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Trabalho decente e bem viver: enlace necessário para a construção do vínculo comunitário fundamentado no reconhecimento, relacionalidade e reciprocidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Lucilaine Ignacio da Silva

Trabalho Decente e Bem Viver: enlace necessário para a construção do vínculo comunitário

fundamentado no reconhecimento, relacionalidade e reciprocidade

Florianópolis 2019

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Lucilaine Ignacio da Silva

Trabalho Decente e Bem Viver: enlace necessário para a construção do vínculo comunitário

fundamentado no reconhecimento, relacionalidade e reciprocidade

Tese submetido(a) ao Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Doutora em Direito.

Orientadora: Profa. Dra. Joana Stelzer

Coorientador: Prof. Dr. Sérgio Ricardo Fernandes Aquino.

Florianópolis 2019

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Lucilaine Ignacio da Silva

Trabalho Decente e Bem Viver: enlace necessário para a construção do vínculo comunitário

fundamentado no reconhecimento, relacionalidade e reciprocidade

O presente trabalho em nível de doutorado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profa. Norma Sueli Padilha, Dra.

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Prof. Marco Antônio César Villatore, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

Profa. Juliana Wülfing, Dra.

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Prof. Marcos Leite Garcia, Dr. Universidade do Vale do Itajaí - UNIVALI

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de doutora em Direito pelo Programa de Pós-Graduação em Direito.

____________________________ Profa. Norma Sueli Padilha, Dra.

Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Direito – PPGD/UFSC

____________________________ Profa. Joana Stelzer, Dra.

Orientadora

Documento assinado digitalmente Joana Stelzer

Data: 23/12/2019 23:08:40-0300 CPF: 803.183.479-20

Documento assinado digitalmente Norma Sueli Padilha

Data: 25/12/2019 21:35:40-0300 CPF: 050.840.658-71

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___________________________________________ Prof. Sérgio Ricardo Fernandes Aquino, Dr.

Coorientador

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Àqueles que compreenderam que a vida é uma troca.

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AGRADECIMENTOS

Inicialmente, agradeço a Deus e ao Universo por abençoar a minha vida, colocando pessoas especiais no meu caminho, me protegendo nas idas e vindas do trajeto percorrido para cumprir os créditos no Curso, e pelas inspirações nas horas mais sombrias ou duvidosas.

Agradeço a todos que, de alguma forma, colaboraram para a concretização dessa tese. Nesse momento tão especial, não poderia deixar de agradecê-los.

Agradeço aos meus pais, Ivanir e João, por entenderem minha ausência e afastamento em determinados momentos. Também aos meus irmãos, particularmente ao mano João Victor que soube ser calmaria.

À minha filha Yandra, fonte inesgotável de amor e inspiração. Sempre será o ‘Amor da Vida’! Ao meu marido Roberto, que se manteve firme no propósito de compreender o que muitas vezes lhe era incompreensível. Também ao meu genro, Gustavo Ferracciu Philippi, pela sua alegria e generosidade em saber ouvir.

Agradeço aos amigos que denomino de ‘anjos’, plantonistas de apoio nos momentos de tensão e stress, seja para tomar um café, propor uma caminhada, incentivar com positividade e orações, ou até mesmo para algumas boas risadas... Em especial, Vini, meu sobrinho do coração.

À minha afilhada Érica, que emanou amor e apoio a todo momento.

Aos professores Dr. Moacyr Motta da Silva e Dra. Maria da Graça dos Santos Dias (in

memorian) minha eterna gratidão!

Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC, que dividiram conhecimentos e possibilitaram o crescimento intelectual. Em especial, às professoras Dra. Olga Maria Boschi Aguiar de Oliveira e Dra. Josiane Rose Petry Veronese. Também agradeço aos funcionários da Secretaria do PPGD/UFSC, pela atenção dedicada.

À minha querida Orientadora, Professora Doutora Joana Stelzer, pela presença em todos os momentos e sentidos, pela amizade, pelo respeito, pelo reconhecimento, pelo incentivo e pelo aprendizado no qual me faltam palavras para agradecer. Obrigada por me ensinar a voar! Minha eterna admiração e gratidão!

Ao Coorientador, Professor Doutor Sérgio Ricardo Fernandes Aquino pela atenção, pela inspiração, pelo carinho e pela amizade.

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Aos doutorandos da Turma de 2016, que compartilharam seus conhecimentos e amizade. Em especial, o colega e amigo Jazam Santos, agora Doutor, grande incentivador que acompanhou o passo-a-passo para a realização desse trabalho.

À Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, Instituição por onde trilhei meus primeiros passos acadêmicos, em especial, ao professor e amigo Dr. Paulo Márcio Cruz que protagonizou o início de minha vida acadêmica. Agradeço também, aos demais amigos do quadro docente e administrativo que torceram e incentivaram essa caminhada.

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“Todos esses que aí estão Atravancando meu caminho, Eles passarão... Eu passarinho!” (Poeminho do Contra, Mário Quintana)

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RESUMO

Uma transformação civilizatória é o que se constata ao diagnosticar o Trabalho Decente desde seu significado antropocêntrico como Direito Humano Fundamental até sua institucionalização na Organização Internacional do Trabalho (OIT). A história revela a prática do trabalho escravo e forçado análogo à escravo na trajetória dos diferentes povos, culturas e valores. O estudo dos processos de escravidão pelo trabalho, desde tempos coloniais sobretudo dos povos latino-americanos até o almejado trabalho digno, tão difundido na contemporaneidade, revela-se crucial para compreender a perpetuação de condições indignas, às quais ainda milhões de pessoas são sujeitadas diariamente. Desse modo, confere-se a necessidade da reflexão acerca do tema Trabalho Decente e Bem Viver no sentido de delinear quais parâmetros o princípio de Bem Viver tem capacidade de conferir à proposta universalisante do conceito de Trabalho Decente proposto pela OIT. Essa proposta foi construída a partir de influências ocidentais. Para tal questionamento, corrobora-se com a hipótese de que a partir de uma caracterização ecocêntrica e de manifestação de vínculo comunitário, o Bem Viver estabelece parâmetros complementares ao conceito de Trabalho Decente proposto pela OIT, especialmente quanto aos princípios do reconhecimento, reciprocidade e relacionalidade (3 R’s). Sendo assim, o trabalho foi divido em quatro partes. A primeira parte diagnosticou o processo histórico da OIT até a formação da tese de internacionalização do trabalho que revelou as causas que levaram à elaboração do conceito de Trabalho Decente como missão estratégica da OIT. Nesse processo evolutivo ficou evidenciada a precarização das Relações de Trabalho e que dentre as estratégias apresentadas pela OIT, o Diálogo Social revela-se o mais pertinente para o alcance efetivo do Trabalho Decente. Em seguida, abordou-se a relação entre dominantes e dominados no processo de civilização e conquista pelos europeus sobre o povo latino-americano, como desafio epistemológico de saberes sujeitados para (re)pensar o ideal de Trabalho Decente. Na terceira parte do trabalho, apresentou-se o Sumak Kawsay, ou Buen Vivir como paradigma civilizatório originário de povos indígenas como alternativa à concepção de Trabalho Decente. O Bem Viver surge como ressignificação para os atos da sociedade a partir de mecanismos de participação cidadã, que junto com o Trabalho Decente, passa a conferir fonte de realização pessoal e econômica. E, finalmente abordou-se as questões relacionadas ao trabalho e o trabalhador inserido na aldeia global e ocidental, para evidenciar a dignidade humana como sustentáculo do Trabalho Decente. Para isso, empregou-se os fundamentos do Bem Viver como catalisador para estabelecer o vínculo comunitário ao conceito de Trabalho Decente, necessário para estabelecer ao conceito o sentido universalizante. A pesquisa valeu-se do método indutivo que a partir da análise do fenômeno de Bem Viver identificou o Trabalho Decente como manifestação do vínculo comunitário. Foram utilizados três métodos auxiliares de interpretação, o histórico, o axiológico e o sociológico. Despontando-se como o modo de vida dos povos ameríndios, o Bem Viver ou Buen Vivir revelou-se como marco teórico pertinente para permear os estudos na presente tese e sustentar a complementaridade ao conceito de Trabalho Decente inicialmente deflagrado pela OIT. Resultou do trabalho que os fundamentos éticos do Bem Viver,-reconhecimento, relacionalidade e reciprocidade,- estabelecem ao conceito de Trabalho Decente, a caracterização ecocêntrica e a manifestação de vínculo comunitário.

