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Design Líquido: A grelha tipográfica segundo as coordenadas do espaço e do tempo social no design editorial impresso

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Academic year: 2021

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A grelha tipográfica contemporânea

segundo as coordenadas do espaço e do tempo social,

no design editorial impresso

DESIGN

ALICE MENDES PEREIRA

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Esta dissertação foi redigida segundo o antigo acordo ortográfico

A grelha tipográfica contemporânea

segundo as coordenadas do espaço e do tempo social,

no design editorial impresso

Título: Design Líquido, a grelha tipográfica segundo as coordenadas

do tempo e do espaço social no design editorial impresso ©2016 Alice Mendes Pereira e FBAUP

Aluno: Alice Pereira

Orientador: Prof. Doutor Diniz Cayolla

Co-Orientador: Prof. Doutor Eduardo Filipe Aires Curso: Mestrado em Design Gráfico e Projectos Editoriais Instituição: Universidade do Porto, Faculdade de Belas Artes

DESIGN

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ABSTRACT

While claiming for new reference models, the construction of print narratives in the twentieth-first century, due to the excessive and saturation of information that conti-nues to proliferate, has been translated as being fluid – Bauman's (2000) metaphor. The previous rigid architectonic structure of the modernist page disciplined into straight blocks has been replaced by an unpredictable layout of variable geometries, similar to a computer imagery of overlapping window frames, at the same time mutually excluding eachother. Bruinsma (2006) considers the editorial design craft in this context to be of remarkable importance to organize complex clusters of information so as to produce legible and comprehensible visual narratives, while remaining aware to the information interconnectedness.

With the introduction of digital softwares into the graphic design practice enabling the edition of graphic contents, and its manipulation in the various interfaces, the me-ans to organize and to edit contents are endless, resulting into the most various aesthetic models, with no apparent driving link indicating the editorial design’s state of the art. That being said and in the scope of this investigation, the contemporary typographic grid – in the print editorial design – is selected as the subject of study as a means to unders-tand its structure.

In a contemporary overview and within Bauman’s (2000) Liquid Modernity line of thought it is possible to verify the liquidity of societies’ old patterns by analyzing its own structures. Sociologists like Bauman and Harvey (1991) e.g. attribute the modification of these structures essentially to the way as to how societies experience both space and time as shared experiences. Based on the coordinates of both space and time we are able to verify, in an initial stage, that graphic structures mirror social structures throughout the modernity and contemporaneity. In a second stage, also through its structure, we validate the typographic grid’s liquid state.

Key words: print editorial design, contemporary typographic grid, structure, Liquid Modernity, social space and time.

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RESUMO

Ao mesmo tempo que reivindica por uma identificação de novos referenciais, a construção de narrativas em suportes impressos no séc. xxi, devido ao excesso de informação que se acumula e continua a proliferar, tem vindo a traduzir-se numa fluidez, – metáfora usada por Bauman (2000). A anterior estrutura arqui-tectónica da página modernista, rígida e disciplinada em blocos rectilíneos, é substituída por uma configuração de geometrias variáveis e imprevisível, se-melhante a uma imagética de janelas de computador que se sobrepõem e ex-cluem mutuamente. Bruinsma (2006) considera a disciplina do design edito-rial neste contexto de grande importância, no sentido de organizar aglomerados complexos de informação que produzam narrativas legíveis e compreensíveis, mostrando-se ao mesmo tempo sensível à interconectividade da informação.

Com a introdução de softwares de edição gráfica na prática do design gráfico, e a manipulação de vários interfaces, as formas de organizar e editar conteúdos são intermináveis, dando origem aos mais variados modelos estéticos, sem in-dicação aparente de uma linha condutora do estado da arte no design editorial impresso. Neste sentido, e no âmbito desta investigação, a grelha tipográfica contemporânea, – no design editorial impresso – surge como objecto de estudo, no sentido de compreender a sua estrutura.

Num panorama contemporâneo e no enquadramento do pensamento des-crito na Modernidade Líquida por Zigmunt Bauman (2000), é possível verificar uma liquefação dos antigos sólidos padrões das sociedades, recorrendo à aná-lise das suas estruturas. Sociólogos como Bauman e Harvey (1991) e.g, atribuem a alteração destas estruturas essencialmente à forma como as sociedades vi-venciam o espaço e o tempo enquanto experiências partilhadas. Assente nas coordenadas do espaço e do tempo social, o presente estudo verifica numa pri-meira fase, um paralelismo existente entre as estruturas sociais de Bauman e as estruturas gráficas, ao longo da modernidade e da contemporaneidade. Numa segunda fase, e também a partir da análise da sua estrutura, validamos o estado líquido da grelha tipográfica contemporânea.

