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Projectar com o lugar

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Academic year: 2021

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(1)FACULDADE DE ARQUITECTURA UNIVERSIDADE DE LISBOA. PROJECTAR COM O LUGAR REABILITAÇÃO DO PALÁCIO DOS DUQUES DE AVEIRO. Ana Margarida Ribeiro Fernandes (Licenciada) Projecto Final de Mestrado Projecto para obtenção do Grau de Mestre em Arquitectura. Orientador Científico: Professor Doutor Amílcar de Gil e Pires Co-Orientadora: Professora Doutora Ana Cristina dos Santos Guerreiro. Júri: Presidente: Vogais:. Doutor Ricardo Silva Pinto Doutor Amílcar de Gil e Pires Doutora Maria Soledade de Sousa. Lisboa, FAUL, Dezembro de 2013.

(2) FACULDADE DE ARQUITECTURA UNIVERSIDADE DE LISBOA. RESUMO. Título da Dissertação: Projectar com o Lugar: Reabilitação do Palácio dos Duques de Aveiro Nome da Aluna: Ana Margarida Ribeiro Fernandes Orientador: Professor Doutor Amílcar de Gil e Pires Co-Orientadora: Professora Doutora Ana Cristina dos Santos Guerreiro Mestrado: Mestrado Integrado em Arquitectura Data: Dezembro de 2013. O presente trabalho tem como temática principal “Projectar com o Lugar”, sendo a sua base de partida teórica e conceptual na qual se sustenta e desenvolve a proposta de Projecto Final de Mestrado, cujas intenções e desenvolvimento são abordados na seguinte dissertação. A proposta tem como objectivo central a Reabilitação do Palácio dos Duques de Aveiro, assim como o desenvolvimento dos seus espaços de recreio adjacentes sobre as várias escalas que interferem como o respectivo Lugar de intervenção. O pragmatismo e realismo com que se tenta confiar e dotar a proposta prende-se com reflexões relativas a temas no âmbito da Reabilitação; do Património; do Homem; da Memória; do Lugar; do Território, considerando também a realidade económica em que o projecto surge, tentando interligar e dar resposta a todas estas problemáticas, numa proposta de intervenção que ambiciona a ser clara, credível e possível. A abordagem e desenvolvimento do projecto através do desenho, “pensando com as mãos”, abrem caminho à plasticidade das ideias e, por conseguinte, do projecto, que aspira à sua materialização e afirmação por via do meio natural e sociocultural em que vive.. Palavras-chave: Lugar; Património; Memória; Lazer; Jardim; Reabilitação.. I.

(3) FACULDADE DE ARQUITECTURA UNIVERSIDADE DE LISBOA. ABSTRACT. Dissertation Title: Project with the place: Rehabilitation of the Aveiro Dukes’ Palace Student’s Name: Ana Margarida Ribeiro Fernandes Supervisor: Professor Doutor Amílcar de Gil e Pires Co-Supervisor: Professora Doutora Ana Cristina dos Santos Guerreiro Master’s Title: Mestrado Integrado em Arquitectura Date: December 2013. This work has “Project with the place” as its main subject, and is the theoretical and conceptual base that sustains the final Master’s project, whose intentions and development are approached in this thesis. The proposal’s main goal is the Rehabilitation of the Aveiro Dukes’ Palace, together with its adjacent recreational spaces, under several scales that interfere in the intervention Place. The pragmatism and realism trusted and evidenced in this proposal are due to reflections in Rehabilitation, Heritage, Humankind, Memory, Place, Territory; not forgetting, on the other side, the economic context in which the project emerges, trying to connect and answer to all this questions in a credible and possible way. The project’s approach and development through the design process, the “thinking with the hands”, make way to the materialization of its ideas, and, therefore, its own materialization in its natural and sociocultural environment.. Key-words: Place; Heritage; Memory; Leisure; Garden; Rehabilitation.. III.

(4) AGRADECIMENTOS Aos meus pais dedico inteiramente este trabalho. Obrigada por me permitirem ser quem sou e encherem a nossa casa com amor, valores, música e livros, sem os quais eu não teria descoberto o mundo da Arte e Arquitectura. Obrigada pela liberdade que me deram de poder escolher o meu próprio caminho e de (re)conhecer o Mundo pelos meus próprios olhos. Aos meus irmãos e a minha avó um especial agradecimento, por me apoiarem nas longas horas de concentração, até durante a madrugada. O maior agradecimento vai para o Professor Amílcar Pires, não apenas pela orientação deste trabalho, mas também pela confiança em mim depositada e pelo entusiasmo e disponibilidade que em todas as ocasiões me dispensou. Obrigada por reacender a minha paixão pela Arquitectura que me permite, agora, reconhecer a beleza em Lugares, por muitos, esquecidos. Um agradecimento especial à Professora Ana Cristina Guerreiro pelas palavras assertivas e visão artística que sempre inspirou na realização, representação e apresentação do trabalho. Ao Senhor José Parrela e família, assim como ao Senhor António Alberto Osório de Castro e família endereço um enorme agradecimento, pela oportunidade que ocasionaram de poder visitar e fazer o levantamento do edifício em estudo, que neste caso é a casa própria dos mesmos. À Beatriz Correia e à Sandra Correia um muito obrigado pela ajuda que disponibilizaram, tanto no levantamento e medições, como no registo fotográfico, que permitiu a realização dos desenhos rigorosos do Palácio. Bea, és a medida padrão! À Teresa Niza pelas palavras encorajadoras nos longos dias (e noites) de trabalho que nunca me deixaram desanimar pela força e alegria contidas nelas. E claro, um grande agradecimento aos teus dedinhos mágicos. A todos aqueles que me apoiaram incondicionalmente por esta aventura pelo mundo da Arquitectura, dos amigos mais antigos aos desconhecidos que comigo embarcaram neste mundo e a quem agora chamo amigos.. V.

(5) “(…) os arquitectos que exerceram sem uma formação teórica mas apenas com base na experiência das suas mãos não puderam realizar-se ao ponto de lhes reconhecerem autoridade pelos seus trabalhos; também aqueles que se basearam somente nas teorias e letras foram considerados como perseguindo uma sombra e não a realidade. Todavia, os que se aplicaram numa e noutra coisa, como que protegidos por todas as armas, atingiram mais depressa, com prestígio, aquilo a que se propuseram.” Vitrúvio, Tratado de Arquitectura, Livro I. VII.

(6) ÍNDICE I RESUMO. I III. ABSTRACT. III. AGRADECIMENTOS. V. ÍNDICE. IX. ÍNDICE DE IMAGENS. XIII. INTRODUÇÃO. 1. 1. O LUGAR – Descrição da área de intervenção. 3. 1.1. Enquadramento e envolvente – O Objecto Arquitectónico. 3. 1.1.1. Setúbal, Azeitão e Vila Nogueira de Azeitão. 3. 1.1.1.1. A Praça da República 1.1.2. Quinta e Palácio dos Duques de Aveiro. 4 5. 1.1.2.1. A sua génese. 5. 1.1.2.2. A Quinta na actualidade. 8. 1.1.2.3. Uso do Azulejo. 9. 1.1.2.4. Jardins e Espaços de Lazer. 13. 1.1.2.5. Uso da Água como elemento arquitectónico e ambiental. 13. 1.2. O Lugar – Contexto. 14. 1.2.1. Análise do lugar. 14. 1.2.2. A Quinta de Recreio. 17. 2. Capítulo estratégico, conceptual e metodologia. 19. 2.1. Um universo contido – ordem geométrica do Lugar. 19. 2.2. A Natureza como a grande arquitecta - a poética e a força do desenho natural. 22. 2.3. A imaterialidade da intervenção - a fusão dos fluxos naturais e sociais. 23. 2.3.1. Dissimulação na Natureza – a Paisagem como Arquitectura e a Arquitectura como Paisagem. 24. IX.

