMINISMO ISLÂMICO E IDENTIDADES: UMA RELAÇÃO DIÁLOGICA ATRAVÉS DO DISCURSO CORÂNICO

CLARICE DA CONCEIÇÃO MONTEIRO DE LIMA

NATAL/RN 2019

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3 CLARICE DA CONCEIÇÃO MONTEIRO DE LIMA

FEMINISMO ISLÂMICO E IDENTIDADES: UMA RELAÇÃO DIÁLOGICA ATRAVÉS DO DISCURSO CORÂNICO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora do Mestrado em Estudos em Linguística Aplicada do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Área de conhecimento: Linguística Aplicada. Linha de pesquisa: Estudos de Práticas Discursivas

NATAL/RN 2019

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4 CLARICE DA CONCEIÇÃO MONTEIRO DE LIMA

FEMINISMO ISLÂMICO E IDENTIDADES: UMA RELAÇÃO DIÁLOGICA ATRAVÉS DO DISCURSO CORÂNICO

DATA DA DEFESA:

BANCA EXAMINADORA

______________________________________________________________________ Professora Doutora Renata Archanjo - Orientadora

______________________________________________________________________ Professora Doutora Maria da Penha Casado Alves - Avaliadora

______________________________________________________________________ Professor Doutor José Cezinaldo Rocha Bessa - Avaliador

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5 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN

Sistema de Bibliotecas - SISBI

Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes - CCHLA

Lima, Clarice da Conceição Monteiro de.

Feminismo islâmico e identidades: uma relação diálogica através do discurso corânico / Clarice da Conceição Monteiro de Lima. - Natal, 2019.

127f.: il. color.

Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Linguagem, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, 2019.

Orientadora: Profa. Dra. Renata Archanjo.

1. Feminismo islâmico - Dissertação. 2. Dialogismo - Dissertação. 3. Identidade - Dissertação. 4. Discurso religioso do Alcorão - Dissertação. 5. Mulher muçulmana - Dissertação. I. Archanjo, Renata. II. Título.

RN/UF/BS-CCHLA CDU 81'33

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6 Dedico este trabalho a duas mulheres incríveis: a minha avó Maria das Neves Pontes (em memória) , que graças a ela, tive o privilégio de estudar em uma escola particular a partir da 5° série (atual 6° ano) com uma bolsa de estudos. Ela viu em mim uma criança esforçada e estudiosa e que "merecia" essa oportunidade e não desistiu até conquistar essa bolsa; a minha mãe Francisca Lúcia de Lima Monteiro, que nunca mediu esforços para me oferecer tudo que precisei para me tornar quem eu sou.

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7 AGRADECIMENTOS

Pode parecer clichê, mas quando se é teísta e acredita-se realmente que Deus é bom e misericordioso, não tem como esquecer de agradecer primeiramente a Ele. Pois eu acredito que sem Ele nada seria possível, sem Ele eu não seria nada e não teria nada, sem Ele eu não seria capaz de absolutamente nada. E para além disso, é realmente graças a Deus que cheguei aqui. Sem a minha fé no Deus único eu não seria quem eu sou, não pesquisaria temáticas realacionadas a cultura francófona africana e nem entenderia a relação de interceccionalidade entre a História/Cultura africana com a História/Cultura islâmica. Então, literalmente, sem Deus eu não teria me enveredado por esse caminho. E por isso, sou muito grata a Deus e seus desígnos.

Agradeço também aos meus pais, Lúcia e Luiz, e ao meu marido Leonardo. Mas agredeço principalmente e especialmente a minha querida mãe que eu amo tanto e ao meu marido incrível. Ambos foram minha fortaleza, aquelas pessoas que me incentivaram e sempre ressaltaram que eu sou extramente capaz de pesquisar e escrever, aquelas pessoas que se importavam e se preocupavam com o meu progresso e o meu bem estar. Não tenho palavras para mensurar o quanto eles foram importantes nesse processo.

Muitíssimo obrigada a Renata por lecionar de maneira impecável e tão especial as disciplinas, ainda na graduação, de: Linguística Aplicada em Língua Francesa, que me possibilitou conhecer e se encantar pela LA; Leitura e produção de texto em Língua Francesa, que me lembrou do quanto eu amo escrever e o quanto isso me faz bem. Mas acima de tudo obrigada por me aceitar como orientanda de iniciação científica e por ter aceitado o meu Projeto de Mestrado e por acreditar e querer colaborar com a minha pesquisa. Obrigada por ter aparecido na minha vida e ter feito toda diferença. E obrigada por ser uma orientadora tão maravilhosa, prestativa e incrível.

Um agradecimento especial ao meu amigo marroquino Ayoub Bahmed, que me ajudou na aquisição de material teórico para a construção tanto do Projeto, quanto da dissertação. Com a barreira advinda da geolocalização do Google, que dificultava minhas pesquisas sobre o feminismo islâmico no Marrocos, pude contar com a sua ajuda, que sempre estava disponível para fazer tudo que lhe era solicitado. Sua ajuda foi crucial nesta pesquisa.

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8 Quero muito agradecer às minhas companheiras do Mestrado, que tornaram as disciplinas mais alegres e mais completas, que se tornaram grandes amigas para além do Mestrado. Morgana Lobão, Tatiani Novaes e Manuely Vitória, agradeço por todo o carinho, conforto e suporte que vocês me deram ao longo desses dois anos e agradeço por terem entrado e permanecido na minha vida. Gostaria de agradecer às minhas amigas muçulmanas que sempre estavam disponíveis para discutir alguns assuntos religiosos, que me ajudava a sanar algumas dúvidas específicas. Um obrigado muito especial à elas: Ana Maria Pimenta, Petra Duante e Fabíola Oliveira. E não poderia deixar de agradecer a minha melhor amiga, Juliana Guimarães, que em todos esses anos vem sendo um grande apoio na minha vida. Somos um grande apoio uma pra outra. Nos conhecemos e nos entendemos. Nos apoiamos e nos ajudamos, sempre. Muito obrigada por me animar quando estava desanimada, por me escutar e nunca desacreditar que eu era capaz e que tinha muito potencial.

Obrigada a professora Penha por nos oferecer com tanto carinho a oportunidade de participar do grupos de estudos bakhtinianos, lá eu aprendi muito e dialoguei com diferentes vozes. Foi uma experiência única e importante para o processo de concepção desta dissertação. Obrigada aos professores Penha e Cezinaldo por aceitar fazer da banca e contribuir para minha pesquisa.

Agradeço a CAPES por ter financiado o desenvolvimento desta pesquisa, pois esse fomento foi essencial para o seu processo de realização.

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9 RESUMO

Esta pesquisa visa compreender a possível relação dialógica que existe entre o discurso religioso do Alcorão e a constituição teórica, ideológica e identitária do feminismo islâmico. Para tanto, foram cotejados dialogicamente excertos selecionados de entrevistas de três feministas islâmicas que teorizam sobre o feminismo islâmico e/ou militam pela causa das mulheres no Marrocos em consonância com os versículos do Alcorão, a fim de entender como o discurso presente no Alcorão é capaz de influenciar a construção da teoria feminista islâmica e constituição identitárias dessas mulheres em particular, bem como das demais mulheres nessa sociedade. Para analisar esse fenômeno recorreu-se a diferentes tipos de literaturas. Para analisar a relação dialógica dos versículos com os enunciados das feministas islâmicas, utilizou-se a teoria deutilizou-senvolvida pelo Círculo de Bakhtin (2002; 2007; 2010; 2015), Volochinov (2010), especificamente no que tange o conceito de dialogismo, enunciado, ideologia e vozes sociais. Para entender a construção das identidades dessas mulheres, foi indispensável recorrer aos estudos culturais para construir a compreensão da identidade sob a visão de Stuart Hall (2003; 2005; 2006; 2013), Woodward (2013). Além das teorias de análises, esta pesquisa também buscou referência tanto nas teorias feministas ocidentais, para historiar o feminismo no Ocidente: Consolim (2017), Ângela Davis (1982), Butler (1990), quanto na teoria feminista islâmica, para entender sua constituição: Asma Lamrabet (2007/2012/2015), Stéphanie Latte Abdallah (2010/2012), Margot Badran (2010), Souad Eddouada e Renata Pepicelli (2010), e Malala Yousafzai (2013) Zahra Ali (2012) Cila Lima (2014). Como resultado, considerou-se que a presença do discurso religioso corânico dentro do discurso feminista islâmico proporciona uma proximidade entre as demandas da vertente, uma vez que os direitos reivindicados possuem base religiosa, sendo possível a conciliação com a religião por elas professada. Além disso, percebeu-se que os enunciados demonstraram que o discurso corânico perpassa as vozes das três feministas/militantes e refrata-se por diversos domínios de suas vidas, o que evidentemente, impacta em suas identidades enquanto muçulmanas e defensoras dos direitos das mulheres.