Palavras Chave: design editorial impresso, grelha tipográfica contemporânea, estrutura, Modernidade Líquida, espaço e tempo social

(5)

Introdução ⋅ 11

CAPÍTULO 1

METODOLOGIA ⋅ 15

CAPÍTULO 2

A GRELHA ⋅ 19

2.1 A Grelha como Estrutura ⋅ 21 2.2 Os Significados da Grelha⋅ 22

2.3 Tipologia da Grelha no Design Gráfico⋅25

2.4 A Grelha Tipográfica no Design Gráfico Moderno ⋅29

CAPÍTULO 3

O ESPAÇO E O TEMPO ⋅37

3.1 O Espaço e o Tempo na Representação Visual Modernista ⋅39 3.2 O Espaço e o Tempo Social ⋅44

3.2.1 Modernidade⋅ 44 3.2.2 Contemporaneidade⋅ 48 CAPÍTULO 4 CONTEXTO HISTÓRICO ⋅ 53 4.1 A Modernidade ⋅ 55 4.2 Modernidade Líquida ⋅ 55 CAPÍTULO 5 SÍNTESE ⋅ 59 CAPÍTULO 6

ANÁLISE DA GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA ⋅ 65

6.1 Casos de Estudo ⋅67

6.2 Análise dos Casos de Estudo da Modernidade⋅ 90 6.3 Análise dos Casos de Estudo da Modernidade Líquida⋅ 93 Conclusão ⋅ 99

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INTRODUÇÃO

O objectivo deste trabalho de investigação assenta numa reflexão sobre a grelha tipográ-fica contemporânea no design editorial impresso, no sentido de determinar o seu estado da arte. Uma vez que a literatura correspondente a este assunto é escassa, ainda assente em conceitos que caracterizaram o design gráfico entre os anos 70 e 90 (período de ex-perimentação e adaptação tecnológica), é necessário empreender uma pesquisa que nos leve à sua essência – estrutura –, permitindo assim obter um conhecimento em que esta se apoia.

Partindo de uma definição de grelha tipográfica como estrutura que compreende e regula os seus elementos (texto, imagem e, restantes membros da página), é empreen-dida uma pesquisa relativamente a conceitos de estrutura que atravessam o seu enten-dimento no design gráfico: os princípios estruturalistas de Piaget (2015) constituem um ponto de partida nesse sentido. De resto, ao analisarmos as características essenciais de uma estrutura, percebemos que esta se apoia em princípios universais de ordem cria-dos pelo Homem, como forma de se organizar enquanto elemento ou grupo dentro de uma sociedade.

Ao longo deste trabalho observamos várias áreas do conhecimento que se intersec-tam na prática do design gráfico e da sua representação, visível na forma como estru-tura a informação. A convicção de que vivemos numa continuação da Modernidade, definida por Bauman (2000) como Modernidade Líquida, leva-nos igualmente a incidir o estudo na identificação de coordenadas que permitam o seu enquadramento neste contexto: as coordenadas do tempo e do espaço social são essenciais na compreensão de uma série de mecanismos associados ao funcionamento das sociedades e da sua or-ganização dentro da mesma, incluindo a forma como estas constroem os seus sistemas de representação .

A grelha no design gráfico tem sido associada a uma visão de controle e discipli-na, reduzindo-a a uma ferramenta tecnicista, não deixando antever outras narrativas. Numa era em que lutamos diariamente para processar e lidar com a profusa densidade de informação a que somos expostos, e a efemeridade a que os meios de representação gráfica estão sujeitos, torna-se necessário abordar a grelha, não só como sistema de re-presentação, mas também, como sistema de significação, no sentido de antever novas estruturas que permitam a orquestração de uma crescente e multidimensional infor-mação no design editorial impresso.

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How we represent

space and time in

theory matters,

because it affects

how we and others

interpret and then

act with respect to

the world.

(8)

Capítulo 1

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METODOLOGIA

DESIGN LÍQUIDO

A GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA

METODOLOGIA

Motivada pela curiosidade relativamente aos fundamentos do de-sign gráfico enquanto disciplina, e pelo questionamento sobre a sua actual configuração formal (no domínio editorial), – no sentido de produzir esse entendimento –, era necessário identificar a sua essência, fazendo simultaneamente, o seu enquadramento numa área que tratasse dum conhecimento sobre as sociedades humanas, – pois, como nos indica Aicher (2015), o design gráfico enquanto fenómeno da comunicação faz parte de um diálogo social.

No sentido de analisar o design gráfico a partir da sua essência, seria indispensável identificar e analisar uma estrutura que o sus-tentasse: a grelha surge como essa estrutura. Uma vez identificada a estrutura do objecto de estudo, seria feita uma pesquisa de literatu-ra que pudesse oferecer o máximo de informação sobre a grelha no design gráfico, mas também, sobre definições de estrutura alheias a este. Os princípios estruturalistas de Piaget que se encontram na base da obra The Grid Book de Hannah Higgins, – dando origem a uma análise antropológica da grelha – foram fundamentais para a concepção deste estudo. O trabalho de Higgins associado a estes princípios, permitiram uma reflexão epistemológica sobre a grelha: por um lado, ao reconhecer a estrutura como um organismo, que ao regular e interagir com os seus elementos, produz sistemas de sig-nificação; por outro lado, ao legitimar a estrutura enquanto instru-mento de organização e de representação que ultrapassa a dimen-são de um micro-universo. A partir do momento em que a estrutura passa a fazer parte de grandes narrativas, é possível assumir os seus princípios universais. É na transição de um contexto micro para um macro universal, e sob a influência de David Harvey, que surgem as coordenadas do espaço e do tempo social associadas a sistemas de navegação ou orientação. Esses sistemas, que são igualmente siste-mas de representação, entram no domínio da representação gráfica do tempo e do espaço (a partir dos seus eixos ortogonais), e portan-to, no domínio do design gráfico (grelha).

Space and time are basic categories

of human existence.