(7) 3. A Problemática da Reabilitação do Património e do Lugar – Construir no construído 3.1. A Problemática da Reabilitação 4. Estratégia Programática. 25 25 27. 4.1. Definição do programa espacial e funcional. 27. 4.2. Casos de Estudo. 28. 4.2.1. Pousada de Lóios 5. O PROJECTO. 28 31. 5.1. Os Eixos Ordenadores: A Geometrização do Lugar. 31. 5.2. As Pré-existências: Simbologia e Usos. 32. 5.3. O Papel da Água como elemento Arquitectónico. 32. 5.4. A importância da Luz como meio Natural e de objecto de memória e passagem do tempo: Relógio de Sol. 32. 5.5. Contraste do existente com o Novo. 33. 5.6. Justificação programática. 33. 6. CONCLUSÃO. 35. 7. BIBLIOGRAFIA. 37. 8. FONTES DE INTERNET. 41. 9. ANEXOS. 43. II. Análise do Lugar (Apresentação de PowerPoint realizada e Março de 2012). 61. III. Documentos de Apoio. 75. IV. Projecto. 87. IV.1. Memória Descritiva e Justificativa IV.1.1. Programa formal e Quadro de áreas IV.2. Peças Desenhadas. X. 87 89 97. IV.2.1. Planta de Localização - Escala 1:20 000. 99. IV.2.2. Planta de Implantação – Escala 1:2 000. 101. IV.2.3. Planta Piso 0 à cota 111,90 – Escala 1:500. 103. IV.2.4. Planta Piso 1 à cota 115,20 – Escala 1:500. 105. IV.2.5. Planta Piso 2 à cota 118,55 – Escala 1:500. 107.

(8) IV.2.6. Planta Piso 3 à cota 121,80 – Escala 1:500. 109. IV.2.7. Planta de Cobertura à cota 128,00 – Escala 1:500. 111. IV.2.8. Alçado Principal – Nor-Noroeste – Escala 1:500. 113. IV.2.9. Alçado Posterior – Su-Sudeste – Escala 1:500. 113. IV.2.10. Alçado Nascente – És-Nordeste – Escala 1:500. 113. IV.2.11. Alçado Poente – Su-Sudoeste – Escala 1:500. 113. IV.2.12. Corte AA’ – Escala 1:500. 115. IV.2.13. Corte BB’ – Escala 1:500. 115. IV.2.14. Corte B’B – Escala 1:500. 115. IV.2.15. Corte CC’ – Escala 1:500. 115. IV.2.16. Corte DD’ – Escala 1:500. 117. IV.2.17. Corte EE’ – Escala 1:500. 117. IV.2.18. Corte FF’ – Escala 1:500. 117. IV.2.19. Corte GG’ – Escala 1:500. 117. IV.2.20. Corte II’ – Escala 1:500. 119. IV.2.21. Corte I’I – Escala 1:500. 119. IV.2.22. Corte JJ’ – Escala 1:500. 119. IV.2.23 Corte KK’ – Escala 1:500. 119. IV.2.24. Corte LL’ – Escala 1:500. 121. IV.2.25. Corte MM’ – Escala 1:500. 121. XI.

(9) ÍNDICE DE IMAGENS. Figura Capa: Estampa do Palácio datada de cerca de 1895. De A. BLANC | FONTE: RASTEIRO,. Joaquim de Assunção Pedro. Quinta e Palácio da Bacalhoa em Azeitão: Monographia Historico-Artistica, Imprensa Nacional, 1895. Capa. Figura 1: Panorâmica 360° da Praça da República | Fotografia de autoria própria. 4. Figura 2: Desenho do natural por J. Vaz | FONTE: Revista “O Ocidente” Nº 176, Ano 1883. 5. Figura 3: Portão maneirista outrora encimado pelo escudo da família Mascarenhas | Fotografia de autoria própria. 6. Figura 4: Azulejo padrão motivo parra. 10. Figura 5 e Figura 6: Azulejos da Sala dos Tedescos | Fotografia de Sandra Correia. 10. Figura 7: Padrão formado pelo azulejo de padrão; Figura 8: Barra formada pelo azulejo de barra e. 11. Figura 9: Azulejo de canto da barra. 11. Figura 10: Padrão de Azulejos com barra. 11. Figura 11, Figura 12, Figura 13 e Figura 14: Painéis de azulejos da Sala das Quatro Estações | Fotografias de autoria de Sandra Correia. 12. Figura 15: Painel em albarrada na loggia | Fotografia de autoria própria. 12. Figura 16: Panorâmica 180° dos terrenos vistos da loggia | Fotografia de autoria própria. 13. Figura 17: Os eixos organizadores do espaço da Quinta dos Duques de Aveiro. 20. Figura 18: Planta do Convento dos Lóios, edifício existente e nova intervenção | FONTE: Catálogo da Pousada de Arraiolos. 28. Figura 19: Panorâmica 180° do segundo claustro virado para o edifício antigo | Fotografia de própria autoria. 29. Figura 20: Panorâmica 360° do edifício novo e da paisagem | Fotografia de autoria própria. 29. XIII.

(10) INTRODUÇÃO Propõe-se, neste trabalho de Projecto de Final de Mestrado, dentro do tema “Projectar com o Lugar”, a reabilitação do Palácio dos Duques de Aveiro, em Vila Nogueira de Azeitão, para uma Pousada Spa. A abordagem teórica ao tema é feita com todas as suas partes de estruturação do pensamento, como também na sua definição prática projectual. A escolha deste tema assenta portanto no interesse pelo lugar histórico, que permanece com valor e potencialidade, manifestando a sua presença e o seu espírito, despertando os nossos sentidos mais imediatos. Abordagem ao conceito de lugar, seguindo-se das relações íntimas entre a paisagem, a componente sociocultural e a obra arquitectónica, passando pela abordagem mais próxima ao projecto em execução na vertente prática da disciplina de Projecto que pressupõe: levantamento e análise do existente; elaboração do programa e concepção do projecto de reabilitação e requalificação do Palácio e envolvente. Abordagem de cariz fenomenológico, com a preocupação constante de fidelidade à mensagem e coerência do todo, em consonância com a premissa “Projectar com o Lugar”. Projecto de Recuperação de uma quinta, com particular individualidade, testemunho, em uníssono com o seu sítio privilegiado, de uma memória histórica bem vincada, ímpar, que contudo se deixou perder ou desvirtuar com o tempo. Procura a restituição à comunidade de um ponto de recreio, de tranquilidade, de escape, verde. Programa de reabilitação como elemento condutor de todo o projecto: A qualidade do “espaço” antigo e esquecido como elemento de pausa no seio da vida urbana moderna.. Os objectivos do trabalho assentam principalmente na abordagem de uma intervenção responsável num património existente, mas também o contextualizar e reflectir sobre o conteúdo da disciplina de Projecto de Arquitectura; Inserir essa investigação no âmbito prático da disciplina: Projecto de reabilitação do Palácio dos Duques Aveiro em Azeitão;. 1.

(11) Apresentar definições possíveis do conceito de lugar, na perspectiva de melhor o compreender, no contexto da sua relação com a ocupação e apropriação do espaço e os modos como isso acontece; Compreender a noção de lugar enquanto encontro de elementos naturais e artificias, tratando-se do sítio humanizado (podendo essa humanização ser efectiva – arquitectura construída – ou resultante da interpretação humana – como, por exemplo, a paisagem); Compreender a forma como esta relação pode interferir nos caminhos que nos conduzem à reflexão de questões relevantes à concretização do projecto. Hipóteses programáticas no âmbito da Reabilitação do Palácio dos Duques de Aveiro: intervenção de nível turístico para a valorização do património cultural da zona de Azeitão. Também como hipótese de trabalho uma intervenção de nível cultural e de exploração da cultura vinícola, bastante rica na zona de Azeitão.. 2.

