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Historiografia e ensino de história: crítica à escola metódica

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Academic year: 2021

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UNIJUÍ – UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO NAS CIÊNCIAS

DAVID WINTER

HISTORIOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA: CRÍTICA À ESCOLA METÓDICA

Orientador: Prof. Dr. José Pedro Boufleuer IJUI

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DAVID WINTER

HISTORIOGRAFIA E ENSINO DE HISTÓRIA: CRÍTICA À ESCOLA METÓDICA

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação nas Ciências – Mestrado – da UNIJUÍ – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Educação nas Ciências.

Orientador: Dr. José Pedro Boufleuer Ijuí

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AGRADECIMENTOS

Sempre me lembro de Deus em primeiro lugar, pois a criação do cosmos e da vida me possibilitou a experimentar as conquistas, a família, os amigos e as oportunidades que a vida me presenteou.

Aos professores do curso de mestrado, que me deram o privilégio de ouvi-los a respeito de suas pesquisas, seus escritos, sua dedicação em ser mais pelo conhecimento.

Ao meu orientador professor José Pedro, que mesmo coordenando o curso de mestrado em educação nas ciências, implantando o doutorado em educação nas ciências, lecionando junto aos dois cursos, organizando simpósios, escrevendo artigos para revistas e coordenando as bancas de qualificação, ainda encontrou um tempo para me ouvir e me orientar.

Aos membros da banca de qualificação, pela sua atenção despendida e esforço em ler e pensar juntamente comigo para o aprimoramento de minha escrita.

A minha querida esposa Enilza e meus filhos Pedro Henrique e Eduardo por encher minha vida de alegria e de amor, meu muito obrigado.

Sou grato aos meus colegas da Faculdade Batista Pioneira, às secretárias Gladis e Camila por estarem sempre de prontidão quando precisei de seu auxílio; ao diretor Renato Gusso por me incentivar a continuar os estudos; ao vice-diretor Claitom Kunz por me dar a oportunidade de aplicar os conhecimentos adquiridos no curso de Teologia.

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RESUMO

A presente dissertação, intitulada Historiografia e Ensino de História: Crítica à Escola Metódica tem por objetivo repensar o conhecimento histórico no que diz respeito à sua construção a fim de auxiliar o professor de história ao se deparar com vários paradigmas diferentes ao preparar suas aulas. A escola metódica foi invocada porque representa um divisor de águas na forma de se construir e se lidar com o conhecimento histórico. Por isso primeiramente é analisado o modo de fazer história antes da Escola Metódica do qual fazem parte o paradigma antigo da história onde gregos, romanos, cristãos e enciclopedistas fazem cada qual a sua história dos eventos e também o paradigma moderno, no qual em meio ao século das luzes a história é analisada pelos filósofos historiadores. Em seguida as pretensões da Escola Metódica são apresentadas, demonstrando que esse tipo de história estava na verdade a serviço da política por pesquisar basicamente a história nacional num período onde os Estados estavam em um processo de unificação e organização. Voltamos então o olhar para a história depois da Escola Metódica, momento em que a Escola de Annales, a história marxista, as filosofias da história e a Nova Escola são apresentadas. Por último, discutem-se os limites da Escola Metódica em suas principais características que são a história tratada como ciência, a busca por uma história objetiva e seu afastamento da filosofia da história.

Palavras-chave: Historiografia; Escola Metódica; Ciência; Objetividade e subjetividade; Filosofia da História.

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ABSTRACT

The present dissertation, entitled Historiography and History Teaching: Critique to the Methodical School aims to rethinking the historical knowledge in what it concerns to its construction to help the history teacher when faced with several different paradigms to prepare his lessons. The methodical school was cited because it represents a watershed in the way of constructing and dealing with the historical knowledge. So it’s firstly analyzed the way of making history before the Methodical School to which belong the old paradigm of history where Greeks, Romans, Christians and encyclopedists make each ones their own history of the events and also the modern paradigm, where in the midst of the Enlightenment, the history is analyzed by philosophers historians. Subsequently the pretensions of the Methodical School are presented, demonstrating that this kind of history was actually in the service of the politics basically by searching the national history in a period where the States were in a process of unification and organization. We turn the gaze then to the history after the Methodical School, moment when the School of Annales, the Marxist history, the philosophies of history and the New School are presented. Finally, are discussed the limits of the Methodical School in its main features which are the history treated as science, the search for an objective history and its separation of the philosophy of history.

Keywords: Historiography; Methodical School; Science; Objectivity and subjectivity; Philosophy of History.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...07

1. A HISTÓRIA ANTES DA ESCOLA METÓDICA...11

1.1 O Paradigma Antigo...12

1.1.1 Na Grécia antiga...12

1.1.2 Em Roma...16

1.1.3 A história cristã...18

1.1.4 A história secularizada nos séculos XII-XV...19

1.1.5 No renascimento...21

1.2 A História no Paradigma Moderno...22

1.2.1 No século das luzes...22

2. AS PRETENSÕES DA ESCOLA METÓDICA...26

3. A HISTÓRIA DEPOIS DA ESCOLA METÓDICA... ...35

3.1 Ainda no Paradigma Moderno...35

3.1.1 O Tempo dos Annales...35

3.1.2 Histórias Marxistas e Marxizantes...37

3.1.3 As Filosofias da História...39

3.2 No Paradigma Pós-moderno...41

3.2.1 A Nova Escola ...41

4. LIMITES DA ESCOLA METÓDICA...44

4.1 História como Ciência...44

4.2 Histoire: entre Objetividade e Subjetividade...55

4.3 Afastamento da Filosofia da História...61

CONCLUSÃO...67

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INTRODUÇÃO

Estamos tratando de um tema que adentra nos campos da Teoria da História, e tal escolha requer uma explicação inicial antes que comecemos de fato a discorrer sobre o referido assunto. Tenho formação na área de História e, além do período de estágio supervisionado, alguns anos de experiência no magistério no qual leciono as disciplinas históricas do curso de Teologia. Não faltaram oportunidades para me perguntar sobre a importância, necessidade, confiabilidade, enfim, sobre a razão de ser da história e de seu ensino, quer no curso médio ou superior. Todas as vezes que é preciso fazer o planejamento de um novo semestre letivo ou preparar uma determinada aula é o momento de se fazer recortes, escolhas, tanto de conteúdo como de métodos, apreciar ou se afastar de paradigmas, formas de se interpretar o conteúdo estudado ou pretendido. Isso sempre me leva a repensar todas essas questões de escolas históricas e suas metodologias, fato que é endossado principalmente nas primeiras aulas, onde é reservado um espaço para a discussão da necessidade ou razão de ser de tal disciplina, a fim de motivar o aluno para um semestre de leitura, pesquisa e trabalho dentro daquele referido campo de estudos.

Temos ainda os desabafos dos colegas professores de história que compartilham de suas dificuldades em fazer essas escolhas e se posicionar frente às várias possibilidades ou paradigmas do ensino de história, endossados pelos livros e disciplinas do curso de Licenciatura em História ou Pedagogia, os quais nos falam de uma crise da educação que tem por base essa crise de paradigmas. Tal prática descrita acima nos traz a dita crise, tendo inserido em seu meio e bem próximos um do outro o aluno e o professor. O primeiro quer saber por que, estudar os conceitos e conteúdos apresentados, o segundo precisa explicar isso ao aluno e, além disso, ter muito claro para si a razão de seu ensino, de suas práticas

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pedagógicas. Com isso chegamos aos paradigmas, e como falamos do campo histórico, então, por conseqüência, falamos de paradigmas históricos, tão presentes no ensino da história.