Palavras-chave: Feminismo Islâmico, Dialogismo, Identidade, Discurso religioso do Alcorão, Mulher muçulmana.

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10 RÉSUMÉ

Cette recherche a pour but comprendre analyser la relation dialogique existante entre le discours religieux du Coran et la constitution théorique, idéologique et identitaire du féminisme islamique. Pour cela, nous avons sélectionné des extraits de reportages et interviews publiées par trois féministes islamiques considérées comme références dans la production de la théorie et/ou de l’activisme pour la cause des femmes au Maroc lesquels ont été comparés avec les versets du Coran. Le propos méthodologique a été d’établir un rapprochement entre les deux discours et vérifier la présence du discours du Coran dans les paroles de ces théoriques pour ainsi comprendre comment le discours religieux est capable d’influencer la construction de la théorie féministe islamique et construire l’identité de ces femmes. Le référentiel théorique utilisé dans les analyses a porté sur les textes produits par le Cercle de Bakhtine (1989/1993/2005/20072010/2015), Volochinov (2014), précisément en ce qui concerne le concept de « dialogisme », « enoncé », « idéologie » et « voix sociales ». Pour aborder le processus de construction d’une identité féministe islamique il a été indispensable de recourir à Stuart Hall et les études culturels (2003; 2005; 2006; 2013), Woordward (2013). En plus des théories analytiques, cette recherche a également étudié les théories féministes, la théorie occidentale pour composer une histoire du féminisme en Occident : Consolim (2017) Davis (1982) Butler (1990), et aussi la théorie féministe islamique, pour comprendre sa constitution : Asma Lamrabet (2007/2012/2015), Stéphanie Latte Abdallah (2010/2012), Margot Badran (2010), Souad Eddouada & Renata Pepicelli (2010), Malala Yousafzai (2013) Zahra Ali (2012) et Cila Lima (2014). En conséquence, il a été considéré que la présence du discours religieux coranique dans le discours féministe islamique crée une proximité entre les exigences de la courant, puisque les droits revendiqués ont une base religieuse, permettant la conciliation avec la religion professée par eux. En outre, on s'est rendu compte que les enunciés ont démontré que le discours coranique imprègne la voix des trois féministes / militantes et se répercute dans tous les domaines de leur vie, ce qui a évidemment un impact sur leur identité de musulmanes et de défenseurs des droits des femmes.

Mots-clés : Féminisme Islamique, Dialogisme, Identité, Discours religieux du Coran, Femme musulmane.

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11 LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Aïcha Ech – Chenna...53 Figura 2 – Rábea Naciri...54 Figura 3 – Asma Lamrabet...56

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12 GLOSSÁRIO DE EXPRESSÕES E PALAVRAS EM ÁRABE

Allah Deus.

Ijctihad Os esforços de reflexões que os juristas

islâmicos fazem para compreender e interpretar o alcorão.

Tafsir Exegese corânica, ou seja, a busca para

explicar da melhor maneira o sentido do que está descrito no Alcorão.

Fiqh Jurisprudência Islâmica.

Hadith Ditos e ações do Profeta Mohammed.

Código Moudawana Código da família do Marrocos, aplicado

desde 2004.

Maghreb Região situada no norte da África que

contempla os seguintes países: Marrocos, Tunísia e Argélia.

Rabita Mohammadia des Oulémas du Maroc Órgão fundado pelo o atual rei do Marrocos, Mohammed VI, que tem o objetivo de difundir o Islam de uma maneira positiva.

Ould el Haram Expressão preconceituosa para nomear

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Haram Palavra que se refere as coisas

considerada ilícitas por Deus.

Dihram Moeda marroquina.

Mouchkil Palavra em árabe que significa

“problema”.

Ibrahim Nome do Profeta Abraão em árabe.

Ál Imran Sura do Alcorão denominada “A família

de Imran”. Imran era o pai de Maria e avô de Jesus.

Al Ahzab Sura do Alcorão denominada “Os

partidos”.

Na Nahl Sura do Alcorão denominada “As

abelhas”.

Shariah Conjunto de normas, orientações e leis

islâmicas a serem seguidas individualmente por muçulmanos ou de maneira coletiva, apenas, dentro de um Califado.

Al An’Am Sura do Alcorão denominada “O gado”.

Al Máida Sura do Alcorão denominada “A mesa

servida”.

Al Hujurat Sura do Alcorão denominada “Os

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ... 17 1.1. Justificativa ... 20 1.2 Questões da Pesquisa ... 22 1.3 Objetivos ... 23 1.3.1 Objetivo geral ... 23 1.3.2 Objetivos específicos ... 23 1.4 Design da Pesquisa ... 23

2. ESTADO DA ARTE – DO OCIDENTE AO ORIENTE, AS VOZES SE PROPAGAM ... 26

2.1 Vozes brasileiras ... 26

2.2 Vozes que ecoam em sociedades muçulmanas ... 29

3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ... 32

3.1 Teorias feministas e sua condição plural ... 32

3.1.1 Histórico da teoria feminista ocidental ... 32

3.1.2 Feminismo islâmico e a autonomia de mulheres muçulmanas ... 35

3.2 Identidade e estudos culturais ... 36

3.3 Conceitos bakhtinianos ... 38

3.3.1 Dialogismo e Enunciados ... 39

3.3.2 Ideologia e Vozes Sociais ... 40

4. Metodologia ... 43

4.1 A pesquisa em Linguística Aplicada ... 43

4.2 A construção do pesquisa ... 44

4.3 Procedimentos metodológicos para as análises ... 46

4.4 O Alcorão e seu discurso ... 48

4.4.1 A Revelação do Alcorão e os Direitos das Mulheres ... 48

4.4.2 A crença e a defesa da cientificidade do Alcorão... 50

4.5 Construção do Corpus ... 51

4.5.1 Aïcha Ech-Chenna ... 52

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15

4.5.3 Asma Lamrabet ... 55

5. CONSTRUINDO IDENTIDADES FEMININAS EM SOCIEDADES MUÇULMANAS ... 58

5.1 ENUNCIADOS DE AÏCHA ECH-CHENNA: a voz em defesa do direito à existência ... 61

5.2 ENUNCIADOS DE RABÉA NACIRI: a voz em defesa do direito à propriedade ... 70

5.3 ENUNCIADOS DE ASMA LAMRABET: a voz em defesa do direito à identidade feminina islâmica ... 75

5.4 Discussão ... 81

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 85

7. REFERÊNCIAS ... 91

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17 1. INTRODUÇÃO

O feminismo surge por volta da década de sessenta enquanto movimento social, com o intuito de reivindicar, para as mulheres, os mesmos direitos já assegurados aos homens e perseguir uma sociedade ideal marcada pela equidade entre os gêneros. Desde o seu nascimento, o movimento já se caracterizava como político, pois a sua constituição sempre foi fundamentada nas questões que emergem a partir de discussões políticas das sociedades.

Ao longo da história, o movimento passou por uma série de transformações de caráter social e se aprofundou nas ditas questões políticas, uma vez que ele “[...] abriu, portanto, para a contestação política, arenas inteiramente novas da vida social: a família, a sexualidade, o trabalho doméstico, a divisão doméstica do trabalho, o cuidado com as crianças” (HALL, 2005, p.45). Justamente por assumir esse caráter, o feminismo não se constitui como um movimento homogêneo e muito menos marcado por apenas uma única voz, já que “Ele politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação” dos sujeitos (HALL, 2005, p.46).