Palavras-chave: Bem Viver. Diálogo Social. OIT. Precariado. Trabalho Decente. Vínculo

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ABSTRACT

A civilizing transformation is what can be seen in diagnosing Decent Work, from its anthropocentric significance as a fundamental human right to its institutionalization in the International Labour Organization (ILO). History reveals the practice of the slave and forced labour analogue to slave trough the path of different people, cultures and values. The study of the process of slavery through labour, from colonial times mainly of Latin American people until the desired dignified work, so widespread in contemporary times, reveals itself crucial to understand the perpetuations of unworthy conditions, are which still millions of people are subjected daily. Thus, it is necessary to reflect on the theme Decent Work and Well Live in order to delineate which parameters the principle of Well Live could give to the universalist proposal of the concept of Decent Work proposed by the ILO. This proposal was built on western influences. For such question, it is corroborated with the hypothesis that from an ecocentric characterization and manifestation of community bond, Well Live establishes complementary parameters to the concept of Decent Work proposed by the ILO, especially regarding the principles of recognition, reciprocity and relationality. (3 R's). Therefore, the paper has been divided in four pieces. The first one diagnosed the historical process of the ILO until the formation of the internationalization thesis that revealed the causes that led to the elaboration of the concept of Decent Work as a strategic ILO mission. In this evolutive process the precariousness of Labor Relations was evidenced and that, among the strategies presented by the ILO, the Social Dialogue reveals the most relevant to the effective scope of Decent Work. Then, the relationship between dominant and dominated in the process of civilization and conquest by the Europeans over the Latin American people was approached, as a as an epistemological challenge of subject knowledge to (re) think the ideal of Decent Work. In the third part of the work, Sumak Kawsay, or Buen Vivir, was presented as a civilizing paradigm originating from indigenous people as an alternative to the concept of Decent Work. The Well Live arises as a resignification for the acts of society from mechanisms of citizen participation, which together with Decent Work, becomes a source of personal and economic fulfillment. And finally, the issues related to work and the worker inserted in the global and western village were approached, to highlight human dignity as a support for Decent Work. To this end, we used the foundations of Well Live as a catalyst to establish the community bond to the concept of Decent Work, necessary to establish the universalizing meaning to the concept. The research used the inductive method that from the analysis of the phenomenon of Well Live identified Decent Work as a manifestation of the community bond. Three auxiliary methods of interpretation were used, the historical, the axiological and the sociological. Emerging as the way of life of the Amerindian people, the Well Live or Buen Vivir proved to be a pertinent theoretical framework to permeate the studies in this thesis and support the complementarity to the concept of Decent Work initially launched by the ILO. As a result of the thesis, the ethical foundations of Well Live - recognition, relationality and reciprocity - establish the concept of Decent Work, the ecocentric characterization and the manifestation of a community bond.

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RESUMEN

Se puede ver una transformación civilizadora en el diagnóstico del trabajo decente, desde su significado antropocéntrico como un Derecho Humano Fundamental hasta su institucionalización en la Organización Internacional del Trabajo (OIT). La historia revela la práctica del trabajo esclavo y forzado análogo a esclavo en la trayectoria de diferentes pueblos, culturas y valores. El estudio de los procesos de esclavitud en el trabajo, desde la época colonial especialmente los pueblos latinoamericanos hasta el trabajo decente deseado, tan extendido en los tiempos contemporáneos, es crucial para comprender la perpetuación de condiciones indignas, para las que millones de personas todavía están sometido diariamente. Por lo tanto, es necesario reflexionar sobre el tema Trabajo Decente y Buen Vivir para delinear qué parámetros tiene el principio del Buen Vivir que puede dar a la propuesta universalista del concepto de Trabajo Decente propuesto por la OIT. Esta propuesta fue construido a partir de influencias occidentales. Para tal cuestionamiento, se corrobora con la hipótesis de que, a partir de una caracterización y manifestación ecocéntrica del vínculo comunitario, Bem Viver establece parámetros complementarios al concepto de Trabajo Decente propuesto por la OIT, especialmente en relación con los principios de reconocimiento, reciprocidad y relacionalidad (3 R’s). Así, el trabajo se dividió en cuatro partes. La primera parte diagnosticó el proceso histórico de OIT hasta la formación de la tesis de internacionalización que reveló las causas que condujeron a la elaboración del concepto de Trabajo Decente como una misión estratégica de la OIT. En este proceso evolutivo, se evidenció la precariedad de las relaciones laborales, y entre las estrategias presentadas por la OIT, el diálogo social es el más pertinente para el alcance efectivo del trabajo decente. Luego, se abordó la relación entre dominante y dominado en el proceso de civilización y conquista de los europeos sobre el pueblo latinoamericano, como un desafío epistemológico del conocimiento sujeto a (re) pensar el ideal del trabajo decente. En la tercera parte del trabajo, Sumak Kawsay, o Buen Vivir, se presentó como un paradigma civilizador originario de los pueblos indígenas como una alternativa al concepto de Trabajo Decente. El Buen Vivir surge como una resignificación de los actos de la sociedad a partir de mecanismos de participación ciudadana, que junto con el Trabajo Decente, se convierte en una fuente de realización personal y económica. Y finalmente, se abordaron los problemas relacionados con el trabajo y el trabajador insertado en la aldea global y occidental, para resaltar la dignidad humana como un apoyo al trabajo decente. Con este fin, utilizamos los fundamentos del Buen Vivir como un catalizador para establecer el vínculo comunitario con el concepto de Trabajo Decente, necesario para establecer el significado universalizador del concepto. La investigación se basó en el método inductivo que a partir del análisis del fenómeno de Buen Vivir identificó el trabajo decente como una manifestación del vínculo comunitario. Se utilizaron tres métodos auxiliares de interpretación, el histórico, el axiológico y el sociológico. Al emerger como la forma de vida de los pueblos amerindios, Bem Viver o Buen Vivir demostraron ser un marco teórico pertinente para impregnar los estudios en esta tesis y apoyar la complementariedad con el concepto de trabajo decente lanzado inicialmente por la OIT. Como resultado del trabajo, los fundamentos éticos del Buen Vivir - reconocimiento, relacionalidad y reciprocidad - establecen el concepto de Trabajo Decente, la caracterización ecocéntrica y la manifestación del vínculo comunitario.

Palabras-clave: Buen Vivir. Diálogo Social. OIT. Precario. Trabajo Decente. Vínculo

Comunitario.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 15

2 O TRABALHO DECENTE COMO MISSÃO ESTRATÉGICA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT ... 20

2.1 O TRABALHO DECENTE COMO FUNDAMENTO DA HISTÓRIA HUMANA ... 21

2.1.1 O direito ao trabalho como extensão da dignidade humana sob a perspectiva religiosa ... 24

2.1.2 O Direito ao Trabalho como extensão da dignidade humana sob a perspectiva filosófica ... 28

2.1.3 O Direito ao Trabalho como extensão da dignidade humana sob a perspectiva histórica... 29

2.2 A OIT E O PROCESSO HISTÓRICO DE FORMAÇÃO DO CONCEITO DE TRABALHO DECENTE ... 40

2.2.1 A tese da internacionalização do trabalho ... 41

2.2.2 O Trabalho Decente como marco formal da internacionalização do trabalho .. 47

2.2.3 Acesso ao Trabalho Decente a partir das estratégias promovidas pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) ... 51

2.2.3.1 O respeito às normas internacionais do trabalho e aos princípios e direitos fundamentais do trabalho ... 52

2.2.3.2 A promoção do emprego de qualidade... 54

2.2.3.3 A extensão da proteção social ... 56

2.2.3.4 Diálogo social ... 57

2.3 O TRABALHO NA ATUALIDADE: TRANSIÇÕES GRADUAIS ... 66

2.3.1 O trabalho e o fenômeno do Precariado ... 70

2.3.2 As mudanças estruturais do trabalho ... 74

3 AMÉRICA LATINA E O PROCESSO DE FORMAÇÃO DOS VALORES DO TRABALHO ... 80

3.1 CIVILIZAÇÃO E CONQUISTA: O INÍCIO DA COLONIZAÇÃO... 81

3.1.1 A civilização Maia ... 83

3.1.2 A civilização Asteca ... 85

(14)