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DESIGN LÍQUIDO

A GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA

CAPÍTULO 2 • A GRELHA

Paralelamente a esta ordem, seria seleccionada uma obra que iria definir o contexto social contemporâneo. A Modernidade Líquida de Zygmunt Bauman assente numa análise sociológica que identifica o percurso, de uma alteração nas estruturas sociais entre a Moder-nidade e a contemporaneidade; e, a sua lucidez aliada a um discurso metafórico – de contornos, por vezes, geométricos – permitiriam quase de imediato, uma identificação formal com o estado da arte no design editorial impresso. A comparação entre a Modernidade e a Modernidade Líquida, fez assim parte da metodologia, no sentido de gerar resultados que fundamentassem as suas diferenças e, pos-teriormente, o propósito desta dissertação.

Relativamente aos casos de estudo que sustentam esta disserta-ção, estes compreendem 5 exemplos de artefactos editoriais inseri-dos na Modernidade e, 6 exemplos inseriinseri-dos na contemporaneida-de ou Mocontemporaneida-dernidacontemporaneida-de Líquida.

Foram seleccionadas publicações de designers representati-vos do movimento modernista, iniciando com uma publicação da Bauhaus de Moholy-Nagy em 1928, e terminando com uma publica-ção de Vignelli em 1974, nos Estados Unidos. A selecpublica-ção dos casos de estudo contemporâneos foi efectuada tendo em conta a sua qua-lidade editorial, baseada em literatura específica, como por exem-plo, Turning Pages, Editorial Design for Print Media ou Slanted: o pri-meiro caso inicia-se com uma publicação de Mike Meiré de 2009, e o último, termina com uma publicação de Felix Egle de 2015, na Bauhaus de Weimar.

Conforme o esquema que será apresentado no capítulo 6, a in-terpretação dos dados poderá ser feita de 2 formas: numa análise a partir da grelha e numa análise estrutural a partir das manchas de leitura ou manchas gráficas. A interpretação empírica dos dados, nos casos de estudo, é fundamentada nas ideias de Bauman, tendo em conta que a Modernidade assume a configuração de um “sólido” e a contemporaneidade a de um “líquido”. Por último, os dados são interpretados, de acordo com uma visão empírica do espaço e do tempo social com base na visão de vários sociólogos.

Capítulo 2

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CAPÍTULO 2 • A GRELHA

DESIGN LÍQUIDO

A GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA

2.1 A GRELHA COMO ESTRUTURA

Grids are ubiquitous carriers of

information, to the degree that we

are not consciously aware of them

on a daily basis. The grid, artifice of

time and space, is woven deeply into

our subconscience. Grids serve as the

underlying structure for modelling

and archiving human thought,

interactions, and events.

Rob Carter, Ben Day e Philip Meggs

O estudo de que a grelha tem sido alvo na arte e no design tem dado origem a discursos distintos. Para alguns, esta é apenas um símbo-lo autotélico da Modernidade enquanto reflexo da abstracção ge-ométrica, da racionalização do espaço ou da desumanização. Para Krauss (1979), a grelha nas artes visuais é uma matriz que se tornou emblemática da ambição modernista, declarando a sua autonomia do universo da arte por ser “achatada, geometrizada e ordenada”, sendo por isso “anti-natural, antimimética e anti-real”. A autora não reco-nhece a existência da grelha antes da pintura cubista, acusando-a de ser hostil para com a literatura, a narrativa e o discurso. Para Hi-ggins (2009), a grelha precede a modernidade e remete-nos para o conceito de civilização, sendo a estrutura visual mais proeminente da cultura ocidental. No design gráfico “a grelha é um princípio com raízes nas sociedades mais antigas do planeta que sobrevive à exis-tência de um determinado significado, criando uma ordem inteligí-vel para esse significado” (Samara 2006:9). Associando a grelha ao pensamento estrutural, Samara reconhece na grelha essa codifica-ção, como uma “característica de culturas que lutam em direcção à civilização” (2006:9). No campo da História da Arte, também Hig-gins reconhece a sua antiguidade, falando da grelha enquanto siste-ma; uma “estrutura para a socialização em grande escala” (2009:9). Na sua obra The Grid Book, uma espécie de biografia de várias gre-lhas que identifica ao longo da História, figurando, entre elas, o ecrã1

da pintura renascentista, o mapa ou o Livro Razão, a autora mos-tra-nos que a grelha enquanto estrutura não só escala informação, como também nos convida à reflexão sobre o funcionamento do indivíduo como ser cultural e social, sendo a grelha capaz de definir relações de poder ou de hierarquia, de regulação e de dualidade, ao mesmo tempo que potencia sistemas de comunicação e de conhe-cimento.

Esta interpretação da grelha é consistente com as teorias estru-turalistas, que ditam que os elementos que uma estrutura contém

1 Ecrã, traduzido do original screen

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DESIGN LÍQUIDO

A GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA

CAPÍTULO 2 • A GRELHA

não são um simples aglomerado de elementos independentes, for-mando antes, uma entidade que é percebida como parte integrante da estrutura de que faz parte. Quando falamos de elementos, refe-rimo-nos às suas linhas horizontais e verticais, circulares ou oblí-quas, e à sua articulação no espaço e no tempo. A natureza de cada elemento não tem significado por si só, sendo antes definida pela relação de todos os outros elementos envolvidos na situação. En-quanto construção (do latim strutura) a grelha é por isso relevante na observação do objecto para que se produzam sistemas de repre-sentação e de conhecimento universais.

