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RetratodajovemMarieSklodowska

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Retrato da jovem Marie Sklodowska,

pintado em Paris, em 1892, durante uma reunião de estudantes polacos.

No outubro de 1891, matriculou -se no curso de Ciências da Sorbonne, em Paris, uma jovem polaca chamada Marie Sklodowska.

Os estudantes, interrogavam -se sobre quem seria, estranhando o seu ar tímido, a expressão obstinada e o vestuário austero e pobre. Ninguém sabia ao certo, senão que era uma estrangeira de " nome impronunciável " que escolhia sempre, nas aulas de Física, um lugar na primeira fila. E os olhares dos seus condiscípulos seguiam -na até a sua graciosa silhueta desaparecer no fundo de um corredor. " Belo cabelo ". Durante muito tempo, os seus atraentes cabelos, de um louro acinzentado, foram, para os seus colegas da Sorbonne, o único sinal distintivo da personalidade dessa tímida estrangeira.

Os jovens, porém, não ocupavam a atenção de Marie Sklodowska: a sua paixão era o estudo das Ciências. Considerava perdido qualquer momento que não dedicasse aos livros.

Demasiado tímida para cultivar amizades entre os seus colegas franceses, refugiou -se ao círculo dos seus compatriotas, que formavam uma espécie de ilha polaca no bairro latino de Paris. Aí, a sua vida desenrolava-se, com pacatez monástica, inteiramente consagrada ao estudo. Todo dinheiro que o pai, um obscuro, se bem que competente, professor de Matemática, lhe podia mandar de Varsóvia, não ia além de quarenta rublos por mês; p ara subsistir, em Paris, Marie tivera de trabalhar como governante, na Polônia, e, assim, juntar algumas economias. Poucas: dispunha apenas de três francos diários para pagar todos os seus gastos, inclusive os encargos universitários.

Para poupar carvão, n ão acendia a lareira e passava horas e horas a escrever números e equações, sem sequer se dar conta de que tinha os dedos enregelados e todo o seu corpo tiritava de frio. Chegou a estar

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semanas inteiras sem ingerir outros alimentos além de chá e pão com manteiga. Quando queria festejar algum acontecimento mais feliz, comprava dois ovos, um chocolate e duas ou três peças de fruta.

Este escasso regime alimentar tornou anêmica a rapariga que, alguns

meses antes, tinha deixado Varsóvia estuante de saúde.

Freqüentemente, tinha desfalecimentos e era forçada a recolher ao leito, onde, por vezes, perdia o conhecimento. Ao voltar a si, perguntava -se se não estaria doente, mas resolvia não ligar importância, tal como fazia a tudo o que pudesse alheá -la do seu trabalho. Nunca lhe ocorreu que a sua única doença fosse a fome.

Nem o amor, nem o casamento figuravam nos projetos de Maria. Dominada pela paixão científica, mantinha , aos vinte e seis anos de idade, uma feroz independência pessoal. Conheceu, então, Pierre Curie , um cientista francês. Pierre tinha trinta e cinco anos, era solteiro e, tal como ela, dedicava-se, de corpo e alma, à investigação. Era alto, tinha mãos grandes e sensíveis e uma barba cerradíssima; a expressão do seu rosto era tão inteligente como disti nta.

Desde o seu primeiro encontro, num laboratório, em 1894, simpatizaram um com o outro. Para Pierre Curie, a jovem Sklodowska era uma personalidade desconcertante; extasiava -o poder falar com uma mulher tão encantadora, na linguagem da técnica e das mai s complicadas fórmulas científicas.

Pierre Curie procurou travar, com Marie, relações de amizade e pediu -lhe autorização para a visitar. Com uma cordialidade não isenta de reserva, a jovem recebeu -o no pequeno quarto que habitava. Aí, nesse cenário estreit o e desolado, com o seu rosto de traços firmes e decididos e o seu pobre vestido, Marie estava bela como nunca. O que nela fascinava Pierre era, não só a sua devoção pelo trabalho mas também a nobreza de espírito de que dava provas.

Daí a poucos meses, Pie rre Curie propôs-lhe casamento. Casar com um francês significava deixar para sempre a sua família e a sua amada Polônia, coisa que se antolhava como uma insuportável privação. Decorreram dez meses até Marie se decidir aceitar a proposta.