3.1.4 As civilizações nas suas formas de Ser e Estar no mundo ... 94

3.2 SOBRE DOMINANTES E DOMINADOS: O PROCESSO DE COLONIZAÇÃO PELO TRABALHO NA AMÉRICA LATINA ... 96

3.2.1 Barbárie e conquista pelo olhar dos vencidos ... 102

3.2.2 Civilização e barbárie como processo fundante da ocidentalização na América Latina ... 107

3.2.3 O Não Ser da América Latina ... 115

3.3 FUNDAMENTOS DA DECOLONIALIDADE ... 121

3.3.1 Genealogia do poder e saberes sujeitados: o desafio epistemológico do giro decolonial ... 122

3.3.2 Pluralismo jurídico transformador como via de acesso para pensar o ideal de Trabalho Decente ... 130

4 O BEM VIVER COMO PARADIGMA CIVILIZATÓRIO ... 138

4.1 BEM VIVER – CONCEITO PLURAL E FUNDAMENTO ÉTICO PARA UM NOVO PADRÃO DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL ... 139

4.2 BEM VIVER OU VIVER MELHOR? ALTERNATIVA AO DESENVOLVIMENTO NUMA ERA DE CONSUMIDORES ... 153

4.3 ADENSAMENTO DO BEM VIVER NAS ORDENS CONSTITUCIONAIS E SUA RESSIGNIFICAÇÃO ... 169

4.3.1 Mecanismos de participação cidadã promovidos pelo Bem Viver ... 178

4.3.2 O Bem Viver como direito social... 182

5 TRABALHO DECENTE E BEM VIVER ... 185

5.1 O TRABALHO DECENTE E A CONDIÇÃO DO TRABALHADOR NA ALDEIA GLOBAL ... 185

5.1.1 O ocidente e seus Outros ... 189

5.1.2 A dignidade humana como sustentáculo do Trabalho Decente ... 193

5.2 OS PARÂMETROS OCIDENTAIS E A TENTATIVA DE UNIVERSALIDADE DO CONCEITO DE TRABALHO DECENTE... 195

5.2.1 Alicerces e fendas do conceito de Trabalho Decente ... 196

5.2.2 O trabalho não é mercadoria ... 199

5.3 O TRABALHO DECENTE APERFEIÇOADO PELOS 3 R’s: RECONHECIMENTO, RELACIONALIDADE E RECIPROCIDADE ... 204

5.3.1 O reconhecimento para o Trabalho Decente ... 205

(15)

5.3.3 A reciprocidade para o Trabalho Decente ... 208

5.4 O TRABALHO DECENTE COMO VÍNCULO COMUNITÁRIO ... 210

5.4.1 O Bem Viver como modus vivendi: relações múltiplas ... 211

5.4.2 O Trabalho Decente entre o universalismo e o comunitarismo ... 214

5.4.3 O Bem Viver como catalisador para o conceito de Trabalho Decente com vínculo comunitário ... 219

6 CONCLUSÃO ... 231

REFERÊNCIAS ... 237

(16)

1 INTRODUÇÃO

Com a temática “Trabalho Decente e Bem Viver”, a presente pesquisa de tese indica o caminho traçado para sua investigação, de maneira que se privilegia o Direito Internacional Público e se perpassa ainda por áreas do Direito do Trabalho e do Direito Constitucional. Entretanto, diante da complexidade temática, constitui-se de pesquisa que transcorre por áreas para além do Direito, possibilitando a multiplicidade de recortes para fins de valorar positivamente a dignidade de cada pessoa humana, de cada trabalhador.

Para contemplar o tema, o presente trabalho é resultado da pesquisa desenvolvida no curso de Doutorado, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina (PPGD/UFSC), tendo sidos estabelecidos o problema e a hipótese para, na sequência, construir o objetivo geral e os objetivos específicos, a justificativa e a metodologia empregados na execução da tese.

Assim, pela premente necessidade de conferir reflexão ao tema do Trabalho Decente como Direito Humano Fundamental, levantou-se o seguinte problema: “Quais parâmetros o princípio de Bem Viver tem capacidade de conferir à proposta universalisante do conceito de Trabalho Decente proposto pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), a considerar sua construção a partir de influências majoritariamente ocidentais?”.

A partir de tal questionamento, a tese apresentou como hipótese o hiato de que a partir de uma caracterização ecocêntrica e de manifestação de vínculo comunitário, o Bem Viver estabelece parâmetros complementares ao conceito de Trabalho Decente proposto pela OIT, especialmente quanto aos princípios do reconhecimento, da reciprocidade e da relacionalidade (os 3 R’s). Evidencia-se, portanto, que a presente tese visa ao aperfeiçoamento do conceito de Trabalho Decente, de maneira que esse seja universal, ou seja, que possa abraçar a pessoa humana de forma integral.

Desse modo, o Bem Viver apresentou-se como paradigma civilizatório e convida a sociedade a repensar, além dos problemas do ecossistema, das mazelas sociais, incluindo-se a concepção de Trabalho Decente que permeia os universos jurídico, político, social, econômico e ambiental. Ao tempo em que é capaz de tensionar conceitos ocidentais e estimular o diálogo de saberes, o Bem Viver estimula a reflexão de questões transversais ao Trabalho Decente, como a desigualdade social, o desemprego, o consumismo desenfreado, o desenvolvimento sustentável e afirma-se na convivência equilibrada e harmoniosa entre os seres – o humano, a sociedade e o planeta.

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Considerando-se o questionamento e a hipótese firmada, a pesquisa elegeu como objetivo nuclear demonstrar que os princípios de Bem Viver aperfeiçoam o conceito do Trabalho Decente e, por conseguinte, inclinam-se à satisfação dos objetivos específicos, quais sejam: demonstrar o Trabalho Decente, desde seu significado antropocêntrico como Direito Humano Fundamental até a institucionalização da OIT; descrever, a partir da historicidade das civilizações pré-colombianas, a trajetória da compreensão sobre trabalho na América Latina, revelando as bases do Bem Viver; evidenciar parâmetros do princípio de Bem Viver que assinalam a concepção de Trabalho Decente; e, por fim, identificar o Trabalho Decente como manifestação de vínculo comunitário a partir dos princípios de Bem Viver.

O estudo do tema Trabalho Decente e Bem Viver justificou-se na verificação da construção histórica do Direito do Trabalho – abalizado pela desigualdade social, escravidão e discriminação – e as consequências que levaram à tese de internacionalização do trabalho. Considerou-se também, para fins de justificativa investigatória, avalizar o processo civilizatório que precedeu a conquista dos povos pré-colombianos, bem como o processo de colonização pelo trabalho na América Latina.

Assim sendo, a tese considerou como referencial teórico, quanto ao Bem Viver, a doutrina de Alberto Acosta (2016), por resgatar o conceito de Sumak Kawsay (Bem Viver), de origem Kíchwa, sob a perspectiva de ruptura civilizatória que visa à construção de uma sociedade solidária e sustentável, que revaloriza a diversidade cultural e os modos de vida suprimidos pela homogeneização imposta pelo Ocidente.

Todavia, a referência ao marco teórico não implica a existência e aceitação de um único pensamento, pois considera-se a existência de significativos estudos que apontam à novas abordagens, oriundas de outros povos e nacionalidades, com vistas à superação da diversidade de exploração, na qual a humanidade está sujeita. Assim, utilizou-se as obras de autores, como: Albó, Aquino, Elias, Galeano, Gudynas, Huanacuni Mamani, Léon-Portilla, Mignolo, Quijano, Solón e Antônio Carlos Wolkmer.

Em relação ao estudo do Trabalho Decente, adotaram-se os documentos elaborados pela OIT, sua Constituição e o anexo (Declaração de Filadélfia), além dos estudos de autores, como: Antunes e Alves, Azevedo Neto, Bataglia, Brito Filho, Costa e Arantes, Cittadino, Faria, Ianni, Marx, Polanyi, Romita, Standing, Stelzer e Scheler para abarcar aspectos históricos, políticos, econômicos, sociológicos e psicológicos que se estendem para além do jurídico, a fim de evitar a adstrição do tema no monólogo do Direito.