2.2 OS SIGNIFICADOS DA GRELHA

“Para além do seu lugar nos bastidores da produção do design, as grelhas têm-se tornado ferramentas teóricas explícitas” (Lupton 2004:113). Como abordado no ponto anterior, podem retirar-se sig-nificados da grelha, a partir das relações construídas e percepcio-nadas entre os seus elementos. O traçar das suas linhas e respectiva construção pressupõem a progressão, a interligação, a delimitação, ou a oposição de conceitos ou objectos, localizados num espaço conceptual ou físico, sugerindo um tipo de coerência construtiva que nos permita relacionar os vários elementos de que é revestida. Embora não pareça, a grelha tem diferentes graus de complexidade e os seus elementos podem ser lidos de várias formas, consoante o posicionamento e a relação com os seus objectos tipográficos2.

No entender de Williamson (1989) o aspecto simbólico da gre-lha não é normalmente considerado, pelo facto de a gregre-lha ter sido usada de forma ostensiva e controladora no movimento moderno do design gráfico do séc. xx. Para a interpretar, o autor propõe que a grelha na Modernidade seja lida com base no plano, a partir das suas sub-formas: a grelha definida pela linha e a grelha definida pelo módulo. Williamson Identifica a sub-forma da grelha definida pela linha, num The Book of Hours do séc. xv: a análise desta grelha não se centra na delineação do espaço que separa o texto e ilustração das margens; a linha neste caso tem um propósito simbólico que ultrapassa o enquadramento por questões estéticas. A partir das ilu-minuras deste livro, Williamson identifica a linha como elemento

de união entre duas realidades bíblicas representadas num alinha-mento vertical da página. Embora se trate de 2 realidades temporais distintas (a figura superior representa o Baptismo de S. João Baptista e a figura inferior o Baptismo de Cristo), esta linha estabelece uma relação visual entre dois eventos particulares que estão unidos por Deus. A linha incorpora o significado de ligação.

Outra forma de analisar a grelha, reporta à capacidade da sua li-nha para indicar uma oposição entre dois objectos. Higgins (2009) ilustra este tipo de grelha no Livro Razão3 no ano de 1299, mais

con-cretamente nas listas financeiras: segundo a autora a adopção do formato de dupla entrada na contabilidade, traz consigo uma visão de polaridade, ao género de uma lista de prós e contras; com ba-lanços da esquerda para a direita; receitas listadas de um lado da conta e despesas no outro; de um lado espólio, do outro obrigações: “Num mundo em que a riqueza já não pertencia apenas ao Rei, era importante justificar a fonte de riqueza de cada um, para provar que tinha sido ganha de forma legítima (…) a conclusão de uma folha de balanço não era simplesmente a rede de valor do negócio, mas também a demonstração de que determinado lucro era moralmente legítimo”. Esta oposição entre dois elementos era “uma indicação de que estados económicos, espirituais e físicos estavam sujeitos às mesmas leis universais de crédito e débito de uma folha de balanço” (137, 139).

Em Cartographies of Time, Rosenberg e Grafton (2010) analisam a linha numa outra dimensão. No que diz respeito à representação do tempo e de acordo com os autores, a linha aparece praticamente em todo o lado: desde textos a imagens ou mesmo em dispositivos. A linha é como uma metáfora do tempo, um continuum linear, onde as timelines constituem o seu maior expoente. Ao mesmo tempo que fazem referência às timelines (linhas do tempo que normalmente imaginamos rectas), fazem igualmente referência ao tempo circu-lar, observado, por exemplo, num relógio analógico: o percurso dos ponteiros deste dispositivo forma uma linha — ainda que invisível — circular. Encontramos a grelha de linha recta em almanaques, ca-lendários, gráficos e diagramas. Assim sendo, a grelha permite-nos depreender significados de direcção, sucessão, progressão e inter-valo entre o antes e o depois ou, da duração de tempos.

3 Livro Razão, traduzido de Ledger book, conceito equivalente ao nosso livro de contabilidade actual. 2 Texto, imagem ou ilustração

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A GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA

CAPÍTULO 2 • A GRELHA

Como diria Kandinsky (1970) a linha é o rasto do ponto em mo-vimento (61): enquanto forma do espaço surge como mediadora da nossa noção do tempo; neste cruzamento do espaço com o tempo, da geografia com a cronologia, reside o nosso referencial de orien-tação espacial ao género de um mapa numa grelha cartográfica. Kra-mer (2010) fala-nos sobre esta distribuição planar do mundo, onde os lugares ou espaços que se originam são resultado da espacializa-ção do pensamento. Estabelece uma relaespacializa-ção directa entre o pensa-mento e os arranjos espaço-visuais, atribuindo a estes, significados ontológicos e epistémicos, uma vez que a realidade se define pela sua capacidade de ser representada em imagens.

A identificação da grelha definida pelo módulo, podemos encon-trá-la no tratado da cor de Chevreul. Este tratado científico da visão que se centra na fisiologia da percepção da luz e da cor, mostra-nos a interacção entre partículas ao longo de um campo contínuo, distri-buídas em módulos. Esta grelha circular tratava de confrontar a cor ‘real’ com a cor ‘vista’, distinguindo um primeiro estímulo cromáti-co (cromáti-cor primária) de um segundo estímulo (cromáti-cor secundária). Nesta grelha modular é possível dividir em secções, as diferentes cores, ao mesmo tempo que nos permite relacioná-las segundo um grau de complementaridade, permitindo a transição contínua de um mó-dulo para o outro.