Daí que objetivamos falar sobre a Escola Metódica, um paradigma histórico que já existe há mais de dois séculos e que no seu período lutou por conquistar o respeito, a credibilidade e o reconhecimento da história que era pesquisada. Mas isso nos leva a indagarmos sobre a razão da escolha deste paradigma histórico em detrimento de outros, se ainda vale a pena debater algo tão presente no passado, para muitos já suplantado pelas novas escolas históricas surgidas ao longo dos anos seguintes, já que temos algumas temporalmente bem mais próximas dos dias atuais. Afinal de contas, seu surgimento se deu em meio a uma época com um contexto específico, muito diferente do que temos hoje. Como um conhecimento forjado em tão diferente circunstância poderia ser útil para nós, estudantes dos tempos atuais e ainda suscitar alguma discussão que poderia se prolongar tempo suficiente para se chegar a alguma conclusão?

A razão desta escolha é que, embora pareça estar tão distante de nós, a Escola Metódica da qual Ranke fazia parte lançou os alicerces para as posteriores principalmente nas questões fundamentais que se referem à história como ciência e como verdade objetiva. Também ainda está intimamente ligada ao fazer história hoje, tanto ao estudo quanto ao ensino. Basta uma olhada nos índices dos livros de história para constatar isso, pois lá estão enumerados os temas referentes aos grandes, aos dominadores, às forças que juntas determinam o presente e o futuro da humanidade, que declaram guerra, que matam, que oprimem ou que, quando lhes convêm, libertam. Até mesmo nos livros que procuram fazer uma nova leitura dos fatos históricos, uma leitura mais crítica tendo como ponto de vista o lado do cidadão comum, do dominado ou da mulher. Ainda temos os livros que buscam uma nova metodologia da ciência histórica, mais apurada e contextualizada no período pós-moderno no qual nos encontramos. Mas em todos eles estão presentes os resquícios do paradigma positivista, instalados ali como fonte de informação histórica do passado, até porque esteve mais próxima dele para lhe narrar o curso já

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terminado, agora apenas relembrado pelas palavras, outrora registradas pela escola metódica.

É por isso que chegamos ao tema “Crítica às Pretensões da Escola Metódica”, que como paradigma pode ajudar o professor de história a se posicionar melhor diante de tantos paradigmas e da crise na educação. Mas para tal suas principais asseverações precisam primeiramente passar pelo crivo da crítica para que o valor de seu trabalho apareça.

Para tanto, intencionalmente nos deteremos de agora em diante na origem do fazer história, seu desenvolvimento, suas crises, desde o período mais remoto, pertencente ao Paradigma Antigo. Não retrocederemos ao homem das cavernas, mas sim ao período dos gregos, os quais eram bastante desenvolvidos para sua época na questão cultural. Tirando os aedos, que eram mais boêmios do que de fato historiadores, desde cedo homens se puseram em busca de um jeito de narrar os acontecimentos históricos de uma forma que explicasse o desenrolar da vida. Conquistando a Grécia, foi a vez dos romanos de narrar as guerras em busca de explicações e narrativas verídicas. Com o surgimento do cristianismo, uma nova roupagem foi dada à história, que agora teria um fim escatológico, tendo Santo Agostinho como seu principal expoente.

Mas no Paradigma Moderno, com o renascimento, floresce uma outra história: a secularizada. Filósofos se intrometem no fazer história, iluministas contam-na através do crivo da razão, o que culmina na Escola Metódica, tendo como principal expoente Ranke. Mas nem ela escapa da crítica. Surge, então, a Escola de Annales com um novo espírito para contar a história de tudo e de todos. Mas os marxistas ainda querem complementar tal narrativa, enfatizando a história dos oprimidos, da luta de classes sociais.

Inaugurando o Paradigma Pós-moderno, a Nova Escola liderada por Le Goff e Piere Nora interpreta o tempo de uma forma nova, encontra base documental nas crenças populares, relatos, entrevistas orais. Tudo vira história.

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Depois de acompanhar o desenvolvimento da história ao longo da história voltamos a deter nosso olhar para a Escola Metódica. Comparando-a com as escolas rivais ou complementares e com as outras ciências, surgem algumas questões que a própria Escola Metódica debate e coloca como pontos principais de seu fazer história. Primeiro aparece a questão da história vista como ciência. Afinal de contas, o seu método e seu conteúdo são ou não dignos de confiança como as demais ciências? Porque ela seria ou talvez não uma ciência, e se não for, o que ela é então? É poesia, é uma arte? O que lhe falta para ser considerada ciência? Se for ciência, que tipo de ciência, já que não pode ser do mesmo tipo das demais. Porque é tão importante para a história ser considerada uma ciência, disso depende sua confiabilidade?

Também consta no conteúdo das discussões da Escola Metódica sua busca por uma história objetiva, isenta de julgamentos e interpretações do historiador. Mas seria possível uma eliminação total da pessoa do historiador no momento dele escrever a história? Vai de fato se afastar tanto a ponto de não interferir em nenhum ponto da história, que agora é “sua história”? A história precisa e pode ser, portanto objetiva, deixando a subjetividade totalmente de lado? Qual seria essa relação entre a objetividade e a subjetividade no campo da história? Por isso a atitude da Escola metódica de se afastar da Filosofia da História, já que rejeita toda e qualquer especulação sobre as informações contidas nos documentos oficiais. Mas a filosofia não poderia lançar luz sobre trechos obscuros da história?

Esses são os pontos que marcam o itinerário desta pesquisa, no fim da qual esperamos traçar uma conclusão para ter alguma resposta para essas indagações que constantemente se fazem presentes no momento de planejar e elaborar o conteúdo e o material das disciplinas históricas.

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CAPÍTULO 1

A HISTÓRIA ANTES DA ESCOLA METÓDICA

Deseja-se contemplar a história da história por um motivo muito simples. É que se tenciona compreendê-la de uma forma satisfatória, tomar consciência de suas nuances e acompanhar suas evoluções. Isto nos ajudará a mirar e nomear os objetivos a alcançar, a indicar por onde vamos andar, aonde queremos chegar. Demonstrará o que a história já foi, as crises pelas quais já passou, os avanços, desafios enfrentados, ganhos e perdas (CHAUNU, 1976). Daqui já podemos visualizar o grau de dificuldade que sente quem busca compreender bem a História, pois não basta saber tudo sobre alguns fatos isolados, pois perdem parte de seu sentido. Também não basta cavar profundamente um paradigma histórico sem saber quase nada sobre os demais, pois mesmo que se acredite na superação de um paradigma por outros, ainda assim eles se complementam, lançam luz a sua volta. Bem disse Borges, “Para se compreender satisfatoriamente a história como hoje ela se configura, é preciso se recapitular sua origem e sua evolução. Somente a história da história pode nos fazer compreender como hoje ela se apresenta” (1981, p. 18). E isso significa retroceder, e muito, no tempo e no espaço do ser humano que sempre está em busca do conhecimento das origens, das causas e de sua própria razão de ser, de existir.

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1.1 O Paradigma Antigo

1.1.1 Na Grécia Antiga

Muito antes de se fazer a combinação da escrita fenícia com a grega e propiciar uma comunicação mais abrangente entre os seres humanos através do alfabeto resultante, os aedos gregos já compunham e sabiam de cor muitas e longas canções. Aedo em grego antigo significa “cantor”; os aedos eram os poetas que, antes da invenção do alfabeto, praticavam o culto da deusa Memória e das musas e recebiam dessas divindades o dom de compor canções ao som da lira. Mais tarde, com a divulgação do alfabeto, essas canções foram escritas e os aedos desapareceram, e aos poucos se deixou de cultuar a deusa Memória. Mas é daquela época remota que nos chegaram, entre outras canções, a Ilíada e a Odisséia, cujo autor os gregos acreditavam ter sido Homero, um aedo da rica região da Jônia, Ásia Menor, no século 8 a. C.

