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Caminhos e limites da inovação lexical na fala da criança

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Academic year: 2021

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CAMILA ROSSETTI VIEIRA

CAMINHOS E LIMITES DA INOVAÇÃO LEXICAL NA

FALA DA CRIANÇA

CAMPINAS,

2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

CAMILA ROSSETTI VIEIRA

CAMINHOS E LIMITES DA INOVAÇÃO LEXICAL NA FALA DA

CRIANÇA

Dissertação de mestrado apresentada ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas para obtenção do título de Mestra em Linguística.

Orientador (a): Prof(a). Dr(a). Rosa Attié Figueira

CAMPINAS,

2015

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Ficha catalográfica

Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem

Haroldo Batista da Silva - CRB 5470

Vieira, Camila Rossetti,

V673c VieCaminhos e limites da inovação lexical na fala da criança / Camila Rossetti Vieira. – Campinas, SP : [s.n.], 2015.

VieOrientador: Rosa Attié Figueira.

VieDissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Vie1. Aquisição de Linguagem. 2. Analogia (Linguística). 3. Língua Portuguesa -Morfologia. 4. Língua Portuguesa - Neologismos. 5. Saussure, Ferdinand de, 1857-1913. I. Figueira, Rosa Attié,1948-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Pathways and limits of lexical innovation in the child's speech Palavras-chave em inglês:

Language Acquisition Analogy (Linguistics)

Portuguese language - Morphology Portuguese language - Neologisms Saussure, Ferdinand de, 1857-1913 Área de concentração: Linguística Titulação: Mestra em Linguística Banca examinadora:

Glória Maria Monteiro de Carvalho Irani Rodrigues Maldonade

Maria Fausta Cajahyba Pereira de Castro Silvana Perottino

Data de defesa: 09-06-2015

Programa de Pós-Graduação: Linguística

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RESUMO

São inúmeros os casos de palavras não dicionarizadas que surgem na fala dos sujeitos, sejam eles adultos ou crianças. A inovação lexical constitui, nesse sentido, um dos fenômenos mais registrados nas línguas, um poderoso fator de mudança linguística e um importante dado de eleição para a discussão da aquisição de linguagem. Dentro das abordagens teóricas da morfologia, a análise desse tipo de dados oferece dois caminhos distintos: (1) a formulação de regras, dentre se destacam as RFPs (Regras de Formação de Palavras), propostas pela Gramática Gerativa no início da década de 1960 (ARONOFF, 1976); e (2) a analogia. Segundo a primeira perspectiva as palavras seriam formadas por uma operação fonológica sobre uma base especificada dando origem a produtos predizíveis em termos sintáticos e semânticos. Já para a segunda, através da qual as palavras são formadas por comparação a um modelo, sobrariam dados mais singulares, em que não houvesse a necessidade de formular regras. O objetivo desta dissertação é o de verificar o potencial explicativo dessas duas visões antagônicas sobre as inovações lexicais na fala da criança. A primeira se baseia em regras e discorre, portanto, sobre questões como os padrões de regularidade e os limites do possível gramatical dentro da formação de novas palavras no português brasileiro. A segunda é a posição teórica interacionista (DE LEMOS, 2003; FIGUEIRA, 2010), que se filia de modo fundamental ao “ideário saussuriano sobre a formação de palavras” o qual, ao ser baseado no mecanismo analógico, é capaz de oferecer múltiplos caminhos para a explicação da fala infantil. Como material empírico, coletamos dados provenientes da observação longitudinal do sujeito RA cujo corpus está disponível no Projeto de Aquisição de Linguagem Oral (CEDAE/IEL/UNICAMP) e, complementarmente, contaremos com um conjunto de dados de autores que já se dedicaram ao tema. Com isso, pudemos averiguar, em um primeiro plano, a impossibilidade de analisar dados da fala da criança de uma perspectiva teórica que só considere formações que estejam de acordo com uma gramática bem comportada, já que as RFPs, que tem por característica principal dizer de um funcionamento formal da língua, nem sempre sustentam o que ocorre na aquisição da morfologia pela criança, uma vez que é claro um movimento do previsível para o imprevisível. Pudemos também ver que a vantagem de assumir a analogia saussuriana para explicar as inovações lexicais não está somente em dar conta de dados que não se deixam explicar por regras muito bem especificadas, mas também está em reconhecer que a criança está submetida ao funcionamento dos mecanismos fundamentais da língua, relações sintagmáticas e associativas.

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ABSTRACT

There are countless cases of words, which are not in the dictionary that appear in people´s speech, whether they are adults or children. The lexical innovation is in this sense one of the most recorded phenomena in the languages, a powerful element for linguistic change and an important point of choice for the language acquisition discussion. Among the morphology theoretical approaches, the analysis of this data leads us to two distinct paths: (1) the formulation of rules, among them stand out the WRFs (Word Formation Rules), which was proposed by the Generative Grammar in the early 1960s (ARONOFF, 1976); and (2) the analogy. According to the first perspective, the words would be formed by a phonological operation on a specific base originating predictable products in syntactic and semantic terms. As for the latter, words would be made by comparison to a model in which more natural data would be left and there would not need to formulate rules. The aim of this dissertation is to verify the potential impact of these two opposing views on the lexical innovations in the child's speech. The first is based on rules and discusses issues such as patterns of regularity and the limits of the grammar constraints within the formation of new words in Brazilian Portuguese. The second is the interactionist theoretical position (DE LEMOS, 2003; FIGUEIRA, 2010), which is affiliated in a fundamental way to “Saussure ideas on the formation of words” which is based on the analogue mechanism that is able to offer multiple pathways to explain the child speech. As empirical source, we collected data from longitudinal observation of the subject RA whose corpus is available in Oral Language Acquisition Project (CEDAE / IEL / UNICAMP) and in addition, we will have a set of authors who have dedicated themselves to the subject. Therewith, we could determine in a foreground the failure to analyze the child's speech data from a theoretical perspective that only considers the formations that are in accordance with formal grammar since the WRFs whose main characteristic is to talk about the formal operation of the language, which does not always maintain what occurs in the child’s morphology language acquisition, once the movement from predictable to unpredictable is clear. It was also possible to notice the advantage taken by assuming the Saussure analogy to explain that lexical innovation is not only to account data that it is not explained by well-specified rules but also to recognize that the child is subjected to language fundamental mechanisms, syntagmatic and associative relations.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 1

1.1 O problema ………... 1

1.2 O objeto ………... 8

1.3 Inovações lexicais na fala da criança ………... 10

2 LIMITES DA INOVAÇÃO LEXICAL ………...…... 19

2.1 Morfologia lexical ………... 19

2.2 Regra ... 23

2.3 Produção e produtividade lexical... 28

2.4 Restrições à produtividade lexical …... 32

2.5 Bloqueio ... 35

3 CAMINHOS DA INOVAÇÃO LEXICAL ………...…... 37

3.1 Interacionismo conforme De Lemos ………...…... 37

3.2 O ideário saussuriano sobre formação de palavras ………...…... 43

3.2.1 Princípios gerais da teoria saussuriana ………... 44

3.2.2 A formação de palavras segundo Saussure …... 61

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4 OS DADOS DE AQUISIÇÃO: ANÁLISE E DISCUSSÃO …... 73

4.1 Coleta e natureza dos dados ………... 73

4.2 À procura de limites ………... 75

4.2.1 Recapitulação: o problema dos limites ………... 97

4.3. Explicação dos caminhos ………...……... 98

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ………...…... 123

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ………... 129

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Dedico esta dissertação à minha família, que é e sempre será a causa e a razão das minhas conquistas.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Paulo e Ana, por me darem a vida, pelo apoio incondicional e, principalmente, por me deixarem livre para fazer minhas próprias escolhas.

A pessoa sem a qual este trabalho não seria possível: a Profa. Rosa que, durante esses anos de trabalho juntas, me ajudou não só na escolha do tema, na correção dos textos e na indicação de leituras, mas também me incentivou e inspirou na vida acadêmica.

A Glória Carvalho e a Irani Maldonade pela gentileza em fazerem uma leitura cuidadosa do meu trabalho e importantes considerações durante a qualificação e a defesa.