Um outro exemplo desta grelha encontramo-lo na tipografia, mais especificamente nos tipos móveis de Gutenberg. A intenção de arranjar os caracteres em linhas que se ajustassem ao tamanho da folha na vertical e na horizontal convencionou a construção de unidades que fossem tolerantes à variação da largura e da altura dos caracteres. O uso do módulo neste caso reflecte as relações de ho-rizontalidade e o conjunto de relações horizontais que ocorrem no plano.

O módulo é também sinónimo de previsibilidade. No mapa po-demos observar uma grelha modular, cujas unidades se repetem ao longo do território, indicando-nos uma escala de espaço e tempo para determinada área, à medida que nos deslocamos. Ao mesmo tempo que tornam uma localização previsível, um referencial, as suas coordenadas cartesianas permitem-nos estabelecer relações de comparação entre os territórios abrangidos por cada módulo.

2.3 TIPOLOGIA DA GRELHA

NO DESIGN GRÁFICO

Identificamos neste ponto os tipos de grelha básicos em uso no de-sign gráfico, com uma breve introdução histórica e exemplo da sua utilização.

Grelha Manuscrita Revista La Belle Assemblée, Grã-Bretanha (1807)

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CAPÍTULO 2 • A GRELHA

Grelha Modular

GRELHA MANUSCRITA

Ainda antes de Descartes ter desenvolvido o sistema de coordena-das matemáticas que produziriam uma grelha de linhas, que se cru-zam para formar ângulos rectos, subdividindo o espaço em vários módulos, – já existiam livros. Embora a disciplina do design gráfico fosse ainda inexistente, havia uma preocupação com determinados resultados que produzissem legibilidade e uma harmonia dos ele-mentos visuais. Até ao séc. xx, o livro era o suporte predominante da informação escrita, e as grelhas que continha, serviam essen-cialmente de molduras para áreas de texto: “as margens da pági-na criavam uma barreira imaculada à volta de um bloco sólido de texto” (Lupton 2004:115). Estas margens que formavam um género de moldura nas extremidades da folha, eram desenhadas segundo sistemas que dariam à página, uma sensação de harmonia a partir da Regra de Ouro, do Cânone de van de Graaf ou do Diagrama de Villard. Apesar de alguns manuscritos religiosos anteriores à pren-sa e elaborados em scriptoriums upren-sarem já, mais do que uma colu-na de texto, para a construção da págicolu-na recorria-se normalmente a uma só coluna ou à chamada grelha manuscrita, e a alguns ele-mentos decorativos, sendo a relação entre os eleele-mentos da página relativamente simples.

GRELHA DE COLUNAS

Com a introdução do tipo móvel e os mecanismos de impressão, o texto passou a ser composto de blocos emoldurados por margens, reproduzindo assim, estruturas verticais inevitavelmente recti-líneas, fazendo a divisão do espaço. “Começando com a Bíblia de Gutenberg de 42 linhas (o primeiro livro tipográfico), outros livros igualmente estruturados, acabariam por ser reproduzidos durante o Renascimento, na Alemanha, França e Itália” (Carter, R.; Ben D.; Meggs, P. 2012:92). De acordo com Williamson (1981), o uso da gre-lha a partir do séc. xv, é fruto dos princípios estruturais que estão na base da observação crítica (Descartes) e, viriam a ser determinantes na representação do processo do pensamento racional. Com a me-canização da imprensa na Europa, durante a Revolução Industrial, acompanhada pela produção em massa e o aumento exponencial de literacia, convencionaram-se os primeiros princípios tipográficos estruturais. Este processo não seria imediato, já que “a tradição das belas-artes, (…) reteve consigo sugestões e noções estéticas de um gosto neoclássico. Uma inclinação vitoriana pela arquitectura góti-ca, que se fundia estranhamente com texturas exóticas importadas das proximidades do Império Britânico” (Samara 2006:15).

GRELHA MODULAR

Após o fim da Primeira Guerra Mundial, exploravam-se na Bauhaus, os princípios resultantes dos movimentos artísticos e a melhor for-ma de aliar a funcionalidade à produção mecânica.

A influência de Theo van Doesburg (fundador do de Stijl), com o seu princípio rígido de ordem, seria determinante para uma nova articulação de materiais e técnicas, na concepção gráfica. De acor-do com Roberts (2007), o de Stijl foi particularmente importante na simplificação da representação gráfica: a total abstração da compo-sição com recurso a linhas verticais e horizontais para dividir o es-paço, formavam grelhas com barras sobre cores planas.

O Construtivismo seria igualmente importante ao iniciar a com-posição entre fotografia e imagem. No ponto a seguinte aprofunda-remos o conhecimento sobre esta grelha.

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CAPÍTULO 2 • A GRELHA

DESIGN LÍQUIDO

A GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA

2.4 A GRELHA TIPOGRÁFICA

NO DESIGN GRÁFICO MODERNO

“A grelha tem vindo a evoluir ao longo de séculos de desenvolvi-mento tipográfico” (Lupton 2004:113), e ainda que se inicie a sua análise a partir do século xx, é impossível nomear aqui, todos aque-les que contribuíram de alguma forma para a sua formação, institui-ção e articulainstitui-ção no design gráfico. Para além da própria disciplina do design se estar então a formar, foram muitos os que contribuí-ram de forma mais ou menos directa para a sua cristalização. Se por um lado, o design gráfico surgia num contexto de simbiose entre o artista e a máquina, seria a grelha que lhe iria conferir estatuto, afastando-o de uma simples prática artística. Apesar disso, o debate entre a arte e a tecnologia seria um tema recorrente, influenciando a cada passo o rumo da disciplina. A história da grelha no moder-nismo evolui a par da prática em que se insere, acabando por, em última instância, se fundirem uma na outra. Da existência da grelha importa reter neste ponto, o seu papel na formulação da disciplina do design gráfico e a transformação da sua identidade no decorrer do Modernismo.