Os primeiros dias da sua vida de casados viveram -nos Pierre e Marie passeando pela campo, em bicicletas compradas com o dinheiro recebido como presente de casamento. Comiam frugalmente e contentavam -se com um regime à base de pão, queijo e fruta; pernoitavam em pousadas desconhecidas e modestas, e, assim, pelo baixo preço de uns milhares de pedaladas e alguns francos para pagar o alojamento nas aldeias por onde passavam, gozaram uma longa e feliz lua -de-mel.

De volta a Paris, o jovem casal foi viver para um pequeno apartamen to no prédio n.º 24 da rua Glacière. As paredes decoraram -nas com prateleiras cheias de livros; no centro da habitação colocaram duas cadeiras e uma grande mesa branca, de madeira. Sobre esta, tratados

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de Física, um candeeiro de petróleo e um ramo de flore s. Era tudo.

Pouco a pouco, Marie foi aprendendo a governar a casa. Inventava pratos que era possível preparar em pouco tempo. Antes de sair, graduava a chama com a precisão de u m físico; deitava um último olhar à panela que ficava ao lume e saía a correr para alcançar, na escada, o marido, em companhia do qual se dirigia para o laboratório. Um quarto de hora mais tarde podia -se vê-la, novamente, regular uma chama, agora de um bico de Bunsen, com a mesma precisão e cuidado que punha em cada um dos seus gest os.

Durante o segundo ano de casados, nasceu -lhes a primeira filha: Irene, que viria a ganhar, anos depois, o Prêmio Nobel. Nunca passou pela cabeça a Marie Curie ter de escolher entre a obrigação de velar pela casa e a carreira de cientista. Cuidava do la r e da filha sem detrimento do seu trabalho no laboratório, trabalho que a levaria à mais importante descoberta da ciência moderna.

Até fins de 1897, Marie tinha obtido dois diplomas universitários, uma bolsa de estudo e publicara um importante trabalho so bre a magnetização do aço temperado. A sua próxima meta era o doutoramento. Ao procurar um projeto de investigação que lhe servisse de tema para a tese, interessou -se vivamente por uma recente publicação do sábio francês Antoine Henri Becquerel, que descob rira que os sais de urânio emitiam espontaneamente, sem exposição à luz, certos raios de natureza desconhecida. Um composto de urânio, colocado sobre uma placa fotográfica coberta por uma folha de papel negro, impressionava a placa através do papel. Era a primeira verificação do fenômeno que Marie viria a batizar com o nome de radioatividade; a natureza da radiação, porém, tal como sua origem, continuavam envoltas em mistério.

A descoberta de Becquerel fascinava o casal Curie. Interrogavam -se quanto `a proveniência da energia que os compostos de urânio irradiavam constantemente. Estavam perante um absorvente tema de investigação, um salto ao reino do ignorado.

Graças à intervenção do diretor da Escola de Física onde Pierre lecionava, Marie conseguiu autoriza ção para utilizar um pequeno depósito que havia no sótão da mesma. A investigação científica naquele quartito não era nada fácil, e a umidade do ambiente, fatal para os sensíveis instrumentos de precisão, não foi pouco perniciosa para a saúde da investigadora.

Enquanto se empenhava no estudo dos raios de urânio, Marie descobriu que os compostos de outro elemento, o tório, emitiam, também espontaneamente, raios semelhantes. Por outro lado, em ambos os casos, a radioatividade era muito mais forte do que a que , logicamente, podia atribuir-se à quantidade de urânio e tório contida nos produtos examinados.

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possível: os ditos minerais deviam conter, ainda que em pequena quantidade, uma substância radi oativa muitíssimo mais poderosa do que o urânio e o tório. Mas qual era essa substância? Nas suas experiências, Marie tinha examinado todos os el ementos químicos conhecidos. Portanto, os minerais examinados deveriam conter uma substância radioativa que, forçosamente, tinha de ser um elemento químico até então desconhecido.

Um elemento novo! Pierre Curie, que seguira o rápido progresso das experiências da mulher com apaixonado interesse, resolveu abandonar os seus próprios trabalhos para se dedicar a ajudá -la. Duas cabeças e quatro mãos porfiavam agora, no di minuto e úmido laboratório, na pesquisa do elemento desconhecido.