A presente tese não teve a pretensão de desenvolver técnicas ou teorias do Direito Material, mas de buscar a reflexão e crítica de que as Relações de Trabalho se encontram em

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um amplo contexto social e econômico. Nesse sentido, em razão de o Direito do Trabalho ser uma categoria multifária, ou seja, que se apresenta sob diversos aspectos, optou-se pela interdisciplinaridade.

A tese foi ordenada por etapas e análise de dados. Sendo assim, quanto à natureza da pesquisa, tratou-se de pesquisa pura, pois não visou a uma aplicação prática, mas sim à utilização de dados para fomentar e atualizar o conhecimento científico sem a preocupação direta com suas aplicações práticas, ou seja, proporcionar a compreensão de fenômenos observáveis. Por essas razões, não se trata de uma pesquisa aplicada, pois não decorreu de experimentos científicos ou saída de campo. Desse modo, a tese buscou apresentar um novo caminho para a compreensão do conceito de Trabalho Decente proposto pela OIT.

No que tange à abordagem do problema, a presente pesquisa identificou-se como qualitativa, pois consistiu em compreender e interpretar os fenômenos, sem objetivar números ou dados estatísticos, como resultados ou análises. Para alcançar a resolução do problema proposto, a abordagem qualitativa representou instrumento fundamental, no sentido de proporcionar à pesquisadora a lapidação e a interpretação das informações coletadas sobre o tema, cuja realidade não pode ser quantificada.

Quanto aos fins metodológicos, tratou-se de trabalho descritivo e explicativo. Do ponto de vista descritivo, a partir das informações acerca do tema pesquisado, descreveu-se tal realidade. Assim, a pesquisa acerca do Trabalho Decente e do Bem Viver descreveu a trajetória dos dois fenômenos para determinar a natureza dessa relação. Do ponto de vista explicativo, buscou-se a origem do conceito de Trabalho Decente da OIT, sua vinculação e, concomitantemente, a verificação de que esse conceito não é suficiente para a contemporaneidade, situação na qual se procurou a essência do princípio de Bem Viver como complemento ao Trabalho Decente.

Para a análise dos resultados, ou seja, para o raciocínio lógico da pesquisa, utilizou-se como método de abordagem o método indutivo que, a partir da análise do fenômeno de Bem Viver, identificou o Trabalho Decente como manifestação do vínculo comunitário. Assim, em que pesem as críticas quanto à limitação do método indutivo, a tese observou se há no princípio de Bem Viver parâmetros com o condão de complementar o conceito de Trabalho Decente da OIT.

Quanto aos métodos auxiliares, foram utilizados três métodos de interpretação. O método de interpretação histórico permitiu investigar eventos passados relevantes para confrontar com teorias contemporâneas, sob um prisma holístico, conforme estabelecido no desenvolvimento da tese, na qual objetivou-se descrever a historicidade das civilizações

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pré-colombianas para estabelecer a trajetória do trabalho na América Latina. Evidenciou-se, portanto, a evolução e transformação ocorridas na sociedade.

Quanto ao método de interpretação axiológico, que consiste na investigação dos valores, possibilitou evidenciar na pesquisa os valores da ancestralidade dos povos ameríndios na concepção do Bem Viver, bem como ressaltar o princípio da dignidade da pessoa humana como fundamental à dignidade do trabalhador.

Por fim, o método de interpretação sociológico, que prima pelo fim social, com vistas ao bem comum, tal qual o objetivo da tese, que se espreitou no sentido de complementar o conceito de Trabalho Decente com elementos realmente universais. Para isso, tais métodos foram aliados às técnicas de pesquisa em fontes documentais e bibliográficas, recorrendo-se a doutrinas, publicações em periódicos nacionais e estrangeiros, teses e dissertações sobre o tema, além de sites de organismos internacionais. Dessa forma, o trabalho estruturou-se em quatro capítulos, todos interligados, no sentido de viabilizar a demonstração dos parâmetros complementares ao conceito de Trabalho Decente.

O primeiro capítulo da tese tratou do Trabalho Decente como missão estratégica da OIT, vinculando a dignidade da pessoa humana em seu fundamento histórico, e estabeleceu sua extensão sob as perspectivas religiosa, filosófica e histórica. O processo histórico da OIT até a formação da tese de internacionalização do trabalho revelou as causas que levaram à elaboração do conceito de Trabalho Decente e deu ensejo às estratégias promovidas pela Organização, visando a combater as mudanças estruturais pelas quais o trabalho sofre ao longo da história. Nesse processo evolutivo ficou evidenciada a precarização das Relações de Trabalho e que dentre as estratégias apresentadas pela OIT, o Diálogo Social revela-se o mais pertinente para o alcance efetivo do Trabalho Decente.

O processo de formação do trabalho na América Latina é o tema abordado pela tese no segundo capítulo, em que se depreendeu a relação entre dominantes e dominados no processo de civilização e conquista pelos europeus sobre o povo latino-americano. O desafio da decolonialidade persiste na contemporaneidade e consiste em um desafio epistemológico de saberes sujeitados para (re)pensar o ideal de Trabalho Decente.

Como terceiro capítulo, apresentou-se o Bem Viver (Sumak Kawsay ou Buen Vivir) como paradigma civilizatório. Originário de povos indígenas, convida a assumir outros saberes e outras práticas à formação de uma sociedade decente e alternativa à concepção de Trabalho

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Decente. Advindo da ordem constitucional latino-americana1, em especial da Constituição do

Equador2, o Bem Viver ressignifica os atos da sociedade a partir de mecanismos de participação

cidadã, criando um eixo transversal que proporciona a reflexão e o diálogo sobre as adversidades da modernidade. Como Direito Social, o Bem Viver relaciona-se com o Direito do Trabalho, que passa a conferir fonte de realização pessoal e econômica.

Finalmente, no quarto capítulo, buscou-se explicitar o Trabalho Decente e o Bem Viver. Inicialmente, contextualizaram-se as questões do trabalhador inserido na aldeia global e ocidental, para evidenciar a dignidade humana como sustentáculo do Trabalho Decente e, no momento seguinte, retrataram-se as lacunas do conceito de Trabalho Decente. Nesse sentido, empregaram-se os fundamentos do Bem Viver como catalisador para estabelecer o vínculo comunitário ao conceito de Trabalho Decente, no qual se entende ser necessário para estabelecer ao conceito o sentido universalizante.

Assim, considerando-se os percalços para a realização do Trabalho Decente sob a visão da OIT, apesar do empreendimento de suas demandas estratégicas, a pesquisa debruçou-se a cuidar do tema, já que debruçou-se refere a uma das atividades humanas mais elementares, que é o trabalho, no qual se espera que a pessoa humana possa prover as necessidades de sua existência, sem conferir risco ao trabalhador e seu bem maior: a vida.

1 O constitucionalismo latino-americano é fruto de assembleias constituintes e defende que o conteúdo da Constituição precisa ser coerente com sua fundamentação democrática, ou seja, proporcionar mecanismos de participação democrática e política da cidadã. Sendo assim, embora o constitucionalismo latino-americano não seja o recorte epistemológico deste trabalho, revela-se de suma importância, como expressão e forma de reflexão a partir do Bem Viver. Portanto, cumpre ressaltar, ainda que pese sua importância, não será abordado profundamente sob o risco de ser insuficiente. Ver mais sobre o assunto em: FERNÁNDEZ, Aarón Castillo.

Constitucionalismo latinoamericano: definición, características, problemas y perspectivas de futuro. Eepikeia:

Derechos e Política, 2015; MELO, Milena Petters. Constitucionalismo latino-americano. Tendências Contemporâneas. Curitiba: Juruá, 2013; PASTOR, Roberto Viciano; DALMAU, Rubén Martinez.

Fundamentos teóricos y prácticos del nuevo constitucionalismo latinoamericano. Gaceta Constitucional.

Tomo 48, p. 307-328, diciembre 2011; ECUADOR. Constitución del Ecuador. Asamblea Constituyente. 2008. Disponível em: https://www.wipo.int/edocs/lexdocs/laws/es/ec/ec030es.pdf. Acesso em: 10 jan. 2019.