A Maria Fausta Pereira de Castro e a Silvana Perottino por aceitarem fazer parte da banca de defesa.

A todos os colegas da turma de graduação em Linguística de 2009, aos colegas da pós-graduação, as companheiras do GPAL, aos professores do departamento de Linguística e aos funcionários do IEL/ UNICAMP pelo crescimento acadêmico e pessoal.

Ao CNPq pela bolsa de Mestrado que me permitiu desenvolver a pesquisa que deu origem a esta dissertação.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 Exemplo de neologismo “Zeca-feira” ………... 8

Figura 2 O teste do Wug de Berko ………... 25

Figura 3 As regras da palavra “unmindfulness” ………...…... 27

Figura 4 Eixos ………... 50

Figura 5 Relações sintagmáticas e associativas ………..…... 57

Figura 6 Relações associativas ………... 60

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 Produtividade da flexão de plural ………... 28

Tabela 2 Produtividade da derivação ………... 28

Tabela 3 Inovações em -dor ………...………... 84

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INTRODUÇÃO

Nesta seção serão introduzidas as questões centrais a serem tratadas na dissertação. Para tanto, apresentaremos em 1.1 o problema que motivou a pesquisa; em seguida, em 1.2, discutiremos o conceito de neologismo, de modo a definir o objeto da investigação; e, por fim, em 1.3, faremos uma resenha bibliográfica mostrando como as inovações lexicais vem sendo tratadas nos estudos da Aquisição de Linguagem e como nosso trabalho se põe em relação com essas pesquisas.

1.1 O problema

Um dos aspectos fundamentais no desenvolvimento linguístico da criança é, sem dúvida, a aquisição da morfologia. Definida como “o estudo das formas das palavras (flexão e derivação)” (DUBOIS et al., 1973, p. 421), ainda que essa seja apenas uma pequena parte da gramática de uma língua, seu estudo pode dar grandes contribuições para o conhecimento de como se dá processo de aquisição de linguagem. Tal fato não é novidade em estudos de área, uma vez que são muitos os trabalhos que se dedicaram a essa questão. A dissertação de Costa (1976), um dos primeiros trabalhos de Aquisição Linguagem do IEL/UNICAMP, é um exemplo de que a aquisição da morfologia é uma questão de interesse nessa instituição desde os tempos de sua fundação. Já trabalhos como os de Maldonade (1995, 2003) comprovam que essa área continua a ser importante para os estudos de aquisição de linguagem.

Uma questão relevante ao estudo da aquisição da morfologia é, certamente, sua interação com o léxico quando se trata das inovações, ou seja, das palavras novas formadas através dos processos de derivação e composição numa determinada língua. Detendo-se a isso, autores como Clark (1982, 1993), Bowerman (1982), Figueira (1995a, 1995b, 1996,

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1999, 2010a, 2010b, 2012a), Santos (1997) e Cauduro (2001) teceram suas considerações sobre a importância da inovação lexical no domínio específico da aquisição de linguagem pela criança. Acrescenta-se a esse conjunto o trabalho de Vieira (2010, 2011,2012) desenvolvido como Iniciação Científica na área de Aquisição de Língua Materna.

A criatividade lexical é um fenômeno muito encontrado na fala das crianças em processo de aquisição de linguagem. Como atestou Figueira (1995b, 1996, 1999), observam-se em sua fala palavras compostas como “tira-cainha” e “dureque de medir” (para “palito de dente” e “fita métrica”), palavras novas para nomes de agente e instrumento como “pinteiro” (para “pintor”) e “pintadeira” (para “caneta hidrográfica”), formam adjetivos como “dormideira” (para “dorminhoca”), verbos como “deslaçar” (para “tirar o laço”) e, como atestou Cauduro (2001), observam-se novos sentidos em palavras já conhecidas como “bolsista” (para “possuidor de bolsa – acessório feminino”)1. A inovação

lexical da fala da criança recobre, portanto, os mais diferentes fenômenos e leva ao aparecimento de palavras e expressões que não são encontradas no léxico do adulto. A título de ampliar a discussão, mostra-se o seguinte episódio:

(1) (No refeitório da escola durante o almoço) P1.: O que você vai comer Matheus?

Mt1.: Eu queria comer pizza… P2.: Mas pizza não tem.

Mt2.: Mas a gente podia ligar e o pizzeiro2 trazia a pizza aqui, né?

(SANTOS, 1997 – 4;01.19)

Uma maneira de explicar esse episódio seria dizer que a inovação lexical

1 Dados dos sujeitos observados por Figueira também oferecem exemplos desse fato. Esse é o caso de “aguar” usado no sentido de revolver a água e “unhar” com o sentido de lixar as unhas (FIGUEIRA, no prelo (a)).

2 Conforme uma busca na internet pôde comprovar (Cf. MITULA, 2015), a palavra “pizzeiro” é usada no Português Europeu para designar pessoas que tem por profissão fazer pizzas. Já no âmbito do PB, como observamos em Borba (2004), essa função é exercida pela palavra de origem italiana “pizzaiolo”.

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“pizzeiro”3 revela a aplicação de uma regra, como descrita pela Regra de Formação de

Palavra (RFP) (Cf. seção 2.2), abaixo, em que X representa a base especificada

categorialmente em S (substantivo) que, quando adjungida ao sufixo –eiro, dá origem a um item lexical também especificado em termos categoriais e morfológicos, representado pelo S (substantivo) e em termos sintático-semânticos, representado por Ag (agente), indicando um nome que designa profissão.

RFP de -eiro:

a. [X]s (+ concreto) → [[X]s eiro] s Ag “profissional de X”

No sentido de propor regras para a formação de palavras para a fala do adulto, linguistas tais como Aronoff (1976), Basílio (1980, 1987) e Rio-Torto (1998, 2007), de perspectivas teóricas diferentes, abordaram os processos de formação de palavras, buscando formular RFPs e averiguando a extensão de sua produtividade. Segundo Basílio (1999, p. 58), uma RFP será considerada produtiva se ela tiver a possibilidade de formar novas palavras no léxico da língua. Sendo assim, inúmeros fatores, que vão da ordem do semântico ao fonológico, devem ser levados em conta para que uma regra seja considerada produtiva.

Outra questão interessante de ser considerada sobre as RFPs é – segundo Areán-García (2009, p. 1573) – o fato de que, para além da regularidade na produção de palavras que elas apresentam, há uma grande quantidade de sufixos concorrentes (ex.: sufixos que designam nomes de ação: -ção, -mento, -dura, -agem, -ada; sufixos que designam substantivos abstratos: -eira, -ez, -eza, -idade, -ice, -ismo, -ia, -rude, -idão). No que tange o léxico do adulto, alguns estudos mostram que a escolha entre um ou outro afixo concorrente não é feita de forma tão aleatória. De uma forma geral, eles apontam que as línguas apresentam certas restrições que determinam a seleção de um determinado afixo em detrimento de outro (BASÍLIO, 1980, p. 15) (ex.: o sufixo –ção é preferido em bases

3 O contexto do dado não deixa claro se “pizzeiro” é usado no sentido de “pizzaiolo” ou de “entregador de pizzas”.

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verbais terminadas em –izar. Sinalizar: sinalização, valorizar: valorização, organização: organização)4.

Acrescentamos que, segundo Sandmann (1988, p. 59), esses exemplos apontam que é da natureza das regras terem limitações, ou seja, há casos em que elas se aplicam e outros em que não se aplicam. Quando o que ocorre é a não aplicação, pode-se conferir a essa regra determinadas restrições. Dessa forma, assim como postula Rosa (2000, p. 89), as RFP não são produtivas em termos absolutos. Existem determinadas restrições lexicais da língua que fazem da regra produtiva ou não. Sobre o assunto, a autora disserta ainda:

Em primeiro lugar, uma RFP aplica-se a um determinado tipo de base […] Em segundo lugar, regras produtivas apresentam coerência semântica, isto é, o falante tem que poder prever qual o significado de uma nova formação (ROSA, 2000, p. 89)5.