Contemporâneo de Homero, outro aedo chamado Hesíodo, que viveu na Beócia, região norte da Grécia continental, transmitiu-nos também importantes canções. Hesíodo e Homero estão nos umbrais da história grega, pois é a partir da época em que viveram que se divulgou mais intensamente o uso da escrita na Grécia. Mas foi como aedos (e não como escritores) que eles compuseram suas canções: inspirados pelas deusas musas, guiados pela deusa Memória, e servindo-se de técnicas de composição oral que durante séculos foram transmitidas de geração a geração. Uma das canções de Hesíodo conta-nos como o mundo surgiu a partir dos primeiros deuses, dos amores e das lutas entre os deuses. Os mestres-escolas da Grécia clássica chamaram essa canção de Hesíodo de Teogonia, que em grego significa “nascimento de deus” ou “dos deuses”. Esse nome teve tanto sucesso que até hoje essa canção é chamada assim. Os mestres-escolas gregos utilizavam-na para ensinar a ler e escrever: eles faziam leves marcas de letras em uma tabuinha de cera mole e mandavam a criança reforçar as marcas, tornando as letras bem visíveis, e depois explicavam o sentido dos versos (TORRANO, 2008, p. 2).

EMVERDADE, no princípio houve Caos, mas depois veio Gaia (Terra) de amplos seios, base segura para sempre oferecida a todos os seres

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vivos, [para todos os Imortais, donos dos cimos do Olimpo nevado, e o

Tártaro (Abismo) brumoso, no fundo da Terra de grandes sulcos] e Eros, o mais belo entre os deuses imortais, o persuasivo que, no

coração de todos os deuses e homens, transtorna o juízo e o prudente pensamento.

De Caos nasceram Érebo (Treva) e a negra Noite. E da Noite, por sua vez saíram Éter e Dia [que ela concebeu e deu à luz unida por amor a seu irmão Érebo.] Gaia logo deu à luz um ser igual a ela própria, capaz de cobri-la inteiramente - Urano (Céu constelado) que devia oferecer aos deuses bem-aventurados uma base segura sempre. Ela pôs também no mundo os altos Montes, agradável morada das Ninfas, habitantes de montanhas e vales. Ela deu à luz também Ponto (Mar) de furiosas ondas sem ajuda do terno amor (CERQUEIRA & LYRA, 1996, p.1).

É nesse período que fica muito claro a busca pelas origens, a vontade de conhecer a origem do ser humano, de explicar a relação do mundo com os deuses. Mesmo não tendo métodos mais aprimorados ou ditos científicos, sempre houve uma tentativa de buscar, pela viagem ao passado, as explicações para o presente. A resposta não estava no aqui e agora, mas naquilo que já foi, sendo necessário revisitar o passado para entender o presente. Verdade ou não, o passado se tornava uma chave poderosa para se obter o sucesso no futuro, para se viver uma vida mais completa.

Para fazer frente a esse costume os gregos do século VI e V a.C. viviam em um momento onde a filosofia e as ciências antigas despertavam. Neste contexto criaram os escritos em prosa, uma nova maneira de descrever as origens, por isso foram denominados de logógrafos. Coletando as informações sobre a origem do mundo grego na tradição oral, na poesia épica, nos costumes locais, buscavam uma maior racionalidade e a fuga do mito presente nos poemas e canções populares. Aqui nós já temos uma intenção de utilizar certa metodologia mais apurada, que pudesse passar por certa crítica. Hecateu de Mileto (540-476 a.C.) ficou conhecido pelos seus mapas que aperfeiçoaram os de Anaximandro e pela busca sincera do real. Como historiador, elaborou genealogias de famílias que argumentavam ter um herói ou um deus como ancestral. As únicas palavras que sobraram de Hecateu demonstram sua postura crítica: “Escrevo o que creio ser verdadeiro; pois as palavras dos gregos são pelo que me parece numerosas e ridículas” (TÉTART, 2000, p. 12). Alguém já fazia frente à narrativa desordenada sem critérios e sem método. Era um desenvolvimento, embora pequeno, mas importante da história.

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Hecateu foi seguido por Heródoto de Carnasso (490-425 a.C.), denominado mais tarde por Cícero de “pai da história” exatamente por ter dado à história uma configuração mais investigativa. Baseando-se em depoimentos orais escritos, esforça-se em reconstituir a cadeia dos acontecimentos históricos bem como decifrar o enigma das causas naturais. Com isso dá origem ao gênero da história factual detalhada voltada às guerras. Seu intento é evitar com que “o tempo não apague os trabalhos dos homens e que os grandes atos realizados seja pelos gregos, seja pelos bárbaros, não caiam no esquecimento”. Fazendo a narrativa dos eventos longíncuos, procura distanciar-se dos fatos imaginários, embora não consegue realizar isso de forma plena. Ao mesmo tempo procura descrever os fatos dos quais é testemunha ocular e que acredita ser digno de nota. Para isso faz uso do juízo de historiador, escolhendo narrativas em detrimento de outras (SERRA, 2002, p. 2-6). Sua única obra conhecida tem por título “Histórias” que provavelmente foi escrita durante a guerra do Peloponeso que começa com as seguintes palavras:

Heródoto de Halicarnasso, suas investigações são nesse ponto registradas para preservar a memória do passado assentando as surpreendentes conquistas tanto nossas quanto de outros povos; e mais particularmente para mostrar como elas entraram em conflito ( HUGHES-WARRINGTON, 2004, p. 184).

Assim ele demonstra seu desejo de investigação desde o início, propondo demonstrar padrões de desenvolvimento e declínio ao longo da história. Alguns questionam a veracidade dos fatos descritos por ele, inclusive perguntam se ele foi pai da história ou foi mais pai da mentira por constar em suas narrativas relatos sobre formigas gigantes, ovelhas com caudas gigantes e serpentes voadoras. De fato ele tinha uma queda pelo maravilhoso e seu respeito pelas evidências oraculares, como ele mesmo comentou que

Não posso negar que há verdade nas profecias, e de forma alguma sinto o desejo de desconsiderá-las quando elas são expressas em uma linguagem sem ambiguidades (HUGHES-WARRINGTON, 2004, p.188).

Mas também transparece que ele não as tinha como fonte infalível, pois muitas vezes rejeitou certos relatos e depoimentos por não os considerar dignos de crédito. Assim, foi visto como ambivalente pelos historiadores que vieram após ele, inclusive na Renascença.

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Tucídides (460-396 a.C.) se esforça para não ficar na mera compilação de fatos e se inclina em direção ao conhecimento mais científico, busca uma razão mais verdadeira. Contemporâneo e ator da Guerra do Peloponeso, critica as fontes, restabelece os fatos, organiza-os após cuidadosa análise. Aqui temos um método crítico ainda em forma fetal, mas “dá já provas o discurso histórico de Tucídides, distanciando-se em relação a um passado longínquo demais para que se possa atingi-lo a não ser sob a forma mítica (...). Preocupação com a verdade no estabelecimento dos fatos, exigência de clareza no enunciado das mudanças que se produzem durante a vida das cidades. (VERNANT apud TÉTART, 2000, p. 15). É portanto mais observador, exercita mais o juízo levando em consideração para isso o todo ao invés do singular, embora seus escritos não estão isentos da contribuição individual do autor, de seus pontos de vista, de suas deficiências.

Em Políbio (205-120 a.C.) temos uma busca incessante para entender a conquista do mundo pelos romanos nos séculos III e II. Considerava “pueril, não só tudo o que se afasta de um princípio lógico, mas também o que está fora do possível”. Elabora então uma problemática, busca a causa e elabora sua demonstração, obrigando o historiador a abordar todas as questões, recusar as aparências enganosas e a parcialidade. Chega a destacar as razões da decadência grega para explicar melhor a velocidade da conquista romana, adotando o racionalismo com mais intensidade que seus predecessores (TÉTART, 2000, p 17.). Já é uma história que explica, busca as causas, enumera as consequências, demonstra uma trajetória racional, puramente humana, sem interferência dos deuses.