Marie e Pierre começaram, pacientemente, por separar e medir a radioatividade de todos os elementos contidos na pechblenda, um minério de urânio; porém, à medida que foram limitando o campo de investigação, as suas descobertas indicaram a existência de dois elementos novos em vez de um. No mês de julho de 1898, os esposos Curie puderam anunciar o descobrimento de uma dessas substâncias. Marie deu-lhe o nome de polônio, em homenagem à sua pátria querida. E, em dezembro do mesmo ano, revelaram a existência de um segundo novo elemento químico na pechblenda, elemento que batizaram com o nome de rádio, dotado de enorme radioatividade. Mas ninguém tinha ainda visto o rádio; ninguém podia dizer qual era o seu peso atômico. Teriam que decorrer quatro anos até o casal Curie conseguir provar a existência do polônio e do rádio e ainda, quando haviam já descoberto um método que permitiria separar os dois elementos, careciam de grandes quantidades de material em bruto para poderem extraí -los.

Das minas de St. Joachimsthal, na Boêmia, extraía -se pechblenda, mineral do qual provêm certos sais de urânio empregados no fabrico do vidro. A pechblenda é um minério caro mas, segundo os cálculos dos Curie, após a separação do urânio, o polônio e o rádio ficavam intactos. Porque não tratar, então, quimicamente esses resíduos da pechblenda que tinham tão escasso valor comercial?

O governo austríaco facilitou o fornecim ento de uma tonelada de resíduos, e com eles foi o casal trabalhar para um barracão abandonado, perto do quartito onde Marie realizara as suas primeiras experiências. O solo do barracão era de terra batida; umas desengonçadas mesas de cozinha, um armário c arunchoso e um velho fogão de ferro constituíam todo o seu mobiliário.

" Apesar de tudo ", escrevia Marie, tempos depois, " naquele miserável casebre passamos os melhores e mais felizes anos da nossa vida totalmente consagrados ao trabalho. Por vezes, pass ava o dia inteiro a agitar uma massa em ebulição com uma vara de ferro, quase tão grande como eu própria. Ao chegar a noite, estava extenuada ". Nestas condições, trabalhou o casal Curie de 1898 a 1902. Com a sua velha bata que o pó e os salpicos dos ácido s enchiam de nódoas e buracos, o cabelo solto e envolto pelo nevoeiro das emanações, que lhe

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atormentavam, por igual, os olhos e a garganta, trabalhava Marie Curie. Finalmente, em 1902, quarenta e cinco meses após terem anunciado a provável existência do r ádio, os esposos Curie alcançaram a vitória: Marie conseguiu preparar um decigrama de rádio puro e determinar o peso atômico deste novo elemento. A partir daí, o rádio passou a ter existência oficial.

Desgraçadamente, os esposos Curie tinham de enfrentar o utros problemas. O ordenado de Pierre na Escola de Física estava longe de ser elevado, e com o nascimento de Irene houve que contratar uma ama, o que aumentou consideravelmente as despesas. Havia que procurar outros recursos. Em 1898, ficou livre a cátedra de Química da Sorbonne e Pierre decidiu candidatar -se. Não teve êxito. Só seis anos depois, quando o mundo inteiro proclamava os seus méritos de cientista, conseguiu Pierre Curie fazer parte do corpo docente da reputada escola. Marie, essa logrou obter em prego como professora de um colégio de raparigas próximo de Versalhes.

Os esposos Curie continuaram o seu labor docente com boa vontade e carinho, sem darem a menor mostra de amargura. A contas com as suas duas ocupações - o ensino e a investigação científ ica -, amiúde se abstinham de comer e, até, de dormir. Por várias vezes, Pierre teve de recolher à cama, torturado por agudas dores nas pernas. Os nervos mantinham Marie de pé, mas a palidez e a magreza do seu rosto alarmavam, seriamente, os seus amigos. E nquanto a radioatividade progredia, o casal de sábi os que a descobrira ia, pouco a pouco, definhando.