Partindo desses pressupostos, é necessário compreender que o feminismo representa e contempla mulheres – e também vítimas de misoginia, como homens transexuais e pessoas não binárias – que são diferentes entre si e dotadas de especificidades características do meio social e/ou condicional no qual elas se inserem e se constituem enquanto sujeitos únicos. Diante dessas especificidades, o movimento feminista acabou se dividindo em vertentes constituídas por teorias que norteiam suas pautas e demandas. No Ocidente, por exemplo, há uma grande identificação, principalmente, com três dessas teorias: 1) a radical, que propõe uma resolução indo diretamente à raiz do problema das questões de gênero; 2) a interseccional, que procura discutir as questões de gênero levando em consideração outros entrelaçamentos sociais, como as questões de racismo, a gordofobia, a lgbtfobia, as questões de classe e outras congêneres; 3) a liberal, que busca resolver as questões de gênero em consonância com o liberalismo econômico dentro de uma sociedade capitalista.

Apesar da importância da experiência de vida das mulheres em meio a uma sociedade injusta, machista e extremamente misógina, o feminismo também se constitui apoiado por teorias sólidas que promovem o dinamismo do movimento e orientam, com base em critérios acadêmicos-científicos, a busca pelos tão almejados valores de equidade de gênero, respeito e segurança. As teorias feministas foram, sem dúvidas, uma imensurável contribuição, tanto para

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18 a concepção, quanto para o desenvolvimento intelectual e social do movimento. Portanto, o feminismo é uma junção de teoria e prática, uma junção entre a cientificidade e vivência, e, provavelmente, sem essa união, o movimento não estaria fortalecido e conquistando uma série de direitos nos últimos anos, tornando-se tão popular.

Em contramão ao Ocidente, nas sociedades árabes nas quais foram expostas às ideias islâmicas, o processo deu-se praticamente de maneira inversa. Conforme os preceitos do Islam, há mais de 1300 anos, quando o Alcorão foi revelado, Deus teria rompido com a ideia vigente das sociedades da época, que não viam as mulheres como seres humanos, por isso, merecedoras dos mesmos direitos dos homens, e estabelecido que a mulher era exatamente igual ao homem no que diz respeito a direitos e deveres. Deus teria se preocupado em enfatizar essa igualdade por todo o texto corânico como podemos observar na seguinte passagem, dentre várias outras: “Eu não desconsiderarei o trabalho de qualquer um de vós no Meu caminho, seja homem ou mulher, porque procedeis uns dos outros” (Alcorão 3:195). Além disso, o Alcorão concede à mulher uma série de direitos, que foram conquistados há pouco tempo no Ocidente e depois de muita luta do movimento feminista. Dentre os direitos, que teriam sido concedidos por Deus, segundo o Islam, no século VII, estariam: “o direito ao voto”, “o direito à herança e à propriedade”, “o direito a trabalhar e a estudar”, “o direito ao divórcio”, “o direito ao dote1”,

entre outros.

É difícil imaginar que uma religião que carrega o estigma social de machista e que, supostamente, coloca suas seguidoras na posição de sujeito oprimido e submisso ao gênero masculino, possa ter desenvolvido um discurso religioso tão igualitário e de respeito às mulheres. Todavia, a resposta pode ser simples: o Islam estabelece em sua essência que todos são iguais perante Deus e o Alcorão celebra a diversidade entre as pessoas, uma vez que, para a religião, não há distinção de etnia, gênero, classe social ou qualquer outro tipo.

Contudo, com o decorrer do tempo, os ideais islâmicos de equidade acabaram por se perder, mesmo em algumas sociedades muçulmanas. Azim (2013) expõe e explica essa situação de maneira didática:

Devemos esclarecer primeiro, que as enormes diferenças entre as sociedades muçulmanas acabam por gerar generalizações muito simplistas. Há um vasto espectro de posturas em relação à mulher no mundo muçulmano atual. Essas

1 O dote muçulmano é um valor que a família do noivo paga a noiva e que funciona como uma espécie de seguro matrimonial, para assegurar a mulher caso algo aconteça ao marido.

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19 posturas diferem de uma sociedade para a outra e dentro de cada sociedade individual. Contudo, podemos discernir certos traços gerais. Quase todas as sociedades muçulmanas, em maior ou menor grau, se desviaram dos ideais do Islam, com respeito à condição das mulheres. Estes desvios, na maior parte, direcionam-se para uma ou duas direções. A primeira é mais conservadora, restritiva e orientada pelas tradições, enquanto que a segunda é mais liberal, orientada pelos costumes ocidentais (AZIM, 2013, p. 74).

De fato, apesar dos ideais de igualdade contidos no Alcorão, algumas sociedades muçulmanas não os respeitam, interpretando o texto religioso à maneira dos tempos e costumes sociais em que se inserem, comprometendo, assim, os direitos femininos previstos no texto de referência. Dessa forma, as mulheres muçulmanas, por força das práticas sociais de cada época, acabaram sendo colocadas em uma posição inferiorizada, sendo muitas vezes lesadas no decorrer da história, a partir do momento em que os seus direitos foram negados.

Aliado a esse desrespeito, em algumas sociedades muçulmanas, as mulheres que professam o Islam encontram dificuldades com o feminismo no modo ocidental — que não as contempla e que, em alguns casos, não respeita suas escolhas e sua autonomia. Nesse sentido, o feminismo Ocidental se mostra também como um aliado inútil dessas mulheres. Todavia, essas ideias feministas inspiraram uma nova corrente intitulada feminismo islâmico, cujo propósito visa defender pautas e demandas específicas das mulheres muçulmanas. Segundo Stéphanie Latte Abdallah, uma teórica islâmica de referência:

Esta corrente reinvidica especialmente o direito à interpretação (ijtihad2) suscetível de promover a igualdade de sexos, dos novos papeis nos rituais e nas práticas religiosas, das mudanças nos campos do direito familiar, do direito penal, e das práticas jurídicas e políticas. (ABDALLAH, 2010, p.10).3

O feminismo islâmico enquanto corrente feminista também se apoia naquela união entre a “teoria e prática” já citada. Ao passo que a vivência das mulheres muçulmanas é extremamente importante, a teoria desenvolvida por pesquisadoras que se dedicam ao estudo das ideias e conceitos que sustentam o movimento também é fundamental. No entanto, a teoria feminista islâmica apresenta uma peculiaridade em relação àquelas de outras vertentes: ela

2 Todos os termos em árabe estão explicados no Glossário.

3Ce courant revendique notamment un droit à l’interprétation (ijtihad3) susceptible de promouvoir l’égalité des sexes, des rôles nouveaux dans les rituels et les pratiques religieuses, des changements dans les domaines du droit familial, du droit pénal, et des pratiques juridiques et politiques

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20 encara o próprio Alcorão como principal referencial teórico. O discurso religioso, nesse caso, é analisado e interpretado a favor da vertente. O trabalho das teóricas e feministas islâmicas, assim, é o de analisar esse discurso religioso e promover um impacto nas práticas sociais, seja incitando as mulheres a lutar pelos seus direitos a partir da compreensão de que estes lhes foram garantidos por Deus, seja pelas intervenções sociais que visam as transformações nas sociedades em que vivem.

Pensar que uma vertente feminista tenha um livro religioso como principal base teórica causa certa estranheza. Principalmente quando esse discurso religioso foi capaz de constituir uma identidade política bem demarcada e comprometida com a busca de uma sociedade mais justa e equitativa. Esse estranhamento constituiu o ponto de partida para esta pesquisa a fim de compreender o modo como o discurso religioso do Alcorão se constitui como formação teórica, ideológica e identitária para o feminismo islâmico.

1.1. Justificativa

O trabalho de pesquisa ora apresentado é, também, uma experiência pessoal e socialmente situada. De acordo com Gil (2010), comumente, a pesquisa científica advém de um interesse simultaneamente pessoal e social, o qual evidenciará o interesse científico do pesquisador sobre o tema estudado. O tema desta pesquisa surgiu a partir de um posicionamento político e ideológico da pesquisadora, assumidamente feminista.

