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Entre peritagem de obras de arte e arqueologia da imagem: desafios do estudo de arte do passado recente.

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Academic year: 2021

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(1)

Amanda Basilio Santos

Juliana Porto Machado

Ronaldo Bernardino Colvero

(Org.)

Interdisciplinaridade nas

Ciências Humanas

Caminhos da Pesquisa Contemporânea

1ª Edição

Jaguarão CLAEC

(2)

© 2017, CLAEC

.

Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 5988 de 14/12/73. Nenhuma parte deste livro,

sem autorização previa por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros.

Editoração e diagramação: Amanda Basilio Santos e Juliana Porto Machado. Capa: Amanda Basilio Santos. Fotografia: Acervo Canva.

ISBN 978-85-93548-05-5

Observação: Os textos contidos neste e-book são de responsabilidade exclusiva de seus

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ORGANIZAÇÃO DO I ENCONTRO INTERNACIONAL DE PESQUISA EM CIÊNCIAS HUMANAS

Realização:

Centro Latino-americano de Estudos em Cultura (CLAEC), Universidade Federal de Pelotas (UFPel)

Financiamento: CAPES e FAPERGS

Presidente da Comissão Organizadora: Dr. Ronaldo Bernardino Colvero (UNIPAMPA).

Comissão Organizadora:

Dr. Adhemar Lourenço da Silva Júnior (ICH - Universidade Federal de Pelotas)

Dr. Ronaldo Bernardino Colvero (UNIPAMPA / Universidade Federal de Pelotas)

Dr.ª Elisabete da Costa Leal (ICH Universidade Federal de Pelotas) Mestra Amanda Basílio Santos (ICH Universidade Federal de Pelotas)

Mestranda Juliana de Oliveira Plá (ICH Universidade Federal de Pelotas/IFSul) Mestranda Juliana Porto Machado (ICH Universidade Federal de Pelotas)

Mestrando Ícaro Vasques Inchauspe (ICH Universidade Federal de Pelotas)

Site e Facebook:

https://eipch2017.wixsite.com/ieipch https://www.facebook.com/IEIPCH/

Como referenciar o trabalho (conforme ficha catalográfica)

SOBRENOME, Nome. Título. In: SANTOS, Amanda Basilio; MACHADO, Juliana Porto; COLVERO, Ronaldo Bernardino. Interdisciplinaridade nas Ciências Humanas: caminhos da

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ENTRE PERITAGEM DE OBRAS DE ARTE E ARQUEOLOGIA

DA IMAGEM: DESAFIOS DO ESTUDO DE ARTE DO PASSADO

RECENTE

ENTRE EL PERITAJE DE ARTE Y LA ARQUEOLOGÍA DE LA IMAGEN: LOS

DESAFÍOS DE LA INVESTIGACIÓN SOBRE EL ARTE DEL PASADO CERCANO

Pedro Luís Machado Sanches Doutor em Arqueologia (USP)/Docente do Instituto de Ciências Humanas (UFPel)

pedrolmsanches@gmail.com

RESUMO

A parede construída, suporte muito presente na urbanização em curso nos últimos três séculos, se prestou a expressões imagéticas muito distintas, permeando relações maldocumentadas e desenvolvimentos inauditos ou renegados. Se em fins do XIX a parede se destinava à ornamentação de fachadistas,

estucadores e fingidores contratados, ao longo do século XX, incorporou o minimalismo modernizante,

recusando o ornato e restringindo a imagem a pouco espaço ou a poucas circunstâncias, vindo a dar lugar, sobretudo após a virada do século XXI, às intervenções urbanas, transgressões estéticas e políticas. Por tais condições, a arte parietal em contexto urbano se constitui como objeto de pesquisa multidisciplinar privilegiado. O estudo dos processos e técnicas, quando imbricado à iconografia e ao estudo do valor das

imagens, revela identidades e relações sociais, permite entrever a experiência vivida, tanto quanto o

objetos portadores de imagem situados

no casco urbano de Pelotas, RS, cuja datação remete ao passado recente. A comunicação que aqui se apresenta é uma síntese de resultados de pesquisa na intersecção das áreas de Museologia e Arqueologia.

Palavras-chave:Arqueologia da imagem. Peritagem de obras de arte. Identidade artística. Intervenções

urbanas. Revestimentos arquitetônicos.