Uma das influências predominantes no design gráfico foi o uso da construção geométrica para organizar a página, que tinha vindo a ser explorada pelos artistas dos vários movimentos, desde o início do século, especialmente o Construtivismo e o De Stijl.

A procura de uma função social utilitária na tipografia, viria a fazer da grelha uma ferramenta de construção e de precisão, indis-pensável na formulação de uma disciplina que se queria mostrar tão credível quanto a arquitectura ou a engenharia4.

Como nos indica Hollis (2006) o design gráfico Moderno começa no séc. xx com os artistas no encalço de um novo papel na socieda-de industrializada. Artistas e artesãos trabalhavam em conjunto no sentido de desenvolver técnicas e produtos estandardizados para manipular uma aliciante realidade industrial, criando em simultâ-neo, suportes publicitários para os promover. A Bauhaus

enquadra-4 No seu manual Die Neue Typographie (1925), Jan Tschichold elogia os feitos da engenharia vendo-a como disciplina modelo a ser seguida pelos designers. Chama a atenção para a importância da grelha como principal meio de disciplina e ordem no design gráfico.

When we speak of a ‘cartographic

impulse’ in philosophical and

epistemic respects, we mean graphic

arrangements that can be transformed

into a space of intellectual activity.

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DESIGN LÍQUIDO

A GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA

CAPÍTULO 2 • A GRELHA

-se neste contexto, e durante os anos 20 e início dos anos 30, servi-ria de incubadora para o que viservi-ria mais tarde, a constituir o Estilo Internacional, ou o culminar do Design Gráfico Moderno.

A implementação do primeiro curso académico de Tipografia5

na Bauhaus, em 1925, tinha coincidido com uma reforma pedagó-gica, que se insurgia em resposta a uma nova ordem social assen-te no urbanismo6. A experimentação e o racionalismo eram, sob a

direcção dos arquitectos e directores da escola, uma premissa, es-tabelecendo pontes entre as disciplinas da arquitectura, escultura, pintura e artes aplicadas, baseadas num estudo sistemático dos elementos visuais e da sua aplicação7. O design gráfico acabaria por

reflectir esta interdisciplinareidade, ao mesmo tempo que tentava corresponder a um ideal de estética moderno: o uso da tecnologia industrial em detrimento da produção artesanal e o funcionalismo arquitectónico com a premissa de que “a forma segue a função”8.

O envolvimento do artista ou do artesão com esta tecnologia, exigia uma nova atitude antes impraticável: a máquina impunha um comportamento organizado de rigor, precisão e estratégia no sentido de optimizar a produção e os custos do produto; a estandar-dização fazia parte dessa estratégia e possibilitava a produção em série. Jan Tschichold teria um papel pioneiro, ao apelar a todos os tipógrafos para que incorporassem a estandardização na tipografia, persuadindo em simultâneo, o utilizador, o impressor, o comer-ciante e o fabricante relativamente às suas vantagens. No seu com-pêndio sobre as boas práticas, Die Neue Typographie (1928), reunia uma lista de normas detalhadas indicando as dimensões dos for-matos de papel padronizados DIN9 a adoptar, em várias categorias

tipográficas como publicações periódicas, livros, cartazes, cartões postais, cartas comerciais, envelopes com e sem janela ou cartões de visita. Para além das dimensões dos formatos, o manual incluía ainda dimensões milimétricas da grelha como se de um objecto de design industrial se tratasse, e da hierarquia visual de conteúdos. A noção de estrutura (grelha) estava implícita tanto no formato da folha como na sua subdivisão, (ver imagem da página ao lado).

Outra contribuição importante de Tschichold tinha sido a publi-cação do Elementare Typographie, indicando que a tipografia devia 5 Tipografia de “Typographie” que em alemão abrange a tipografia e o design gráfico (Hollis 2006:11) 7 A Bauhaus tinha vindo a explorar a unidade da forma com o material, e respectivo uso. O curso básico “Vorkus”com Johannes Itten ensinava que a “unidade da forma e do seu propósito estavam intimamente ligadas às qualidades elementares dos materiais e das formas geométricas” (Kostelnick, 2012:11) 9 DIN: Deutsches Institut für Normung, a referência DIN476 correspondia ao sistema de estandardização do papel. 8 Frase do arquitecto Louis H. Sullivan (1856-1924) e que se tornou o lema da prática da Bauhaus na arquitectura, no design industrial e no design gráfico. 6 Entende-se o urbanismo enquanto ciência (moderna) que estuda a cidade e planeia o seu desenvolvimento, resultante da convergência entre a sociologia, a economia e a arquitectura, não deve, por isso, ser confundido com a antiga arquitectura urbana. O urbanismo enquanto necessidade de resolver metodicamente os graves problemas da qual resulta a modificação do fenómeno urbano no contexto da Revolução Industrial: a transformação da estrutura social, da economia e do modo de vida. Cf. A Arte Moderna, do Iluminismo aos movimentos contemporâneos, de Giulio Argan (1992: 185 e 263).

Partes componentes de cartas comerciais, dimensionadas a partir de cotas.

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A GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA

CAPÍTULO 2 • A GRELHA

ser desenvolvida unicamente a partir dos seus constituintes básicos (de tipografia), sem recurso à ornamentação.