Além disso, durante o curso de graduação em Letras - Língua Francesa e Literaturas, o estudo de literatura e cultura francófona africana suscitou o interesse em questões acerca da crença islâmica, uma vez que um número expressivo de países francófonos africanos é muçulmano. Desse interesse, surgiu a familiaridade e afinidade com a religião, que culminou na conversão da pesquisadora ao Islam. Dessa forma, a pesquisa “Feminismo Islâmico e identidades: uma relação dialógica através do discurso corânico” adveio da confluência de questões acadêmicas, mas também ideológicas, políticas e religiosas.

Como já explicitado, o feminismo islâmico diverge das demais vertentes feministas que se apropriam e se baseiam em uma teoria científica para conduzir e guiar sua militância e construir suas pautas e demandas. O anseio por conhecer e sistematizar as especificidades da

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21 vertente é o que motiva o desenvolvimento desta pesquisa, que busca entender esse processo de construção identitária a partir de um discurso religioso específico e sua relação com outras práticas sociais. O material que vem sendo produzido por teóricas e feministas islâmicas é extremamente rico e interessante, pois são responsáveis por problematizar e discutir, de maneira mais simples e didática, o discurso mais complexo encontrado no Alcorão – que, por muitas vezes, é inacessível para mulheres que não compreendem árabe e nem tem acesso à obra transliterada4, como no caso do Paquistão durante o governo Talibã5. Nesse exemplo, segundo

Malala (2013), o governo paquistanês se aproveitava do fato de a maioria da população não saber árabe para propagar ideias distorcidas do Alcorão e da religião, a fim de justificar as ações ditatoriais e a eliminação dos direitos das mulheres, como, por exemplo, estudar e sair livremente de casa.

O feminismo islâmico desenvolve um importanante papel nas sociedades muçulmanas. Suas pesquisas demonstram a luta e a busca pelo restabelecimento dos direitos provenientes dos ideais islâmicos, que outrora foram esquecidos e que hoje são desrespeitados com a maior naturalidade. Conforme nos alerta Badran (2010), é evidente que “Ces publications contribuent à diffuser des travaux d’interprétation du Coran (tafsir) et de réflexion sur la jurisprudence islamique (fiqh) de femmes et d’hommes faisant valoir les droits conférés aux femmes par l’islam” (BADRAN, 2010, p. 25).6 Logo, essa produção teórica populariza, entre as mulheres,

um discurso esquecido e deixado de lado em algumas sociedades islâmicas ao mesmo tempo que as fortalece na busca pelo reconhecimento de seus direitos.

Tomando por base essa problemática, a presente pesquisa tem por objetivo principal investigar como o discurso religioso presente no Alcorão se tornou referência para o feminismo islâmico, assim como compreender de que modo esse discurso ajudou a construir uma identidade política e ideológica para mulheres muçulmanas enquanto grupo social atingido diretamente pelos problemas de gêneros em sociedades muçulmanas.

4 Transliteração é o processo de mapeamento de um sistema de escrita em outro. Segundo o dicionário Aurélio: Ação de transcrever ou escrever através da utilização de um sistema de caracteres: transliteração do árabe. 5 Governo ditatorial que ascendeu ao poder nos países do Paquistão e Afeganistão a partir da década de 80, com o objetivo estratégico de ser o ponto de apoio dos EUA, na região, contra a União Soviética durante a Guerra Fria. 6 Tradução livre: Essas publicações contribuem a difundir os trabalhos de interpretação do Alcorão (tasfir) e da reflexão sobre a Jurisprudência Islâmica (Fiqh) de mulheres e de homens fazendo valer os direitos garantidos às mulheres pelo Islam.

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22 Para além disso, é importante situar e apontar a importância de uma pesquisa desta natureza para a área da Linguística Aplicada em sua interface com outras áreas das ciências humanas. O modo como o discurso religioso sobre as mulheres é reproduzido e indexicalizado nas sociedades muçulmanas produz efeitos em questões identitárias, em questões de base econômica, jurídica e de sociedade que só vem ratificar a necessidade de se abordar o problema de pesquisa em uma visão conjunta e plural.

O tema desenvolvido aqui poderá, assim, contribuir, por um lado, para o corpo de estudos realizados no âmbito do Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPGEL), particularmente no âmbito do grupo de pesquisa “Práticas Discursivas na Contemporaneidade” e das pesquisas com ênfase nos estudos identitários. Por outro lado, destacamos a possível contribuição desta pesquisa em termos de um novo campo de estudos, por se tratar de uma temática inédita no programa. O estudo do discurso religioso islâmico poderá servir de referência para futuras pesquisas sobre o tema, enriquecendo o catálogo de dissertações e teses do PPgEL.

1.2 Questões da Pesquisa

As questões de pesquisa servem para nortear e direcionar todo o desenvolvimento da pesquisa. Logo, a sua elaboração precisa ser inteligente, lógica e direta para não haver falhas e equívocos durante o processo de investigação do tema. Para esta pesquisa, duas questões foram construídas:

1) Como se revela a importância do discurso religioso do Alcorão no discurso do feminismo islâmico para o processo constitutivo identitário das mulheres nas sociedades islâmicas?

2) Qual a contribuição do Alcorão para a construção teórica, ideológica e identitária do feminismo islâmico?

A partir dessas questões, a pesquisa pôde ser desenhada de maneira mais precisa, levando em consideração o enquadramento delimitado por estas reflexões.

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23 1.3 Objetivos

1.3.1 Objetivo Geral

Compreender a relação dialógica existente entre o discurso religioso presente no Alcorão e a teoria feminista islâmica através do cotejo dialógico e depreender dessa relação que contribuições são aportadas para a constituição teórica, ideológica e identitária de mulheres muçulmanas em sociedades islâmicas, a partir da presença de conceitos corânicos, seja direta ou indiretamente, que ecoam nas vozes dessas mulheres.

1.3.2 Objetivos Específicos

Os objetivos específicos da pesquisam buscam evidenciar, de modo mais detalhado: (i) Perceber como se dá o processo de constituição do feminismo islâmico,

assimilando a influência na construção identitária das mulheres muçulmanas em sociedades islâmicas; e

(ii) Examinar e refletir sobre como a ideologia religiosa presente no Alcorão é capaz de guiar a construção teórica, ideológica e identitária do feminismo islâmico.

1.4 Design da Pesquisa

Com o intuito de condensar os dados e sistematizar a pesquisa, o layout desta dissertação foi organizado nos parágrafos descritos a seguir.

Inicialmente, com o objetivo de conhecer e entender outras vozes afins com a pesquisa desenvolvida, o Estado da Arte compila algumas produções que abordam temáticas específicas, que dialogam, direta ou indiretamente, com o Islam e/ou o feminismo islâmico. São vozes que

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24 oferecem uma noção da trajetória e desenvolvimento das pesquisas nos últimos anos no Brasil, assim como em países muçulmanos.

Em seguida, encontra-se a seção teórica, dividida em duas partes, a primeira diz respeito à sistematização das teorias feministas, ocidental e islâmica, que são importantes para compreender o objeto de estudo analisado. A segunda parte concerne às concepções teóricas utilizadas para o desenvolvimento da pesquisa, sendo apresentados e desenvolvidos os seguintes conceitos: identidade, enunciado, voz e dialogismo.

A terceira seção tem por objetivo explicar e contextualizar questões relacionadas à compreensão do Alcorão que ajudam a entender os fatores que inspiram e dão suporte as teóricas do Feminismo Islâmico, ao considerar o texto corânico como a principal base teórica na construção do feminismo islâmico. Essa seção se divide em duas subseções: (i) explana sobre os direitos que Deus teria garantido às mulheres há 1400 anos; (ii) explica o porquê existe a crença que o Alcorão apresenta um caráter também científico.

Na seção metodológica apresentamos a construção da pesquisa, desde o trajeto percorrido para a escolha do corpus, obtenção dos dados até a descrição dos processos metodológicos na realização desta pesquisa. Ainda nesta seção, encontra-se um perfil das mulheres escolhidas para constituir o corpus e uma contextualização de suas trajetórias, além da justificativa que insere este trabalho no campo da Linguística Aplicada.