RESUMEN

La pared construída, soporte muy presente en la urbanización de los pasados últimos tres siglos, se ha

prestado a expresiones de imagenes muy distintas, permeando relaciones mal documentadas y desarrollos

omitidos o renegados. Si a fines del XIX la pared se destinaba a la ornamentación de fachadistas,

estucadores y fingidores contratados, a lo largo del siglo XX, incorporó el minimalismo modernizante,

rechazando el adordo y restringiendo la imagen a poco espacio o a pocas situaciones, dando lugar, sobre

todo en la vuelta del siglo XXI, a las intervenciones urbanas, transgresiones estéticas y políticas. Por tales

condiciones, el arte parietal en contexto urbano se constituye como objeto principal de investigación

multidisciplinaria. El estudio de los procesos y técnicas, cuando se imbricó a la iconografía y al estudio del valor de las imágenes, revela identidades y relaciones sociales, permite entrever la experiencia vivida, tanto como el imaginario, apunta a las circunstancias decreción y de apropiación simbólica. El proyecto " Acervos

Imagéticos Circunstanciados" ha promovido investigaciones a partir de objetos portadores de imagen

situados en el casco urbano de Pelotas, RS, cuya datación remite al pasado reciente. La comunicación que aquí se presenta es una síntesis de resultados de investigación en la intersección de las áreas de Museología y Arqueología.

Palabras clave: Arqueología de la imagen. Peritaje de arte. Identidad artística. Intervenciones urbanas.

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Imagens são janelas. De um lado, a materialidade, do outro, a imaterialidade. Há quem diga que é possível conhecer o imaginário por meio delas. Mas, afinal, de que lado estamos?

MOACIRL.DASILVA O valor artístico foi definido e redefinido em diferentes circunstâncias como algo restrito a seletos objetos portadores de imagem. Entretanto, os processos de valorização e resgate, ou de depreciação e abandono, não se definem em grande medida pelo protagonismo dos objetos, mas por um conjunto indeterminado de fatores.

Dentre tais fatores está a sensação que as imagens podem gerar e, nesse sentido, o ato de pintar uma parede não se diferencia de o

Segundo os arqueólogos Philippe Bruneau e Pierre-Yves Ballut, é necessário reconhecer que

(...) a parede é pintada ou o tecido é tingido de vermelho ou amarelo, o

sino toca, o frasco de perfume emite um odor, a mostarda traz sabor, o amaciante torna a roupa mais suave ao toque...: visual, auditivo,

olfativo, gosto ou tátil, existem obras que só produzem sensação

imediata(BRUNEAU; BALLUT 1997, p. 112-113)32. Causar sensação, por si só, não permite distinguir as imagens das demais obras da

-também uma representação não imediata, ou seja, de símbolo no qual se encadeiam dois objetos dos quais um é o

conceituais, interpretativas e estéticas, mas também políticas, econômicas e sociais, segundo as quais são formados acervos de imagens.

Os processos de indexação de objetos portadores de imagem a um corpus de obras notáveis são grandemente derivados de genealogias de artistas que definem, pela atribuição, o lugar de cada objeto numa escala de valor simbólica e documental, mas também apreciativa e, consequentemente, econômica. Tais processos podem implicar inclusive na apropriação e adaptação de métodos desenvolvidos na arqueologia da Antiguidade greco-romana por estudiosos dedicados à compreensão de imagens e suportes distintos, distantes e muito mais recentes.

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O valor artístico acompanha a formação de acervos desde suas origens. Nos gabinetes de curiosidades proliferados na Europa entre os séculos XVI e XVIII, entravam exempla

-romana, ou Próximo-Oriental, tinham lugar ali não exatamente por serem excepcionais, mas por serem belas. Seu interesse estava mais na apreciação que no espanto, servindo ao deleite dos homens de erudição, ou como modelo aos artistas (RAFFAINNI 1993).

Pode-se dizer, por isso, que se estabeleceu primeiro na Europa, logo em todo o mundo colonial, uma tradição contemplativa, privada e elitista. Em suas origens, a a na ideia de que os acervos de imagens redescobertas eram um atalho para belezas ideais, para a perfeição artística de outrora. Imagens eram então testemunhos de técnicas perdidas e de um modo de expressão que se pretende resgatar, recuperar, fazer renascer.

Em tais circunstâncias, quando muito arruinada, uma peça perdia seu potencial de instruir e de deleitar. Em alguns casos, a beleza perdida foi deliberadamente refeita, como num lécito atribuído à maneira do pintor de Pistóxenos pertencente ao Museu Ashmolean da Universidade de Oxford, exemplar datado do quinto século a.C., publicado entre 1927 e 1989 deste modo (figura 1), para reaparecer recentemente nos Arquivos Beazley, sem aquilo que havia sido adicionado pelos restauradores modernos (figura 2).