Para os gregos as canções do aedos foram um prato cheio, isso prova que a desmitologização não foi praticada somente pelos teólogos liberais do século XX ao procurar limpar as narrativas bíblicas dos exageros da época. Há todo um movimento, todo um esforço em se aprimorar o que já se tinha em mãos e, para isso, uma postura crítica é tomada em contrapartida à postura poética à base de álcool. A razão versus a imaginação ingênua formava o quadro do embate que hoje se apresenta de barbas longas, antes navegando no rio Reno, hoje na Internet. Muda-se o nome do rio, mas o embate é o mesmo, sempre contínuo, presente na sala de aula. Nisto está a beleza daquilo que já possui tons grisalhos, que não se

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movimenta mais com as próprias pernas e que não fala mais com suas próprias palavras. Aí está o papel do professor: ser a voz do que já não fala sozinho, fazendo-o chegar até os alunos, demonstrando a beleza e a sabedoria do que era e já não é mais.

1.1.2 Em Roma

A historiografia romana foi impedida de surgir antes do terceiro século a.C. por causa do domínio da cultura grega sobre a romana, pobreza de arquivos, desaparecimento de documentos por causa das guerras constantes e porque a própria idéia de um império leva muito tempo para aflorar. Iniciada então pelos assim chamados analistas, que são freqüentemente medíocres em suas obras por terem um sentimento utilitário. Pouco preocupados com a crítica das fontes do passado, realizam uma compilação cronológica esclarecida, recorrendo aos cantos apresentados em banquetes, calendários antigos, listas de sacerdotes. Pode-se dizer que houve certo retrocesso no fazer histórico, o qual era guiado puramente por uma ideologia dominante. O importante era dar respaldo às práticas da elite sem se importar se era verdade ou não, ou sem querer levantar novos fatos, ou colocar algo diante da crítica.

Já no século II a. C. há um esforço para estudar as instituições e os quadros cronológicos. Como resultado disso, no século seguinte começa-se a construir uma história onde Roma é o ator principal. A busca pelas origens distantes perde força e cede espaço à memória da política e dos movimentos militares de Roma. Em Cícero (106-43 a.C.) a eloqüência e a retórica são ferramentas para o historiador exaltar a nação romana. É uma história altamente nacionalista, e por isso carregada de exageros e imaginações sobre a grande nação romana. Aqui falta a crítica das fontes, a fidelidade aos fatos e a rigorosidade metodológica, dificultando a aceitação de toda a história produzida nesses moldes.

Com Tito Lívio (59 a. C. – 17 d.C.) a história deu “atenção à vida, aos costumes, aos homens, aos meios pelos quais, interna ou externamente, o império cresceu (...) embora sem método, porque o importante era dar atenção aos exemplos na história a serem seguidos, aproximando a história de um sermão

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(TÉTART, 2000, p. 25). Não podemos dizer que a história progrediu com essa prática, já que mesmo falando do singular, o sujeito que importava era o que fazia o império progredir, o grande personagem, e não o homem comum, que tinha pouca importância.

Tácito (56 d.C. -117 d.C) de estilo apologético se esforça para pensar o assunto e por isso mostra-se como “um dos maiores historiadores da época por sua penetração psicológica dos motivos humanos e por sua análise equilibrada dos grandes acontecimentos” (TÉTART, 2000, p. 27). Suetônio (70-122 d.C.) segue no mesmo caminho e elabora uma enciclopédia de exemplos ilustres e multiplica as fontes de informação, guardando atas senatoriais e documentos genealógicos. Este junto com Plutarco (46-120 d.C.) estabelece um método biográfico que será utilizado como modelo na Idade Média. De tendência moralizadora, explica os tempos passados pelas qualidades das pessoas, buscando satisfazer um imediatismo: evitar o enfraquecimento de Roma.

Os historiadores romanos criaram um discurso específico do passado, que buscava uma uniformidade, mas também demonstra suas peculiaridades distintas de acordo com as circunstâncias de suas próprias realidades. Por isso era uma história muito carregada de um nacionalismo, onde o elemento subjetivo estava muito presente e ativo na construção da história, bem como dos fatos que a compunham. Disso resultou uma história muito parcial, interessante, que é repetida ainda assim nos dias de hoje: o Grande Império Romano, a Grande Roma. Isto demonstra a falta de crítica às fontes por parte dos historiadores modernos.

Os romanos também não ficaram para trás nessa busca incessante por respostas, não se contentando em ficar ouvindo lorotas nas festas de banquetes regadas a muito vinho que, embora delicioso para o paladar, era tortuoso para o raciocínio. Fazendo uso da crítica chegaram a um método mais apologético, psicológico, mas moralista. Hoje não é diferente, porque se tiramos exemplo de fatos históricos para nossa vida moralizamos a História, o que também não é ruim, já que encontramos mais uma utilidade para a História em sala de aula, mais uma

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contribuição para a educação do aluno, já que além de conhecimento desejamos que ele aprenda a colocar em prática as informações recebidas.

1.1.3 A História Cristã

Neste período foi relegado à história um papel secundário, de pouca curiosidade intelectual, já que cabia a ela cumprir com sua função de ajudar a explicar e justificar a religião cristã. O período inicia por Eusébio de Cesaréia (265-341 d.C.) e segue uma lógica providencialista que, em suma, diz que “graças à revelação, o cristão possui um fio condutor que lhe permite pensar a totalidade da história. Sabe que o universo tem uma história que começa na criação, que acabará no juízo final” (MARROU apud TÉTART, 2000, p. 33).

Seguindo esta lógica surge Santo Agostinho (354-430 d.C.) que escreve sua obra “Cidade de Deus” para responder à acusação feita aos cristãos de que o Império Romano estava sucumbindo às invasões bárbaras porque havia abandonado os deuses romanos. Na obra responde que Deus é o senhor da história e que, “desde Caim e Abel, sempre houve duas cidades no mundo: a cidade de Deus (os fiéis) e a cidade dos homens (a sociedade pagã). Embora elas se inter-relacionem, Deus cuidará para que a cidade de Deus — a igreja — permaneça por toda a eternidade” (CURTIS, 1991, p.42.)

Do século V ao XII a história reclusou-se nos mosteiros medievais, assumindo a forma de hagiografias e continuando com o caráter escatológico encontrado em Santo Agostinho: “o número de navios aumenta, a multidão incontável de normandos não pára de crescer (...) eles tomam todas as cidades (...) assim se realiza aproximadamente a ameaça que o senhor proferiu pela boca de seu profeta: uma praga vinda do norte se espalhará sobre todos os habitantes da terra”. Por isso a historiografia teve uma forma pobre e muito pouco desenvolvimento (ERMENTAIRE apud TÉTART, 2000, p.39).

Para Tétart a manutenção da atividade de historiador nesse período se deu através de Grégoire de Tours (538-594 d.C.) e de Isidoro de Sevilha (562-636 d.C.),

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os quais apresentam preciosas informações sobre a vida social, política e institucional de sua época, e registram sua preocupação com a preservação desse conhecimento, querendo “instruir a posteridade sobre o passado”. Somado isso com o renascimento carolíngio, a história volta a se politizar. Um exemplo disso é o caso do monge Paul Diacre (725-799 d.C.), que escreve a história romana e a história do povo lombardo nas quais apresenta as virtudes nacionais e dinásticas, inaugurando o renascimento historiográfico. Mesmo assim, as fontes bibliográficas são pobres, o método resume-se na explicação do trabalho de copistas das obras antigas e ainda é teológico. (CURTIS 1991, p. 93; TÉTART, 2000, p. 40).