Segue-se, a seção de análise, na qual fazemos o cotejo dialógico entre o corpus selecionado e o texto corânico discutindo a relação dialógica existente entre eles. A partir desse cotejo, pôde-se melhor entender esse processo e chegar às conclusões acerca da pesquisa aqui desenvolvida.

E finalizando, tem-se a seção das considerações finais, em que se retoma as ideias centrais que foram discutidas ao decorrer desta dissertação e responde-se às questões propostas inicialmente.

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26 2. ESTADO DA ARTE – DO OCIDENTE AO ORIENTE, AS VOZES SE PROPAGAM

2.1 Vozes brasileiras

A pesquisa brasileira na área, basciamente, consiste em apresentar produções introdutórias acerca do feminismo islâmico e a sua relação com a mensagem corânica, assim como, pesquisas que coadunam de alguma forma com a temática desenvolvida nesta pesquisa. Evidentemente, as maiores produções e pesquisas acontecem em sociedades muçulmanas, uma vez que é nelas que se desenrola a luta por uma sociedade mais justa e igualitária em concordância com aquilo que Deus teria revelado no Alcorão.

Diferentemente do Ocidente, em que as mulheres ao passar dos anos foram conquistando seus direitos e o status social de sujeito e agente participativo social graças à organização feminina e a constituição do movimento feminista, nas sociedades árabes que foram expostas às ideias islâmicas, o processo se deu praticamente de maneira contrária em relação ao feminismo Ocidental. Há mais de 1400 anos, quando o Alcorão foi revelado, Deus teria rompido com a ideia vigente das sociedades da época, que não viam as mulheres como seres humanos e que, por isso, não mereciam os mesmos direitos dos homens, e teria instituido que a mulher fosse exatamente igual ao homem no que diz respeito a direitos e deveres.

Deus teria se preocupado em enfatizar essa igualdade por todo o texto corânico e dentre várias outras passagens, além de garantir uma série de direitos, que foram conquistados há pouco tempo pelo Ocidente e depois de muita luta do movimento feminista. Contudo, apesar dos ideais de igualdade contidos no Alcorão, algumas sociedades muçulmanas não os respeitam, comprometendo, assim, os direitos femininos previstos na religião. Dessa forma, as mulheres muçulmanas acabaram sendo lesadas no decorrer da história, a partir do momento em que seus direitos foram negados.

Exatamente por esse contexto que esta dissertação visa discutir a relação de influência do texto corânico para a formação teórica, ideológica e identitária na luta dos direitos das mulheres em sociedades islâmicas através do feminismo islâmico. Portanto, a construção do Estado da Arte, foi realizado através de uma pesquisa no baanco de dados dos programas

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27 brasileiros de pós-graduação que são referên em estudos sobre o Islam. Dessa forma, utilizou-se palavras-chave relacionadas ao assunto tratado nesta pesquisa, devido a ausência de um vasto material, considerou-se as dissertações e teses a partir do ano de 2009.

No Brasil, os programas de Pós-graduação da Universidade de São Paulo (USP), especificamente os de Ciências Humanas, Letras e Direito, são referência em estudos sobre o Islam e algumas das pesquisas desenvolvidas nesses programas envolvem a questão da mulher, seus direitos e suas lutas. Porém, outra questão importante para a compreensão desta dissertação, encontrada nessas pesquisas, trata do diálogo existente entre o conceito de liberdade e direitos humanos e o Islam, o que de certa forma fomenta a decisão de se impor socialmente na busca da validação dos direitos das mulheres.

Foreno (2016), em seu trabalho intitulado “Considerações hermenêuticas sobre o conceito de liberdade: um diálogo com o Islam” tem por objetivo a realização de uma reflexão interdisciplinar acerca do conceito de liberdade dentro do Islam a fim de questionar e contrapor a ideia Ocidental de que não existe liberdade na religião islâmica. Para tanto, Foreno (2016) apresenta, analisa e justapõe textos religiosos (Ahadith7 e suras corânicas) e textos acadêmicos com a finalidade de observar os diálogos presentes e, dessa forma, compreender a ideia de liberdade presente na referida religião.

Logo, a pesquisa de Foreno (2016) ajuda na construção do conhecimento que norteia a investigação desta pesquisa, pois compreender elementos fundamentais da religião islâmica como o conceito de liberdade e dos direitos humanos oferece a possibilidade de entender a escolha das mulheres em reivindicarem seus direitos pautados em textos religiosos, como o Alcorão. Após entender que existem diálogos entre o Islam e o conceito de liberdade, pode-se partir para pesquisas mais alinhadas com a temática feminina e a luta pelos direitos.

Em 2009, Soares em sua dissertação intitulada “Erótica sem véu: o corpóreo-sexual na sociedade árabe-islâmica clássica (século XII – XIII)”, discute a importância da mulher no Islam e a preocupação com a sua sexualidade, anatomia e bem-estar que são explicitadas no Alcorão, na literatura e na medicina árabe-muçulmana. Soares (2009) explica que essa literatura viabilizou o estudo do sexo enquanto ciência, assim como o interesse em se investigar sobre a satisfação do corpo feminino. Com o decorrer dos anos, essa valorização foi perdida em sociedades muçulmanas, ao passo, que a misoginia teve uma grande progressão. Dessa forma,

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28 a referida pesquisa identifica que as regressões dos direitos sexuais das mulheres e o machismo crescente em sociedades muçulmanas não estão em concordância com os estudos e avanços da medicina e da literatura árabe e muito menos estão dialogando com o texto corânico, principal norteador da religião islâmica.

O trabalho de Soares (2009), apesar de se relacionar indiretamente com o tema desta pesquisa se inter-relaciona quando evidencia que ao longo do tempo as mulheres, em sociedades muçulmanas, foram perdendo seus direitos e liberdades, ao passo que o conservadorismo e distanciamento dos ideais religiosos foram-se intensificando. A pesquisa de Soares (2009) ajuda a ratificar esse processo de perda de direitos e liberdades, decorrentes do contato com o Ocidente a partir de experiências de colonização (como no caso do Marrocos, Argélia e outras colônias) e/ou desmantelamento (como no caso do Afeganistão, Irã, sociedades antes laicas nas quais os direitos das mulheres eram, ainda, respeitados).

Logo, esse processo, acabou penalizando, principalmente, as mulheres que foram – e ainda são – vítimas, em meio a sociedades que, em teoria, ao se reivindicarem mulçumanas, deveriam guardar e respeitar as bases religiosas previstas na obra Corânica e os valores descritos em seu texto, contudo acabaram se distanciando desses ideais estabelecidos desde a revelação do Alcorão e advento do Islam.

Por sua vez, Lima em sua dissertação escrita em 2012 e intitulada “Mulheres e islamismo: os casos do Egito e Turquia” se debruça principalmente na atuação feminista na luta pelos direitos das mulheres nos dois países citados. Em suas considerações finais, Lima (2012) aponta que a atuação feminista foi realmente decisiva para a conquista dos direitos das mulheres tanto no Egito, quanto na Turquia, mas que a militância continua necessária, uma vez que o conservadorismo nessas sociedades ainda é latente e que há muito por conquistar. Além disso, Lima (2012) ainda conclui que há um paradoxo entre ser religioso e ser feminista islâmica e que isso pode colocar em xeque uma série de crenças relacionadas a ideologia e religião.

Contudo, vale ressaltar que esse paradoxo é relativo, principalmente, quando apontado por alguém de fora das sociedades muçulmanas, pois a vertente feminista em questão busca a ratificação daquilo que outrora fora garantido, mas agora está sendo negado pelo Estado e não o rompimento com a religião. Dessa forma, Lima (2012) defende que, apesar do conservadorismo e do fundamentalismo religioso tanto no Egito quanto na Turquia, as mulheres

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29 vêm conseguindo se organizar politicamente e vem adentrando um processo de emancipação, graças ao impacto do islamismo em suas vidas sociais e políticas.