(12) 1. O LUGAR – Descrição da área de intervenção 1.1. Enquadramento e envolvente – O Objecto Arquitectónico 1.1.1. Setúbal, Azeitão e Vila Nogueira de Azeitão “Azeitão e os seus limites, as ribeiras de Alcube e da Azenha, tudo palavras de origem árabe, estão testemunhando que os mouros foram os primeiros a desfrutar este viçoso oásis. A confirmar o nome da região, que conta doze povoações, e não obstante a sua riqueza de bosques e pomares, o que lhe dá mais carácter é o revestimento verde-ferro dos espessos olivais… Com efeito, as oliveiras velhinhas de Azeitão, na opinião de Joaquim Rasteiro, são as mais antigas de Portugal, ou seja, do tempo da ocupação dos Muçulmanos. Arrábida, a serra em cujas faldas assentam Azeitão e Aldeia (dos Irmãos) e donde manam as ribeiras de Alculde e da Azenha, outros tantos nomes e traços da vida e cultura moçárabe levam-nos a crer que este arrabalde de Lisboa já fora, recreio e vilegiatura de senhores árabes, ou, melhor, berberes arabizados.”1. Vila Nogueira de Azeitão é uma das localidades de Azeitão, na freguesia de São Lourenço do, sendo esta uma região do Distrito de Setúbal. O nome Azeitão, de origem árabe, deriva de Azzeitum2, que se referia aos extensos olivais encontrados por estes aquando da sua chegada. Os primeiros limites que se conhecem remontam à época medieval e faziam a separação entre Palmela e Almada pertencia nesta altura ao concelho de Sesimbra3, do qual foi desanexado em 1759 quando foi criado o concelho de Azeitão. Era nesta e em outras vilas de Azeitão que a nobreza se fixava por longos períodos, nas Quintas de Recreio4. Este facto determina, então, a existência de diversas quintas, como a Quinta dos Duques de Aveiro, a Quinta da Bacalhoa, a Quinta da Má Partilha e a Quinta das Torres. Hoje em dia, as heranças mais conhecidas de Azeitão passam pela produção de doçaria, de origem conventual, das quais se elegem as Tortas e os Esses de Azeitão, as Roscas, os Queijinhos de Amêndoa, os Amores e as Delicias. Outra das heranças, apesar de muito mais recente que a anterior é a produção de azulejos, mas que se relaciona fortemente com toda a tradição de ornamentação dos Palácio e Quintas de Recreio pertencentes a Azeitão (como exemplo a Quinta dos Duques de Aveiro e Quinta da Bacalhoa). CORTESÃO, Jaime Cortesão, Portugal, a terra e o homem. Ed. Artis, 1966, Empresa Nacional de Publicidade, p. 222. 2 RASTEIRO, Joaquim. Um Passeio a Azeitão in O Azeitonense, nº21, 24 de Dezembro de 1919. 3 http://www.mun-setubal.pt/pt/pagina/freguesia-de-sao-lourenco/_136 [consultado a Janeiro de 2012] 4 PIMENTEL, José Manuel de Vasconcelos Pequito Cortez. Arrábida: História de uma Região Privilegiada, Lisboa: Edições Inapa, 1992, pág. 37 1. 3.

(13) A produção de Queijo e a apicultura são outras das heranças desta região. Uma das heranças que vem dos tempos dos Palácios nobres é a actividade da Caça, que ainda hoje em dia é apreciada por muitos dos moradores e também de pessoas que se deslocam até Azeitão só para esse propósito. Mas a herança mais notória até aos nossos dias é a da Vinha. Aquando da instalação romana, derivado ao clima favorável, a cultura da vinha passou rapidamente a ser o suporte económico rural e que até hoje tem impacto na cultura nacional. Um dos exemplos é empresa vinícola a José Maria da Fonseca que reabilitou a Quinta da Bacalhoa para as instalações suas sede.5. 1.1.1.1. A Praça da República. Figura 1: Panorâmica 360° da Praça da República | Fotografia de autoria própria. Conhecido como antigo Rossio, como era chamada antes de Restauração da Independência, é onde se encontra instalado o Palácio. É também onde está localizado o Pelourinho, um monumento setecentista, que assenta num trono de quatro degraus. De fuste clássico, encimado por um ábaco clássico e capitel de quatro faces, rematado por uma esfera armilar em ferro; entre o ábaco, moldurado na ordem jónica e o capitel de coxim cúbico, assentam, cruzados, quatro ganchos em ferro, tendo cada um, a dois terços do seu comprimento, uma curvatura em meia-cana, donde pende uma argola; as extremidades destes ganchos, são trifurcados na vertical, configurando cabeças de serpente com as mandíbulas abertas, donde emergem línguas viperinas, como que em posição de bote6.. 5 6. http://www.jmf.pt/ [consultado a Janeiro de 2012] http://www.azeitao.net/azeitao/pelourinho.htm [consulado a Janeiro de 2012]. 4.

(14) 1.1.2. Quinta e Palácio dos Duques de Aveiro 1.1.2.1. A sua génese. Figura 2: Desenho do natural por J. Vaz | FONTE: Revista “O Ocidente” Nº 176, Ano 18837. O Palácio dos Duques de Aveiro, ou Quinta dos Duques de Aveiro, como também pode ser designada, por ausência de documentação, não se sabe ao certo a data da sua construção, nem tampouco a sua traça original8. Pensa-se que a construção se tenha iniciado por volta de 15211522, nos terrenos outrora pertencentes ao Convento de Nossa Senhora da Piedade, cedidos por meio de carta de foral, pela Ordem Militar de Sant’Iago, a D. Jorge9, filho bastardo de D. João II, 2º Duque de Coimbra e Mestre da Ordem de Sant’Iago10. Pensa-se que ele terá chegado a pernoitar no palácio que posteriormente foi herdado pelo seu filho, o 1º Duque de Aveiro, do qual o nome se origina.. (em Anexo: Documento 2) PIMENTEL, José Manuel de Vasconcelos Pequito Cortez. Op. Cit., p37. 9 “Jorge de Lencastre, filho natural de D. João II, mestre da Ordem de Santiago e administrador da Ordem de Avis. Tendo a infanta Joana falecido a 12 de Maio de 1490, no Convento de Jesus, o senhorio da vila de Aveiro foi-lhe atribuída, a 24 de Setembro de 1495. D. Jorge foi educado no Convento. A posse embora tenha sido confirmada por D. Manuel em 1500, só se efectivou, como dissemos, em 1520. Os seus descendentes - os Duques de Aveiro - mantiveram este senhorio até 1759” in MARQUES DA SILVA, Maria João Violante Branco - Aveiro Medieval. 2ª. Edição. CM Aveiro. 1997 10 PIMENTEL, José Manuel de Vasconcelos Pequito Cortez. Op. Cit., p. 37. 7. 8. 5.

(15) Após a queda da Casa de Aveiro, a 16 de Dezembro de 1756 foi mandado fazer o inventário de sequestro dos bens da família, do qual este foi o único palácio que não foi demolido e o chão salgado. Os Jesuítas implicados no atentado a D. José I foram aprisionados no Palácio, que fora transformado em prisão11, e o Brasão que encimava a porta foi removido, como se pode ver na Figura 3.. Figura 3: Portão maneirista outrora encimado pelo escudo da família Mascarenhas | Fotografia de autoria própria. Por volta 1775, o projecto de industrialização de D. João IV, concedeu por alvará, gratuitamente com fundos do estado, a Magalhães & Larché, para a fundação da primeira fábrica de chitas portuguesa – a Real Fábrica de Azeitão, destinada ao fabrico de tecido e estamparia. A fábrica esteve em funcionamento até ao final de 1846 e o edifício foi tomado pela Fazenda Nacional em 1873 e vendido em hasta pública a António Carvalho, negociante em São Tomé12. O Palácio e jardins enquadram-se nos edifícios de herança italiana renascentista, de influência serliana13, mas suas características menos acentuadas e até deturpadas colocam-no numa época de transição designada como arquitectura de “estilo chão”14. Este é um dos. Idem, p. 130. Ibidem, p, 132. 13 Serlio apresenta em confronto um edifício medieval e um edifício renascentista, mostrando a regularidade – e a regularização – que o ultimo exemplo, classicista, empreende na fachada e na organização internas dos espaços e respectiva hierarquia, dando o mote para uma quantidade impressionante de projectos que adoptam esta configuração axializada, mesmo que com uma construção mais humilde e simplificada. A consequência são edifícios domésticos solarengos ou apalaçados, como os que desenhou enquanto propostas, e enquanto demonstração de uma racionalidade de traçado e de hierarquização dos respectivos interiores. In SERLIO, Sebastiano. The five books of architecture, Dover: New York, 1982. 14 KUBLER, George, A arquitectura chã portuguesa, Entre as Especiarias e os Diamantes (1521-1706) Vega: Lisboa, 2005. 11 12. 6.