Purificado e transformado em cloreto, o rádio surgia como um pó branco, semelhante ao sal de mesa, mas as suas qualidades eram extraordinárias. A intensid ade das suas radiações excedia toda a expectativa, pois era dois milhões de vezes superior à do urânio. Os raios que emitiam atravessavam as substâncias mais duras e opacas e só uma grossa placa de chumbo era capaz de resistir à sua penetração destruidora.

O último e mais maravilhoso dos seus prodígios era que o rádio podia converter-se num aliado do homem no combate contra o cranco. Tinha, pois, uma utilidade prática e a sua extração havia deixado de oferecer um simples interesse experimental. A indústria do rádio ia surgir.

Em vários países tinham -se já estabelecido planos para a exploração de minerais radioativos ( principalmente na Bélgica e nos Estado Unidos ). Todavia, os engenheiros só poderiam produzir o " fabuloso metal " se dominassem o segredo das delicadas operações a que era preciso submeter a matéria-prima. Certa manhã de Domingo, Pierre explicou à esposa o que se passava. Acabara de receber uma carta dos Estados Unidos em que vários engenheiros, que queriam utilizar o rádio, na América, lhe solicitavam informações.

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nossa investigação, processo de purificação incluído, sem reserva alguma.... ( Marie executou, mecanicamente, um gesto de aprovação e murmurou: " Sim, é o que farem os. " ) - ...ou - continuou ele - podemos considerar-nos proprietários e " inventores " do rádio, tirar patente da técnica de tratamento da pechblenda e assegurar os direitos na fabricação do rádio em todo o mundo.

Marie refletiu uns segundos e, depois, di sse:

- Impossível. Seria a negação do espírito científico. Pierre sorriu de satisfação. Marie continuou:

- Os físicos publicam, sempre, o resultado completo das suas

investigações. Se a nossa descoberta tem possibilidades comerciais, isso é um acidente do qual não devemos tirar partido. Além disso, o rádio vai ser utilizado para combater uma doença. Não podemos explorar essa circunstância...

- Hoje mesmo, vou escrever aos engenheiros norte -americanos para lhes comunicar a informação que nos pedem.

Um quarto de hora depois, Pierre e Marie rodavam, sobre as suas bicicletas, para um bosque. Acabavam de escolher para sempre entre a fortuna e a pobreza.

Ao cair da tarde, regressavam, exaustos, braços carregados de flores silvestres.

Em junho de 1993, o Real Insti tuto de Inglaterra convidou, oficialmente, Pierre a pronunciar em Londres uma série de conferências sobre o rádio. Aí, receberam uma chuva de convites para banquetes e cerimônias, pois Londres inteira queria conhecer os pais do rádio. E, em novembro de 1903, o Real Instituto de Londres conferiu, a Pierre e a Marie, uma das suas mais prestigiosas condecorações: a Medalha de Davy.

O reconhecimento público, que se seguiu ao da Inglaterra, proveio da Suécia. A 10 de dezembro de 1903, a Academia das Ciências de Estocolmo, anunciou que nesse ano o Prêmio Nobel da Física seria dividido pelos esposos Curie e por Antoine Henri Becquerel, em reconhecimento das suas descobertas no campo da radioatividade. Este prêmio envolvia a soma importante de quatrocentos e cinqüen ta contos e a sua aceitação não era, de modo algum, " contrária ao espírito científico ". Pierre pode libertar -se da pesada carga que representavam as muitas horas dedicadas ao ensino e, assim, salvar a saúde. Quando receberam o dinheiro, distribuíram pres entes pelo irmão de Pierre e pelas irmãs de Marie.

Marie permitiu -se, também, o prazer de instalar uma moderna casa de banho e de renovar o papel de paredes de toda a habitação; não lhe ocorreu, porém, comprar um chapéu novo, e continuou a dar aulas, ainda que insistisse para que Pierre deixasse o seu trabalho na Escola de

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física.

Quando a fama lhes abriu os braços, os telegramas de felicitações empilhavam-se sobre a sua grande mesa de trabalho; os jornais publicavam milhares de artigos sobre eles e, no cor reio que recebiam, abundavam pedidos de fotografias e de autógrafos, cartas de inventores e, até poemas sobre o rádio.