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s (restaurada) sobre lécito ático.

Aproximadamente 470 a.C. Desenho do autor a partir de fotografia em Boardman (1989, fig. 70). Em

vermelho, fraturas e lacunas visíveis mesmo após o restauro.

vermelhas (após remoção da restauração) sobre lécito ático. Aproximadamente 470 a.C. Altura: 35,2 cm. Diâmetro: 12,1 cm. Desenho do autor a partir de fotografia dos Arquivos Beazley disponível em <www.beazley.ox.ac.uk>, reporto on vase number

211374.

A remoção de restauros modernos amplia o valor do

peça mas, por outro lado, causa perda importante de suas qualidades estéticas, de seu valor enquanto objeto de apreciação. Intervenções para remover restauros só tiveram lugar quando o interesse histórico suplantou o estético, o que estaria marcado pelo surgimento de um valor de antiguidade em fins do século XIX (RIEGL 2006).

Quando se passou a conservar mais e a restaurar menos, valorizando marcas de uso e marcas do tempo, o interesse passava a se dirigir às evidências da historicidade do próprio objeto, atribuindo-lhe função científico-pedagógica. Tal mudança coincide com o momento em que os gabinetes e coleções particulares foram versidades, passando definitivamente para o poder das instituições científicas, que os organizaram segundo prerrogativas e propósitos

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Além-mar, sincretizavam-se tendências e o lugar ocupado pelo motivo clássico, agora neo-clássico, foi garantido pelo valor a ele conferido, de indicador de bom gosto, se perpetuando na ornamentação arquitetônica, nas fachadas e revestimentos interiores, tetos e paredes estucadas.

O aspecto curioso da presença da ornamentação de inspiração clássica no Brasil talvez esteja na quase completa dissociação entre as artes e seus discursos, na ausência

exemplo, o conceito de composição, operante a partir de leis, tal como foi utilizado no

Tal dissociação dá margem a uma apropriação e articulação de elementos muito mais livre ou descomprometida, fazendo com que a importância nos estudos recaia sobre as circunstâncias de evocação da tradição, seus liames ideológicos e políticos, o estatuto social dos fazedores, encomendantes, utentes ou contempladores, muitos deles esquecidos de uma historiografia por demais pautada pela erudição europeia, sempre incapaz de ver outros atores sociais que manipularam ornamentos sem dominar o discurso que lhes corresponde, sempre empenhada na omissão de referências culturais não oriundas do velho mundo.

A livre associação de motivos, ordens e tendências foi amplamente favorecida pela quase ausência de instrução formal. Antes da instalação dos Liceus de Artes e Ofícios, e mesmo depois deles, a introdução às artes decorativas era quase sempre indutiva, se dava muita vez pela inserção precoce dos aprendizes às equipes que trabalho.

e finalizou até o momento três frentes de pesquisa que abrangem a recepção de elementos da tradição imagética greco-romana na

região de Pelotas, RS, Brasil. Todas elas abordam objetos produzidos num passado recente, da virada do século XIX até as primeiras décadas do século XXI. Quase todas elas envolvem o suporte parietal, a vinculação entre imagens e paredes construídas. Tomada como testemunho de relações sociais e conflitos, a arte parietal levantada por este projeto aponta para transformações profundas no estatuto dos produtores de imagem locais, envolvidos em processos de resistência, disputa e mútuas concessões não documentados, dos quais a persistência material dos ornatos pode ser a única fonte de informação.

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artesãos europeus integrados aos grandes fluxos migratórios motivados principalmente pela substituição da mão de obra escrava (LIMA 2001, p. 58, nota 52). Segundo Solange Ferraz de Lima,

Para este contingente profissional, a principal referência de estilo neoclássico era o Vignola Brazileiro [publicado por César Rainville no

Rio de Janeiro, em 1880], manual que simplificava a gramática clássica restringindo-a às noções básicas das ordens e de seus ornamentos. Para -se a um

número ainda mais limitado de ornamentos, mas suficientes para

indicar o seu gosto(LIMA 2001, p. 58-59).

Em cidades brasileiras cujos cascos urbanos ainda preservam testemunhos da arquitetura oitocentista e da primeira arquitetura do século XX, a reprodução dos modelos neoclássicos se deu de modo desordenado, em aplicações multifuncionais, associando ornamentos que podiam ser escolhidos ao léu, em catálogos de importadores ou em lojas de decoração.