(16) exemplos da versão simplificada oriunda dos ensinamentos de Serlio, são os palácios “casarões” de tipo “chão”. Definida como uma arquitectura de transição, plana, sem arremedos ornamentais ou em número reduzido, e com uma tendência para os volumes simples e as fachadas planas, com vãos rectangulares. Definido por George Kubler, historiador de arte norte-americano, este modo de construir funciona como uma corrente de pleno direito, mas entendida numa situação de “intervalo” entre o Renascimento e o Barroco. É igualmente neste época de transição que se dá uma evolução da casa nobre portuguesa para a planta em “U”15, que começa a constituir o desenho da nova arquitectura civil, como exemplo do Palácio dos Duques de Aveiro e da Quinta do Calhariz. Além da planta em “U” há também a implementação do chamado mezanino sobre o andar nobre, o qual no Palácio dos Duques de Aveiro é implementado no corpo central mais alto, a conferir maior monumentalidade. “(…)constituído por um corpo nobre flanqueado por duas alas que delimitam um largo pátio de entrada16. O corpo central, que mede cerca de 30 metros de frente, domina pela sua altura as restantes construções. A sua fachada é de dois andares e está dividida em três corpos. No andar superior há sete janelas, das quais a central e as laterais estão ornamentadas com frontais triangulares em cujo tímpano se colocaram bustos. O andar inferior tem seis janelas e outras mezaninos que ladeiam um pórtico monumental, emoldurado de colunas dóricas e sobre o qual estão as armas ducais. O escudo foi picado quando da condenação do Ultimo Duque de Aveiro. Uma escadaria de pedra, longa e imponente de dupla rampa – e que outrora foi embelezada com dez estátuas de mármore 17 – dá acesso a uma varanda ampla que reveste a metade inferior do corpo central e para a qual se abre a porta principal do palácio. O corpo central é ladeado por dois outros corpos mais baixos, com cerca de 12 metros de largura, os quais têm três janelas e outras tantas mezaninos. Um terraço ajardinado acompanha as alas e os corpos laterais, continuando-se com o primeiro patamar da escadaria que dá acesso à entrada nobre do edifício. A sala de entrada do palácio, conhecida por Sala dos Tedescos, por ser o local de estacionamento uma guarda alemã, era espaçosa e conduzida por uma dependência do andar superior com 25 metros de comprimento e 10 metros de largura. O tecto era de madeira e as suas paredes estavam azulejadas até ao meio. A ligação com os andares superiores e inferiores fazia-se por duas escadas de um só lance. O corpo central e o lateral direito do edifício incluíam ainda outras salas igualmente de tecto alto dispostas em fiada, entre as quais a sala de recepção do Duque, a sala de jantar e as dependências destinadas a jogos. A ala direita era ocupada, na sua totalidade, em cima pela sala de baile e em baixo por uma outra divisão chamada Sala de Neve. A primeira era muito comprida e alta, tinha um tecto estucado de forma hemicilíndrica, com pinturas alusivas a motivos musicais. As paredes eram revestidas por azulejos e apresentavam 32 vãos, correspondentes a portas e janelas. Esta sala dava para o jardim através de uma grande varanda coberta por madeira, sustentada por dez colunas e revestida parcialmente por azulejos. Dois pequenos corpos em forma de pavilhões. AZEVEDO, Carlos de. Solares Portuguese, Introdução ao Estudo da Casa Nobre, 2ª Ed. Livros Horizonte: Lisboa, 1988, p. 61. 16 RASTEIRO, Joaquim, in Jornal do Comércio de 26 de Setembro de 1983 in PIMENTEL, José Manuel de Vasconcelos Pequito Cortez. Arrábida: História de uma Região Privilegiada, Lisboa: Edições Inapa, 1992, p. 37. 17 BÍVAR, Luís. Inventário e Sequestro da Casa de Aveiro, 1952, p. 341 in PIMENTEL, José Manuel de Vasconcelos Pequito Cortez. Arrábida: História de uma Região Privilegiada, Lisboa: Edições Inapa, 1992, p 37. 15. 7.

(17) ocupavam as extremidades desta janela que comunicava com o jardim por uma pequena escada. Sala das Neves, cujo tecto era suportado por delgadas colunas cilíndricas de mármore. Existia numa das paredes, a uso da época, uma pequena cascata revestida de embrechados de pedrinhas, conchas e pedaços de louça de cor. As salas de ala esquerda eram utilizadas como aposentos dos donos do palácio. Tinham oito janelas e o mesmo número de mezaninos e estavam vidradas a poente. Existiu no seu extremo sul uma passagem para uma tribuna que os Duques possuíam sobre a porta principal da igreja do convento de Nossa Senhora da Piedade e «cujo repágulo os priores do Convento tinham a honra de correr quando os duques queriam assistir dela aos ofícios divinos»18. Esta passagem e a tribuna foram derrubadas pelo terramoto de 1755. As salas desta ala tinham um pé-direito mais baixo e as suas portas e janelas eram de menores dimensões, o que contrastava com as das restantes dependências do palácio. Esta ala possuía ainda uma extensa cave onde estava instalada a adega. Nas traseiras da fachada principal ficavam as dependências dos criados, as cozinhas e ainda o pátio onde se situava o oratório particular do palácio. As cocheiras, muito amplas e com largas portas, ocupavam a parte nascente do edifício e estendiam-se até à entrada.”19. A grande varanda descrita anteriormente é denominada de loggia20 desenhada segundo o estilo que tinha vindo de Itália na segunda metade do século XVII21 e é onde se encontram os painéis em albarrada.. 1.1.2.2. A Quinta na actualidade Hoje em dia o tipo de ocupação feita no Palácio é residencial, tendo este sofrido bastantes alterações, ao que se pensa ser a traça original, para a acomodação destas funções. Pelo facto de a propriedade ser partilhada por diferentes membros de uma mesma família, o palácio encontrase divido em três alas, a direita, central e esquerda, que caracterizam três habitações diferentes. Do terreno original, é sabido que há cerca de vinte anos este era de aproximadamente 4,36 hectares22, mas hoje em dia é de cerca de 2,33 hectares, tendo o restante sido vendido a particulares, os quais foram, ao longo dos anos, construído habitações unifamiliares.. RASTEIRO, Joaquim, in Jornal do Comércio de 26 de Setembro de 1983 in PIMENTEL, José Manuel de Vasconcelos Pequito Cortez. Arrábida: História de uma Região Privilegiada, Lisboa: Edições Inapa, 1992, p. 38. 19 PIMENTEL, José Manuel de Vasconcelos Pequito Cortez. Op. Cit., p. 38. 20 Loggia é um elemento arquitectónico aberto inteiramente ou em um dos lados - como uma galeria ou pórtico coberto e, normalmente, sustentado por colunas e arcos. In http://pt.wikipedia.org/wiki/L%C3%B3gia [Consultado a Janeiro de 2012] 21 CALADO, Margarida. Azeitão, Editorial Presença: 1994, p. 40. 22 Fonte: Levantamento cartográfico feito por estudante de arquitectura em 1989 (Amílcar Pires), no decorrer de um trabalho de projecto. (em Anexo: Documento 3) 18. 8.

(18) 1.1.2.3. Uso do Azulejo “De todos os países europeus, Portugal é aquele cujas paredes mais foram decoradas com azulejos e é também aquele onde mais azulejos se podem ver ainda hoje” 23. Como referido anteriormente, a simplicidade ornamental na fachada é quase tão semelhante como no interior (pelo menos o interior que chegou até nós após todas as transformações de funções de que o palácio foi alvo), à excepção do elemento ornamental recorrente – o azulejo. Não é claro se a utilização do azulejo se estenderia ao jardim, mas muito provavelmente, tendo em conta a utilização dos mesmos em outros jardins como por exemplo, na Quinta do Marquês de Fronteira. A utilização de azulejo em jardim remonta à herança mediterrânica, mas, no Palácio em questão, os únicos vestígios destes elementos são no interior revestindo os planos de parede, onde todas as divisões se encontram revestidas com diferentes padrões de azulejos. A nível cromático os azulejos existente os azulejos variam nos tons de branco, azul e o amarelo. O exemplo da Figura 4 mostra-nos um azulejo em tons de azul e branco, de um motivo vegetal, que ocupam os corredores e salas da ala esquerda do Palácio e que é idêntico a um painel existente no Museu da Cidade de Lisboa, que se pensa ter sido realizado em Lisboa no início do século XVII, a partir dos modelos produzidos em Talavera. Terão sido criados por Juan Fernandez, para decoração do quarto de Filipe II, no Mosteiro do Escorial, segundo José Meco24. O exemplo da Figura 5 apresenta o mesmo motivo vegetal da folha de parra, mas com um cromatismo onde o amarelo faz um maior contraste. Este azulejo desenvolvido em padrão “tapete”, cobre a parede da entrada nobre do edifício.. BERENDSEN, Anne. Titles – A General History, The Viking Press Inc.: Nova Iorque, 1967, p. 69 in CASTELBRANCO, Cristina. Os Jardins dos Vice-Reis Fronteira, Oceanos: Lisboa, 2008 24 MECO, José. O Azulejo em Portugal, Edições Alfa: Lisboa, 1989, p. 134 in CALADO, Margarida. Azeitão, Editorial Presença: 1994, p. 40 23. 9.