2 A Constituição do Equador, de acordo com Shiraishi Neto e Araújo (2015, p. 386), anuncia em seu preâmbulo a alteridade “[...] como princípio fundante de uma ordem política em que todos efetivamente tivessem voz e pudessem influir decisivamente nos destinos do país”. Os autores reforçam: “[...] O preâmbulo da Constituição de Montecristi, como todos os preâmbulos, é a fonte filosófica da Carta Política, e dele se extrai que as velhas estruturas do estado, eurocentricamente concebido, terão de dar lugar a ideias capazes de fazer repensar a teoria do estado, a teoria do direito e a prática dessas instituições, bem como o modelo de desenvolvimento associado ao modo-de-ser dessas instituições. Esse é o papel reservado ao buen vivir: propor uma alternativa de desenvolvimento e por essa via ressignificar o papel do direito e do estado na sociedade civil” (SHIRAISHI NETO; ARAÚJO, 2015, p. 387).

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2 O TRABALHO DECENTE COMO MISSÃO ESTRATÉGICA DA ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO - OIT

O Trabalho Decente, segundo a OIT, apoia-se sobre quatro pilares estratégicos, quais sejam: a) respeito às normas internacionais do trabalho, em especial os princípios e os direitos fundamentais do trabalho (liberdade sindical e reconhecimento efetivo do direito de negociação coletiva; eliminação de todas as formas de trabalho forçado; abolição efetiva do trabalho infantil; eliminação de todas as formas de discriminação em matéria de emprego e ocupação); b) promoção do emprego de qualidade; c) extensão da proteção social; e, d) diálogo social.

Estima-se que sob esse viés, seja o Trabalho Decente a condição fundamental para superar a pobreza, a desigualdade social e ainda garantir a governabilidade democrática e o desenvolvimento sustentável. Assim, vários fóruns internacionais vem dedicando especial atenção às questões relacionadas ao Trabalho Decente, conferindo a esse “[...] um lugar central na agenda hemisférica, reconhecendo assim o papel essencial da criação de trabalho decente para a realização desses objetivos.” (MTE/PNTD, 2010, p. 5), de acordo com o Parágrafo 1º da Declaração de Mar del Plata.

Integrante de uma série de compromissos firmados entre o Brasil e a OIT, o Trabalho Decente prioriza ações de combate ao trabalho escravo, análogo a escravo e infantil, por intermédio de políticas que promovam a igualdade de tratamento no mundo do trabalho.

Como incertezas e descontentamentos são velhos anseios que permeiam a seara do trabalho, o Trabalho Decente promovido pela OIT visa às boas práticas de articulação e ao seguimento de programas de ações junto ao governo federal. O enfrentamento e superação demanda o diálogo social e a prática de um tripartismo, seja no âmbito nacional e internacional. Para efetivar um Trabalho Decente exige-se fundamentalmente o reconhecimento de um Direito ao Trabalho, na acepção de um direito humano e fundamental, pois do contrário, como assevera Polanyi (2000), será apenas mais uma palavra para expressar a vida de pessoas comuns. O Direito do Trabalho na sua concepção contemporânea apresenta a ideia de que ao trabalhador só interessa as condições materiais que o trabalho lhe propicia, descartando toda e qualquer noção de alteridade e reciprocidade. “[...] Num sistema de troca econômica é talvez o exemplo mais nítido e visível de reciprocidade, mas também aparece em muitas áreas da vida social.” (CHINOY, 2012, p. 629).

Diferentemente, o Direito ao Trabalho, como Direito Humano e Fundamental, confere ao trabalhador o direito de trabalhar também para si mesmo, consigo mesmo e para outrem, desenvolvendo suas capacidades e dons, e ainda sendo reconhecido. Em decorrência de eventos

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como reformas na legislação trabalhista e avanço tecnológico ocorrendo concomitantemente e em ritmo cada vez mais acelerado, “[...] tanto o trabalho quanto a tecnologia influenciaram a produção de bens e de serviços, estiveram presentes nos diferentes estágios econômicos das civilizações, [...] (WÜLFING, 2014, p. 76).

Nessa conjetura, o presente capítulo visa diagnosticar o Trabalho Decente desde seu significado antropocêntrico como direito humano fundamental até sua institucionalização na OIT.

2.1 O TRABALHO DECENTE COMO FUNDAMENTO DA HISTÓRIA HUMANA

A história do trabalho sempre esteve relacionada à abordagens históricas, conferindo a abertura de espaço para a reflexão ampla da classe trabalhadora, do movimento operário e do capitalismo. De acordo com Weinstein (2017, p. 12), “[...] Pode-se dizer também que a história do trabalho, antes de outras áreas temáticas de história, abriu espaço para quem estava lidando com processos históricos na América Latina ou nas antigas colônias da África.”. O trabalho, ao longo da história, sempre ocupou lugar em volta do qual as pessoas organizaram suas vidas, seja esse relacionado a um fato degradante ou enobrecedor (FERRARI, 2002, p. 22).

[...] ela viria de tripalium (ou trepalium), que era, a princípio, um instrumento utilizado na lavoura. Em fins do século VI, este passou a ser também o nome de um instrumento romano de tortura. A palavra é composta por “tri” (três) e “palus” (pau) - o que poderia ser traduzido por “três paus”. Argumenta-se que daí surgiu o termo tripaliare (ou trepaliare), que significava acometer alguém ao tripalium. Dessa raiz romana teriam saído os termos das línguas latinas de hoje em dia. Datamos da Baixa Idade Média e do fortalecimento das línguas geradas do casamento entre os dialetos bárbaros e os resquícios romanos o surgimento de expressões como trabalho (em português), travail (francês), trebajo (catalão), trabajo (espanhol), e travaglio (em italiano, sendo associado ao trabalho de parto). A palavra labor (inglês) e lavoro (em italiano) são também um resquício da antigüidade, onde se diferenciava o trabalho do labor. Hoje são considerados sinônimos (e-PSICO/UFRGS, 2010).

Da análise dos variados significados da expressão trabalhar, Battaglia (1958, pp. 18-19) propicia a conclusão de que o conceito ou os conceitos atribuídos à essa expressão é que dão sentido ao termo, ou seja, para o baixo latim (tripaliare) e o verbo francês (travailler), o termo significa tortura, enquanto na expressão italiana (bisogna), no alemão (arbeit) e no inglês (labour e work), significa tarefa ou necessidade de algo a ser executado. Percebe-se que para os povos de língua latina, o trabalho associa-se à tortura e fadiga, ou seja, intimamente relacionado à escravidão, incluindo-se as atividades exercidas pelos camponeses, artesãos,

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agricultores que atravessou toda a Idade Média. Por conseguinte, os povos de língua inglesa, associam o trabalho à tarefa ou necessidade.

No sentido de que trabalho significa a execução de algo necessário, Arendt (2007, pp. 107-110), relaciona a expressão trabalho com a palavra grega poiesis, pois essa significa criar, fazer, fabricar algo por técnica ou arte, o que corrobora com o artificialismo da existência humana.

Vê-se que o trabalho reivindica um direito muito maior, um direito anterior e além de todas as formas tipicamente capitalistas3 de trabalhar. Zangrando (2008, p. 66) aduz: “[...]

vê-se que o trabalho transcende a própria pessoa, vê-servindo como devê-senvolvimento da vida comunitária”. Nesse sentido, o trabalho é extensão da personalidade humana, que tanto pode ser avaliado como encargo, como algo degradante, desumano, como também pode ser concebido como libertação, fonte de realização pessoal e de reconhecimento.

Sob a vertente do trabalho como extensão da personalidade humana, o direito ao trabalho constitui-se em compreender que existe relacionalidade entre aquele que trabalha com a atividade (trabalho) que se elabora, é “[...] mediação essencial para a realização das necessidades humanas e para a construção da identidade, [...] construção de vínculos de solidariedade, e aprendizado ético e político.” (WANDELLI, 2016, p. 1027).

Com propriedade, Antunes (1999, p. 145) afirma que:

[...] o trabalho tem a possibilidade de favorecer ao homem (sic)4 o seu

desenvolvimento como ser criativo e de desenvolver sua potência. [...] Pelo trabalho, o ser social produz-se a si mesmo como gênero humano: pelo processo de auto-atividade e autocontrole o ser social salta da sua origem natural baseada nos instintos para uma produção e reprodução de si como gênero humano, dotado de autocontrole consciente, caminho imprescindível para a realização da liberdade.