Em terceiro lugar, ocorre a condição do bloqueio. Tal termo foi criado por Aronoff (1976) e designa a “não-produção de uma unidade lexical em virtude da existência anterior de outra forma” (SANDMANN, 1988, p. 15). Sendo assim, palavras como *“verdurista” seriam bloqueadas já que este lugar está por ocupado por “verdureiro”. É importante ressaltar que, na literatura corrente, quatro ressalvas são colocadas em relação ao bloqueio. A primeira é que palavras, aparentemente sinônimas, podem desenvolver diferentes funções morfossemânticas (ex.: “jornalista” e “jornaleiro”); A segunda é que a seleção de RFPs diferentes pode indicar um caráter estilístico ou de variação regional (ex.: “fumante” e “fumador”)6; A terceira é que entre RFPs muito produtivas e que alternam

entre si nem sempre uma forma bloqueia a outra (ex.: “internamento” e “internação”) (ibid., p. 15); E a quarta é que, como já observamos, na linguagem da criança são encontrados muitos casos de não-bloqueio (ex.: “pizzeiro” e “pizzaiolo”).

Retornamos agora o exemplo em (1) o qual, durante essa dissertação será seguido de outros. Isso abre para o nosso trabalho outra maneira mais interessante de explicar as inovações lexicais na fala da criança que consiste em trazer da teorização

4 Cf. Coutinho (1976).

5 Sandmann, em seu texto de 1991, aponta para outros tipos de restrições. A saber: restrições de ordem pragmática, restrições fonológicas, restrições morfológicas, restrições semânticas, restrições sintáticas e restrições sintagmáticas. Essas serão retomadas na seção 2.4.

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saussuriana o conceito de analogia. Procuraremos discutir se esse é compatível com a teorização interacionista. Como sabemos, nessa teorização as inovações lexicais determinam de um modo fundamental a explicação do processo de aquisição de linguagem, uma vez que, para pesquisadores dessa linha teórica, as ocorrências divergentes (termo usado por Figueira (1996) em substituição a “erro”7) são evidências de um momento em

que a criança, estando em processo de captura (DE LEMOS, 2003) pelas malhas do funcionamento da língua, apresenta em sua fala produtos que remetem a relações entre formas e estruturas linguísticas. Nem sempre convergentes com o esperado no uso corrente adulto.

Além de “pizzeiro”, muitas palavras são possíveis de serem formadas em Português Brasileiro8, como mostram as inovações lexicais da fala da criança e, também, da

fala do adulto. Inseridos na perspectiva interacionista, que se alia de modo fundamental às ideias saussurianas, pois acolhe sua concepção de língua9, assumimos que quaisquer que

sejam essas palavras, elas serão explicadas não por regras, mas através do “modelo saussuriano de Morfologia”, do qual Maroneze destaca os seguintes aspectos:

• A palavra é vista como um todo não-segmentável; • As palavras estabelecem relações associativas entre si;

• Fonológicas, quando o elemento em comum diz respeito ao significante;

• Semânticas, quando o elemento em comum diz respeito ao significado;

• Morfológicas, quando o elemento em comum diz respeito a ambos simultaneamente. Nesse sentido, dizer que determinada palavra possui determinado morfema equivale a dizer que tal palavra estabelece relações associativas com outras palavras que apresentam em comum uma cadeia fônica semelhante e um elemento significativo semelhante.

• A formação de palavras se dá por analogia, estabelecendo relações 7 Para a autora, o termo “ocorrência divergente” é mais adequado para tratar da fala da criança, uma vez que está livre da carga negativa e da oposição com “acerto”.

8 Doravante PB.

9 Uma explanação detalhada de como a teoria saussuriana dá importantes contribuições ao interacionismo, advindo dos trabalhos da profa. Cláudia Lemos, pode ser encontrado em seu texto de 1992, bem como está recoberto nos artigos de Figueira (2010a, 2010b, 2012) e de Pereira de Castro (2010).

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associativas com palavras já existentes na língua;

• Uma palavra é produtiva (ou seja, é capaz de servir como modelo analógico para formar outras) na medida em que é passível de ser “decomposta” (MARONEZE,2008, p. 2-3).

Ao levar isso em consideração, uma abordagem do conceito de analogia se faz, portanto, eminentemente necessária. Como pudemos averiguar em trabalho anterior10,

Saussure (2006 [1916], p. 187) define uma forma analógica como sendo uma forma feita a imagem de outra ou de outras, segundo uma regra determinada. A analogia pressupõe, portanto, a “consciência e a compreensão de uma relação que une as formas [modelo e imitação] entre si” (ibid., p. 191)11. Além disso, para a formação de uma palavra nova via

analogia, o sujeito falante deverá tomar as formas em conjunto (não as decompondo em unidades menores) e colocá-las no mecanismo intitulado quarta proporcional. Assim sendo, quando se forma uma palavra como “pizzeiro”, necessita-se, por um lado, reconhecer, através da comparação das formas no eixo associativo, a relação que as une e, por outro, aplicá-las ao mecanismo da quarta proporcional, como exemplificamos abaixo:

verdura: verdureiro = pizza: x x= pizzeiro

O exemplo de quarta proporcional acima mostra que, tendo em vista o valor dos signos a (“verdura”), b (“verdureiro”) e c (“pizza”), obter-se-á o valor da quarta proporcional, o valor do signo x, recorrendo a propriedade fundamental das proporções (a igualdade entre as razões), assim a estará para b, como c estará para x. Entende-se, com

10 O referido projeto intitulado “Inovações Lexicais na Fala da Criança: A Contribuição das ideias Saussurianas para Sua Análise” teve por objetivo principal averiguar como as passagens, tanto do Curso de

Linguística Geral quanto dos Escritos de Linguística Geral, que se dedicam ao fenômeno analógico, podem

dar importantes contribuições ao estudo da fala da criança.

11 As relações entre a linguagem e o grau de consciência no mecanismo analógico devem ser tratadas com um pouco mais de cuidado quando se tem em conta a fala da criança. Se, assim como mostra Saussure, a consciência for entendida como a reflexão acerca de um ato e, se encararmos esse ato como a criação de uma palavra nova ou a atribuição de um novo sentido a uma palavra já conhecida, dificilmente será possível averiguar uma consciência da criança sobre o que está fazendo, pois ela não sabe que está criando uma palavra nova, o que caracteriza precisamente a segunda posição e a noção de sujeito capturado, conceitos que serão discutidos na seção 3.1.

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isso, que se existem signos como “verdureiro”, que se formam por estar numa relação associativa com itens como “verdura” e “jornaleiro”, é possível que exista um signo como “pizzeiro” que se forme por estar numa relação associativa com itens como “pizza”, “verdura”, “verdureiro”.

Tendo em vista essa duplicidade nas vias explicativas para o fenômeno de inovação lexical, o objetivo geral que norteia essa pesquisa é mostrar que o conceito saussuriano de analogia oferece mais vantagens para a compreensão do processo de aquisição de linguagem, uma vez que ele aponta para a multiplicidade de caminhos que a própria língua oferece para a formação de palavras novas, diferentemente das regras que apontam para os limites. Pode-se dizer, assim, que tal questão interessa na medida em que se terá em vista o objetivo não só de se descrever como a criança chega a adquirir certas estruturas linguísticas (ora já consolidados no conhecimento linguístico do adulto), mas também promover um debate relevante sobre os modelos teóricos propostos para a explicação do processo de aquisição de linguagem.

Assumiremos a hipótese de que o mecanismo analógico oferece mais vantagens para a explicação das ocorrências na fala da criança do que o conceito de RFP porque, como Figueira mostrou em trabalho de 2010a, as inovações lexicais da fala da criança apontam para movimentos inesperados que levam a reconhecer furos no gramaticalmente possível, apontando para um caráter tanto previsível como imprevisível desse tipo de fato linguístico. Além disso, autores como Basílio (1997), Maroneze (2008) e De Bona (2014) já apontaram que, mesmo para a fala do adulto, as ideias advindas da obra de Saussure são fundamentais para resolver certos impasses descritivos que a noção de RFP não é capaz de resolver.

Para testar essa hipótese, apresentaremos detalhadamente cada um desses conceitos, inserindo-os em quadros teóricos relevantes (na seção 2 a noção de regra e na seção 3 a noção de analogia). Em seguida, na seção 4, analisaremos os dados de inovação lexical que surgiram na fala de algumas crianças entre os 2 e 4 anos de idade. Por fim, na seção 5, chegaremos às considerações finais.