Ivoty Macambira, em seu estudo sobre os mestres fachadistas de São Paulo, chegou a admitir que

(...) nossos artesãos criavam muito pouco, modelavam e executavam revestimentos desenhados e determinados por outros. O espaço para criação talvez existisse em alguns casos, na hora que o artesão (MACAMBIRA 1985, p. 39).

São análogos a estes últimos os casos que o projeto Acervos Imagéticos Circunstanciados pretendeu privilegiar.

se despegaram das preceptivas artísticas européias e melhor testemunharam o estilo e a identidade artística de pintores sediados na região de Pelotas.

O Primeiro esforço de pesquisas realizado no âmbito do projeto se deu no campo da iconografia, por meio da interpretação de um retrato equestre de Bento Gonçalves, pintado pelo artista espanhol Guilherme Litran em 1879, e incorporado ao acervo do Museu Histórico Farroupilha, na cidade de Piratini, exatos 90 anos mais tarde (fig. 3).

O trabalho de investigação proposto reconheceu os diferentes momentos de apropriação simbólica da obra, um retrato que teria sido motivado pelo afã de heroicizar ainda no império, um personagem republicano.

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Fonte: DUTRA 2013, fig. 1, p. 19.

Contudo, não se deve às intenções do artist

-65). Enquanto viveu no Rio Grande do Sul, o pintor espanhol produziu composições que não se prendiam a uma causa, suas obras não teve limites político-ideológicos. O pincel de Litran retratou imperialistas e republicanos com o mesmo afinco, e também copiou obras pagãs e cristãs de grandes mestres renascentistas e neoclássicos sem hesitação (DAMASCENO 1971).

Segundo Aparecida Rostand (2013), um elemento incomum presente no quadro pode ser vinculado às intenções, saberes e valores do próprio Guilherme Litran: a figura feminina em tamanho reduzido que coroa o herói farroupilha. Pela presença do barrete frígio e de uma coroa de ramos elevada sobre o cavaleiro, ela pode ser interpretada como uma dupla personificação: a um só tempo é a república e a vitória. No primeiro sentido, remeterá à revolução francesa e ao célebre quadro de Delacroix, La Liberté guidant de people de 1830, o segundo sentido é bem mais antigo, está presente, por exemplo, nas moedas siracusanas cunhadas pelo tirano Herón, em comemoração às suas vitórias nas corridas de quadrigas dos jogos pan-helênicos da Anguidade.

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O quadro recebeu, em momento ainda não precisado, importantes intervenções de restauro. Mas, ao contrário do ocorrido ao lécito de Oxford acima citado, as restaurações da tela de Piratini não vieram a corrigir imperfeições deixadas pelo tempo, mas aspectos da obra original que teriam se tornado indesejáveis para o uso identitário e pedagógicos para o qual a obra foi redirecionada.

Assim como ocorreu ao lécito, a reversão dos restauros desta tela só veio a acontecer recentemente. Hoje o quadro pode ser visto no Museu com as armas quebradas abaixo do líder farroupilha e com o seio da vitória-república (figura 4).

1879. Altura: 107 cm. Largura: 82 cm. Fonte: DUTRA 2013, fig. 2, p. 22.

A segunda linha de investigação do projeto abrangeu a louça fina inglesa e francesa de importação.

A investigação teve lugar junto às coleções de louças do Museu Municipal Parque da Baronesa, em Pelotas, e se caracterizou primeiramente como um esforço de revisão documental. A instituição possuía fichas de documentação museológica que careciam de

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informações mais precisas, recorrente em pesquisas arqueológicas, e relativas à identificação de tecnologia, técnica decorativa, formato, cronologia e campos que não eram usualmente preenchidos como: espessura e profundidade.

A proposta implica em associar na ficha cadastral informações intrínsecas e extrínsecas dos conjuntos de louças e peças isoladas. Angélica Bosenbecker (2013), relata que foram preenchidas sete fichas de pratos com timbre de fabricação, biscoito em tecnologia irostone, e decoração monocromática em transferprinting (inventário MMPB 0589, MMPB 0590, MMPB 0591),

0724, E 072). Identificamos uma porcelana fina oriunda de Limoges na França (inventário: E 0721), e uma travessa que teria pertencido ao mobiliário de um navio a vapor italiano ativo nas últimas décadas do século XIX.