(19) Figura 4: Azulejo padrão motivo parra. A nível temático, encontram-se espalhados ao longo do edifício azulejos de padrão, painéis com cenas e alguns murais de tema figurativo em albarrada25. Neste, para além de alguns motivos geométricos, figuram também pequenos elementos como motivos florais e vegetais (folha de parreira. O motivo representado ocupa um (ou em alguns casos mais de um) azulejos (Figura 5) que conjugados com movimentos de repetição, alternância, espelho ou rotação formam um padrão (Figura 7) ou uma barra ( Figura 8) e que com outros iguais tipos de movimento, nos mostram um padrão maior encimado e/ou ladeado por uma barra (Figura 10) também composta por azulejos.. Figura 5 e Figura 6: Azulejos da Sala dos Tedescos | Fotografia de Sandra Correia. Albarrada: motivo decorativo independente (século XVII) que pode ser repetido (século XVIII) e que consiste em ramos de flores em jarra, cesto, vaso ou taça com outros elementos figurativos a ladear (pássaros, crianças ou golfinhos). Caso seja repetido, por exemplo ao longo de um silhar, pode ter outros elementos a servir de divisão (arquitectónicos ou vegetalistas). In http://pt.wikipedia.org/wiki/Azulejo [Consultado a Maio de 2012] 25. 10.

(20) Figura 7: Padrão formado pelo azulejo de padrão; Figura 8: Barra formada pelo azulejo de barra e Figura 9: Azulejo de canto da barra. Figura 10: Padrão de Azulejos com barra. Os azulejos com motivos figurativos localizados na denominada Sala das Quatro Estações representam temáticas quotidianas em alegorias femininas das Quatro Estações (Figura 11 à 14) e são atribuídos por Padre Manuel Frango de Sousa, a cerca de 1615, século XVII, que representa a fase de regresso à policromia26. Estes painéis estariam anteriormente localizados na loggia e terão sido movidos por um dos donos do Palácio, onde no seu lugar se colocaram os painéis em albarrada (Figura 15).. De notar que, em virtude da grande abundância de azulejos existentes no Palácio, o seu proprietário, Sr. Joaquim Oliveira, ofereceu alguns para ornamento de quintas da região, como a do Sr. Cachão, em Santana (Sesimbra) in CALADO, Margarida. Azeitão, Editorial Presença: 1994, p. 42 26. 11.

(21) Figura 11, Figura 12, Figura 13 e Figura 14: Painéis de azulejos da Sala das Quatro Estações | Fotografias de autoria de Sandra Correia. Nestes podem ver-se motivos de figuras femininas como colunas, a suportar com o corpo capitéis e um entablamento. Um dos motivos figurantes é o Brasão da Casa de Aveiro (um dos únicos exemplos que não foi destruído aquando do sequestro da casa). Este painel é de “cerca de quinze metros de comprimento, em estilo que os especialistas consideram ser "pseudo-pompeiano imaginado ou criado por Berain, ornamentista muito apreciado, cujos trabalhos inspirarão tanto os tecelões de Gobelins como os ceramistas de Rouen ou Moustier. O seu aspecto de fresco é acentuado pela disposição inabitual das cores, que foram aqui invertidas. Em vez de serem pintadas em azul sobre fundo branco, as figuras foram desenhadas a branco com jogos de sombras azuladas sobre fundo azul, elegante transposição portuguesa do vermelho de Pompeia.27”. Figura 15: Painel em albarrada na loggia | Fotografia de autoria própria. 27. SEQUEIRA, Gustavo de Matos. Palácios e Solares Portugueses, Lello & Irmão: Porto, 1931.. 12.

(22) 1.1.2.4. Jardins e Espaços de Lazer. Figura 16: Panorâmica 180° dos terrenos vistos da loggia | Fotografia de autoria própria. Do desenho original do Jardim pouco se conhece a não ser as descrições que chegaram até hoje: “O palácio tinha ainda uma grande quinta com quatro ruas muito compridas povoadas de árvores silvestres, agradáveis bosques, boas vinhas e pomares de todo o género de fruta, entre as quais os conhecidos «abrunhos do duque». Possuía também um pequeno jardim com «labirinto», um aviário conhecido como «casa dos passarinhos», lagos e graciosas fontes28.”29. Não existindo documentação original de como a concepção do Jardim se desenharia, além da breve descrição anterior, é difícil saber se o pomar existente de tangerineiras, localizado a Norte do terreno, o qual desenha o limite do terreno com a Estrada Nacional 10, faria parte da traça original do Jardim Formal.. 1.1.2.5. Uso da Água como elemento arquitectónico e ambiental Das fontes e lagos outrora existentes, só chegou até nós um Tanque em forma de Trevo, que ao contrário do existente na Quinta do Palácio de Calhariz, não faz parte do desenho da matriz do jardim formal localizado em frente à varanda em loggia existente a virado para o terreno. A fonte de água deste tanque e a forma de rega do jardim seria uma mina de água existente a Sul, onde a cota do terreno seria mais elevada. Com a venda de porções do terreno COSTA, Padre António Carvalho da. Corografoa Portuguesa. 1869. 2ª Edição, Tomo III, Capítulo II, pp. 210-211 in PIMENTEL, José Manuel de Vasconcelos Pequito Cortez. Arrábida: História de uma Região Privilegiada, Lisboa: Edições Inapa, 1992, p. 38. 29 PIMENTEL, José Manuel de Vasconcelos Pequito Cortez. Op. Cit., p. 38. 28. 13.

(23) que faziam parte da Quinta, e a construção de habitações unifamiliares em seu lugar, a mina de água foi cimentada, perdendo-se assim a fonte de irrigação natural que o terreno teria.. 1.2. O Lugar – Contexto 1.2.1. Análise do lugar O primeiro contacto com o Lugar marca-nos com uma multiplicidade de experiências multi-sensoriais, nas quais a Natureza está presente nos limites conferidos nesse universo contido. Através de uma análise fenomenológica, há uma clara procura da relação com o Lugar do objecto em questão. Este conceito, desenvolvido por Christian Norberg-Schulz, diz-nos que “o alvo essencial da arquitectura é o de transformar um sítio em lugar, ou ainda, descobrir o sentido potencial que está presente num meio, a priori [...] seu Genius Loci” “A identidade Humana pressupõe a identidade de lugar” 30.. As visitas ao local permitem-nos fazer reflexões que nos mostram que o Homem esforçase para criar espaços existenciais significativos com laços vinculativos onde pode habitar. Norberg-Schulz pega no conceito de “Habitar” de Heidegger e relaciona-o com o seu conceito de Genius Loci. "O Homem habita quando consegue orientar-se no seu interior e identificar-se com um ambiente, ou, em resumo, quando sente o ambiente, como significativo. Habitar implica, portanto, algo mais do que “refúgio”. Implica que os espaços onde se vive são “lugares”, na verdadeira acepção da palavra. Um lugar é um espaço que tem carácter.” 31. Desde a Antiguidade o Genius Loci, ou “espírito do lugar”, tem sido reconhecido como a realidade concreta que o homem tem de enfrentar e chegar a um entendimento com a sua vida quotidiana.32. NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci – Towards a Phenomenology of Architecture, New York: Rizzoli, 1980, p. 18 31 Idem, p.18 32 Ibidem, p. 5 30. 14.