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1.2 O objeto

Não é novidade nos estudos linguísticos, nem mesmo ao observador leigo, que as crianças produzem palavras novas no período em que estão adquirindo a linguagem. Igualmente, não é novidade que muitos adultos também o fazem, como se vê na ocorrência abaixo, na qual o propagandista cria a palavra composta “Zeca-feira” para designar um dia da semana destinado ao consumo de cerveja. Da perspectiva teórica que assumimos, conforme discutiremos na seção 3, tal palavra só é formada pelo fato de ser possível colocá-la numa recolocá-lação associativa com outras pacolocá-lavras em Língua Portuguesa que designam os dias da semana: “segunda-feira”, “terça-feira”, “quarta-feira”, “quinta-feira” e “sexta-feira”, criando-se assim um modelo para tal inovação.

Figura 1 – Exemplo de neologismo “Zeca-feira” Fonte: http://logopeia.wordpress.com/, 2007.

Observa-se que, na literatura interessada no léxico, é comum a substituição do termo “inovações lexicais” por “neologismo” ou “neologismo lexical”, quando se quer diferenciá-lo da inovação sintática. Poderíamos, então, indagar se o termo “neologismo” aplica-se e pode ajudar na definição do fenômeno de inovação lexical na fala da criança da mesma forma que é aplicado à descrição do léxico do adulto.

De uma forma geral são denominados neologismos todos os elementos resultantes de um processo de criação lexical, podendo esses mobilizar unidades da própria língua ou elementos de outros sistemas linguísticos (ALVES, 1990, p. 5). Para determinar

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se tais elementos são criações ou não, pode-se assumir dois critérios: (1) o sentimento de neologia, ou seja, o fato de que uma unidade lexical é sentida como nova por determinada comunidade falante e (2) critério lexicográfico, ou seja, a unidade não está registrada em um dicionário (CORREIA; LEMOS, 2005, p. 16).

A definição de neologismo é ainda mobilizada da seguinte maneira em um artigo de Alves:

O conceito de neologia refere-se a todos os fenômenos novos que atingem uma língua. No nível lexical, foi definido por Guilbert (1975, p.31), que produziu relevantes estudos sobre a neologia lexical, como a possibilidade de criação de novas unidades lexicais, em razão das regras de produção incluídas no sistema lexical. O autor também considera neológicas as inovações lexicais recebidas de outros idiomas, os empréstimos. Outro importante estudioso da neologia, Jean-Claude Boulanger, definiu a nova unidade lexical, o neologismo, como “uma unidade lexical de criação recente, uma nova acepção de uma palavra já existente, ou ainda, uma palavra recentemente emprestada de um sistema linguístico estrangeiro e aceito numa língua” [...] (ALVES, 1996, p. 11).

É necessário ter em vista além disso que, segundo descrição do site do Projeto TermNeo (PROJETO...2013), o estudo da neologia se volta para unidades lexicais verdadeiramente atestadas e não para a possibilidade de formação de novas palavras. Ainda segundo essa descrição, tais inovações refletem as novas necessidades dos falantes e o desenvolvimento da sociedade. Seu estudo é, portanto, parte constituinte do estudo das mudanças linguísticas e deve ser compreendido como um fenômeno sociolinguístico.

Do pouco que foi exposto sobre o conceito de neologismo, algumas considerações podem ser feitas a respeito de sua aplicabilidade aos estudos de Aquisição de Linguagem. Observa-se, primeiramente, que uma conceituação geral de neologismo já coloca problemas uma vez que, na aquisição, não é possível observar que elementos de outros sistemas linguísticos sejam mobilizados pela criança. Salvo o caso de crianças bilíngues12. Além disso, dificilmente um sentimento de neologia poderá ser atribuído à

criança, já que o reconhecimento de que está criando uma palavra nova é um fato que passa muitas vezes despercebido a ela13. Uma evidência disso está em episódios em que a criança

permanece indiferente ao fato de que criou uma palavra nova, o que se confirma na

12 Não nos caberá aqui a descrição das inovações lexicais que surgem na fala de crianças bilíngues. Tal fato recobre uma outra ordem de questões que não serão aqui englobadas.

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repetição do dado, como se observa no exemplo abaixo:

(2) (J. observa com curiosidade que as canetinhas hidrocores da irmã tinham todas uma etiqueta com o nome)

J.: (para a mãe).Por que tem este papel na pintadeira? M.:O quê?

J.: Por que tem esse papelzinho na pintadeira? M.: Como chama isto?

J.: Pintadeira.

(FIGUEIRA, 1995b – 3; 11.26)

Complementarmente, devemos notar que as palavras novas da criança em nada refletem o desenvolvimento de uma sociedade ou a necessidade de uma comunidade de falantes. Essas refletem na verdade, como esmiuçaremos adiante (Cf. seções 3 e 4), o processo de captura do sujeito pela língua.

Apesar dessas diferenças, não se pode ignorar que muito do que acontece na fala da criança se assemelha àquilo que é produzido pelo adulto e recebe o nome de neologismo, quando se considera que um neologismo é, grosso modo, uma nova unidade lexical, ainda não registrada e dicionarizada. Devido às diferenças essenciais abordadas, não se empregará o termo “neologismo” para fazer referência à fala da criança. Ao invés do, preferir-se-á o termo “inovações lexicais”, conforme também empregou Figueira em seu texto de 1995b.

1.3 Inovações lexicais na fala da criança

Conceituado o objeto central dessa pesquisa, passa-se a observar estudos que a

13 É importante notar que, assim como afirmou Figueira (comunicação pessoal), em muitos casos ocorrem improvisações na fala do adulto não premeditadas a serem ou não adotadas pela comunidade. O sentimento de neologia poderá nesse caso ocorrer a posteriori.

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ele se dedicaram na área de Aquisição de Linguagem. Dentre os autores interessados na aquisição do léxico, destacaremos os trabalhos de Clark (1982, 1993), para o inglês, francês e alemão, e os trabalhos de Figueira (1995a e subsequentes) para o PB.

Em seu texto de 1993, Clark apresenta sua posição teórica. Argumenta, primeiramente, que léxico tem primazia sobre qualquer outro nível linguístico, quando se trata de aquisição de linguagem, já que é a partir dele que as crianças fazem generalizações sobre os tipos de palavras, aprendem as categorias sintáticas e fazem relações gramaticais. Nesse mesmo texto, a autora aponta para o fato de que a criança vem a conhecer o léxico de sua língua tanto pela aquisição de palavras estabilizadas quanto pela formação de novas palavras, as quais põem em evidência que a criança está aprendendo o processo requerido pela língua para formação de palavras.

É sobre esse último modo de aquisição do léxico que a autora se detêm no artigo de 1982, no qual disserta que a criança apresenta uma ampla criatividade lexical, exemplificada pela criação de novos nomes para agentes e instrumentos como “lessoner” (para “professor”) e “winder” (para “máquina de fazer sorvete”), assim como pela criação de novos adjetivos como “bumpy” (usado para uma porta que estava batendo) e pela criação de verbos como “lawning” (para “mover a grama”). Ao pesquisar as inovações lexicais na fala da criança, sua investigação se orienta para duas perguntas fundamentais: (a) Por que as crianças criam palavras novas? (b) Como elas o fazem?

Sobre a questão em (a), Clark (1982, p. 391) afirma que a causa da existência de inovações lexicais na fala da criança está relacionada à função comunicativa da linguagem. Entende-se, com isso, que as crianças podem criar palavras novas para expressar significados na tentativa de estabelecer uma comunicação com o interlocutor e significar o mundo que estão conhecendo. Não se pode, obviamente, pressupor que com essa atividade a criança tenha consciência de que está criando palavras novas, bem como não se pode atribuir a ela intenções de renovar o léxico. Embora o interlocutor adulto possa, por vezes, observar na criança a necessidade de nomear urgentemente algo no contexto de interação.