Nesse período cristão a História passa novamente e mais intensamente a ser serva da religião, pois todos os povos que adoram algum deus seja ele uma divindade desconhecida, um ser conhecido na natureza ou simplesmente a razão pura, sempre se utilizaram dela para narrar ou comprovar a existência e os feitos de seu deus. É uma História em que o início já vem dado e o fim determinado, bastando seguir o fio condutor que irá guiar o ser humano pensante na caminhada em meio aos extremos já dados. É uma questão de interpretação, pois a História precisa ser encontrada, narrada para que os fatos sejam interpretados à luz da verdade já posta por antecedência: Deus criou o mundo e este caminha em direção a um fim escatológico onde todas as coisas cooperam para este fim, culminam nele. Novamente há riqueza a ser explorada pelo professor em sala de aula, onde o aluno pode ser guiado por tempos que sem dúvida nenhuma não voltam mais a desfilar em nosso meio social. Ficar sem ele significa perder e muito a trajetória da construção da sociedade pós-moderna, cristã e capitalista.

1.1.4 O Início de uma História Secularizada: séculos XII-XV

A Idade Média é um tempo em que se “vive demais a historia para falar dela” (CHAUNU apud TÉTART, 2000, p 43). Com a reforma gregoriana surge um clima novo e mais propício para um pequeno, mas importante, crescimento da arte de se escrever história. Orderic Vital (1075-1142 d.C.), em sua História Eclesiástica em sete volumes, declara que “escrevo uma simples história na qual relato os fatos ano a ano. Não quero esclarecer a vontade divina pela qual tudo acontece (...) a causa

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das coisas”. Testemunha ocular da primeira cruzada, não iria romper com a explicação teologizante da história para inaugurar uma nova era historiográfica, mas havia um esforço sincero dentro da limitação cultural vigente, como declara Le Goff:

Para a maioria das pessoas, mesmo laica, na Idade Média, a expressão do pensamento ou do sentimento era informada pela religião, e ordenada para fins religiosos. Mais ainda, todo o instrumental mental- vocabulário, enquadramento do pensamento, normas estéticas e morais- era de natureza religiosa, e o “progresso” a esse respeito será a laicização desses instrumentos da cultura (apud TÉTART, 2000, p 44).

É então no período das cruzadas que se descobre um novo gênero de história, ajudado pela defesa dos direitos consuetudinário e o do Estado, em especial o trabalho dos juízes em arquivar as provas documentais. O espaço e tempo são ampliados com a busca da terra perdida ha quatro séculos para os muçulmanos. Juristas, arquivistas, literatos e guerreiros se enquadram ativamente no processo da humanização da história. A isso se somam as crônicas escritas em língua vulgar por integrantes das cruzadas, quer por líderes quer por combatentes comuns, e as escritas por historiadores viajantes sustentados pelas cortes européias. O Resultado é uma historiografia burguesa, aristocrática, politizada, divorciada quase de todo da ideologia clerical. Com a proliferação das universidades, Paris é denominada de “Nova Atenas” e a história também passa a ter a função de viabilizar um sentimento nacional, instrumento de exaltação de uma identidade comum (CAIRS, 1982, p. 92).

Como tudo dá muitas voltas, a História não está isenta também desse movimento. E começa a sair dos mosteiros e viaja juntamente nas Cruzadas em busca de outros povos, outras conquistas, lutas por territórios e assim se seculariza novamente, servindo aos juízes, ao comércio burguês, ao desenvolvimento da Nova Atenas em Paris. É uma nova época que se principia e estabelece novas relações entre pessoas e saberes, novos caminhos com novas soluções para velhos temas e problemas já anteriormente colocados à mesa. É uma mudança que não pode passar despercebida pelo professor de História, pois daqui em diante a secularização será cada vez mais acentuada e culminará na Modernidade, no cientificismo triunfante.

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1.1.5 No Renascimento

Com essas transformações políticas, religiosas, mentais e técnicas do século XVI e seu espírito renascentista a história recebe um novo fôlego. Três novos conceitos emergem sob a égide desse espírito inovador. O primeiro está presente em François Hotman (1524-1590 d.C.), o qual procura determinar a verdadeira natureza do poder através de uma história-problema. Segue-se a relatividade em Jean Bodin (1530-1596 d.C.), o qual procura provar a instabilidade, a relatividade de todas as coisas, leis novas, costumes novos, instituições novas, ritos novos nascem (TETART, 2000, p 59). Para completar o quadro, Henri Lancelot (1541-1608 d.C.), historiador protestante, empreende um esforço no sentido de compreender o todo:

Quais foram as diferenças entre os povos gauleses, romanos e germanos? Quando e como e por quem a religião cristã entrou, foi recebida, aumentada, debatida e se manteve na Gália? (...) Porque leis, costumes, formas de viver, de justiça e política, tanto na paz como na guerra, esses povos se mantinham sob a deplorável paciência de nossos velhos pais? (LANCELOT apud TÉTART, 2000, p.60).

Já no século XVII a história passa a ser vigiada e censurada pela monarquia e os historiadores são limitados a elogiar os soberanos. Também muda para uma história literária que busca exaltar o belo e agradar ao leitor.

Com o renascimento surgem novas leis de conhecimento, métodos inovadores e ousados de pensar e de se fazer História juntamente com a ciência, não se querendo mais uma História fragmentada, mas o todo da história. A beleza das narrativas dá o tom dessa totalidade histórica, querendo encontrar as diferenças entre os povos, debater os problemas culturais, o que sem dúvida nenhuma tem um lugar garantido na pauta das aulas de História hodiernas. É na análise do diferente que reside a oportunidade de crescer, de ser mais, e isso precisa ser exposto ao aluno, que muitas vezes vem para a sala com uma atitude utilitarista e imediatista inculcada por uma sociedade que transmite tais valores equivocados. É tarefa do professor trabalhar para que isso seja revertido, ou pelo menos atenuado.

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1.2 A História no Paradigma Moderno

É inquestionável o fato de que a história carrega, em seu interior, as nuances antropológicas de seu período, pois coexistem o objeto e o ser consciente num processo de interação. Daí resulta que não é uma caminhada unívoca, mas sim uma correlação de forças, eventos e entendimentos. Obtém-se como resultado todo um emaranhado de pensamentos, questionamentos e afirmações que, eliminando as divagações, desponta e aponta para a grande era a sua frente, buscando eliminar as incertezas e apoderar-se de mais certezas. Para isso é preciso pensar para fazer destoar o pensamento dos opositores, quer iluministas, enciclopedistas, positivistas, filósofos da história, historiadores da filosofia positiva. Eis aí, então, que se forma o quadro originário da escola histórica denominada positivista ou metódica. Um quadro de confronto entre idéias e métodos no alvorecer do século das luzes. Deus não está mais tanto presente, ademais se opta por deixá-lo mais a distância da ciência, ou, como podemos dizer, Deus no céu e a ciência na terra. Portanto, a história não pode mais ser explicada do ponto de vista teológico, o qual apontava o curso da história como tendo um fim escatológico onde Deus então seria a origem e o fim de todas as coisas, de todos os eventos. Disso resulta uma busca por um método mais aprimorado para se fazer a narrativa da história, culminando no positivismo. Mas até chegar aí é uma longa caminhada, que passa pela crise do iluminismo.

1.2.1 No Século das Luzes

Os historiadores instituem a providência racional rejeitando as crenças e o providencialismo cristão que teve suas origens no segundo e terceiro séculos d.C, período em que a igreja cristã exprimiu sua autoconsciência na forma literária dos Pais Apologistas e dos Pais Polemistas1. Estes, juntamente com os Pais Apostólicos do quarto século, foram os líderes do cristianismo da época. O primeiro grupo procurava convencer os dirigentes do estado romano de que os cristãos não eram seus inimigos e o segundo fez frente aos movimentos heréticos dentro da Igreja. O último escreveu exclusivamente para o ensino dos cristãos (BENOIT, 1966). Fazendo um apelo racional, eram mais filósofos do que teólogos. Apontavam o

1 Os Pais Apologistas, Polemistas e Apostólicos foram os líderes cristãos que exerceram grande liderança nos

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cristianismo como a religião e a filosofia mais antigas, que antecederam as guerras troianas e o pensamento grego. Viam na filosofia grega uma forma de levar as pessoas a Cristo (CAIRNS, 1995). Contra os romanos era preciso convencer o imperador do direito de legalização à prática do cristianismo dentro do Império. E contra os filósofos tidos por pagãos a tarefa dos apologistas era a de apresentar a religião cristã como uma verdade total, à diferença dos erros ou verdades parciais presentes, segundo estes autores, na filosofia helenística (FRANGIOTTI, 1992).