A compreensão do significado do trabalho, dependerá necessariamente do contexto histórico que está inserido. Assim, se a história do trabalho estiver relacionada à história da sobrevivência, ele será meio de subsistência; se sua história estiver atrelada à conquista, ele

3 “[...] o capitalismo não é a mera busca de lucro. O capitalismo é um modo de produção, no qual se requer a transformação de tudo em mercadoria, incluindo o trabalho, para fins de favorecer o mercado de trocas, permitindo uma organização estrutural para favorecer a reprodução do capital a partir da exploração do trabalho, pressupondo, para tanto, a divisão da sociedade em duas classes mais evidentemente identificadas: a dos capitalistas, que detém o dinheiro, a propriedade e os meios de produção, e a dos trabalhadores expropriados e que não tem outra alternativa de sobrevivência a não ser a da venda da força de trabalho, segundo as leis naturais do livre jogo da oferta e da procura” (SOUTO MAIOR, 2011, p. 130).

4 Segue-se textualmente a linha de pensamento do autor, contudo, entende-se que a palavra pessoa humana seria mais adequada para a contemporaneidade.

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pode estar relacionado à pobreza e à riqueza, assim como, se sua história é sobre fazer um mundo melhor, ele pode ser compreendido como meio de salvação.

O Direito ao Trabalho é firmado reiteradamente como Direito Fundamental, seja nos textos constitucionais, seja em normas internacionais relativas a Direitos Humanos como se extrai do artigo 23 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948:

1 Todo ser humano tem direito ao trabalho, à livre escolha de emprego, a condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego. 2 Todo ser humano, sem qualquer distinção, tem direito a igual remuneração por igual trabalho.

3 Todo ser humano que trabalhe tem direito a uma remuneração justa e satisfatória, que lhe assegure, assim como à sua família, uma existência

compatível com a dignidade humana, e a que se acrescentarão, se

necessário, outros meios de proteção social.

4 Todo ser humano tem direito a organizar sindicatos e neles ingressar para proteção de seus interesses. (Grifo nosso)

O Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), especificamente nos artigos 6º ao 9º, seguem no mesmo sentido da Declaração Universal dos Direitos Humanos ao afirmar que o Direito ao Trabalho consiste no recebimento de remuneração justa e equitativa entre homens e mulheres, além de garantir condições de existência digna aos trabalhadores e trabalhadoras e suas famílias, bem como condições de trabalho seguras e higiênicas; lazer, jornada de trabalho razoável, descanso e férias remuneradas, e o direito de associar-se e de filiar-se a sindicatos, de realizar greves, e de ter assegurada a previdência social (COSTA; ARANTES, 2009, p. 23).

A normatividade relacionada com o Direito ao Trabalho se estende às diversas declarações internacionais e outros documentos pertinentes5, contudo, a OIT, desde sua criação

em 1919, conforme consta no Tratado de Versailles, embora não faça referência a expressão Direito ao Trabalho, apresenta na sua Constituição6, como princípio fundamental a declaração

de que o “[...] trabalho não é uma mercadoria”. Como assevera Wandelli (2016, p. 1016), “[...] Esse é o princípio que funda a compreensão de que o Trabalho é essencial à dignidade e que deve ser protegido como direito fundamental.” O autor também se apoia na Declaração da OIT

5 Para ilustrar, apenas no âmbito da ONU, o direito ao trabalho pode ser reportado: no artigo 8, parte 3, alínea ‘a’ do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP); no artigo 5, ‘e’, ‘i’, da Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Racial; no artigo 11, ‘1’, ‘a’, da Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher; no artigo 32 da Convenção sobre os Direitos da Criança; nos artigos 11, 25, 26, 40, 52 e 54 da Convenção Internacional sobre Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e Familiares e, especialmente, no artigo 27 da Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiências, de 2006.

6 O texto em vigor da Constituição da Organização Internacional do Trabalho foi aprovado na 29ª reunião da Conferência Internacional do Trabalho (Montreal - 1946) e tem, como anexo, a Declaração referente aos fins e objetivos da Organização, que fora aprovada na 26ª reunião da Conferência (Filadélfia - 1944), (OIT, Brasília).

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sobre Justiça Social para uma Globalização Justa, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho em 2008 que reforça um trabalho no qual os “[...] indivíduos possam desenvolver e atualizar as capacidades e competências de que necessitam para trabalhar produtivamente, tendo em vista a sua realização pessoal e o bem estar coletivo.”

Os enunciados da Constituição brasileira de 19887 e as normas internacionais de

direitos humanos evidenciam o trabalho como dimensão essencial da dignidade da pessoa humana e essa estreita relação fica ainda mais evidenciada nos Fundamentos da República Federativa do Brasil de 1988, no artigo 1º, incisos III e IV.

Wandelli (2016, p. 1017) acentua:

No discurso constitucional, o trabalho excede em muito a dimensão do ter, por meio de benefícios decorrentes da compra e venda da força de trabalho, mas diz respeito diretamente à dimensão do ser, dos aspectos mais essenciais da existência digna, a serviço da qual se coloca a ordem normativa, que se expressam no trabalho. Nessa perspectiva, o trabalho, mais que um âmbito especial da consideração constitucional, é elemento constitutivo da própria compreensão constitucional de pessoa.

Dessa maneira, como assinala Leonardo Vieira Wandelli (2016, p. 1014) “[...] o direito ao trabalho é o mais importante, embora talvez o menos efetivo, dos direitos fundamentais.” Entretanto, a preocupação com o trabalho, sobretudo o trabalho humano é associado à dignidade da pessoa humana, e como tal, apresenta constantes indagações.

2.1.1 O direito ao trabalho como extensão da dignidade humana sob a perspectiva religiosa

Reportando-se à história mais remota, pode-se dizer que a história do trabalho é tão antiga quanto a história da criação do mundo. Sob perspectiva cristã, o trabalho era considerado necessidade do ser humano, e por vezes castigo. Na Bíblia, a história do trabalho tem início

7 A Constituição brasileira de 1988 apresenta em seu artigo 6º, dentre outros direitos, o trabalho como um direito social fundamental e, como direito social, representa a segunda geração de direitos fundamentais. Os direitos sociais são essencialmente prestações, ou seja, possui força jurídica no sentido de que em relação a esse direito, a discussão cabível se faz quanto à sua concretização. Confere-se ainda na Constituição brasileira o trabalho como o fundamento da ordem econômica no artigo 170, o primado do trabalho como base da ordem social no artigo 193 e, o pleno desenvolvimento da pessoa pela qualificação do trabalho no artigo 205. Ao realçar o trabalho nos referidos artigos da Constituição brasileira percebe-se que essa enfatiza-o como um valor fundamental à vida daqueles que vivem do trabalho, visando à preservação da dignidade da pessoa humana, do valor social do trabalho e das instituições que resguardam esse direito.

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com Deus, um trabalhador criando o mundo, que em Gênesis 1.1, narra a criação em quatro atos: “Criação8, Queda9, Redenção e Restauração.” (PEIXOTO, 2017, p. 1).

No que tange ao ato de criação de Deus, o ser humano foi o mais supremo, pois criado à sua imagem e semelhança, implicou ser reflexo Dele na terra, trabalhando, como se extrai de Gênesis 1.28, “[...] Sejam férteis e multipliquem-se. Encham e governem a terra. Dominem sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todos os animais que rastejam pelo chão” (PEIXOTO, 2017, p. 2). Dos quatro atos narrados na Bíblia acerca da criação do mundo, a queda, segundo Peixoto (2017, pp. 4-5) reflete três coisas sobre o trabalho. A primeira é que o trabalho se tornou penoso: “[...] Com o suor do rosto você obterá alimento, até que volte à terra da qual foi formado” (Gênesis 3.19); a segunda, que o trabalho se tornou insignificante, pois o solo havia sido amaldiçoado e, “[...] produzirá espinhos e ervas daninhas, mas você comerá de seus frutos e grãos” (Gênesis, 3.18); e, por fim, o trabalho se tornou um ato compulsório de sobrevivência e não mais de adoração “[...] Pois você foi feito do pó, e ao pó voltará” (Gênesis, 3.19).