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crianças produzem inovações lexicais combinando palavras e morfemas (lexicais ou gramaticais) que elas já conhecem, expressando assim uma variedade de novos sentidos. Nota-se como isso fica evidente em uma análise mesmo que superficial para o dado abaixo, em que se observa uma forma derivada do nome “mágica” acrescido do sufixo -ar encontrado em verbos, tais como “pular” e flexionado em gerúndio, a exemplo de “pulando”.

(3) (Na sala de aula durante uma atividade de contagem de história)

Mt1.: Daí a Sininho apareceu magicando, cheia de estrelinhas brilhantes e deu uma bronca no Peter.

(SANTOS, 1997 – 4;04.00)

Orientada por essas questões, a autora tenta argumentar em seu texto que a criança aprende desde muito cedo que a língua pode ser usada de um modo criativo e que esse conhecimento tem um papel fundamental na aquisição da linguagem. Para isso pauta sua discussão em três questões fundamentais: Primeiro, qual o limite da produtividade das inovações das crianças e por que elas as usam? Segundo, qual a relação entre as inovações das crianças e as dos adultos? Terceiro, qual a forma que o processo de inovação toma? Ou seja, esse processo se sustenta a partir de uma regra ou de uma analogia?14

A fim de encaminhar essas questões, a autora se volta para o estudo dos verbos denominais em língua inglesa, francesa e alemã. Descreve, em primeiro plano, que as inovações que surgem nesse contexto não são puramente denotativas (ex.: “cachorro”), nem indexais (ex.: “ele”), mas sim são contextuais. Isso significa que as inovações possuem um grande número de sentidos potenciais, que sua interpretação depende do contexto e que essa demanda cooperação entre o falante e o ouvinte. De maneira a atender esses aspectos, as inovações devem sempre ser regidas por convenções adquiridas gradualmente. Tais convenções determinam principalmente que existem restrições para que se formem verbos

14 Em trabalho recente, Clark (2013) não menciona o problema da analogia vs. regra. Ao invés disso, parece se voltar à indagação: regras ou esquemas.

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denominais nas línguas por ela estudadas. Importante acrescentar sobre esse assunto que o que Clark trata como restrição, refere-se a um fenômeno semelhante ao que se denomina bloqueio, que será abordado na próxima seção.

Depois dessa discussão preliminar, Clark se volta para algumas questões e hipóteses mais específicas que regem seu trabalho. Dentre essas está a questão do mecanismo exigido para a formação de novas palavras: Seriam essas formadas por analogia ou regra? – Questiona-se a autora. A fim de desenvolver tal debate, disserta:

Children could take a particular term already in their repertoire and construct a new one by analogy, say he pair jump/jumped as a model for bump/bumped, or they could abstract a rule as “Add –ed to all verb stems to express past time” and use that (CLARK, 1982, p 391)15.

A discussão introduzida por Clark remete à questão colocada em 1.1, ou seja, as inovações lexicais podem ser compreendidas de duas maneiras: (1) como frutos de um processo de analogia, para a qual tem que haver, necessariamente, um par que sirva de modelo para a formação de uma palavra nova; e (2) como derivadas da construção de uma regra que envolva o reconhecimento de uma forma linguística. Apesar de parecer, a resposta para essa questão não é tão simples, uma vez que, como afirma Clark (ibid., p.396), nenhuma pesquisa que a englobou conseguiu contrastar analogia e regra. Segundo a autora os dois fenômenos atuam em um continuum.

A autora, nesse mesmo texto de 1982, mostra a partir de um estudo sobre os verbos denominais que a hipótese da regra é mais plausível para a explicação de seus dados. Sua hipótese é a de que mesmo que use muitas categorias de verbos presentes na fala do adulto, a criança usa também muitas que não estão nessa fala, portanto, não é possível que exista um argumento a favor da analogia. A autora acrescenta ainda que a tese da analogia só seria possível se se pudesse averiguar nos verbos bem estabelecidos da fala da criança e do adulto modelos em potencial. Mesmo que esses sejam encontrados, a hipótese de regra não deveria ser abandonada.

15 Tradução minha: “As crianças poderiam tomar um termo em particular que já está em seu repertório e construir um novo termo por analogia, diz-se que o par jump/jumped é um modelo para bump/bumped, ou elas poderiam abstrair uma regra como “adicionar –ed em todos os verbos para expressar o passado” e usá-la”.

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Outras hipóteses interessantes são também trabalhadas pela autora nesse texto. A primeira hipótese é a de que a criança não conhece todas as partes da convenção para usar os nomes como verbos denominais, assim elas podem produzir tanto inovações legitimas, quanto ilegítimas. No entanto, o número de inovações ilegítimas que elas produzem deve cair com o tempo. A segunda hipótese é de que existem muitas fontes para as inovações das crianças. A primeira delas pode ser o conjunto de verbos denominais já estabelecidos em seu vocabulário e a segunda fonte poderia ser os verbos produzidos pelos adultos.

A última questão importante levantada em sua investigação diz respeito à produtividade das inovações lexicais na fala da criança. O argumento da autora é que algumas categorias de novos verbos denominais são mais frequentes que outras e que, como já dissemos, algumas categorias que aparecem na fala do adulto não estão presentes na fala da criança. Tal aspecto segundo sua discussão, justifica ainda mais a hipótese de que para criar verbos denominais a criança faz uso de uma regra que é direcionada por necessidades semânticas.

Abordados os trabalhos de Clark (1982, 1993), em suas hipóteses e questões, passa-se a observar o segundo autor que se dedicou aos estudos das inovações lexicais: Figueira (1995a e trabalhos subsequentes). A aproximação de Figueira com os dados de inovação lexical se faz por um viés diferente de Clark. A autora se vale de dados desse tipo em uma proposta mais rica que elege o “erro” como indício dos movimentos da criança na sua relação com a linguagem e como evidência da noção de captura do sujeito pela língua (Cf. seção 3.1), ou seja, como “dados de eleição”16. Para tanto, tem como horizonte

empírico os episódios que procedem dos corpora de A. e J., crianças cujo processo de aquisição do português como língua materna foi observado longitudinalmente e cujas produções linguísticas foram anotadas em Diários ou registradas em gravações sistemáticas com intervalo de uma semana entre uma sessão e outra.

Com base nesses dados, em texto de 1995a, a autora define os “erros” como sendo aquelas ocorrências que aparecem na fala da criança e que lhe são particulares, ou

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seja, não se apresentam no repertório linguístico do adulto. São, portanto, para a autora, exemplos de “erros”:

[…] ora aquilo que é percebido pelo observador casual como uma “troca do item verbal” (por exemplo, o uso de um item não-causativo por causativo, como Eu vou sair você do berço, Eu vou morrer essa (planta), ora o fenômeno que é descrito como “criação de novos itens” (por exemplo, “novos verbos” prefixados por DES-, como desfecha, deslimpa, desmurcha”), ora o fenômeno da regularização de padrões de conjugação ou de formas irregulares (por exemplo, as ocorrências de ouçava, estava tossando, ou outras mais comuns sabo e fazi) (FIGUEIRA, 1995a, p. 147).

Pode-se observar, a partir do trecho acima, que sob o rótulo de “erro” se encontram os mais diversos fenômenos linguísticos da fala da criança – dentre eles as inovações lexicais – que tem por característica principal divergir daquela fala tomada como padrão, a fala do adulto.

Nesse mesmo texto, Figueira se detêm sobre a oposição entre os “erros reorganizacionais”17 e um tipo de “erro” chamado de “enigmático”, exatamente por

demandar interpretação. Para tanto, debruça-se sobre dois tipos de ocorrências: formações como “diquenta” (para “esfria”), em (4), que revelam a sensibilidade da criança ao significado que o prefixo des- possui e dados como “dilipe”, em (5), nos quais a falta de um significante que faça sentido (= “lipe”) é contrabalanceada, justamente, pela presença do sufixo des-. A conclusão a que chega a autora nesse artigo é que os dois tipos de “erros” mantêm uma relação de interdependência, uma vez que “aquilo que é da ordem do todo […] da regra, é que permite fazer surgir o que é da ordem do não-todo, do singular. Não há um com exclusão do outro.” (FIGUEIRA, 1995a, p. 60).

(4) (A vai tomar leite; este está muito quente; a mãe intervém) M.: Ta quente.

A.: Então diquenta. M.: Quê?