Na primavera de 1904,Marie escreveu este desabafo: " ... Há sempre ruído à nossa volta! As pessoas distraem -nos do nosso trabalho. Decidi não receber mais visitas; de qualquer modo, não deixam de me importunar. As honrarias e a fama deram cabo da nossa vida. A existência pacífica e laboriosa que levávamos foi completamente desorganizada ".

Ao fim do seu segundo período de gravidez, Marie es tava completamente esgotada. Foi a 6 de dezembro de 1904 que nasceu a sua Segunda filha, Eva, autora desta biografia.

Depressa voltou Marie à rotina da escola e do laboratório. O casal não assistia, nunca, a festas sociais, mas não podia evitar a sua prese nça nos banquetes oficiais em honra de sábios estrangeiros. Para tais ocasiões, Pierre vestia o seu fraque e Marie o único traje de noite que possuía.

A 3 de julho de 1905, Pierre Curie ingressou na Academia das Ciências. Entretanto, a Sorbonne criara, par a ele, uma cátedra de Física, cargo que tanto tinha desejado - mas continuava sem dispor de um laboratório à altura da dificuldade e importância das suas pesquisas.

Oito anos de paciente labor decorreram até Marie conseguir instalar a radioatividade em loc al compatível com o seu papel no mundo moderno. Pierre não chegaria a conhecê -lo.

Eram duas horas e meia da tarde do dia 19 de abril de 1906. Chovia. Pierre despediu -se dos professores da Faculdade de Ciências, com quem tinha almoçado, e saiu para a rua. A o pretender atravessar de um passeio para o outro, meteu -se distraidamente, à frente de um pesado carro, puxado por um cavalo, que avan çava com rapidez. Surpreendido, tentou desviar-se, mas os seus pés escorregaram no pavimento úmido e foi em vão que o con dutor procurou deter o veículo, puxando fortemente as rédeas: o enorme carro, com todo o peso das suas seis toneladas, passara por cima do corpo do sábio. A polícia recolheu o corpo ainda cálido, do qual acabara de escapar -se a vida.

Às seis da tarde daque le mesmo dia, Marie, alegre e cheia de vida, estava à porta de sua casa quando começaram a chegar visitas, em cujos rostos, vagamente, percebeu sinais de compaixão. Enquanto os amigos lhe davam conta do sucedido, Marie permaneceu hirta, petrificada. Ao fim de um largo e obst inado silêncio, moveu os lábios para perguntar:

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" Pierre morreu? Está morto? Não há nenhuma esperança de o salvar? " A partir daquele momento, em que as palavras " Pierre morreu " atingiram, com terrível impacto, o fundo da sua consciênc ia, Marie converteu-se num ser incuravelmente só.

Depois do funeral de Pierre Curie, o governo francês pensou em conceder à viúva e aos filhos do ilustre físico uma pensão nacional. Marie recusou -a.

" Não penso em pensão alguma. Sou ainda suficientemente n ova para ganhar a vida e sustentar -me a mim e aos meus filhos ".

A 13 de março de 1906, o Conselho da Faculdade de Ciências decidiu, por unanimidade, outorgar à viúva Curie a cátedra que havia sido ocupada pelo marido na Sorbonne. Era esta a primeira vez q ue a uma mulher se concedia tão alta posição no ensino universitário francês.

Chegou o dia da sua primeira aula na Sorbonne; a sala estava completamente cheia, bem como todos os corredores de acesso. Em todos os rostos se revelava a curiosidade. Quais seri am as primeiras palavras da nova professora? Começaria por exprimir a sua gratidão ao ministro e ao Conselho Universitário? Evocaria o marido? Não poderia ser de outro modo. O costume exigia que todo o novo professor elogiasse aquele que o tinha precedido. ..

A uma e meia da tarde abriu -se a porta do fundo da aula e apareceu Marie Curie que, no meio de uma tempestade de aplausos à qual correspondeu com uma ligeira inclinação de cabeça, foi ocupar a sua secretária, de frente para os alunos. Sem se sentar, esp erou que a ovação terminasse. Quando o silêncio se fez, deu início à lição, com estas palavras:

" Quando consideramos os progressos conseguidos nos domínios da física durante os últimos dez anos, surpreende -nos o grande avanço das nossas idéias no que resp eita à eletricidade e à matéria.... "

Madame Curie tinha recomeçado o curso com a mesma frase com que o deixara o seu Pierre Curie.