Peixoto (2017, p. 6) salienta que o trabalho é demonstrado de duas maneiras, seja, pelas realizações e pelo sucesso ou pela sua liberdade do trabalho. As demais fases pontuadas por Peixoto – redenção e restauração, se referem à volta de Cristo na terra para o perdão dos pecados, trazendo solução e esperança. Nesse sentido, Pipollo e Marini (1991, p. 13-14) sintetizam:

[...] no início, o trabalho aparece como categoria social e simultaneamente teológica. O eixo da fé no Antigo Testamento é o evento fundante da história de Israel elaborado em Ex. 1-15. Esses textos falam da opressão pelo trabalho e da libertação dos hebreus escravizados pelo faraó egípcio. O êxodo é memória da libertação do trabalho forçado e alienante, e projeto de trabalho livre no deserto e em terra boa. O livro do Apocalipse fecha a Bíblia narrando a construção da Cidade Nova (Ap 21, 9s.), liberta da opressão e corrupção, portanto, um novo paraíso (Ap 22, 1-5). O trabalho humano é o dínamo dessa utopia, fruto da criatividade e das justas relações sociais.

8 Foram seis dias de trabalho e o sétimo dia, Deus abençoou e descansou de toda sua obra. A criação estava concluída. No segundo ato, Gênesis 2, Deus volta a trabalhar, porém o trabalho é de governar e ordenar tudo o que fez. O jardim no Éden é dado ao homem (sic) que tinha formado, para o lavrar e o guardar. “O Senhor Deus colocou o homem (sic) no jardim do Éden para cultivá-lo e tomar conta dele” (Gênesis, 2.15). Até esse momento, o trabalho que Deus concede à Adão e Eva é o paradigma para todo trabalho humano. O Éden era tal qual uma propriedade rural, bem planejada e que incumbia ao homem (sic), proteger, cultivar, florescer, crescer, ou seja, o trabalho de Adão e Eva não era revelar quem eles eram ou poderiam se tornar através do que faziam.

9 A queda é representada em Gênesis 3, com Eva comendo o fruto proibido. “Mas do fruto da árvore que está no meio do jardim, disse Deus: Não comereis dele, nem nele tocareis, para que não morrais.” (Gênesis, 3.3) “Porque Deus sabe que no dia em que dele comerdes se abrirão os vossos olhos, e sereis como Deus, conhecendo o bem e o mal.” (Gênesis, 3.5) E, as condições de trabalho muda radicalmente. Percebe-se que a queda é representada pela transgressão do homem (sic) às leis de Deus, dando causa ao pecado, ao castigo. Após a queda, com Adão e Eva expulsos do Éden, ainda em Gênesis é possível verificar como se desenvolveu o trabalho fora do paraíso.

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Elders (2009, pp. 10-11) ao estudar o pensamento de Santo Tomás de Aquino sobre o trabalho lembra que esse considera a Bíblia Sagrada como fonte principal de sua teologia do trabalho, reforçando que “[...] pela fé o cristão sabe que trabalhando bem ele colabora com Deus em sua administração do mundo e prepara a Parusia10 do Senhor. É consciente que a

Providência Divina lhe ajuda e lhe dará o que ele e os seus necessitam.”

[...] para o homem (sic) o trabalho é a expressão de sua natureza. [...] o trabalho em todas as suas formas é em si mesmo o ato mais natural do homem (sic); é necessário para o gênero humano, a construção da sociedade e promoção do bem-estar e da cultura. O trabalho é nosso modo de trato com o mundo e a natureza (ELDERS, 2009, p. 12).

Sob a perspectiva da Igreja, a história do trabalho visa à reprovação das questões que violam os direitos dos homens (sic) do trabalho, de preservar sua dignidade e tornar realidade o progresso do homem (sic) em sociedade (JOÃO PAULO II, 2018, p. 3).

Na Carta Encíclica Laborem Exercens do Sumo Pontífice João Paulo II sobre o trabalho humano lê-se:

O trabalho é um desses aspectos, perene e fundamental e sempre com atualidade, de tal sorte que exige constantemente renovada atenção e decidido testemunho. Com efeito, surgem sempre novas interrogações e novos problemas, nascem novas esperanças, como também motivos de temor e ameaças, ligados com esta dimensão fundamental da existência humana, pela qual é construída cada dia a vida do homem (sic), da qual esta recebe a própria dignidade específica, mas na qual está contido, ao mesmo tempo, o parâmetro constante dos esforços humanos, do sofrimento, bem como dos danos e das injustiças que podem impregnar profundamente a vida social no interior de cada uma das nações e no plano internacional (JOÃO PAULO II, 2018, p. 2).

As Encíclicas Papais, como a Laborem Exercens e a Rerum Novarum, contribuíram significativamente para o estabelecimento de nova ordem social no mundo do trabalho. Os desafios eram marcados por denúncias das condições de trabalho desumanas na classe operária, visto que se encontrava em plena Revolução Industrial11. A Rerum Novarum, publicada por

Leão XIII em 189112, “[...] proclamou a Justiça Social, sustentando a necessidade de novas

bases nas relações de trabalho para que se preservasse a dignidade humana no labor, [...].”

10 Em teologia significa a vinda gloriosa de Cristo no final dos tempos. Em grego, ‘presença, vinda’. Emprega-se em sentido escatológico para expressar o retorno de Cristo no final dos tempos. No Novo Testamento se utiliza a palavra em contexto de alegria, pois anuncia a vinda e a presença do Senhor consumando a história.

11 “A Primeira Revolução Industrial teve como marco inaugural a criação da máquina a vapor, que primeiramente foi empregada para bombear água para as minas, substituindo o trabalho de animais e de escravos.” (WÜLFING, 2014, p. 78).

12 Com o subtítulo ‘Sobre as condições do trabalho’, a encíclica é a resposta da Igreja Católica à miséria da classe trabalhadora, aos conflitos sociais e à ascensão do socialismo. É a base do que se tornará uma relação de longa data entre a OIT, o Vaticano e os sindicatos cristãos.

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(AZEVEDO, 2017, p. 10). Nela, o Papa asseverava a igualdade dos homens e apontava a caridade como solução na busca de caminhos que visassem à proteção dos pobres e fracos. Ainda foi avaliado o uso da riqueza e atacada a exploração do trabalhador (PAPA LEÃO XIII, 1891). Certamente, o momento histórico é determinante para compreender a importância da Encíclica Rerum Novarum.

Do contexto histórico, percebe-se que as preocupações voltadas à questão do trabalho estão relacionadas às condições sociais e morais do trabalhador, ou seja, à sua dignidade humana. Ledur (1998, p. 98) reforça que “[...] a realização do direito ao trabalho fará com que a dignidade humana assuma nítido conteúdo social, na medida em que a criação de melhores condições de vida resultar benéfica não somente para o indivíduo em seu âmbito particular, mas para o conjunto da sociedade.”

Nesse particular, acentua-se as palavras de Bobbio (2000, p. 502) que denomina pessoa social o homem (sic) que vive e convive em vários círculos, considerando a vivência desde a família até a nação. Tal vivência se manifesta no sentido da família ao trabalho, do trabalho à nação, e da nação à sociedade universal. É nesse meio que a pessoa humana desenvolve sua personalidade e, é à pessoa social que estão relacionados os direitos sociais.

Para equiparar as pessoas às pessoas sociais, como sugere Bobbio (2000), é necessário que sejam reconhecidos outros direitos, como o Direito ao Trabalho, que está diretamente ligado à questão social e ao seu desenvolvimento, e sua realização depende do desenvolvimento da sociedade. Denota-se que, o Direito ao Trabalho se consolida como instrumento para a concretização da dignidade da pessoa humana numa compreensão ampla, voltada para a afirmação social do ser humano, ou seja, numa dimensão individual e social.

Nesse sentido Reinert (2001, p. 45) leciona:

O trabalho é uma atividade social, necessária ao progresso material e moral da humanidade. O trabalho é tão antigo quanto à humanidade. Pode-se imaginar que, a partir do momento em que o homem (sic) tenha tomado consciência de sua individualidade, tenha também tomado consciência do trabalho como atividade indispensável para sua sobrevivência e seu progresso. O trabalho é uma atividade inerente à condição humana e sempre existiu, independentemente do modo de produção vigente.

Dessa forma, pode-se compreender que dignidade é “[...] um conjunto de atributos inerentes à pessoa humana e dela indissociáveis, de conteúdo inegavelmente axiológico, pois retrata valores próprios do homem (sic), mas que refletem no coletivo” (DAL COL, 2003, p. 28). Contudo, a existência digna está relacionada à valorização do trabalho, o que leva a crer

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que a ausência de um trabalho digno contamina toda uma sociedade, pois afeta o indivíduo e o grupo social que se relaciona.