(24) Sendo o Lugar uma parte integral da existência, a sua palavra dá-nos mais do que uma localização abstracta, dá-nos uma totalidade feita de uma substância material, forma, textura e cor e juntas determinam o “carácter do ambiente”, a sua essência do lugar. Os lugares são, então, totalidades qualitativas onde os eventos “têm lugar”, onde os diferentes componentes se articulam de forma significativa, onde o todo é experienciado mais do que as suas partes constituintes: “Um lugar é, portanto, um qualitativo, fenómeno 'total', que não podemos reduzir a nenhuma das suas propriedades, tais como relações espaciais, sem perder a sua natureza concreta.”33. Então a expressão comum que diz que actos e ocorrências têm lugar, não deve ser relacionada apenas com a vertente funcional: que considera a distribuição espacial e dimensionamento, sendo inimaginável qualquer acontecimento sem uma referência de localização, mas com a noção de que um “aqui” concreto tem a sua própria identidade.34 O “aqui”, onde o Homem habita, vai para além da casa e compromete todo o mundo habitável, novamente Norberg-Schulz pega na noção de “Habitar” de Heidegger35 à qual acrescenta que para o Homem habitar o mundo, este tem de ser tornar “interior” e compreender em si uma identidade particular36, que pode ser como a casa que é “acolhedora”; o escritório “prático”; a igreja “solene”. Os modos de construção, materialidade (que pode mudar com o passar do tempo), os limites por ela impostos e a sua articulação que são decisivos na formulação da identidade do lugar. Ao perceber as características do ambiente, o Homem forma uma imagem que providencia o sentido de orientação e segurança, desenvolvendo, assim, sistemas de distribuição espacial, variável nas diferentes culturas. Esta noção de orientação, muitas vezes dada pelas características naturais existentes no lugar, e a identificação com o lugar, é um traço essencial para uma estrutura bem concebida de percepção do espaço: “identificação e orientação são os Ibidem, p. 8 “Taking place' is usually understood in a quantitative, 'functional' sense, with implications such as spatial distribution and dimensioning. But are not 'functions' inter-human and similar everywhere? Evidently not. 'Similar' functions, even the most basic ones such as sleeping and eating, take place in very different ways, and demand places with different properties, in accordance with different cultural traditions and different environmental conditions. The functional approach therefore left out the place as a concrete 'here' having its particular identity" - Norberg-Schulz, Cristian – Genius Loci – Towards a Phenomenology of Architecture, New York : Rizzoli, 1980, p. 8 35 "The way in which you are and I am, the way in which we humans 'are' on earth, is dwelling...the world is the house where the mortals dwell" 36 "In other words, when man is capable of dwelling the world becomes an 'inside'. In general, nature forms an extended comprehensive totality, a 'place' which according to local circumstances has a particular identity" 33 34. 15.

(25) primeiros aspectos do ser no mundo. Identificação é a base do sentimento de pertença a um lugar e orientação é a função que torna este Homo Viator parte do meio”37. A orientação e identificação formam assim uma espécie de amizade ou relação significativa entre o Homem e o mundo em que habitam.38 A identidade de uma pessoa desenvolve-se pelas características do ambiente a que este acede, e até é dessa forma como este se identifica perante outros dizendo sempre de que cidade vem. A concretização do Genius Loci pressupõe que o ambiente do lugar é tornado visível por edifícios e espaços que reúnem em si as propriedades e significado do lugar e que o tornam parte do homem. A perda do lugar começa a ser um problema alarmante na contemporaneidade, pois o homem contemporâneo, maquinado pelas primeiras descobertas modernistas, pela sua gradual mudança na posição dentro do espaço “habitável” e pela impressão da velocidade no quotidiano (aumento da automação, da industrialização, da produção em série e da divulgação em massa de informações instantâneas)39, a identificação tornou-se um termo indiferente, cercado de diversas outras condicionantes tão ou mais importantes que o próprio sentido de pertença (como por exemplo o funcionalismo). “Pertencer” já não é uma obrigação latente para a absorção dos espaços e é em facto que alguns dos mais notáveis edifícios da actualidade têm como critério a negação do próprio lugar onde se assentam, reflectindo uma verdadeira indisposição em dialogar com o ambiente local, como produto de um cenário e uma mentalidade que chegam a exigir tal procedimento. A procura incansável de um regresso à origem, e o reencontro do Genius Loci tem sido uma ambição de muitos arquitectos da modernidade, mas perceber o lugar como algo existencial, e não apenas formal, torna-se difícil quando a abordagem é demasiado formalista, com gestos demasiado retóricos e vazios. Importa reter a noção de que apenas percebendo o nosso lugar no mundo, e a sua identidade conseguimos participar nele criativamente e contribuir para a sua história.. NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci – Towards a Phenomenology of Architecture, New York: Rizzoli, 1980, p. 22. 38 "Nordic man has to be friend with fog, ice and cold winds; he has to enjoy the creaking sound of snow under the feet when he walks around, he has to experience the poetical value of being immersed in fog...The Arab, instead has to be a friend of the infinitely extended sandy desert and the burning sun. This does not mean that his settlements should not protect him against the natural 'forces'; a desert settlement in fact primarily aims at the exclusion of sand and sun and therefore complements the natural situation. But it implies that the environment is experienced as 'meaningful'" 39 Directamente relacionado com os três excessos de Marc Augé: Excesso de Tempo; Excesso de Espaço e Excesso da Figura do Individuo; - Augé, Marc. Non-Lieux. Paris: Éditions du Seuil, 1992 37. 16.

(26) 1.2.2. A Quinta de Recreio “Chama-se Quinta de Recreio à propriedade rústica que, independentemente da dimensão, inclui terrenos de cultivo, hortas e pomares, edifícios de apoio à exploração agrícola e pecuária, habitações de trabalhadores rurais e, junto à residência do proprietário, zonas de lazer, designadamente jardins, pavilhões, fontes, lagos, pombais e matas, variando em função do estatuto social dos moradores.” 40. A Quinta de Recreio portuguesa surge com uma necessidade do Homem de se relacionar emocional e afectivamente com a paisagem41. É nesta necessidade de se relacionar que um espaço onde a ideia de jardim na cultura portuguesa melhor se materializa e se sente. À região da Quinta de Recreio está subjacente um “espaço existencial”42, na medida em que a porção do mesmo que constitui a quinta é composto por vários lugares e centros topologicamente hierarquizados e estruturados entre si por caminhos. 43 É a proximidade de centros urbanos e o pouco ou nenhum reconhecimento do seu valor identitário que têm contribuído, em muito, para o seu desaparecimento. A Quinta de Recreio é um todo organizado: mata, edifícios, horto de recreio, pomar/horta. A implantação da habitação e das suas dependências anexas encontra vários modos de se fundir com relação ao contexto natural. A todos estes modos de se relacionar com o contexto existente, é comum a proximidade de uma via pública ou privada que instituía junto à casa um limite de propriedade. A casa, apesar de ser o centro da propriedade, não o era planimetricamente, colocando a maioria da propriedade lateralmente à casa. Conferindo a este um lugar versátil, onde recreio e produção compartilham o mesmo espaço, invadindo-se mutuamente, estabelecendo relações formais e funcionais.. MESQUITA, Marieta Dá, História da Arquitectura, Uma proposta de Investigação. O Palácio dos Marqueses de Fronteira como Situação Exemplar da Arquitectura Residencial Erudita em Portugal, Tese de Doutoramento em História da Arquitectura, Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa, Lisboa, 1992 (Policopiado), p. 231. 41 CARAPINHA, Aurora. A Quinta de Recreio. Universidade de Évora, 2008 42 NORBERG-SCHULZ, Christian; Existencia, Espacio e Arquitectura; Editorial Blume; 1975 43 PIRES, Amílcar de Gil e. Vilegiatura e Lugar na Arquitectura Portuguesa. Lisboa: FAUTL, 2008. 2 vol. (contem anexos). Texto policopiado. Tese de doutoramento. 40. 17.

