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O termo “morfologia” é definido, de maneira geral, como “o estudo da estrutura da palavra e/ou as variações de sua forma” (BASÍLIO, 2004, p. 73). Esse estudo confronta- se com problemas de definição de objeto, já que sua unidade de análise, ou seja, a palavra19

se inscreve em vários domínios da língua (ex.: sintaxe, fonologia, léxico, etc.). Tal fato, de acordo com Basílio (ibid.), leva a área a dois problemas de ordens distintas: (1) prejudicam a nitidez de um panorama de estudos morfológicos quanto à pertinência ou não de certas pesquisas e (2) fazem surgir questões dentro das próprias posições teórico-metodológicas. Assim, o campo de investigação se apresenta cindido em vários, não só pela dificuldade que a própria definição de palavra apresenta, mas também pelo foco que coloca cada perspectiva teórica.

Dessa forma é de esperar que a história do estudo da morfologia do PB como objeto de pesquisa sistemática seja marcada por fases distintas, das quais Basílio (1999)

19 Não nos deteremos, nessa dissertação, sobre a discussão do conceito de palavra, já que seu desenvolvimento requer por si só uma pesquisa. Assim, o leitor que quiser obter mais informações sobre o assunto deverá procurar em textos como o de Basílio (2004).

destaca as seguintes: (a) o estruturalismo presente na obra de Câmara Jr. (1970, 1971) e (b) a Teoria Gerativa (CHOMSKY, 1970)20 e sua repercussão imediata no estabelecimento de

modelos de descrição lexical (HALLE, 1973; JACKENDOFF, 1975; ARONOFF, 1976) (BASÍLIO, 1999, p. 53).

A primeira fase da morfologia desenvolvida no Brasil foi marcada pela obra do linguista Câmara Jr. (1970; 1971), cujo trabalho foi influenciado pelo estruturalismo, mais precisamente pelo estruturalismo norte-americano21. A preocupação de pesquisadores desse

quadro teórico era a de identificar e classificar morfemas (tidos como a unidade morfológica por excelência), ou seja, a preocupação era de determinar a estrutura mórfica do vocábulo. Isso pode ser observado na própria definição de morfologia que propunham esses estudiosos.

Morphology is the study of morphemes and their arrangements in forming words.

Morphemes are the minimal meaningful units which may constitute words or parts of words, e.g. re-, de-, un-, -ish, -ly, -ceive, -mand, tie, boy, and like in the combinations receive, demand, untie, boyish, likely. The morpheme arrangements which are treated under the morphology of a language include all combinations that form words or parts of words (Nida apud MARONEZE, 2008, p. 9)22.

Os morfemas são entendidos, então, sob essa perspectiva teórica, como “elementos mínimos individualmente significantes nas elocuções de uma língua” (Hockett apud SILVA, 2001). Dessa forma, um morfema pode constituir sozinho um vocábulo. São as chamadas unidades monomorfêmicas (ex.: “rei”) que se opõem às unidades polimorfêmicas (ex.: “reis”).

Do ponto de vista metodológico, o estruturalismo procedia pela identificação de

20 Como escreve Sandalo, em seu texto de 2012, a Teoria Gerativa, a partir de seu surgimento, na década de 1960, teve inúmeros caminhos e desdobramentos no âmbito da morfologia. Nessa dissertação trataremos somente de uma, mas sugerimos ao leitor uma apreciação do texto mencionado para uma ideia completa da questão.

21 É importante ressaltar nesse ponto que, apesar de homônimas, a corrente estruturalista possui duas vertentes bem diferentes: A europeia e a americana. Enquanto a primeira se derivou das propostas de Ferdinand de Saussure, a segunda teve como maior representante Leonard Bloomfield.

22 Tradução minha: “A morfologia é o estudo dos morfemas e suas combinações na formação de palavras. Os morfemas são as partes mínimas que constituem as palavras ou partes das palavras, ex.: re-, de-, un-, ish, -ly,

-ceive, -mand, tie, boy e like em cobinações como receive, demand, untie, boyish, likely. As combinações de

morfemas, as quais são tratadas na morfologia de uma língua, incluem todas as combinações que formam palavras e partes de palavras”.

morfemas através de um processo denominado “substituição e comparação de porções recorrentes” (Pickett apud SILVA, 2001). Assim, ao comparar vocábulos como “infeliz”, “independente”, “inseguro” e “indócil”, observava-se o prefixo in- como um elemento recorrente e atribuía-se a ele um significado.

Classificavam-se, então, os morfemas em dois tipos básicos, morfemas lexicais (radical) e morfemas gramaticais (afixos), e em vários outros tipos complementares como

morfema livre (aquele que ocorre sem a presença de outro elemento), morfema preso

(aquele que só ocorre na presença de outro elemento), morfema aditivo, morfema

subtrativo, morfema alternativo, morfema reduplicativo, morfema de posição, morfema zero, etc. Há também a conceituação de algo que Câmara Jr. (1970) chamou de “forma

dependente”, ou seja, aqueles morfemas que não são nem livres e nem presos, como é o caso dos clíticos, artigos, etc.

A partir do que foi exposto, pode-se concluir que a morfologia estruturalista, denotadamente americana, teve como enfoque principal o desenvolvimento de uma descrição bem apurada metodologicamente das línguas, uma vez que a intenção desses pesquisadores era a de proceder análises sobre línguas ameríndias, muitas vezes ágrafas. No entanto, esse tipo de morfologia falha em alguns aspectos que devemos considerar. Segundo Basílio, o maior problema dessa perspectiva é o seu foco central, o conceito de morfema.