17 “Erro reorgnizacional” foi o termo cunhado por Bowerman (1982) para aquelas ocorrências divergentes da fala do adulto que apareciam na fala da criança, após um período inicial de aparentes “acertos” e que se caracterizavam, portanto, por serem construídos pela criança, a partir da reorganização de um conhecimento anterior.

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A. Então diquenta um pouco, né? (FIGUEIRA, 1995a – 3; 11.10)

(5) (Com o guarda-chuva aberto, A pede à mãe) A.: Dilipe aqui meu guarda-chuva.

M.: O que é “dilipe”, bem?

A (recusando-se dizer). Abaixa aqui prá mim,vai… (FIGUEIRA, 1995a – 4; 1.27)

Na direção de alimentar os debates sobre o “erro” estão vários outros textos emblemáticos da autora, como seu artigo de 1995b. Nele a autora escolhe tratar dos deverbais que, em sua opinião, são capazes de mostrar o caráter tanto previsível, como imprevisível dessas ocorrências na fala da criança. O texto se divide em duas seções. Na primeira, Figueira trata das derivações regressivas e na segunda, das reduções ou abreviações de palavras, fenômenos surpreendentes que revelam relações inesperadas constituídas entre significantes e significados. Nesse texto é interessante notar também como a autora, sem que esse fosse um empreendimento recorrente, introduz a obra saussuriana para a análise dos seus dados, evocando a teorização sobre as relações sintagmáticas e associativas e sobre a limitação do arbitrário.

Já em seu texto de 1996, intitulado “O erro como dado de eleição nos estudos de Aquisição de Linguagem”, Figueira toma para si a tarefa de mostrar que os “erros” são evidências de um momento em que a criança, sem que isso seja um processo consciente, dá a ver relações de regularidade entre formas e estruturas linguísticas, o que leva a construção de subsistemas. Além disso, a importância da investigação dos “erros” está, para a autora, em possibilitar visualizar que tais ocorrências aparecem na fala da criança em um momento posterior a outro, em que formas ditas “corretas” são predominantes, fato que implica em rejeitar uma hipótese cumulativa para o desenvolvimento da linguagem (Cf. BROWN, 1973).

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Nas últimas incursões sobre o “erro” (FIGUEIRA 2010a, 2010b), a autora tem levado adiante a tarefa iniciada anteriormente, a de recorrer a Saussure para investigar suas contribuições na análise desse tema. No texto de 2010a, a autora procura mostrar que algumas passagens do Curso, bem como algumas dos Escritos, orientam para uma revisão da noção de overextension18, muito difundida nos estudos da Aquisição de Linguagem. Isso

se justifica pelo fato de que, ao se voltar para a aquisição da morfologia verbal, a autora nota uma variação transbordante justamente entre os bem-comportados verbos regulares. Além disso, tanto nessa quanto na publicação posterior, ganha saliência em sua argumentação o episódio abaixo:

(6) (a empregada, mãe e filha tiram o pó dos móveis para levá-los para a outra casa; a mãe tinha dito à primeira para limpar os móveis)

A (repetindo para a empregada). Minha mãe falou para dilimpar. M (interessando-se). Como é, minha filha?

A.: Cê falou prá dilimpar, não é? (FIGUEIRA, 1999 – 4; 9.3)

A autora se vale desse dado para mostrar que o encaminhamento descritivo para esse e outros episódios assemelhados contempla Saussure e a teoria do valor. Sobre isso, assinala a autora: “[...] não se poderá dizer que [os itens em questão] tenham o mesmo significado, nem o mesmo valor que seus supostos correspondentes no sistema linguístico adulto” (FIGUEIRA, 2010a, p. 125). Acrescenta ainda: “falar em marca redundante (ou efeito paradoxal) para dilimpar (= limpar) ou dimurchar (= murchar) é desconhecer o fato [...] de que as unidades do léxico da criança não coincidem, neste momento, com as do sistema linguístico adulto” (Ibid. – grifo da autora). Completa dizendo:

[…] é a teoria do valor que vem de encontro a estes achados empíricos, uma vez que contribui para fazer ver que os itens que comparecem na fala da criança, embora revestidos da mesma substância material do que aqueles que circulam na fala adulta, não têm a mesma posição, num sistema de valores. Fato que pode ser

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atestado de maneira simples: o limpar de A […] [no episódio 6] não prescinde da marca morfológica (FIGUEIRA, 2010a, p. 125).

A partir do exposto é possível notar a importância que a ocorrência divergente assume para um pesquisador de linha interacionista como Figueira. Mais do que estar associado à função comunicativa da linguagem, como propõe Clark (1982), o “erro” é evidência de um processo de captura que se dá pela mudança da relação que se estabelece entre criança, língua e outro. O erro, dado de eleição, expõe o que De Lemos (2002) considera a dominância do pólo da língua, ou segunda posição (Cf. seção 3.1).

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2

LIMITES DA INOVAÇÃO LEXICAL

Nesta seção será discutido o conceito de regra para que possamos compreender na seção 4 se as inovações lexicais da fala da criança, tal qual definidas anteriormente, inscrevem-se nos limites do gramaticalmente possível para as RFPs da Língua Portuguesa. Para tanto, apresentaremos em 2.1 um resumo do histórico das pesquisas em morfologia no Brasil, localizaremos a noção de regra no quadro teórico da Morfologia Lexical e apontaremos, nas subseções seguintes, as questões principais para a observação dos limites/restrições que operam nesse domínio.

2.1 Morfologia Lexical

O termo “morfologia” é definido, de maneira geral, como “o estudo da estrutura da palavra e/ou as variações de sua forma” (BASÍLIO, 2004, p. 73). Esse estudo confronta-se com problemas de definição de objeto, já que sua unidade de análiconfronta-se, ou confronta-seja, a palavra19

se inscreve em vários domínios da língua (ex.: sintaxe, fonologia, léxico, etc.). Tal fato, de acordo com Basílio (ibid.), leva a área a dois problemas de ordens distintas: (1) prejudicam a nitidez de um panorama de estudos morfológicos quanto à pertinência ou não de certas pesquisas e (2) fazem surgir questões dentro das próprias posições teórico-metodológicas. Assim, o campo de investigação se apresenta cindido em vários, não só pela dificuldade que a própria definição de palavra apresenta, mas também pelo foco que coloca cada perspectiva teórica.

Dessa forma é de esperar que a história do estudo da morfologia do PB como objeto de pesquisa sistemática seja marcada por fases distintas, das quais Basílio (1999)

19 Não nos deteremos, nessa dissertação, sobre a discussão do conceito de palavra, já que seu desenvolvimento requer por si só uma pesquisa. Assim, o leitor que quiser obter mais informações sobre o assunto deverá procurar em textos como o de Basílio (2004).

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destaca as seguintes: (a) o estruturalismo presente na obra de Câmara Jr. (1970, 1971) e (b) a Teoria Gerativa (CHOMSKY, 1970)20 e sua repercussão imediata no estabelecimento de

modelos de descrição lexical (HALLE, 1973; JACKENDOFF, 1975; ARONOFF, 1976) (BASÍLIO, 1999, p. 53).

A primeira fase da morfologia desenvolvida no Brasil foi marcada pela obra do linguista Câmara Jr. (1970; 1971), cujo trabalho foi influenciado pelo estruturalismo, mais precisamente pelo estruturalismo norte-americano21. A preocupação de pesquisadores desse

quadro teórico era a de identificar e classificar morfemas (tidos como a unidade morfológica por excelência), ou seja, a preocupação era de determinar a estrutura mórfica do vocábulo. Isso pode ser observado na própria definição de morfologia que propunham esses estudiosos.

Morphology is the study of morphemes and their arrangements in forming words.

Morphemes are the minimal meaningful units which may constitute words or parts of words, e.g. re-, de-, un-, -ish, -ly, -ceive, -mand, tie, boy, and like in the combinations receive, demand, untie, boyish, likely. The morpheme arrangements which are treated under the morphology of a language include all combinations that form words or parts of words (Nida apud MARONEZE, 2008, p. 9)22.