(27) 2. Capítulo estratégico, conceptual e metodologia 2.1. Um universo contido – ordem geométrica do Lugar Da leitura e análise que se fez do Lugar pode dizer-se que a Quinta do Palácio dos Duques de Aveiro está contida na sua essência e nos seus limites físicos. Mas o universo da Quinta de Recreio relaciona-se directamente com o Lugar no qual se assume. O muro é uma forma de impor limite físico, que cria um Universo onde o Homem, Natureza e Arquitectura entram em comunhão. O palácio assume uma localização que, em relação ao restante território, cria um domínio hierárquico resultante da sua implantação na cota mais alta, em relação ao seu acesso principal, sendo possível avistá-lo de longas distâncias e convocando a si, diferentes eixos: um eixo de simetria, orientador, a partir do centro da planta em “U”; um eixo central de simetria a partir da loggia; um eixo orientador do conjunto da Quinta. Como encontro de eixos, o palácio está sujeito a um valor hierárquico superior. A intervenção é baseada num gesto primordial que pretende extravasar o objecto patrimonial a ser reabilitado - o Palácio –, e relaciona-o com a Quinta de Recreio que hoje se encontra descaracterizada, mas da qual ainda sobrevivem as referências físicas que os torna aos dois, um objecto uno. Este objecto (o conjunto da Quinta de Recreio e Palácio) faz parte de uma identidade e memória colectiva e por esta razão é importante a valorização dos seus elementos individuais, bem como do conjunto que compõe a Quina de Recreio. “Em «Arquitectura: Forma, Espacio e Orden», Francis D. K. Ching designa o eixo como sendo, provavelmente o «meio mais elementar de organizar formas e espaços arquitectónicos».44 Tratando-se de uma linha recta que une dois pontos no espaço, ao longo do qual se podem situar um conjunto de elementos formais organizados de forma mais ou menos regular. Esta linha imaginária afirma-se como elemento regulador do espaço.”45 “A Villa d’Este em Tivolli concede todo o enfase ao jardim, o edifício está, excepcionalmente inexpressivo e apagado, enquanto que a arquitectura da Villa Lante é completamente oprimida pelo desenho do jardim. Neste, pela primeira vez, o eixo central da 44. CHING, Francis D. K. Arquitectura: Forma, Espacio e Orden, Ed. Gustavo Gili, México, 1991, p. 184 in PIRES, Amílcar de Gil e. Vilegiatura e Lugar na Arquitectura Portuguesa. Lisboa: FAUTL, 2008. 2 vol. (contem anexos). Texto policopiado. Tese de doutoramento, p. 178. 45 PIRES, Amílcar de Gil e. Vilegiatura e Lugar na Arquitectura Portuguesa. Lisboa: FAUTL, 2008. 2 vol. (contem anexos). Texto policopiado. Tese de doutoramento, p. 178.. 19.

(28) composição é ocupado pelos elementos da paisagem em vez de um edifício – cursos de água, fontes e escadarias altamente controlados e alegorizados – enquanto que a residência cúbica de casino e tímida é empurrada um dos lados”46. O grande gesto baseia-se no conceito de Eixo Ordenador do conjunto que se estende ao longo da área da propriedade, lateral ao Palácio (como no exemplo de Villa Lante). A Nascente cruza-se outro importante eixo, posicionado centralmente à loggia – esta, estando localizada na lateral do edifício de planta em “U” -, o que permite a sujeição do Palácio ao remate de um eixo, que o sobrepõe hierarquicamente à restante propriedade. Este eixo existe enquanto eixo visual e pode ser matéria de valorização do Palácio por via da requalificação do espaço público a Nascente do mesmo – o Jardim Formal. É neste jardim que o Eixo Estruturador e o Eixo de Nascente se encontram – formando um centro.. Figura 17: Os eixos organizadores do espaço da Quinta dos Duques de Aveiro “Desde os tempos mais remotos, o centro representa para o Homem o conhecido em contraste com o desconhecido e o temível mundo circundante. É o ponto de onde toma posição como ser pensante no espaço, o ponto onde mora e vive no espaço” 47. ACKERMAN, James S.. The Villa, Form and Ideology of Country Houses, Princeton University Press: Washington, D.C., 1985, p. 24. [Tradução livre] 47 NORBERG-SCHULZ, Christian. Existencia, Espacio y Arquitectura, Ed. Blume: Barcelona, 1975, p. 22. 46. 20.

(29) É neste centro que poderá estar localizado o Plano Base48 e será celebrado como reduto da memória do Lugar e como símbolo da passagem do tempo. “Um eixo pode ser infinito ou limitado em dois pontos que funcionam como extremos. Pode ser reforçado pelo enquadramento lateral de dois planos verticais que lhe são paralelos e que definem um espaço de configuração linear que o inclui. Uma distribuição simétrica de formas e de espaços também define o aparecimento dum eixo regular.” 49. O Eixo Estruturante tem como extremos, ou remates, elementos de grande importância no conjunto: a Norte uma barreira vegetal – O Pomar; e no extremo oposto será contido pela nova intervenção, que como será materializada mais à frente nos introduzirá o conceito do Plano Superior. O plano Base, referido acima, entra na leitura do espaço como o centro de eixos estruturantes do espaço arquitectónico e com ele podem também conceptualizar-se os planos de base elevados e planos de base rebaixados. Numa análise concreta, em corte longitudinal do espaço da Quinta, podemos concluir que esta nos sugere a existência desses outros planos (ou patamares, no caso concreto do corte): O Plano Rebaixado que é rematado pela cortina vegetal – O Pomar; O plano elevado, onde está presente o elemento da água, localizado no centro do eixo e poderemos até evidenciar um plano ainda mais elevado ao elemento da água, ao qual poderemos atribuir uma importância no culminar do grande gesto projectual. Estes planos em patamar deixam-nos transparecer mais um eixo, que na composição arquitectónica pode não estar logo evidente – O Eixo Visual. Este eixo pode não coincidir com os os eixos referidos anteriormente, pois é resultado de gestos de nível do pensamento arquitectónico que apenas se conseguem evidenciar quando todos os gestos conceptuais se transformam em matéria concreta da arquitectura.. O plano de base é, segundo Francis K. Ching, um elemento arquitectónico de diferenciação hierárquica e funcional. E portanto um elemento que serve o princípio de ordem da hierarquia. in CHING, Francis D.K.. Arquitectura: Forma, Espaço e Ordem, 3ª edição, Editora Martins Fontes: São Paulo, 2002, p. 99. 49 PIRES, Amílcar de Gil e. Op. Cit. p. 178. 48. 21.

(30) 2.2. A Natureza como a grande arquitecta - a poética e a força do desenho natural “o alvo essencial da arquitectura é o de transformar um sítio em Lugar, ou ainda, descobrir o sentido potencial que está presente num meio, a priori [...] seu Genius Loci” 50. A topografia original do Lugar confere uma diferenciação de patamares (ou planos): o inferior, onde se localiza o Pomar, o plano base que localizaria o Jardim Formal, um superior ao anterior, onde está localizado o Tanque e o nível superior, no qual se implantará a nova intervenção com as suas funções integrantes. As soluções para uma intervenção neste Lugar já nos estão sugeridas pela força do desenho natural e de arquitectura que nos chegaram até hoje. É inerente ao Lugar, ditar-nos o que quer ser. “A água surge como no jardim português, menos como um elemento decorativo isolado e mais como um sistema decorativo. Este vale, não tanto pelos vocábulos decorativos (quer de cariz arquitectónico ou naturalista) que apresenta, mas, acima de tudo, pelos diálogos, contrastes formais e funcionais que se encontram no discurso e percurso daquele sistema”51. O elemento água no jardim português surge como um elemento com poderes de reflexão que inverte o espaço e que transforma os raios de luz. Tem um incrível poder psicológico que ao ser sentido possibilita ao lugar tornar-se um espaço poético. As projecções da água sobre o espaço arquitectónico fazem dele um ser divino, neste espelho natural que transporta os acontecimentos do plano vertical para o plano horizontal e que transporta magia para a própria arquitectura, fazendo de nós o sujeito dos sentidos. A sua luz líquida que flutua através do vento e que entra num espaço interior faz dele um espaço sagrado dentro de um mundo de aparente quotidiano. A existência de uma antiga mina de água no terreno proporcionou fisicamente que o elemento da água fosse tratado como elemento de composição do espaço arquitectónico e não só como elemento decorativo. Apesar de cimentada a mina, a água contida nos lençóis freáticos, como elemento imponente vai sempre estar presente. A mina já não existe nesse lugar, mas essa água encontra sempre um outro caminho, o que revela que este elemento é característica intrínseca deste Lugar e, por isso, deve ser tratada como tal. Neste Lugar concreto, este elemento serve de plano reflector, quando utilizado em Tanque ou Lago, mas acima de tudo como elemento que dá origem à vida. Toda a vegetação que poderá existir vai alimentar-se da sua vitalidade e frescura. NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci – Towards a Phenomenology of Architecture, New York: Rizzoli, 1980, p. 18. [Tradução livre] 51 CARAPINHA, Aurora da Conceição Parreira. Da Essência do Jardim Português, Tese de Doutoramento no Ramo de Artes e Técnicas da Paisagem, Universidade de Évora, Évora, 1995. (Policopiado), p. 322. 50. 22.