[...] o morfema é definido em relação ao significado, cria-se um problema grave de análise, já que no léxico as palavras apresentam um significado global, que não é necessariamente uma função exclusiva do significado das partes. Como consequência, muitas vezes não podemos isolar o significado das partes do significado global, ou seja, muitas vezes temos os elementos constituintes de palavras que não podem ser definidos em termos de significado (BASILIO, 1987, p. 17).

Entende-se com isso que, apesar de desenvolver um programa metodológico eficiente, o estruturalismo norte-americano apresenta como limite a consideração do significado. Além disso, como acrescenta Sandalo (2012, p. 200), a análise estruturalista não tinha como preocupação fundamental entender porquê de certos afixos serem sufixos, prefixos ou infixos. Essa é uma preocupação que, como disserta a autora, está somente na

Teoria Gerativa.

Essa teoria é justamente a que marca os estudos morfológicos brasileiros em sua segunda fase. Como bem se sabe, todo o programa de investigações da Gramática Gerativa se inicia no final na década de 1950 com a tese de doutoramento de Noam Chomsky (1957). O ponto crucial desse programa, ou seja, seu axioma é a “compreensão dos estados da mente/cérebro que sustentam o conhecimento da linguagem, sua natureza, origens e uso” (PEREIRA DE CASTRO; FIGUEIRA, 2006, p. 75). Chomsky e seus seguidores assumem que todos os seres humanos são dotados de uma “faculdade da linguagem” que é um componente da mente/cérebro específico para a língua. Dito de outra forma, para essa perspectiva “o conhecimento da linguagem é interno à mente/cérebro humano” (NEGRÃO; VIOTTI; SCHER, 2011, p. 96). Por isso, o estudo da linguagem tem foco na Língua-I, termo que substitui o que se conhecia por “competência” e designa a entidade mental que sustenta a linguagem. Por “competência”23, entende-se aquilo que

determina o conhecimento – constituído por regras – que o sujeito falante tem sobre sua língua e permitem a ele dizer o que é gramatical e o que agramatical dentro da língua. A competência lexical seria, assim, a capacidade que o sujeito falante tem para formar e entender palavras novas “ao mesmo tempo em que evita formações não previstas pelo sistema [...] e é capaz de julgar boas ou más as que compreende como receptor” (SANDMANN, 1988, p. 13).

A competência lexical corresponde não (apenas) ao conhecimento das palavras da língua, mas (também) ao conhecimento de um conjunto de regras, que representa a capacidade do falante de relacionar itens lexicais uns aos outros, analisar a estrutura interna das palavras e formar novas palavras (BASILIO, 2010, p. 2).

Já por gramática entende-se “o sistema de princípios que constrói as sentenças produzidas e interpretadas pelo falante de uma língua” (NEGRÃO; VIOTTI; SCHER, 2011, p. 115). De um modo resumido tem-se o seguinte:

23 A distinção competência e desempenho, faz parte de modo fundamental da constituição teórica da Teoria Gerativa. Segundo Ducrot e Todorov (1998, p 121), a competência de um sujeito falante é o conjunto de possibilidades que esse falante domina por ter adquirido certa língua, possibilidades que incluem formular frases e o julgamento de gramaticalidade. É, pois, um saber implícito dos sujeitos falantes (Ruwet apud LOPES, 2000, p. 194). Já o desempenho deve ser entendido em termos de “uma manifestação exterior e atualizada num dado, desse saber implícito” (Ibid.).

A Gramática Gerativa assume que os seres humanos nascem dotados de uma faculdade da linguagem, que é um componente da mente/cérebro especificamente dedicado à língua. Essa faculdade da linguagem, em seu estado inicial, isto é, no estado em que ela está logo que a criança nasce, é considerada uniforme em relação a toda espécie humana […] Esse estado inicial tem sido chamado de Gramática Universal e é entendido como um conjunto de princípios linguísticos determinados geneticamente […] É por isso que a Gramática Gerativa tem como seus objetivos centrais: i. a descrição do conhecimento linguístico atingido por qualquer falante de qualquer língua; ii. a caracterização da Gramática Universal; e iii. a explicação dos processos que levam uma criança da Gramática Universal para o conhecimento de sua língua (ibid., p. 96 – 97).

De um ponto de vista mais específico é imprescindível observar primeiramente que, diferentemente do estruturalismo, o centro de análise da Morfologia Lexical24 está na

palavra e não no morfema. Segundo Maroneze (2008, p. 9 – 10), o foco dessa proposta são as chamadas “regras de formação de palavras” (RFPs) que são aplicadas a uma base e têm como resultado uma palavra derivada. As palavras novas são formadas pela aplicação de regras do tipo “adicione –eiro a uma base nominal para formar um nome de agente”. Desta maneira, como coloca Basílio (2010), tem-se o aparelho teórico-metodológico para o estudo da formação de palavras.

Assim, conforme explica Basílio (2010, p. 2) essa proposta segue as linhas gerais do gerativismo, mas as adapta ao objeto de estudo específico. Isso significa que:

[...] hipóteses são levantadas e formalizadas em proposições descritivas, cuja validade é medida por sua generalidade, relevância e decorrência de princípios gerais estabelecidos na teoria; e cuja adequação pode ser contestada pelas intuições dos falantes nativos e evidências fornecidas por dados de produção (BASILIO, 2010, p. 2).

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