Os morfemas são entendidos, então, sob essa perspectiva teórica, como “elementos mínimos individualmente significantes nas elocuções de uma língua” (Hockett apud SILVA, 2001). Dessa forma, um morfema pode constituir sozinho um vocábulo. São as chamadas unidades monomorfêmicas (ex.: “rei”) que se opõem às unidades polimorfêmicas (ex.: “reis”).

Do ponto de vista metodológico, o estruturalismo procedia pela identificação de

20 Como escreve Sandalo, em seu texto de 2012, a Teoria Gerativa, a partir de seu surgimento, na década de 1960, teve inúmeros caminhos e desdobramentos no âmbito da morfologia. Nessa dissertação trataremos somente de uma, mas sugerimos ao leitor uma apreciação do texto mencionado para uma ideia completa da questão.

21 É importante ressaltar nesse ponto que, apesar de homônimas, a corrente estruturalista possui duas vertentes bem diferentes: A europeia e a americana. Enquanto a primeira se derivou das propostas de Ferdinand de Saussure, a segunda teve como maior representante Leonard Bloomfield.

22 Tradução minha: “A morfologia é o estudo dos morfemas e suas combinações na formação de palavras. Os morfemas são as partes mínimas que constituem as palavras ou partes das palavras, ex.: re-, de-, un-, ish, -ly,

-ceive, -mand, tie, boy e like em cobinações como receive, demand, untie, boyish, likely. As combinações de

morfemas, as quais são tratadas na morfologia de uma língua, incluem todas as combinações que formam palavras e partes de palavras”.

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morfemas através de um processo denominado “substituição e comparação de porções recorrentes” (Pickett apud SILVA, 2001). Assim, ao comparar vocábulos como “infeliz”, “independente”, “inseguro” e “indócil”, observava-se o prefixo in- como um elemento recorrente e atribuía-se a ele um significado.

Classificavam-se, então, os morfemas em dois tipos básicos, morfemas lexicais (radical) e morfemas gramaticais (afixos), e em vários outros tipos complementares como

morfema livre (aquele que ocorre sem a presença de outro elemento), morfema preso

(aquele que só ocorre na presença de outro elemento), morfema aditivo, morfema

subtrativo, morfema alternativo, morfema reduplicativo, morfema de posição, morfema zero, etc. Há também a conceituação de algo que Câmara Jr. (1970) chamou de “forma

dependente”, ou seja, aqueles morfemas que não são nem livres e nem presos, como é o caso dos clíticos, artigos, etc.

A partir do que foi exposto, pode-se concluir que a morfologia estruturalista, denotadamente americana, teve como enfoque principal o desenvolvimento de uma descrição bem apurada metodologicamente das línguas, uma vez que a intenção desses pesquisadores era a de proceder análises sobre línguas ameríndias, muitas vezes ágrafas. No entanto, esse tipo de morfologia falha em alguns aspectos que devemos considerar. Segundo Basílio, o maior problema dessa perspectiva é o seu foco central, o conceito de morfema.

[...] o morfema é definido em relação ao significado, cria-se um problema grave de análise, já que no léxico as palavras apresentam um significado global, que não é necessariamente uma função exclusiva do significado das partes. Como consequência, muitas vezes não podemos isolar o significado das partes do significado global, ou seja, muitas vezes temos os elementos constituintes de palavras que não podem ser definidos em termos de significado (BASILIO, 1987, p. 17).

Entende-se com isso que, apesar de desenvolver um programa metodológico eficiente, o estruturalismo norte-americano apresenta como limite a consideração do significado. Além disso, como acrescenta Sandalo (2012, p. 200), a análise estruturalista não tinha como preocupação fundamental entender porquê de certos afixos serem sufixos, prefixos ou infixos. Essa é uma preocupação que, como disserta a autora, está somente na

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Teoria Gerativa.

Essa teoria é justamente a que marca os estudos morfológicos brasileiros em sua segunda fase. Como bem se sabe, todo o programa de investigações da Gramática Gerativa se inicia no final na década de 1950 com a tese de doutoramento de Noam Chomsky (1957). O ponto crucial desse programa, ou seja, seu axioma é a “compreensão dos estados da mente/cérebro que sustentam o conhecimento da linguagem, sua natureza, origens e uso” (PEREIRA DE CASTRO; FIGUEIRA, 2006, p. 75). Chomsky e seus seguidores assumem que todos os seres humanos são dotados de uma “faculdade da linguagem” que é um componente da mente/cérebro específico para a língua. Dito de outra forma, para essa perspectiva “o conhecimento da linguagem é interno à mente/cérebro humano” (NEGRÃO; VIOTTI; SCHER, 2011, p. 96). Por isso, o estudo da linguagem tem foco na Língua-I, termo que substitui o que se conhecia por “competência” e designa a entidade mental que sustenta a linguagem. Por “competência”23, entende-se aquilo que

determina o conhecimento – constituído por regras – que o sujeito falante tem sobre sua língua e permitem a ele dizer o que é gramatical e o que agramatical dentro da língua. A competência lexical seria, assim, a capacidade que o sujeito falante tem para formar e entender palavras novas “ao mesmo tempo em que evita formações não previstas pelo sistema [...] e é capaz de julgar boas ou más as que compreende como receptor” (SANDMANN, 1988, p. 13).

A competência lexical corresponde não (apenas) ao conhecimento das palavras da língua, mas (também) ao conhecimento de um conjunto de regras, que representa a capacidade do falante de relacionar itens lexicais uns aos outros, analisar a estrutura interna das palavras e formar novas palavras (BASILIO, 2010, p. 2).

Já por gramática entende-se “o sistema de princípios que constrói as sentenças produzidas e interpretadas pelo falante de uma língua” (NEGRÃO; VIOTTI; SCHER, 2011, p. 115). De um modo resumido tem-se o seguinte:

23 A distinção competência e desempenho, faz parte de modo fundamental da constituição teórica da Teoria Gerativa. Segundo Ducrot e Todorov (1998, p 121), a competência de um sujeito falante é o conjunto de possibilidades que esse falante domina por ter adquirido certa língua, possibilidades que incluem formular frases e o julgamento de gramaticalidade. É, pois, um saber implícito dos sujeitos falantes (Ruwet apud LOPES, 2000, p. 194). Já o desempenho deve ser entendido em termos de “uma manifestação exterior e atualizada num dado, desse saber implícito” (Ibid.).

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A Gramática Gerativa assume que os seres humanos nascem dotados de uma faculdade da linguagem, que é um componente da mente/cérebro especificamente dedicado à língua. Essa faculdade da linguagem, em seu estado inicial, isto é, no estado em que ela está logo que a criança nasce, é considerada uniforme em relação a toda espécie humana […] Esse estado inicial tem sido chamado de Gramática Universal e é entendido como um conjunto de princípios linguísticos determinados geneticamente […] É por isso que a Gramática Gerativa tem como seus objetivos centrais: i. a descrição do conhecimento linguístico atingido por qualquer falante de qualquer língua; ii. a caracterização da Gramática Universal; e iii. a explicação dos processos que levam uma criança da Gramática Universal para o conhecimento de sua língua (ibid., p. 96 – 97).

De um ponto de vista mais específico é imprescindível observar primeiramente que, diferentemente do estruturalismo, o centro de análise da Morfologia Lexical24 está na

palavra e não no morfema. Segundo Maroneze (2008, p. 9 – 10), o foco dessa proposta são as chamadas “regras de formação de palavras” (RFPs) que são aplicadas a uma base e têm como resultado uma palavra derivada. As palavras novas são formadas pela aplicação de regras do tipo “adicione –eiro a uma base nominal para formar um nome de agente”. Desta maneira, como coloca Basílio (2010), tem-se o aparelho teórico-metodológico para o estudo da formação de palavras.

Assim, conforme explica Basílio (2010, p. 2) essa proposta segue as linhas gerais do gerativismo, mas as adapta ao objeto de estudo específico. Isso significa que:

[...] hipóteses são levantadas e formalizadas em proposições descritivas, cuja validade é medida por sua generalidade, relevância e decorrência de princípios gerais estabelecidos na teoria; e cuja adequação pode ser contestada pelas intuições dos falantes nativos e evidências fornecidas por dados de produção (BASILIO, 2010, p. 2).