Franco (2017), doutora em Ciências da religião, se debruça nos diálogos existentes entre ciência e religião, explanando diversos debates. Em um breve artigo intitulado “Feminismo Islâmico: uma consciência emergente de gênero em negociação e resistência à laicização”, Franco (2017) aponta que as pautas construídas dentro do feminismo islâmico são distintas de reivindicações presentes em outros grupos feministas e que por isso, percebe-se a importância de uma organização independente daquela do feminismo ocidental.

Além de ressaltar que, essa vertente trata de um feminismo de resistência, que não apenas luta pelos seus direitos, mas que também defende sua religião, o que segundo a autora provoca a criação de “um processo de defesa identitária importante e visível”, já que “ser muçulmana, ser mulher e ser feminista exige do restante do mundo um reconhecimento sobre os modelos preconceituosos e ignorantes sobre o qual se têm estabelecido os olhares acerca do universo das mulheres islâmicas”. Franco (2017) ainda apresenta diálogos diretos com várias teóricas feministas islâmicas, como Ali (2012), Badran (2009) e Barlas (2002) para a construção de seu artigo.

2.2 Vozes que ecoam em sociedades muçulmanas

Fora do Brasil, a temática do feminismo islâmico é mais discutida e mais antiga, principalmente em sociedades muçulmanas e/ou em sociedades em que a presença populacional de muçulmanos é mais forte, como no caso da França, do Reino Unido e dos Estados Unidos. Apesar de organizações femininas já existirem anteriormente, muitas mulheres como Aicha Ech- Chenna e Fatema Mernisse fizeram história discutindo, teorizando e colocando em prática seus discursos em prol de um feminismo islâmico. Porém, é em 2010, que esse assunto se torna mais recorrente no meio acadêmico e que os estudos sobre essa vertente começam a se consolidar de maneira mais estruturada.

Dessa forma, muitas teóricas do feminismo islâmico agregaram ao movimento uma grande contribuição ao teorizar e discutir a vertente sob um viés acadêmico como é o caso de Stéphanie Latte Abdallah, em seu artigo de 2012 “Féminismes islamiques et postcolonialité au

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30 début du XXI° siècle”8. Nele, ela conclui que o “feminismo islâmico abriu uma terceira via para

além das dicotomias sobre os direitos e movimentos de mulheres na região, a partir do discurso colonial ou o discurso de descolonização” (ABDALLAH, p.53, 2012) e ainda que a vertente possibilitou uma democratização do Islam, proporcionanando assim, um maior engajamento feminino na luta pelos direitos das mulheres. Dessa forma, o surgimento do feminismo islâmico foi essencial para a organização das mulheres em sociedades muçulmanas, que a partir da apropriação do Islam formularam demandas e reivindicações e criaram uma militância sólida na busca dos direitos das mulheres.

Além de Abdallah (2012), pode-se citar o artigo de Rabéa Naciri (2010) intitulado “Le Mouvement des femmes au Maroc”9 que apresenta um breve histórico do desenvolvimento do

feminismo islâmico especificamente no Marrocos e de como ele tem perseguido uma sociedade marroquina mais justa através de verdadeiras mudanças sociais, assim como, das mudanças culturais, uma vez que houve uma reconstrução identitária das mulheres que compõe o movimento. Além disso, Naciri (2014) evidencia o excelente desempenho da vertente na construção democrática do país após a sua independência em 1956 e da importância para a autonomia e independência das mulheres marroquinas.

8 Feminismos islâmicos e pós-coloniais em debate no século XXI. 9 O Movimento das mulheres no Marrocos.

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32 3. FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 Teorias feministas e sua condição plural

Além das concepções teóricas que dão luz as análises aqui feitas, outras teorias são importantes para a constituição deste trabalho, que faz um contraste entre o Alcorão e entrevistas públicas de feministas islâmicas/militantes pelos direitos das mulheres. Portanto, entende-se ser necessário compreender a relação dos textos corânicos e o os elementos que compõe o feminismo islâmico. Dessa maneira, é essencial entender o percurso da teoria feminista, desde a sua origem na sociedade Ocidental até a concepção do feminismo islâmico, advinda das especificidades de pautas, reivindicações e demandas em uma sociedade islâmica.

3.1.1 Histórico da teoria feminista ocidental

Antes de discutir e assimilar o feminismo islâmico é crucial perceber a origem e a história do feminismo e compreender o processo de estabelecimento do feminismo no Ocidente. Para tanto, os estudos de diversas estudiosas ocidentais, de várias épocas, são relevantes para essa compreensão. O feminismo nasce no Ocidente, numa época em que as mulheres começaram a se articular na tentativa de lutar pelos seus direitos e buscar autonomia em vários âmbitos, como social, sexual e etc.

A história do feminismo, conforme Consolim (2017), pode ser dividida em três momentos históricos, conhecidas como as três ondas feministas. Antes dessas ondas, porém, ocorreram casos isolados acerca das teorizações feministas, sendo o caso da escritora Mary Wollstonecraft, que escreveu sobre o assunto no século XVIII, um exemplo desse pioneirismo. Pinto (2010) aponta que a primeira onda teve início já no século XIX, em transição para o século XX, quando as mulheres, em grandes cidades dos EUA e Europa, a fim de lutar por seus direitos, começaram a se organizar. É nesse momento, que a figura histórica das Sufragistas aparece, influenciando assim, a conquista do voto feminino.

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33 Logo, pode-se caracterizar esse período como o início das articulações femininas, que buscavam sua emancipação e autonomia, por isso “reivindicava-se a igualdade jurídica, o direito ao voto e o acesso à instrução e às profissões liberais, além da oposição a casamentos arranjados e à propriedade de mulheres casadas por seus maridos” (CONSOLIM, 2017). É nesse cenário histórico que surgem diversos grandes nomes do feminismo. No Brasil, os textos da escritora potiguar Nísia Floresta contribuíram para a teorização na primeira onda. É ainda nessa onda que aparece a figura de Simone de Beauvoir, filósofa existencialista, cujos textos influenciariam positivamente as duas ondas seguintes.

Enquanto a primeira onda contestava os papeis de gênero impostos às mulheres, a segunda onda ficou marcada pela preocupação de se estudar e teorizar questões feministas e de gêneros, considerando vários aspectos sociais, incluindo e se preocupando com outras mulheres fora da bolha burguesa. Como bem define Consolim:

As feministas da segunda onda entendiam que as desigualdades culturais e políticas das mulheres estavam intrinsecamente relacionadas. Buscavam, assim, incentivar as mulheres a perceber os aspectos de suas vidas pessoais como profundamente politizados e como reflexo de estruturas de poder sexista (CONSOLIM, 2017, p.1).

A segunda onda do feminismo ocorre entre as décadas de 1960 e 1980, e é através dela que o feminismo ganha força no Ocidente, influenciando diretamente na revolução sexual, na inclusão de outros grupos femininos, além de intensificar a produção teórica acerca das temáticas feministas. Ângela Davis (1982), por exemplo, surge como um dos principais nomes da segunda onda denunciando o racismo no movimento sufragista e nas produções da primeira onda, uma vez que as mulheres negras não usufruíram dos direitos conquistados no século XIX. Além das questões de raça, Davis menciona a questão de classe, ao problematizar as mulheres trabalhadoras:

Julgando pelas lutas conduzidas por mulheres trabalhadoras brancas – a sua implacável defesa da sua dignidade como trabalhadoras e mulheres, a sua consciência do desafio implícito à ideologia sexista da natureza das mulheres – elas ganharam mais do que o direito de serem elogiadas como as pioneiras do movimento de mulheres. Mas o seu papel foi ignorado pelas líderes que iniciaram o novo movimento, que não compreenderam que as mulheres trabalhadoras experienciaram e desafiaram a supremacia masculina da sua própria e especial forma. A história contém uma ironia no movimento iniciado em 1848: de todas as mulheres que assistiram à Convenção de Seneca Falls, a única que viveu o tempo suficiente para exercer o direito de voto setenta anos mais tarde foi uma mulher trabalhadora de nome Charlotte Woodward (DAVIS, 1982, p.46).