2.1.2 O Direito ao Trabalho como extensão da dignidade humana sob a perspectiva filosófica

Ao cogitar compreensão axiológica acerca da dignidade, a Teoria dos Valores apresentada por Hessen (2001) pode ser relevante na compreensão de uma existência digna acentuada na valorização do trabalho, uma vez que a Teoria dos Valores se encontra numa relação particular com a Teoria das Concepções do Mundo, que implica a concepção de vida, na realização dos valores. Essa valoração pode apresentar-se de duas formas – positiva e negativa, por isso a ideia de que é valioso tudo que satisfaz determinada necessidade.

Nesse contexto, insta dizer que é pelos valores e pelos critérios de valoração ao qual o ser humano obedece que ele se faz conhecido. A pessoa humana é um ser social e só alcança o pleno desenvolvimento de suas forças espirituais quando aceita os valores, que por sua vez pertencem à realidade. O conceito de valor é supremo e pode querer significar três coisas distintas: a vivência de um valor; a qualidade de valor de uma coisa; ou a própria ideia de valor em si mesma.13 No entanto, a constante insatisfação que acompanha o espírito do homem (sic)

na aspiração da realização dos valores é o que o motiva buscar um ideal (HESSEN, 2001). Ainda sob o contexto da filosofia dos valores, tem-se o pensamento de Scheler (1994) que propõe uma análise de vivência dos valores. Para ele, a visão das categorias virtude e ética são dadas sob a ótica do humanismo, que procura reconhecer o caráter humano em todas as suas formas de unidades: físicas, éticas, morais, psicológicas e espirituais. O autor acredita que cada Ser pode construir o seu mundo de valores e que as manifestações emocionais estão entrelaçadas a esses valores. Scheler (1994) teoriza o Ser humano sob o ponto de vista emotivo. Para ele as emoções dependem da vontade do Ser e a realização dos valores é o fim buscado pelo comportamento humano. Os valores tocam os sentimentos mais puros do ser humano e evocam a ideia de satisfação, elevação e importância para o ser humano e com o ser humano. A ausência desses valores torna o ser humano despreparado para conviver em Sociedade.

13 Nesse contexto ressalta-se que a Filosofia dos Valores de base fenomenológica apresentada por Hessen (2001, p. 70-72), vem de certo modo aclarar a relação entre Valor e Dever-ser. Essa corrente ensina que todo dever-ser se funda num valor, e não o contrário. O autor assevera que a reflexão sobre o modo de experimentar e de viver os valores, demonstra que na vivência do valor está incluída a vivência de objetividade de cada um, ou seja, que vivem-se os valores como objetivos.

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A partir dessa construção axiológica, concebe-se que o trabalho é um bem moral do homem (sic). Um bem útil e digno, que exprime e aumenta a sua dignidade. É fundamentalmente um bem do homem (sic), porque é através dele que o homem (sic) se realiza a si mesmo. Seguindo esse pensamento, Bombo (1993, p. 2015) enfatiza que é por meio do trabalho que o homem (sic) se fundamenta e edifica a vida familiar, uma vez que essa exige meios de subsistência, além de ser um dos mais importantes termos de referência dos quais se forma a ordem sócio-ética do trabalho humano. Contudo, independentemente do trabalho que o homem (sic) desenvolve, é pessoa humana, e essa verdade contém em si consequências importantes e decisivas.

Segundo os ensinamentos de Moacyr Motta da Silva (2009, p. 165-169), “[...] a ideia de valor não convive separada da experiência histórica”. Que o valor pensado como manifestação cultural, está vinculado à experiência de vida e que cada cultura elabora seus paradigmas de valores. Ressalta que o valor, tomado no sentido da Sociedade, em regra, designa uma utilidade porque envolve o trabalho humano. Por sua vez, o trabalho adquire valor social à medida que esse seja considerado inserido a um grupo social. No entanto, concebe-se dos ensinamentos de Moacyr Motta da Silva que “[...] nenhuma espécie de valor, por maior força de argumento, supera o valor da pessoa humana.” (SILVA, 2009, p. 152).

Desse modo, aliado à perspectiva filosófica antes delineada, um breve escorço histórico do trabalho humano é necessário e fundamental para compreender o que gerou a necessidade de atribuir ao trabalho uma nova adjetivação.

2.1.3 O Direito ao Trabalho como extensão da dignidade humana sob a perspectiva histórica

A trajetória histórica da pessoa humana com o trabalho tem seu início muito antes da denominada idade Antiga, cuja a predominância do trabalho era o escravo. A pré-história mostra relatos do trabalho humano desde o período paleolítico (até 10.000 a. C), ou Idade da Pedra Lascada, no qual o ser humano, nômade, iniciou a fabricação de objetos e ferramentas úteis à sua sobrevivência.

Esse período compreende três fases, o paleolítico, o mesolítico e o neolítico. Respectiva e sucessivamente, de acordo com esses períodos da história o ser humano desenvolveu suas habilidades, tanto para sua manutenção e sobrevivência, como do seu meio social e cultural. Aprendeu a produzir e a controlar o fogo, pois vivia basicamente da caça e da pesca, deslocando-se constantemente em busca de água e alimentos. Inicialmente, sua

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economia era de subsistência, ou seja, não acumulava e nem produzia para o comércio. Costumava a se organizar em pequenos grupos e a liderança destinava-se ao mais forte e experiente. Diferente da fase paleolítica, nas fases mesolítica e neolítica o homem (sic) armazenava alimentos, pois com o desenvolvimento da agricultura e a domesticação dos animais, sua dependência da natureza diminui e suas preocupações passam a ser outras, como a responsabilidade pela família e a segurança do local em que vivem, e isso os leva a promover a divisão do trabalho (LEAL, 2014). Essa fase histórica pode ser afirmada pelo historiador Cotrim (2001, p. 21), ao se referir que “[...] a necessidade de controlar a agricultura e a criação de animais levou à divisão do trabalho e à especialização de funções entre os membros da aldeia”. Joana Stelzer (2018, p. 29) também reforça que “[...] a especialização do trabalho também trouxe a necessidade de mercados amplos porque a divisão do trabalho depende do tamanho do mercado no qual está inserido.”

A divisão do trabalho, um fenômeno tão antigo como a sociedade, origina-se de diferenças inerentes a fatos como sexo, geografia e capacidade individual. A alegada propensão do homem (sic) para a barganha, permuta e troca é quase que inteiramente apócrifa. A história e a etnografia conhecem várias espécies de economia, a maioria delas incluindo a instituição do mercado, mas elas não conhecem nenhuma economia anterior à nossa que seja controlada e regulada por mercados, mesmo aproximadamente (POLANYI, 2000, p. 63).

Na Idade Antiga, apesar da existência de outras formas de trabalho, algumas das civilizações baseavam-se em sistemas de escravidão. Carbanellas apud Azevedo Neto (2015, p. 31) instrui que a escravidão foi perpetrada por todos os povos em sua origem nesse período. Segundo ele, “[...] isso ocorreu pelas necessidades derivadas do desenvolvimento da própria sociedade, que se estrutura tendo como base a desigualdade entre os homens, acrescentando que, tempos atrás, escravidão e trabalho pareciam termos sinônimos.”

Efetivamente, no Mundo Antigo, a escravidão chegou a ser uma ‘instituição universal’, sendo que um terço dos habitantes de Atenas eram escravos e Roma, no Século I a. C, também apresentava uma proporção similar no número de escravos em relação à população total. Na Grécia, em outras cidades-estado, também havia uma pletora de escravos. A escravidão foi ainda uma realidade para o povo judeu, etrusco, egípcio, entre outros. O trabalho escravo – embora abominável nos dias de hoje -, acabou sendo importante para a economia da época, inclusive para ‘liberar’ o cidadão para sua dedicação à guerra (OLEA apud AZEVEDO NETO, 2015, p. 31).

Sob tal prisma, Oliveira (1997, p. 39) destaca que “[...] o escravo era um verdadeiro deserdado, comprado e vendido como res, não passando de mercadoria.” Os resultados do trabalho pertenciam ao dono e nunca ao escravo. Não tinha sequer acesso aos bens que

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