(31) Com a presença do elemento principal para a existência de vida, a água, a vegetação torna-se um ponto importante presente na Quinta. Não só a cortina de vegetação que remata um dos Eixos Estruturantes, mas toda a outra que resultará de um desenho mais formal no Plano Central Base.. 2.3. A imaterialidade da intervenção - a fusão dos fluxos naturais e sociais “(…) a transparência na arquitectura tem assumido também duas valências possíveis: «uma é a espacial, a outra é a material. Na primeira existe uma continuidade representada pela percorribilidade espacial, na outra é a essência material que determina agregadas relações entre os dois domínios» 52. A recepção, a vivência e a percepção do espaço arquitectónico relacionam-se com a manipulação intencional do limite conferido pelo desenho da arquitectura e a sua materialização na construção. A noção de arquitectura integra, assim, a barreira material construída até ao espaço de transição entre o interior e o exterior que vai dando umbral à definição de âmbitos diferenciados por limites etéreos.” 53. A imaterialidade da intervenção refere-se maioritariamente ao carácter de peso visual e físico da nova intervenção. Não fará sentido uma nova intervenção ser resultante do mesmo peso da intervenção antiga. Para atingir uma imaterialidade quase etérea um carácter de leveza será introduzido. Esta leveza incutirá a nova intervenção de se portar com um Plano Superior, por oposição a um Plano Elevado. Pretende-se que as dinâmicas interior-exterior sejam diluídas fisicamente, assim como visualmente, no qual um possível plano transparente poderá atribuir essa transição ténue. Esses fluxos serão, então, não apenas físicos mas sociais. A diluição de barreiras constrói novas dinâmicas sociais na fruição do espaço.. MESTRINER, Paolo. Inside/Outside, Arquitectura Ibérica: transparências, nº14. Ed. Caleidoscópio, Maio de 2006, p. 32 in GUERREIRO, Ana Cristina dos Santos. Opaco, Translúcido, Transparente: Arte e Arquitectura Contemporâneas entre o Cristalino e o Ambiental. Lisboa: FAUTL, 2009. Texto policopiado. Tese de doutoramento, pp. 9-10. 53 GUERREIRO, Ana Cristina dos Santos. Opaco, Translúcido, Transparente: Arte e Arquitectura Contemporâneas entre o Cristalino e o Ambiental. Lisboa: FAUTL, 2009. Texto policopiado. Tese de doutoramento, p. 10. 52. 23.

(32) 2.3.1. Dissimulação na Natureza – a Paisagem como Arquitectura e a Arquitectura como Paisagem É nos elementos arquitectónicos que contêm água e permitem reflexo que a arquitectura consegue atingir um nível quase etéreo, pois consegue introduzir-se totalmente nos elementos naturais não se dissociando destes. É aqui que os planos arquitectónico e natural se diluem, fazendo com que a comunhão do Homem com a Natureza possa ser plena quando este usufrui o espaço. “É, sem dúvida, o azulejo, de todos os materiais e elementos decorativos usados entre nós, o que mais contribui para a ambiência tão peculiar do horto de recreio português e o transfigura num verdadeiro «país de ilusão», quer pela complexidade simbólica que oferece ao espaço, quer pela cor com que o anima.”54 “É o verde, natural, que predomina no jardim português ao longo de todo o ano, interrompido aqui e acolá por singelas flores de várias cores que irrompem num curto período do ano, de Março ao final de Julho. Quando estas desaparecem, durante a força do estio, ou sob o rigor do Inverno, é pelos azulejos - que adornam e revestem tanques, muros, muretes alegretes, bancos, escadas, fontes, chafarizes – meio escondidos entre as manchas da vegetação, que a cor se perpetua no jardim, tornando-o um lugar onde se esbate a passagem das estações, uma primavera eterna, um espaço sem tempo que escapa às próprias leis da física.” 55. Para além das cores e reflexos que o papel da água nos permite, a utilização da cor e de elementos decorativos de linhas dinâmicas e fluidas na sua composição também se demarcam. Não se valendo apenas dos elementos decorativos mais rígidos, como a azulejaria, mas como elementos naturais, como a própria vinha a nascer nos elementos arquitectónicos, como pérgulas e caramanchões. A fusão da Natureza com a arquitectura torna a intervenção indissociável da paisagem, na qual ela se coloca. É o conjunto dos planos arquitectónicos, o plano verde, o plano transparente e o plano da paleta cromática que o conjunto, como um todo que se consegue constituir uma paisagem. Pois com todos os seus elementos, um projecto que pertencer à Natureza, confundindo-se com ela, absorvendo-a: o projecto como Natureza, os edifícios propostos são todos os elementos constituintes delas.. CARAPINHA, Aurora da Conceição Parreira. Da Essência do Jardim Português, Tese de Doutoramento no Ramo de Artes e Técnicas da Paisagem, Universidade de Évora, Évora, 1995. (Policopiado), p. 324. 55 Idem, p. 325. 54. 24.

(33) 3. A Problemática da Reabilitação do Património e do Lugar – Construir no construído A problemática do património é um tema da contemporaneidade e uma responsabilidade do arquitecto como tema de reflexão e, principalmente, de aprofundamento de conhecimentos. Um dos vectores fundamentais numa intervenção deste tipo é a capacidade de valorizar o elemento patrimonial em presença e colocar as questões pertinentes à forma como se encara o mesmo. Sendo o Palácio dos Duques de Aveiro considerado pelo IGESPAR um Imóvel de Interesse Público (IPP) é da maior importância a sua valorização e o impedimento da sua degradação.. 3.1. A Problemática da Reabilitação As questões que se colocam na acção de reabilitação dos lugares que constituem património fazem-nos reflectir sobre as condicionantes e consequências desta acção na actualidade e levam-nos a seleccionar os modos de actuar e de intervir compositivamente nas preexistências. No início do século XX, estas questões deixaram apenas de ser preocupação de alguns, mas passaram a ser doutrinas adoptadas globalmente por todos os que intervêm no património, em especial os arquitectos. Nos dias de hoje, a preservação dos Lugares é confrontada por dois aspectos: o primeiro prende-se com um desprezo de uma “visão antropológica”56, como premissa maior desta acção; o segundo está relacionado à dualidade entre o tempo cultural local que o Lugar representa e o tempo cultural universal do presente. O primeiro destes aspectos incide no juízo de valor, pelo qual os lugares devem ser preservados. Sendo reconhecível a razão da sua fundação, os lugares são merecedores de salvaguarda, isto é, o modo como exprimiam uma “unidade funcional”57 como a paisagem, o seu 58. “genius locci”. – no fundo, a totalidade do Lugar. A totalidade dos lugares é muitas vezes. remetida a um segundo plano devido à valorização de necessidades económicas e politicas sobre ABREU, Pedro Marques de. Palácios da Memória II. A revelação da arquitectura; Tese para obtenção do grau de Doutor, p. 58 57 NORBERG-SCHULZ, Christian; A paisagem e a obra do homem; Revista Arquitectura, nº 102; p. 52 58 NORBERG-SCHULZ, Christian. Genius Loci – Towards a Phenomenology of Architecture, New York: Rizzoli, 1980, p. 18. 56. 25.

(34) o fundamento antropológico que deve direccionar a acção de salvaguarda do património. Isto resulta numa defraudação de testemunhos físicos da memória colectiva, através da uma massificação construtiva das áreas não edificadas dos Lugares, perdendo-se o seu “genius 59. locci” . O Lugar deixa de ser o contador da sua história e corre o risco de perder a razão para a sua salvaguarda. A possibilidade de garantir a totalidade de um Lugar, recorrendo aos inevitáveis meios de uma cultura universal, depende de um processo de leitura e reconhecimento dos seus valores de Lugar, e este processo constitui a primeira fase do projecto de reabilitação do lugar.. 59. Idem, p. 18.. 26.

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Figura 1: Panorâmica 360° da Praça da República | Fotografia de autoria própria
Figura 3: Portão maneirista outrora encimado pelo escudo da família Mascarenhas | Fotografia de autoria  própria
Figura 5 e Figura 6: Azulejos da Sala dos Tedescos | Fotografia de Sandra Correia
Figura 7: Padrão formado pelo azulejo de padrão; Figura 8: Barra formada pelo azulejo de barra e   Figura 9: Azulejo de canto da barra
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