A arquitectura que constituía uma das principais promessas de progresso social, continha os mesmos princípios da página impres-sa. Segundo Argan (1992) o arquitecto antes de ser um construtor deveria ser um urbanista e projectar o espaço urbano; reduzir as construções a sólidos geométricos e eliminar os elementos pura-mente decorativos com recurso ao branco, e fazer uso de uma rigo-rosa racionalidade das formas arquitectónicas a partir de deduções lógicas. Este pressuposto funcional juntamente com uma lógica construtiva que se opunha a uma intenção meramente formal, iria acompanhar o design gráfico até ao final dos anos 5010, pela mão

de antigos alunos da Bauhaus como Max Bill ou Théo Ballmer, in-fluenciando igualmente outros designers suíços como Richard Paul Lohse ou Siegfried Odermatt.

Durante a Segunda Guerra Mundial e com o encerramento da Bauhaus, vários designers acabariam por se refugiar na Suíça. É num contexto de neutralidade política e, ao mesmo tempo, num misto de isolamento e segurança entre fronteiras, que os desig-ners desenvolviam o seu trabalho, criando uma tipografia que viria a ser sinónimo da grelha. As escolas associadas ao design gráfico no país eram a Zurich Kunstgewerbeschule e a Allgemeine Gewerbes-chule na Basileia, e apesar de terem vindo a desenvolver uma tra-dição de simplificação formal, estavam no entanto, mais voltadas para a representação simbólica. Max Bill então professor na Zurich Kunstgewerbeschule, seria de acordo com Hollis (2006), o elemento mais decisivo na direcção que o design gráfico tomaria a seguir. A sua estética minimalista mas precisa, juntamente com o seu traba-lho teórico, influenciaria outros designers. A total rejeição da arte, inteiramente livre de qualquer base na realidade observada (Arte Concreta), e uma representação a partir de construções aritméticas, seriam a base para a estrutura da composição da folha. A partir da abstracção e fazendo recurso ao pensamento matemático, dividia o espaço de forma linear em grelhas modulares, progressões aritmé-ticas e geométricas.

Em meados dos anos 40 produziria-se um debate entre a Tipo-grafia Elementar de Tschichold e uma nova TipoTipo-grafia Funcional anunciada por Max Bill. A funcionalidade é retomada por Bill ao acreditar que o “objectivo de qualquer empreendimento tipográ-fico-estético é o de conciliar meios matemáticos e precisos com a arbitrariedade da palavra escrita” (Hollis 2006:145). Desta forma, to-dos os requisitos técnicos, funcionais e estéticos, deviam ser igual-mente cumpridos e no seu conjunto, influenciar o todo.

A ideia de uma estrutura que integra e harmoniza todos os ele-mentos da folha, seria particularmente visível no ensino de Emil Ruder. Para este, a grelha não era simplesmente um elemento es-trutural, mas devia servir um fim utilitário que obedecesse a regras de legibilidade, reprodutibilidade e, de coerência entre todos os ele-mentos da página. Tipos, fotografias, diagramas e ilustrações har-monizavam-se num todo, articulados numa determinada grelha. A grelha começava a ser usada como um sistema que permitia uma in-teracção e união dos seus elementos, e portanto, esta devia ser uma resposta natural a qualquer problema de design. Em Typography, a Manual of Design, Ruder constata que “se um trabalho impresso não tiver legibilidade, este torna-se um produto sem propósito” (1977:5). Este carácter funcional da grelha juntamente com uma visão expan-siva, constituiriam o passo seguinte na sua identidade, enquanto sistema global para responder de forma sistematizada à comunica-ção impressa. Josef Muller-Brockmann contribuiria de forma signi-ficativa para a disseminação destes sistemas com a publicação The Grid Systems. Nesta fala-nos do uso da grelha, como um “desejo de sistematizar e de clarificar”; um “desejo de dominar a superfície e o espaço”, que resultam de um pensamento matemático. Refere-se seu uso como sinónimo de um comportamento democrático onde “trabalhar com um sistema de grelhas significa submetermo-nos às leis de uma validade universal; (…) trata-se de favorecer o pen-samento analítico, e dar à solução do problema uma base lógica e material” (1981:10,12).

O uso da grelha começava a dominar o design europeu e ameri-cano, com o chamado Estilo Internacional já nos anos 60. Uma vez que esta estrutura fazia parte da metodologia do design, ela acabaria 10 Nos anos 50 dá-se

uma transição de uma atitude “construtivista” para uma atitude “anónima”, afirmando--se o conhecido Estilo Internacional ou estilo suíço. (Hollis, 2006:13)

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CAPÍTULO 2 • A GRELHA

por originar discursos mais peremptórios: para Froshaug, não fazia sentido falar de grelha tipográfica, pois “a grelha enquanto estru-tura está implícita na palavra tipografia”: “grelha e tipográfica são palavras estritamente tautológicas” e têm portanto, o mesmo sig-nificado. No seu entender “a palavra tipografia significa escrever/ imprimir” com recurso a elementos estandardizados. O uso desses elementos estandardizados implica qualquer tipo de relação modu-lar entre os elementos. Sendo essas relações bidimensionais, elas implicam a determinação de dimensões que são tanto horizontais como verticais: “a coordenada (x), para a dimensão horizontal das linhas de texto, e a coordenada (y) para a largura individual ou di-mensão vertical dos tipos” (Hyphen Press Journal, 2000).