Terminada a lição, a professora, sem uma vacilação, retirou -se, tão rapidamente como tinha entrado.

A fama de Marie Curie cr esceu e espalhou -se. Recebia títulos e diplomas das mais distintas academias estrangeiras. Ainda que não tenha sido admitida como membro da Academia das Ciências, perdendo a eleição por um voto, a Suécia concedeu -lhe o Prêmio Nobel de Química, de 1911. Durante mais de cinqüenta anos, não houve mais ninguém a receber o prêmio por duas vezes.

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Curie de Rádio, dividido em duas seções: um laboratório de radioatividade, dirigido por Madame Curi e, e outro dedicado a investigações biológicas e ao estudo do tratamento do cancro, dirigido por um médico eminente. Contra a vontade da sua família, Marie ofereceu ao Instituto um grama de rádio que ela e o marido havia produzido com as suas próprias mãos e cujo valor se pode calcular num milhão de francos ouro. Até ao fim da vida, ela fez deste laboratório o centro da sua existência.

Em 1921, as mulheres norte -americanas reuniram cem mil dólares - o valor de um grama de rádio - para oferecer a Madame Curi e; em troca, pediram-lhe que visitasse os Estados Unidos. Marie, vacilou; impressionada, porém, com tanto calor e tanta generosidade, dominou os seus temores e aceitou, pela primeira vez na vida, aos cinqüenta e quatro anos, sujeitar -se às obrigações de um a importante visita oficial. Todas as universidades americanas a convidaram a visitá -las; em todo o lado lhe ofereceram condecorações, títulos e diplomas honoríficos. Ela sentia-se siderada pelo ruído e pelas aclamações, os olhares da multidão intimidavam-na e experimentava o terror de ser esmagada por uma daquelas monstruosas vagas humanas que se formavam à sua passagem. A freqüência das deslocações debilitou -a e, por recomendação médica, teve de regressar a França.

Creio que a viagem aos Estados Unidos mo strou a minha mãe o contraproducente do seu isolamento voluntário. Se, como investigadora, podia alhear-se do mundo e dedicar -se, por inteiro, ao seu trabalho, o certo é que Madame Curie, aos cinqüenta e cinco anos, era mais do que uma simples investigador a científica. Era tão grande o seu prestígio pessoal que, unicamente com a sua presença, podia assegurar o êxito de qualquer projeto em que estivesse interessada.

A partir de então fez mais viagens. Congressos Científicos, conferências, cerimônias universi tárias e visitas a laboratórios levaram -na a muitas capitais do globo, onde f oi sempre f estejada e aclamada como nos Estados Unidos da América.

Marie sempre desdenhara das precauções que ela própria, e severamente, impunha aos seus discípulos. Apenas se su bmetia às análises de sangue que eram regra obri gatória no Instituto de Rádio. As análises demonstraram que a constituição do seu sangue era normal, mas isso não a deixou muito preocupada. Durante trinta e cinco anos, manejara rádio e respirara o ar viciad o pelas suas emanações e, durante os quatro anos da guerra, estivera constantemente exposta às radiações, ainda mais perigosas, dos aparelhos de Raios X.

Marie não deu, também, importância a uma ligeira febre que, por fim, começou a afligi -la; mas, em maio de 1934, vitima de um ataque de gripe, viu-se obrigada a recolher à cama. Dela não voltou a levantar -se. Quando, finalmente, o vigoroso coração daquela extraordinária investigadora falhou, a ciência emitiu o seu veredicto: os sintomas anormais, os estranh os resultados das análises de sangue, que não

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tinham precedentes, denunciavam o verdadeiro assassino: o rádio.

A 6 de junho de 1934, pelo meio -dia, sem discursos nem desfiles, sem presença de um político ou de uma alta personalidade, Madame Curie foi a sepultar, no cemitério de Sceaux, numa campa contígua à de Pierre Curie. Só os parentes, os amigos mais íntimos e os colaboradores da sua obra científica, que lhe votavam um terno afeto, assistiram ao funeral.

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