Apesar disso, a educação praticada nesta época era feita, principalmente, nos moldes das escolas filosóficas dominantes no período greco-romano, especialmente das escolas estóicas e platônicas. Uma vez que a maioria dos apologistas eram homens cultos, eles se haviam formado dentro dos padrões da filosofia pagã. Desse modo seu discurso apoiava-se na filosofia antiga, tanto a perspectiva dos argumentos utilizados em defesa do cristianismo quanto na tentativa de conciliar sua mensagem com as verdades presentes naquela filosofia (HAMMAN, 1977). Acreditavam que se as verdades da filosofia pagã são verdades parciais somente o cristianismo poderia resgatá-las, integrando-as em um sistema completo e regido pela verdade suprema da revelação. Uma das formas de diálogo entre as culturas se dá através do método alegórico, usado para interpretar a Bíblia e empregado por filósofos gregos na interpretação dos mitos e poemas de Homero. Orígenes fez um esforço em conciliar a filosofia grega com o cristianismo, retirando elementos da verdade para demonstrar que no cristianismo encontram sua unidade, seu coroamento. Dessa forma reconhecia que Platão e outros filósofos, como também os poetas gregos, enunciavam muitas idéias verdadeiras concernentes a Deus. Para ele, fé e razão podiam ser conciliados, pois a filosofia poderia prestar relevantes serviços ao cristão. O céu seria a verdadeira pátria do filósofo cristão. Orígenes também tomou emprestado da filosofia grega a tricotomia platônica, a soma, a psiché e a nous. Assim como Platão, Orígenes não queria apenas um corpo de doutrinas a ser simplesmente resguardado e transmitido, mas um conhecimento vivo e dinâmico. O Belo em si e por si, um Bom, um Grande intemporal, real e eterno que Platão buscava, para Orígenes estava em Jesus Cristo (BERKHOF, 1992; ALTANER, 1988).

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Os iluministas, na tentativa de afastar-se dessa interpretação providencialista, agora direcionam a fé para um novo alvo: o ser humano. Surgem, portanto, os filósofos-historiadores, que interpretam a história como tendo um papel filosófico e depois social. Com isso busca-se um sentido para a história, utilizada como guia político racional. Sua finalidade não é compilar os acontecimentos, nem acumular documentos, mas sim procurar explicações racionais para os acontecimentos do presente, propor uma reflexão sobre o futuro, oferecer aos homens o domínio sobre seus destinos guiando-os através do conhecimento do passado. Para Rousseau a história torna-se subversiva (TÉTART, 2000, p.71).

Surge Montesquieu procurando hierarquizar as causas e identificar as leis. Voltaire quer descobrir o significado da história e escrever uma história total. Assim os enciclopedistas encontram o sentido pedagógico e cívico da história:

Se o homem pode predizer com segurança quase total os fenômenos cujas leis conhece; se, mesmo quando elas lhe são desconhecidas, ele pode, segundo a experiência do passado, prever com grande probabilidade os acontecimentos do futuro; por que se consideraria quimérica uma história que traça, com alguma verossimilhança, o quadro dos destinos futuros da espécie humana segundo os resultados de sua história? (CONDORCET apud TÉTART, 2000, p.77).

Aparece então a história como fato social crítico, que critica a escravidão, o absolutismo, o colonialismo, o despotismo monárquico e religioso. Estabelece-se uma noção de vida social onde a história teria um lugar privilegiado para mostrar o sentido da existência social, base da Revolução Francesa. Mas a história ainda não era vista como uma ciência, pois nos moldes iluministas ela está carregada de elementos especulativos, filosóficos. Então surge uma escola histórica que se propõe a eliminar tais resquícios da história, ficando apenas com os fatos históricos tal qual aconteceram. Mas isso foi um processo cujo início não configurava um movimento homogêneo (TÉTART, 2000).

A própria história muitas vezes comete o sacrilégio de diminuir os conhecimentos manuseados por outros paradigmas, prática muito presente e aguçada no século das luzes. O próprio título já sugere uma superação das trevas pelos iluminados, deixando de lado com um movimento brusco de mão o que já não

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presta mais, como se não dependessem em nada do passado, como tendo existência própria, nasceram sem a necessidade de pai ou mãe, foram paridos pelo vento. Essas injustiças parecem ser próprias do espírito humano que muitas vezes se embriaga com novas descobertas daquilo que não passa de velhos conhecimentos contemplados por outro ângulo. Todos fazem parte do mesmo triângulo, embora se posicionem de forma diferente em relação à hipotenusa e possuam nomenclatura variada, mas estão presentes na soma dos ângulos, quer internos ou externos. E nenhum ângulo pode dizer que não precisa dos demais, pois ele está lá não por vontade própria, mas já determinado por uma força maior que definiu tanto sua existência quanto sua localização no tempo e no espaço. Não tem essa de querer descartar o outro, até porque tratamento igual lhe será dado no futuro, quando ele também fará parte do passado, das idéias e dos paradigmas suplantados, cobertos de mofo.

Aí reside novamente a tarefa árdua do educador em alertar seus discípulos sobre tais descaminhos do conhecimento histórico. Não se estuda história apenas para desmerecer o outro, para ver quanto era ridículo, contemplar a fraqueza do pensamento de outros tempos e de outros paradigmas para ver o quanto somos bons hoje, o quanto crescemos no conhecimento. Olhamos para outros paradigmas porque eles ainda e também nos ensinam coisas que nem a própria pós-modernidade pode nos ensinar, pois já está “em outra”, preocupada com questões viciadas pelo novo, moderno, num mundo que tem valores e um ritmo ditado por outra ciência. É a ciência da produtividade capitalista, onde quem e o que produz mais subsiste, o demais é escanteado por não ser totalmente bom, capaz, como se o novo realmente assim o fosse.

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CAPÍTULO 2

AS PRETENSÕES DA ESCOLA METÓDICA

No início do período da escola metódica ou positivista foram frisadas as paixões literárias e políticas. É uma história descritiva, oposta ao gênero filosófico, que cumpre o papel de um compilador esclarecido:

A história deve ser escrita sem reflexão; deve consistir na simples narrativa dos acontecimentos e na pintura dos costumes; deve apresentar um quadro ingênuo, variado, cheio de episódios (...), não se deve olhar [os personagens] através de nossas próprias opiniões (CHATEAUBRIAND apud TÉTART, 2000, p.82).

A história está a serviço da política. São historiadores politizados que representam ou a corrente liberal ou a corrente republicana. Aqueles desejam a primeira revolução e invocam a história moderna como base para seu intento. Já estes a utilizam para louvar a revolução como O Acontecimento da história da França, reinado dos povos e o evangelho dos direitos sociais.

Como os Estados estavam em organização ou em processo de unificação, a história nacional foi amplamente pesquisada (BORGES, 1982, p 15).

Fustel de Coulanges (1830-1889) defende a busca da objetividade histórica e da história como ciência e não poesia:

Pôr suas idéias no estudo dos textos e um método subjetivo (...). Vários pensam que é útil e bom ter preferências, idéias “mestras” [que dão] à obra mais vida e mais encanto; é o sal que corrige a insipidez dos fatos. Pensar assim é enganar-se muito sobre a

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natureza da história. Ela não é uma arte, é uma ciência pura (...), o melhor historiador é o que mais se atém aos textos (apud TÉTART, 2000, p.94).

Seria o método científico que poderia garantir a objetividade do historiador na busca pelo entendimento da realidade humana, realidade esta permeada de simbologias originárias nas criações humanas carregadas de significações que poderiam comportar uma gama de interpretações igualmente válidas.