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34 Por último, a terceira onda do feminismo inicia-se entre o final da década de 1980 e início 1990, perdurando até os dias atuais. Esse período é marcado por reflexões aprofundadas de temáticas anteriormente discutidas, além da busca pelo reconhecimento e pela compreensão das diversas identidades femininas. No atual período percebe-se que a identidade feminina é múltipla e rompe com a ideia de homogeneidade: “recentemente essa concepção dominante da relação entre teoria feminista e política passou a ser questionada a partir do interior do discurso feminista” (BUTLER, 1990, p.18). Apesar de começar seus estudos no final da segunda onda, Judith Butler é um dos principais nomes da terceira.

O próprio sujeito das mulheres não é mais compreendido em termos estáveis ou permanentes. É significativa a quantidade de material ensaístico que não só questiona a viabilidade do “sujeito” como candidato último à representação, ou mesmo à libertação, como indica que é muito pequena, afinal, a concordância quanto ao que constitui, ou deveria constituir, a categoria das mulheres. Os domínios da “representação” política e linguística estabeleceram a priori o critério segundo o qual os próprios sujeitos são formados, com o resultado de a representação só se estender ao que pode ser reconhecido como sujeito. Em outras palavras, as qualificações do ser sujeito têm que ser atendidas para que a representação possa ser expandida (BUTLER, 1990, p18).

Sem dúvidas, o feminismo Ocidental representa um grande marco na história da luta das mulheres na busca por direitos, autonomia e emancipação feminina. Contudo, cada contexto e realidade requerem demandas e pautas específicas, pois as mulheres, como todo ser humano, são sujeitos sociais historicamente situados. Os estudos desenvolvidos no final da segunda onda e durante a terceira incentivaram essa articulação e organização de vertentes de acordo com as demandas comuns. Como bem aponta Abdallah:

Lançar o debate sobre o feminismo islâmico é abordar a terceira onda feminista que começou no início dos anos 90, e mostrar a extensão sem precedentes do fenômeno da individualização das trajetórias das mulheres, a reformulação das subjetividades femininas nas esferas de engajamento político, social e religioso, principalmente. (ABDALLAH, 2010, p.16)10.

10 Lancer le débat sur le féminisme islamique, c’est aborder la troisième vague féministe qui commence au début des années 1990, et montrer l’ampleur sans précédent du phénomène d’individualisation des trajectoires des femmes, de la reformulation des subjectivités féminines dans les sphères de l’engagement politique, social et religieux notamment.

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35 E é justamente nesse contexto, que o feminismo islâmico nasce, assumindo como objetivo a unificação desse grupo de mulheres, que apresentam demandas, muitas vezes distintas, do feminismo Ocidental.

3.1.2 Feminismo islâmico e a autonomia de mulheres muçulmanas

Para compreender e sistematizar a noção de feminismo islâmico, o principal material teórico é a produção científica de diversas teóricas feministas islâmicas. Nomes como de Asma Lamrabet (2007; 2012; 2015), Stéphanie Latte Abdallah (2010; 2012), Margot Badran (2010), Souad Eddouada e Renata Pepicelli (2010), Malala Yousafzai (2013), Zahra Ali (2012) e Cila Lima (2014).

Assimilar a teoria feminista islâmica é importante para compreender essencialmente o que é o feminismo islâmico, o surgimento, o histórico/contexto e também compreender as demandas/pautas estudadas e reivindicadas por essa vertente. Margot Badran (2010) sintetiza de maneira prática o objetivo central da vertente:

O feminismo islâmico está no centro de uma transformação que busca emergir dentro do Islam. Transformação e não-reforma, porque não se trata de retificar as ideias e os costumes patriarcais que nele se infiltraram, mas sim de procurar nas profundezas do Alcorão a sua mensagem de igualdade de gênero e de justiça social, de trazer esta mensagem de volta à luz da consciência e da expressão e se ajustar a ela, e em uma reviravolta radical, transformar o que há muito tempo confundimos com o Islam. (BADRAN, 2010, p. 25)11.

O feminismo islâmico surge em sociedades muçulmanas a partir da necessidade de uma vertente que entendesse a realidade e as demandas das mulheres muçulmanas, que divergiam das principais preocupações ocidentais. Asma Lamrabet, em entrevista para “Middle East Eye”, afirma “ eu critico o pensamento ocidental feminista hegemônico que se autoproclama o direito

11Le féminisme islamique est au cœur d’une transformation qui cherche à se faire jour à l’intérieur de

l’islam. Transformation et non réforme, car il ne s’agit pas d’amender les idées et coutumes patriarcales qui s’y sont infiltrées, mais d’aller chercher dans les profondeurs du Coran son message d’égalité des genres et de justice sociale, de ramener ce message à la lumière de la conscience et de l’expression et d’y conformer, par un bouleversement radical, ce qu’on nous a si longtemps fait prendre pour de l’islam.

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36 de falar em nome de todas as mulheres do mundo, enquanto o feminismo nunca foi monopólio de um único pensamento. ” 12.

Outro fator se deve ao fato de que muitos dos direitos que Deus teria concedido às mulheres há 1400 anos, foram suprimidos ao longo da história a partir do contato direto com o Ocidente, pois “há sociedades muçulmanas que foram varridas pela cultura e pelo modo de vida Ocidental. Estas sociedades, muitas vezes, imitam, de forma inimaginável, tudo o que receberam do Ocidente e, finalmente, acabam por adotar os piores frutos da civilização Ocidental” (AZIM, 2014, p. 75).

Nesse sentido, as teóricas feministas islâmicas propõem a apropriação do texto corânico e de sua leitura positiva, para assim, constituir a principal base de orientação da vertente. Badran sintetiza de maneira objetiva essa proposta:

Essas pesquisadoras realizaram, então, uma releitura do Alcorão e dos atos e palavras do Profeta (ahadith), bem como uma nova reflexão sobre a jurisprudência islâmica (fiqh). As mais importantes, considerando a qualidade e influência de seus trabalhos, são geralmente médicas ou professoras de uma ampla variedade de disciplinas, incluindo a teologia muçulmana. Eles se veem como estudiosas do Islã envolvidas em um trabalho de revisão ou de reforma. (BADRAN, 2010, p.31)13.

3.2 Identidade e estudos culturais

A concepção de identidade é um dos pontos chaves para o desenvolvimento desta pesquisa, uma vez que o tema principal está diretamente ligado a questões culturais, de identidade e aos elementos responsáveis para a sua constituição. No geral, entender este conceito é bastante importante, pois é necessário compreender “o que faz a identidade se destacar como uma questão tão central nas discussões contemporâneas” (WOODWARD, 2013).

12Je critique la pensée occidentale féministe hégémonique qui s’octroie le droit de parler au nom de toutes les

femmes du monde, alors que le féminisme n’a jamais été le monopole d’une seule pensée

13Ces chercheuses ont donc entrepris une relecture du Coran et des actes et paroles du Prophète (ahadith), ainsi

qu’une nouvelle réflexion sur la jurisprudence islamique (fiqh). Les plus importantes d’entre elles par la qualité et l’influence de leurs oeuvres sont en général docteurs ou professeurs dans une grande diversité de disciplines, y compris la théologie musulmane. Elles se considèrent comme des érudites de l’islam engagées dans un travail de révision ou de réforme.

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37 Para entender este conceito de identidade e também o processo de identificação, que é indispensável para analisar a relação existente entre o discurso religioso do Alcorão e o processo de construção identitária das feministas islâmicas, a pesquisa se fundamentará em algumas produções científicas.

Woodward (2013) afirma que a “cultura molda a identidade ao dar sentido à experiência e ao tornar possível optar, entre as várias identidades possíveis, por um modo específico de subjetividade”. Logo, o contexto cultural-religioso de sociedades muçulmanas se torna decisivo para constituição identitária das mulheres muçulmanas que decidem lutar pelos direitos das mulheres.