A formação do acervo de louças do museu da Baronesa se deu por força de sucessivas doações, não preservando conjuntos inteiros, ou informação precisa de procedência. Tendo isso em vista, a equipe do projeto optou por promover uma cronotipologia a partir da qual se possam a fazer comparações mais ambiciosas numa etapa posterior.

A terceira e, talvez, mais promissora linha de investigação do projeto diz respeito aos estuques lustrados (figura 5), em parceria com o Grupo de Estudos e Pesquisa em Estuques da UFPel, coordenado pela Profa. Daniele Fonseca do Departamento de Museologia, Conservação e Restauro.

ão tradicional da arte decorativa que, mediante técnicas distintas, simula ou finge a aplicação de blocos de rocha, sobretudo mármores, nas superfícies visíveis, internas e externas, de edificações tradicionais (SEGURADO s/d b; AGUIAR 2001). Em Pelotas,

em estuques lustrados, nas residências integrantes do casario histórico, preservando-se sobretudo em átrios ou halls de entrada, como evidente signo de distinção social .

Os estuques ornamentais de Pelotas não vieram a figurar em compêndios de história local, dificilmente são reconhecidos como patrimônio, e não foram reivindicados como manifestação da identidade dos grupos sociais que o produziram ou possuíram.

Possivelmente em decorrência disso, não vieram a ser considerados em trabalhos mais amplos de história das artes aplicadas, como variante que são de uma prática de ornamentação surgida ainda na Antiguidade greco-romana, e que teve seu momento mais fecundo nos séculos XVI e XVII, no norte da Itália (AGUIAR 2001).

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Figura 5 Diferentes composições de escariola (pintura sobre estuque parietal lustrado) associadas a

outros elementos ornamentais. Residência 660 da rua Gonçalves Chaves, Pelotas, RS, Brasil. 1870-1930. Fonte: Arquivos do Grupo de Estudos e Pesquisa em Estuques.

Segundo o arquiteto e estudioso português José Aguiar,

É claro que as explicações de natureza física e química que Vitrúvio avançava estão completamente superadas, e há muito tempo; mas a descrição da forma de emprego dos materiais e das tecnologias de aplicação das soluções de revestimento, acabamento e de pintura, são extraordinariamente similares às que ainda podemos observar em construções feitas até aos anos 50 [do século XX]! (AGUIAR 2001, p.

199).

A prática do fingimento, amplamente executada na passagem do século XIX para o XX, se viu integrada a diferentes realizações arquitetônicas, das quais são conhecidos muitas vezes os primeiros proprietários e os sucessivos habitantes. Por vezes, é possível saber quem foram os arquitetos, mas dificilmente são conhecidos os estucadores e fingidores, ou quaisquer dos demais responsáveis pelo acabamento ornamental, inclusive

discerníveis de suas intervenções sobre uma mesma composição em estuque lustrado (escariola).

O estudo das composições tem, portanto, o sentido de resgate da memória, e se insere em duas abordagens necessárias e atuais: a arqueologia da imagem e a peritagem de obras de arte. Esta última requer análises fundadas

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determinante de uma (WIND 1963; SHANKS 1996), e se mostrou compatível com o incomum repertório visual das escariolas (figura 6), como se pretendeu expor em publicação recente (SANCHES; FONSECA 2017).

Figura 6 eios e nós Fotografia e cotejo de desenhos de pormenores. Pintura sobre estuque parietal lustrado. Casa 8 da Praça Pedro Osório, Pelotas, RS, Brasil. 1878. Fonte: SANCHES;

FONSECA 2017, fig. 7.

Estas abordagens pautam ainda a linha de pesquisa mais recente do projeto, ainda em fase inicial: o estudo das pixações e grafites na região do Porto de Pelotas33. Intervenções urbanas que dialogam com a arquitetura e reelaboram a paisagem urbana tiveram seu momento de maior incidência já no século XXI, trazendo desafios de pesquisa que ainda estão longe de serem devidamente explorados.

Por hora, temos a proposta de tratar da questão por meio do Primeiro Roteiro

sobre Intervenções Urbanas de Pelotas, um percurso ainda não realizado que prevê a

passagem por exemplares selecionados de diferentes intervenções, destacando sua diversidade técnica e simbólica, apontando os conflitos nos quais se envolvem e os

33Esta frente de pesquisa contou com as duas primeiras bolsas de iniciação científica vinculadas ao projeto

(uma delas do CNPq, a outra, da própria Pró-reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação). Esse apoio se mostrou muito importante não só para a pesquisa, também para a fixação dos discentes na instituição.