Esta não é uma pretensão moderna, pois há uma preocupação explícita com a verdade desde Políbio, grego e historiador do II século a.C., o qual escreve:

Desde que um homem assume atitude de historiador, tem que esquecer todas as considerações como o amor aos amigos e o ódio aos inimigos... Pois assim como os seres vivos se tornam inúteis quando privados de olhos, também a história da qual foi retirada a verdade nada mais é do que um conto sem proveito (BORGES, 1980, p. 19).

Políbio testemunha a ascensão de Roma. Sendo durante 16 anos refém em Roma, procura saber como, em aproximadamente 50 anos, os romanos se tornam donos do mundo habitado. (Id. Ib., p. 20).

Na Alemanha surge uma escola científica representada por Leopold Ranke, cuja pretensão se apresenta na sua afirmação de que era necessário narrar os fatos “como eles realmente se passaram”. Utiliza a crítica histórica, método erudito desenvolvido na França nos séculos XVI e XVII. Como decorrência sua surge, mais tarde, o positivismo histórico ou a escola metódica que escreve a história como uma sucessão da fatos isolados, destacando os feitos políticos de grandes heróis, os problemas dinásticos, as batalhas, os tratados diplomáticos. Mas não havia preocupação na interpretação dos fatos, papel relegado à sociologia. Assim, os fatos eram narrados de forma puramente mecânica e numa relação determinista de causas e conseqüências (BORGES, 1981, p. 31; REIS, 1990, p. 15).

Não confundir com o positivismo de Auguste Comte que também procurava um método científico para narrar os fatos históricos, como pode ser lido em Gomes:

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Dentro da perspectiva de manutenção da ordem, o Positivismo de Auguste Comte (1798-1857) recomendava a pacífica aplicação dos métodos científicos e do conhecimento. Sua visão da evolução da História o aproximava de Condorcet, da qual extraiu referências para explicar “a marcha progressiva do espírito humano”, como algo independente que era suficiente para compreender as mudanças. O

estado teológico, o estado metafísico ou abstrato e o estado científico

constituiram-se nos três estados de desenvolvimento intelectual da humanidade.

A produção de Comte e a postura cientificista, segundo a qual a ciência era considerada o único conhecimento possível e o método das ciências da natureza o único válido, devendo ser estendido a todos os campos da indagação e atividades humanas, não pode ser separado do contexto da Revolução Industrial em que o advento da máquina trouxe transformações profundas. Diante dos projetos que não atendiam a demanda burguesa, Comte defendia a manutenção da ordem e recomendava que “mulheres e proletários não devem se

converter em doutores”. Assim, no caso do historiador, seu trabalho

deve se pautar por reconhecer leis constantes e necessárias, portanto invariáveis que regem a sociedade e aplicá-las à investigação. A História é então uma construção evidenciada pelo objeto que está contido nas fontes (mediador), analisadas com extrema dose de rigor, reflexo fiel do passado, extirpado de todo o fator subjetivo. Em outras palavras, a História é uma seqüência congelada de estados definitivos( 2005, p.130).

Enquanto Comte expunha suas teorias na França que ficaram conhecidas como positivismo, Ranke por sua vez se situava na Alemanha e para ser diferenciado daquele utilizou-se para esse o termo denominado escola metódica.

A concepção filosófica de Ranke, embora sempre aspirando a um afastamento dela, pode ser enunciada da seguinte maneira: “considerava que a história era conduzida pelas idéias e que o historiador deveria descobrir as forças espirituais de que a história era a realização” (REIS, 1990, p. 16). Carregava lampejos das idéias de Hegel, embora quisesse romper definitivamente com a filosofia e seu elemento especulativo. Era na objetividade do método histórico de crítica das fontes que residiam suas principais asseverações metodológicas. A história, para Ranke, era o local onde o espírito governava, manifestado no indivíduo e por ele constituído. Essas individualidades possuíam estrutura interna e sentido que não poderiam ser aplicados a outros elementos como fatos ou eventos históricos, pois suas características eram pessoais e particulares. Eis o grande motivo pelo qual o sujeito, que é o historiador, deve se concentrar no objeto, que são os eventos, expressões máximas dessas individualidades. Eis, portanto, sua função de historiador: reconstituir os eventos, descrever como se conectam entre eles e

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com o todo, captando suas tendências, elaborando a narrativa histórica estritamente através da documentação. Essas expressões seriam possivelmente encontradas no Estado e em seu fazer rotineiro, limitando a história à base documental oficial escrita das realizações políticas (REIS, 1990, p.17).

O início da história de Ranke estava nos documentos diplomáticos, e que seguiria assumindo a forma de uma história do Estado e de suas relações exteriores. Estava, portanto, interessado na originalidade dos povos, dos indivíduos, na psicologia individual dos grandes homens políticos. Classificava-se, portanto, como um conservador, nacionalista que defendia a atual situação da nobreza alemã (REIS, 1990, p. 15-17).

Recusando-se a ser um historiador-filósofo, Ranke instituiu para si uma dicotomia entre objetividade/subjetividade que praticamente tornou-se uma posição solipsista. Apegou-se firmemente a seus princípios de método, como seguem:

(a) o historiador não é juiz do passado, não deve instruir os contemporâneos, mas apenas dar conta do que realmente se passou;

(b) não há nenhuma interdependência entre o historiador, sujeito do conhecimento, e o seu objeto, os eventos históricos passados. O historiador seria capaz de escapar a todo condicionamento social, cultural, religioso, filosófico, etc. em sua relação como objeto, procurando a “neutralidade”;

(c) a história - res gestae2-, existe em si, objetivamente, e

se oferece através dos documentos;

(d) a tarefa do historiador consiste em reunir um número significativo de fatos, que são “substâncias” dadas através dos documentos “purificados”, restituídos à sua autenticidade externa e interna;

(e) os fatos, extraídos dos documentos rigorosamente criticados, devem ser organizados em uma sequência cronológica, na ordem de uma narrativa; toda reflexão teórica é nociva, pois introduz a especulação filosófica, elementos a priori subjetivistas;

(f) a história-ciência pode atingir a objetividade e conhecer a verdade histórica objetiva, se o historiador observar as recomendações anteriores (REIS, 1990, p. 17).

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O nome Res Gestae significa Ações Realizadas. Foi emprestado de Heródoto (o pai da História), um grego que viveu no século V a.C. Esse termo também pode ser definido como investigação, busca, pesquisa, gestão. Pronuncia-se res geste (como em curriculum vitae).

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Logo, para a história ser científica, era imprescindível que fosse, embora originária da pessoa de um sujeito cognoscente, um ser da consciência, um ser epistêmico, mas em contrapartida neutralizado axiologicamente e epistemologicamente. Estaria fora de cogitação o julgamento e a problematização do real por ele analisado. Seria a busca da verdade objetiva contida nos fatos em seu estado bruto, sem recortes, para que não houvesse alguma forma de distorção subjetiva. Era o período em que a relação com o objeto de conhecimento era caracterizada pela certeza das coisas, passando longe da alteridade, das incertezas. Objetivo e experimental, quantitativo e rigoroso, somente o conhecimento positivo seria capaz de chegar às razões dos fatos. A história muda o olhar, pois deve observar e examinar, não mais apenas contemplar ou admirar, exercitando muito mais a razão do que a imaginação (REIS, 1990).