Segundo Azim (2013), no decorrer dos anos e com o avanço do conservadorismo em sociedades muçulmanas, a construção de uma identidade feminina passou por mudanças e se constituiu diferentemente de outrora, pois “as identidades em conflito estão localizadas no interior das questões sociais, políticas e econômicas, mudanças para as quais elas contribuem” (WOODWARD, 2013), ou seja, as mudanças ocorridas nos âmbitos sociais e políticos destas sociedades obrigaram as mulheres a se portarem de outra maneira, além de, motivá-las a buscar uma nova identificação e estabelecer um novo posicionamento diante das mudanças sociais e políticas, que culminaram na perda dos direitos ao longo do tempo.

Hall (2013) aponta que a “identificação é, pois, um processo de articulação” e que “como num processo, a identificação opera por meio da différance, ela envolve um trabalho discursivo, o fechamento e a marcação de fronteiras simbólicas” e isso introduz a importância de se compreender o processo de identificação e de como a diferença é importante para esse contexto.

A identificação é construída a partir do reconhecimento de alguma origem comum, ou de características que são partilhadas com outros grupos ou pessoas, ou ainda a partir um mesmo ideal. É de cima dessa fundação que ocorre o natural fechamento que forma a base da solidariedade e da fidelidade do grupo em questão (HALL, 2013, p.106).

As concepções de Stuart Hall (2003; 2005; 2006) trazem mais contribuições a esta pesquisa, uma vez que também traçam noções de identidade e caracterizam o sujeito na pós-modernidade. E esses elementos se tornam indispensáveis para a analisar a construção da identidade das mulheres muçulmanas, assim como, do próprio Feminismo Islâmico. Para Hall (2006):

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38 A assim chamada “crise de identidade” é vista como parte de um processo mais amplo de mudança, que está deslocando as estruturas e processos centrais das sociedades modernas e abalando os quadros de referência que davam aos indivíduos uma ancoragem estável no mundo social (HALL, 2006, p.7).

Vê-se, portanto, que os processos de mudança social/cultural da modernidade para a pós-modernidade possibilitaram a formação de um novo sujeito dotado de uma constituição identitária bem distinta daquelas de antigamente. Hall (2006) ainda atenta para questões acerca da influência que a globalização exerce, assim como, para a compressão do espaço-tempo, que impactam na construção dos novos sujeitos e novas identidades e também da existência das tensões que nascem a partir dessa discussão.

Nesse sentido, a partir das concepções expostas, reafirma-se a importância de se conceituar e compreender a identidade e de como essa compreensão é essencial para a construção desta pesquisa, uma vez que sua temática gira em torno do impacto dos textos corânicos para a construção não apenas teórica, mas também identitária do feminismo islâmico.

3.3 Conceitos bakhtinianos

A contribuição do círculo de Bakhtin será primordial para analisar a relação dialógica entre os enunciados presentes no Alcorão e as entrevistas selecionadas, assim como as práticas discursivas desenvolvidas nas sociedades muçulmanas. As obras que nortearam a análise da pesquisa são os textos de Bakhtin (2002; 2007; 2010; 2015), Volochinov (2010;2017). A análise dos textos religiosos é necessária para compreender: (i) o que impulsiona o interesse das feministas islâmicas pela literatura religiosa como base teórica; (ii) entender como a ideologia religiosa presente no Alcorão é capaz de guiar a constituição da identidade social, política e ideológica das mulheres em questão. Segundo a Bakhtin:

Conceber seu objeto pelo discurso é um ato complexo: por um lado, todo objeto “precondicionado” e “contestado” é elucidado, por outro, é obscurecido pela opinião social heterodiscursiva, pelo discurso do outro sobre ele; e nesse complexo jogo de claro-escuro entra o discurso que dele se impregna, que nele lapida seus próprios contornos semânticos e estilísticos (BAKHTIN, 2015, p. 49).

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39 Nesse sentido, é importante entender como se dá o processo de influência do discurso religioso do Alcorão tanto para o Feminismo Islâmico quanto para as mulheres muçulmanas, a fim de perceber se esse discurso religioso se reflete na construção de discursos políticos e sociais produzidos pela vertente e pelas muçulmanas, assim como se ele é um dos responsáveis pela construção identitária. Dessa maneira, entende-se que:

A verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada, nem pelo ato psicológico de sua produção, mas pelo fenômeno da interação verbal, realizada através da enunciação ou das enunciações. A interação verbal constitui assim a realidade fundamental da língua (BAKHTIN, 2006, p. 125).

3.3.1 Dialogismo e Enunciados

Da teoria Bakhtiniana, esta pesquisa precisou se apropriar, especificamente, da noção de interação dialógica existente entre diferentes tipos de enunciados, a categoria denominada “dialogismo”, uma vez que entender a relação dialógica entre o discurso corânico e as entrevistas selecionadas será essencial para nortear o andamento desta pesquisa. Para perceber a relação de influência que o discurso corânico reflete, mesmo que de forma sútil, no discurso e na constituição identitária de feministas islâmicas, é indispensável conceitualizar e compreender a noção de “dialogismo”, para assim, entender o processo proposto por esta pesquisa.

Sabe-se que para o Círculo, um enunciado não é algo isolado, que se constrói do nada, mas sim a partir de outros enunciados que se relacionam com outros enunciados produzidos anteriormente, sejam eles correlatos, análogos, próximos ou não. Segundo Bakhtin (2006) “Cada enunciado é pleno de ecos e ressonâncias de outros enunciados com os quais está ligado pela identidade da esfera de comunicação discursiva” , consequentemente, entende-se que o enunciado é considerado como unidade concreta da comunicação, pois se realiza no uso da linguagem, para mais o enunciado está intimamente ligado a outros enunciados, que já foram produzidos anteriormente e/ou serão produzidos posteriormente. Logo, entende-se que o:

O diálogo, no sentido estrito do termo, não constitui, é claro, senão uma das formas é verdade que das mais importantes, da interação verbal. Mas pode-se compreender a palavra “diálogo” num sentido amplo, isto é, não apenas como a comunicação em voz alta, de pessoas colocadas face a face, mas toda comunicação verbal, de qualquer tipo que seja (BAKHTIN, 2012, p. 117).

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40 Dessa forma, essa noção permite compreender que o diálogo existe em toda e qualquer interação verbal e que todo discurso está/é perpassado por outros discursos que foram apreendendidos anteriormente em uma interação verbal, possibilitando assim a existência de uma relação de influência entre discursos. Assim sendo, é possível analisar com maior respaldo a possível influência do discurso corânico para a construção do discurso presente na vertente, bem como perceber uma provavél influência na construção identitária.

Portanto, pode-se considerar essas duas categorias como basilares para a análise desenvolvida nesta pesquisa, pois o cotejo dialógico se dá entre os enunciados selecionados, tanto aqueles contidos no Alcorão, quanto os retirados das entrevistas públicas. Sendo o dialogismo essencial para perceber o discurso religioso do Alcorão presente nos enunciados das feministas, assim como, incorporados em seu cotidiano, constituindo assim, suas identidades., pois segundo Fiorin (2006) “todos os fenômenos presentes na comunicação real podem ser analisados à luz das relações dialógicas que os constituem”.

3.3.2 Ideologia e Vozes Sociais

Outras categorias bakhtinianas, que estão presentes nesta pesquisa, são “Ideologia” e “Vozes sociais”. A importância de se trabalhar essas categorias surge do contexto sócio-político em que esta pesquisa está inserida, uma vez que para o estudo dessa temática buscamos identificar e ouvir as vozes, que se levantam e se posicionam socialmente. Segundo Bubnova (2011), o conceito da palavra voz é metafórico para o Círculo, pois não se relaciona com a definição amplamente conhecida que entende voz como emissão vocal, para Bakhtin a “ voz se identifica com opinião, ponto de vista, postura ideológica”(Bubnova, 2011, p. 276).

É interessante ressaltar que não há a pretensão de aprofundar a teorização de ideologia neste espaço, o objetivo é entender como a concepção de ideologia do Círculo se relaciona com a pesquisa desenvolvida. Contudo, é necessário perceber e entender, em linhas gerais, o conceito de ideologia para o Círculo, uma vez que este extrapola outros conceitos mais familiares, como o de Karl Marx, por exemplo. Dessa forma, é preciso situar e diferenciar o conceito desenvolvido pelo Círculo. Volóchinov aponta:

Referências

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