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diferentes momentos da história do pixo e do grafite no bairro pelotense do Porto. Essa perambulação terminaria com o contato com pixadores e grafiteiros numa oficina de grafitagem a ser organizada no espaço cultural Oca.

O estudo de intervenções urbanas amplia as relações entre imagem e espaço abordadas pelo projeto Acervos Imagéticos. Se para os quadros, louças e revestimentos em estuque o espaço privado constitui a unidade arqueológica a ser estudada, no caso de pixações e grafites o espaço a se considerar é uma paisagem pública, ampla e cambiante:

Tendo em vista que as intervenções urbanas se referem às artes

realizadas fora do âmbito tradicional e academicista, e são uma arte que integra a urbe, que se integra ao espaço público, que modifica a paisagem circundante, de modo permanente ou temporário (SILVA 2015).

Sendo próprio da arqueologia partir da expressão material da existência humana, para que possamos seguir este caminho sem essencializar períodos ou manifestações culturais, acompanhamos em cada uma de nossas linhas de investigação as propostas metodológicas apresentadas por Philippe Bruneau ainda nos anos 1970, mas quase sempre omitidas dos manuais e compilações da área:

Tomando o objeto como um meio de responder a diversas questões (tais

como migrações, economia, organização social, crenças e práticas

religiosas, etc.), creio eu que a arqueologia se apresenta sobretudo como

a penhora sociológica dos vestígios materiais e não remete portanto a

uma conjuntura essencialmente técnica (BRUNNEAU 1975).

Nada mais, nada menos que isso, é o que se pode esperar da vinculação aqui pretendida, por força de tais exemplos, entre peritagem de arte e arqueologia da imagem.

Referências:

BOSENBECKER, Angélica Soares. Análise museológica referente à louça fina do Museu Municipal Parque da Baronesa. Monografia de Conclusão de Curso (TCC). Instituto de Ciências Humanas; Curso de Museologia; Universidade Federal de Pelotas, 2013.

DAMASCENO, Athos. Artes Plásticas no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1971.

DUTRA, Aparecida Rostand. Interpretação iconológica do retrato equestre de Bento Gonçalves e sua análise como fato museal. Monografia de Conclusão de Curso

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(TCC). Instituto de Ciências Humanas; Curso de Museologia; Universidade Federal de Pelotas, 2013.

LEIRNER, Isaías. Saberes viajeros: las miscelâneas del nuevo mundo. In: GONZÁLEZ DE TOBIA, Ana María (org.) Ética y estética de Grecia a la modernidad. La Plata: Universidad Nacional de La Plata, 2004, p. 25-40.

LIMA, Solange Ferraz de. Ornamento e Cidade: ferro, estuque e pintura mural em São Paulo 1870-1930. Tese (Doutorado em História), Faculdade de Filosofia letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2001.

MACAMBIRA, Yvoti de Macedo Pereira. Os Mestre da Fachada. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1985.

Contribuição para uma abordagem crítica das práticas e políticas culturais. In: CARLOS; CRUZ & YÁZIGI (orgs.) Turismo espaço paisagem e cultura. São Paulo: HUCITEC, 1996: p. 88 a 99. RAFFAINI, Patricia Tavares. Museu Contemporâneo e os Gabinetes de Curiosidades. In: Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia n. 3, 1993: p. 159 a 164.

SANCHES, Pedro Luís M.; FONSECA, Daniele B. Análise estilística e caracterização de argamassas das escariolas da Casa 8 (Pelotas, Brasil) uma abordagem

multidisciplinar. In: Anais do IV Colóquio Internacional A Casa Senhorial Anatomia de Interiores. 7 a 9 de junho de 2017. Pelotas: UFPel, 2017 (no prelo). SHANKS, Michael. Interlude: Sherlock Holmes, the Doctor Watson and John Beazley. In: Classical Archaeology of Greece experiences of the discipline. Londres ; Nova Iorque: Routledge, 1996, p. 36-40.

SILVA, Mariana Boujadi M. da. Relatório parcial de Bolsistas de Iniciação Científica. Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação; Divisão de Pesquisa. Pelotas: UFPel, 05/08/2015 (inédito).

VERAS, Melania dos Santos Cardoso. Uma Análise Semiológica Aplicada à

Peritagem de Escariolas: Identificação de Restauros Antigos a partir da Classificação de Signos Icônicos e Signos Plásticos. Monografia de Conclusão de Curso (TCC). Instituto de Ciências Humanas; Curso de Conservação e Restauração; Universidade Federal de Pelotas, 2014.

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