É neste período que a história entra para a universidade como disciplina, tornando o papel de historiador uma tarefa acadêmica. O conteúdo estudado nessa academia seriam os fatos possíveis de se narrar, especificamente falando, os acontecimentos de cunho político, administrativo, diplomático, religioso, os quais eram entendidos como a engrenagem principal do processo histórico. Esses eventos eram únicos e isentos de repetição, portanto origem de todas as demais atividades do ser humano na história. Mas rejeitavam absolutamente o socialismo e sua crítica social, caindo em uma história que privilegia os fatos burocráticos e, em contrapartida, solapa os conflitos sociais escamoteando-os, deixando a história livre de sua presença. Conforme observa Fontana, sua intenção é desprestigiar os grupos revolucionários e suas movimentações e defender que a história deve ser uma serva que edifique uma política coesa e sem defeitos. Ainda conforme a orientação de Ranke, as mudanças que ocorrem na história têm Deus por fator originário, exatamente o oposto da concepção de progresso contido nas obras de autores da ilustração. Lembremos que, para Ranke, na forma como Deus instituiu as coisas, subsistem alguns indivíduos mais importantes do que outros, aparecendo o rei como o expoente máximo dentre eles. Esse tipo de história acabou por servir grandemente ao Estado, pois se os cidadãos fossem educados nos moldes desse espírito nacional, desarticulando as idéias de lutas de classes, estariam prontos para a obediência em relação ao Estado (REIS, 1990, p. 19).

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Pelo menos isso é o que pensa o autor acima, já que Ranke não expôs essa asseveração de forma direta, mas foi assim interpretado por aquele. Se a interpretação foi enunciada de forma correta, ou se está influenciada pelo viés marxista, é algo a se pensar. Afinal, onde o autor se cala é melhor o leitor não falar, ou se falar, como é o caso acima, fazê-lo com muita cautela. Talvez aqui fosse importante se despir por um momento da ideologia, atitude tão vicejada nos escritos de Ranke e sua história positiva.

Um fato que deve ser observado é que a história nos moldes positivistas da Alemanha não é a mesma da que surgiu na França. Os positivistas franceses seguem princípios um tanto diferentes dos defendidos por Ranke, embora todos busquem a objetividade do conhecimento histórico. Conforme Reis, Ranke dá eco às idéias de Hegel, enquanto que na França floresce o positivismo iluminista, de cunho evolucionista, progressista, anti-revolucionário. Ele foi influenciado principalmente pela filosofia positivista comteana, daí surge sua interpretação de que o Espírito perde o papel principal como causa primeira da história, relegando esse lugar ao povo-nação e os seus dirigentes que administram o Estado. Estes últimos seriam os “esclarecidos”, por isso sabem o que fazem e a história é, na verdade, aquilo que esses indivíduos planejaram realizar. É sempre um fim fraterno, buscando uma sociedade moral, que para isso precisa evoluir e progredir. O que ela fez foi defender a República, combater a Igreja Católica e anunciar o nacionalismo (REIS, 1990, p.22).

Destacando muito o termo “método”, surgiu um manual dessa ciência histórica positiva, editado por Langlois e Seignobos. Em sua introdução está bem retratado, sob forma de advertência, que não pretendia mais ser uma filosofia da história, mas aspirava ser antimetafísica, uma história positiva:

Propomo-nos a examinar as condições e os procedimentos e indicar o caráter e os limites do conhecimento histórico. Como chegamos a saber do passado o que é impossível e o que importa saber? O que é um documento? Como tratar os documentos com vistas à obra histórica? Que são os fatos históricos? E como agrupá-los para construir a obra histórica? Um ensaio sobre o método das ciências históricas (LANGLOIS & SEINOBOS, apud REIS, 1990, p. 23).

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Neste trecho do manual percebe-se sua principal intenção: dispensar atenção à heurística, à pesquisa nos documentos e sua localização; bem como operar de forma analítica, expondo os documentos à crítica interna e externa; somada a isso se opera de forma sintética, a fim de que seja elaborada a história, a ordenação dos fatos, a exposição e a escrita da história. E para que tal intento seja alcançado, é lançado mão de várias ciências auxiliares, tais como a epigrafia, paleografia, diplomática, filologia, história literária, arqueologia, numismática e a heráldica. Nisso podem-se observar os principais traços que transformam a escola positiva em um corpo coeso de doutrinas. Parte da ênfase do documento que para alguns autores chega a beirar à adoração, o esforço sempre presente e constante de filtrar o falso e o verdadeiro, a prudência quanto ao engano sobre as fontes, a indagação de cunho metódico e sistemático, e a obsessão do fato histórico. Eles são expressos da seguinte forma por seus autores:

Raciocinamos a partir de certos dados positivos (p.32); substituir, na aprendizagem do historiador, o estudo dos grandes modelos literários e filosóficos pelo dos conhecimentos positivos, verdadeiramente auxiliares das pesquisas históricas, é um grande progresso de data recente (p.37); neste último estágio, o documento é levado a um ponto em que se assemelha a uma das operações científicas pelas quais se constitui uma ciência objetiva: ele se torna uma observação e pode ser tratado segundo os métodos das ciências positivas (p.47); sem erudição não há história (p. 90); e a crítica positiva da interpretação (...) (p.119); a história, para se constituir como ciência (p.228); as formas científicas da história (p. 263) (LANGLOIS & SEIGNOBOS apud REIS, 1990, p.24).

Estão em voga os princípios da história com base científica, positivista, a qual tem sua expressão máxima na primazia do acontecimento como dado, na constante presença da dúvida, que através da observação e da erudição dispensam os moldes literários e metafísicos. Esse manual dominou a produção historiográfica francesa entre 1880 a 1945, surgindo nomes como Fustel de Coulanges, que especializou mais ainda o método crítico. Introduzindo conceitos de Descartes, afirmava ser a história uma ciência pura, diferente da arte. Dispensava sua fé somente no demonstrado e documentalmente comprovado, caindo num dogmatismo, pois acreditava que a história estaria habilitada a encontrar a verdade objetiva dos fatos. Afasta-se um pouco do positivismo comteano ao não buscar leis históricas que pudessem explicar o sentido da história. Queria se sentir seguro ao descrever sua

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história e para isso se ateve aos fatos e não à intuição, à sua idéia pessoal deles. Para Fustel a história

Consiste, como todas as ciências, em constatar os fatos, em analisá-los, em aproximá-analisá-los, em estabelecer relações (...) o melhor dos historiadores é aquele que se mantém o mais próximo possível dos textos e que os interpreta com a máxima justeza, que só escreve e só pensa segundo eles (REIS, 1990, p. 25).

Portanto surge o caráter positivo da historiografia positiva de Fustel nos pressupostos da busca de algo que fale por si, as ciências naturais como modelo de conhecimento objetivo que tenha por ideal o conhecimento verdadeiro e que tenha por base a crítica textual norteada pela rigorosidade, dúvida, certeza e verdade.

É em meio a tudo isso que surge a Escola Positivista na Alemanha de Ranke. Toda carregada de resquícios de sua época, antropologias e filosofias que ora se complementavam, ora destoavam uma das outras dando as costas e procuravam por novas companheiras de caminhada. O providencialismo cristão foi o primeiro a perder muitos amigos, desta vez para o providencialismo racional, o que foi um retorno à filosofia grega adotada pelos romanos. Um novo paradigma com velhas filosofias, uma nova interpretação de antigos conceitos que foram forjados em um período onde a sala de aula era o próprio campo de batalha, onde pensar errado significava não pensar mais. Cito isso ao me lembrar das guerras que rodeavam os filósofos gregos, capturados depois pelos romanos e que tanto viveram quanto morreram por causa de suas filosofias. Mas agora o contexto é outro, essas filosofias estarão a serviço não mais dos deuses gregos e romanos, nem mais do cristianismo, mas da razão mesmo. E isso se chama Positivismo Histórico, determinante para a verdadeira história que conta através dos documentos encontrados nos palácios reais e salas dos governantes o que de fato aconteceu. Se essa história é mais verdade do que as anteriores, é outra questão que merece uma ampla discussão, e sem dúvida nenhuma a resposta não iria agradar muito a um positivista. Ela conta o que outros fizeram ou deram a impressão de ter feito, o que outros disseram ou aquilo que o historiador entendeu o que a alteridade disse. Disso imergem questões intrigantes que nos fazem pensar sobre a possibilidade e a suficiência de uma história meramente descritiva, sem reflexão, sem interferências

Referências

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