2.2 Regra

Nota-se, primeiramente, que a concepção de morfologia se atrela de modo fundamental ao conceito de “regra”, como se observa no seguinte trecho retirado do

Dicionário Enciclopédico das Ciências da Linguagem:

[…] A morfologia trata das palavras, tomadas independentemente de suas 24 O termo “Morfologia Lexical” se refere a uma teoria específica do Programa Gerativo que considera que a existência do componente léxico. Para mais informações, considerar Chomsky (1970).

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relações na frase. De um lado, são distribuídas em diferentes classes, denominadas “partes do discurso” (nome, verbo etc.). De outro, indicam as variações que uma mesma palavra pode sofrer, dando as regras para a formação dos gêneros e dos números, para a declinação, para a conjugação (DUCROT; TODOROV, 1998, p. 59 – grifo nosso).

Segundo definição do Dicionário de Linguística (DUBOIS et al. 1973, p. 515), uma regra é “uma hipótese a respeito de um mecanismo da língua”. Poderia-se argumentar que uma explicação tão genérica como essa não seria útil na discussão dado que se tenta abordar na noção de regra os limites a que ela está sujeita. É preciso, então, buscar essa definição dentro de programas de investigação linguística. Na história dessa ciência, pode-se obpode-servar que a formulação de regras já estava prepode-sente desde o século XIX, com o grupo da Gramática Comparada, mas é na Gramática Gerativa que o conceito “regra” se torna essencial.

Nessa perspectiva teórica, de um modo geral25, as “regras” constituem o que se

entende por Gramática (ou Gramática Gerativa), uma vez que são elas que permitem ao falante nativo combinar as palavras de maneira a formar frases significativas. A regra nesse entendimento se insere profundamente na sintaxe da língua. Sobre isso, Pinker (1999, p. 7) escreve:

Grammar is an example of a combinatorial system, in which a small inventory of elements can be assembled by rules into an immense set of distinct objects (PINKER, 1999, p. 7)26.

Pinker (ibid., p. 6) descreve também três características importantes das regras: (1) Elas são produtivas, isso quer dizer que, elas permitem um número muito grande de combinações; (2) os símbolos contidos nas regras são simbólicos e, portanto abstratos, assim os símbolos ali contidos podem ser substituídos por quaisquer elementos, o que amplia a possibilidade de representação; (3) as regras são combinatórias, o que quer dizer que não existe um só slot (posição), mas vários que vão se combinando e dando origem a

25 Temos conhecimento que nem todos os programas de investigação científica que se inserem no quadro teórico gerativista trabalham com as regras da mesma forma. É o caso, por exemplo, da Teoria da Otimalidade (Cf. SANDALO, 2012).

26 Tradução minha: “A Gramática é um exemplo de sistema combinacional no qual um pequeno inventário de elementos pode ser transformado por regras em um imenso conjunto de objetos distintos”.

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novas construções.

Entender o conceito de regra na Teoria Gerativa, de uma forma geral, leva-nos a entender também como são os mecanismos de aquisição de linguagem, para essa perspectiva teórica. Segundo Pinker (ibid, p. 15), para essa teoria, a linguagem é ativamente adquirida por um mecanismo especial de formação de regras na mente da criança. Isso foi comprovado, por exemplo, a partir de testes sobre o nível morfológico da linguagem, como a flexão de plural e a flexão do passado em inglês que, como se sabe, forma-se de duas maneiras: irregular ou regular pela adição de –ed (BERKO, 1958). O que esses experimentos indicaram é que as crianças aplicam, em palavras que elas nunca ouviram, a flexão mais regular, o que evidencia o domínio de uma regra por parte da criança. Para a flexão de plural, reproduzimos abaixo o teste de Wug.

Figura 2 – O teste do Wug de Berko Fonte: Berko, 1953.

Sobre o experimento de Berko, Pereira de Castro e Figueira dissertam:

O objetivo: verificar se as crianças aplicavam a regra de formação de plural a palavras que nunca tinham ouvido antes. Um critério seguro para inferir a existência de regras: sempre que a criança tem que aplicar a regra a novos exemplos, isto poderia ser tomado como uma evidência de que ela tem domínio (implícito) de uma regra (PEREIRA DE CASTRO; FIGUEIRA, 2006, p. 81).

Do ponto de vista mais específico da Morfologia Lexical, essa perspectiva teórica, como coloca Sandmann (1988, p. 14), entende por regras “os vários conjuntos de regularidades ou constâncias abstraíveis das unidades que compõe atual ou potencialmente

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o léxico”, ou seja, são chamadas de Regras de Formação de Palavras (RFP) as regularidades ou modelos que subjazem ao processo que orienta a formação de unidades lexicais complexas novas (SANDMANN, 1988, p. 13). Tais regras são obtidas através da identificação de grandes eixos de regularidades morfossemânticas em produtos lexicais (RIO-TORTO, 1998, p. 50). Dito de outra forma.

[…] Regras de Formação de Palavras analisam formas já feitas ou executam uma operação fonológica sobre uma base especificada, com um produto predizível em termos sintáticos e semânticos, como em doleiro ou micreiro, a partir da adição de –eiro a substantivos (BASILIO, 1997, p. 10).

A fim de elucidar de uma maneira didática como se formulam as regras, Hayes (2009, p. 108) ensina que devem existir três informações básicas que precisam estar contidas em uma regra: a mudança da forma, a mudança de sentido e a mudança na classe gramatical. Assim, por exemplo, uma regra para a derivação –able, do inglês, deve ser escrita da seguinte maneira:

Afixação -able:

a. Verbo + able → Adjetivo

b. Verbo + able significa “capaz de ser VERBO”

Isso significa que um verbo, ao ser adjungido pelo sufixo –able, torna-se um adjetivo que significa “capaz de ser VERBO”. Considerando, por exemplo, o verbo “Wash” (lavar) e adicionando a ele o sufixo –able, tem-se um adjetivo “washable” que significa “capaz de ser lavado”, ou seja, “lavável”. Outra maneira de escrever essa regra é através de colchetes:

Exemplo de regra escrita em colchetes: a. [[ Wash]verbo able]adjetivo

As regras, assim descritas, também são capazes de expor a ordem de adjunção de morfemas em uma palavra multimorfêmica. Vejamos o exemplo proposto por Hayes (ibid., p. 111) da palavra inglesa “unmindfulness” em que o autor mostra a ordem das

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regras aplicadas.

Figura 3 – As regras da palavra “unmindfulness” Fonte: Hayes, 2009.

Assim, as abordagens morfológicas que se baseiam em regras necessitam de um mecanismo que opera com generalizações sobre dados que indicam o contexto e as mudanças fonológicas que podem sofrer esses dados. Além disso, nesse tipo de abordagem, há a necessidade de que os modelos sejam exatamente iguais. Sobre essas duas questões Albright e Hayes escrevem:

Under a rule-based approach, on the other hand, the influence of existing words is mediated by rules that are generalized over the data in order to locate a phonological context in which the [...] change is required, or at least appropriate (ALBRIGHT; HAYES, 2003, p. 121)27.

The rule-based approach requires that fling, sting, etc. be similar to spling in exactly the same way, namely by ending in /I˛/. The structural description of the rule provides the necessary and sufficient conditions that a form must meet in order for the rule to apply (ibid) 28.

A partir disso pode-se concluir que as regras, do tipo das RFPs, configuram-se por operar sobre bases categoriais, morfológica e semanticamente especificadas e por darem origem a itens lexicais morfológica, semântica e categorial especificados. Essas regras serão obtidas a partir de eixos de regularidades morfológicas e semânticas em modelos que se constituem exatamente da mesma forma.

27 Tradução minha: “Sob uma abordagem baseada em regras, por outro lado, a influência de palavras preexistentes é mediada por regras que são generalizadas a partir de dados para localizar um contexto fonológico no qual […] a mudança é requerida ou, pelo menos, apropriada”.

28 Tradução minha: “A abordagem baseada em regra requer que fling, sting, etc. sejam similares a spling exatamente da mesma forma, ou seja, pelo final em /I/. A descrição estrutural das regras oferece as condições necessárias e suficientes que uma forma deve encontrar na unidade para que uma regra seja aplicada”.

Referências

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