Paralelamente, na Alemanha dos anos 50 e no rescaldo do Pós--Guerra, também a Hochschule für Gestaltung Ulm tinha vindo a con-tribuir para que o design fosse centrado em princípios universais a partir de uma abordagem científica, incluindo pela primeira vez a aplicação da semiótica à comunicação visual. Fundada por Max Bill, Otl Aicher e Aicher-Scholl, a escola via os designers não como artistas mas como comunicadores, tentando normalizar o ensino do design gráfico ao promover a sua aceitação como parte da pro-dução industrial.

Para o cliente Luftansa desenhariam uma identidade visual composta de logos, tipografia, embalagem entre outros, com re-curso a um sistema de grelhas que uniformizava a comunicação de diferentes escalas e materiais. A grelha podia agora ser usada de forma universal na coordenação dos vários programas de comuni-cação de grandes empresas ou instituições. O objectivo do seu uso no design gráfico, enquanto ferramenta para veicular informação de forma clara e absoluta na comunicação, tinha sido cumprido.

Enquanto a cultura do design se difundia nas mais variadas áre-as, Karl Gerstner aluno de Emil Ruder, surge em meados dos anos 60 e no prelúdio da revolução electrónica, com uma nova abordagem na tipografia, baseada num pensamento de sistemas computacio-nais, a qual considerava ser uma Tipografia Integral11. Os programas

tipográficos por ele definidos consistiam na execução de instruções

similares à dos computadores, oferecendo várias soluções. Citan-do o próprio: “em vez de soluções para problemas, programas para soluções”. Gerstner acreditava que não havia uma solução absoluta para um problema, já que as possibilidades não podiam ser delimi-tadas de forma absoluta. Para ele havia sim um grupo de soluções, sendo que cada uma delas seria a mais adequada, sob determina-das circunstâncias. Cada solução que o designer encontrasse nesta base, seria uma solução integral, a partir da qual conseguiria a uni-dade entre a linguagem e o tipo ou entre a forma e o conteúdo.

Esta linguagem viria a converter-se igualmente numa grelha bas-tante complexa, mas que daria ao designer uma maior flexibilidade. Um exemplo dessa grelha tinha sido desenhada para a Revista Ca-pital, sendo por ele, assim definida: “um programa formal para aco-modar ‘x’ itens desconhecidos; o problema, consiste em encontrar equilíbrio na liberdade máxima, ou no maior número possível de constantes, combinadas com a maior variedade possível” (1968:12).

A grelha tipográfica de Gerstner seria provavelmente o prenún-cio de uma nova era no design gráfico, já que como nos informa Hollis (2006), a sua ideia de programa, ao se apresentar numa estru-tura que consente eventuais permutações, estende-se para além da ideologia modular da qual fazia parte o racionalismo modernista.

11 O conceito de tipografia integral abraçava o de Max Bill mas iria mais longe. De acordo com Gerstner, a tipografia funcional era válida mas “a tipografia integral resulta de uma nova unidade que aspira a um casamento entre linguagem e o tipo, do qual resulta um todo superior. O texto e a tipografia não são apenas dois processos consecutivos, são também elementos que se interpenetram.” (Hollis 2006:66)

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CAPÍTULO 3 • O ESPAÇO E O TEMPO

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Capítulo 3

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CAPÍTULO 3 • O ESPAÇO E O TEMPO

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3.1 O ESPAÇO E O TEMPO,

NA REPRESENTAÇÃO GRÁFICA MODERNISTA

We must make terms with

contemporary spatial experiences

to learn to utilize the visual

representation of contemporary

space-time events.

Gyorgy Kepes

A questão do tempo e do espaço tem merecido a atenção daqueles que tentam estabelecer uma relação entre a realidade envolvente e a produção de práticas, sejam sociais ou culturais. Henri Lefebvre, David Harvey, Manuel Castells e Zigmunt Bauman, são apenas al-guns dos sociólogos que recorrem a estas duas coordenadas, como duas das características base na caracterização da sociedade con-temporânea. Nos anos 80, Stephen Kern dedicava um livro à experi-ência do tempo e do espaço cultural entre 1880 a 1918, analisando os efeitos destas variáveis nas artes. No início do séc. xx também artis-tas como Gyorgy Kepes e Lazlo Moholy-Nagy se iriam interessar na relação do tempo-espaço, para desenvolver uma linguagem visual.

Ernest Gombrich escrevia em Moment and Movement in Art que “en-quanto o problema do espaço e da sua representação na arte tem ocupado a atenção dos historiadores de arte a um nível quase exage-rado, o problema correspondente do tempo e da sua representação tem sido estranhamente negligenciados. (…) nunca foi empreen-dido o seu tratamento de forma sistemática” (1964:293). Uns anos antes também Kepes (1946) pondera sobre a falta de um sistema de representação do movimento, à semelhança do empreendido pela perspectiva para a representação da profundidade no espaço. Na sua opinião a representação e a organização dos eventos era feita de forma comprimida, “sem sérias repercussões nas formulações está-ticas; os eventos eram medidos por coisas, formas estáticas idênti-cas a si próprias numa fixidez perpétua” (176). A perspectiva podia de facto não corresponder a um tempo rápido, mas, como nos indica Romanyshyn (1989), ela representava a espacialização do tempo a partir da intersecção dos seus eixos ortogonais que formavam uma grelha em direcção a um ponto fixo, o que não acontecia na pintura medieval. Mais recentemente, Massironi (2002) sugere que a

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repre-DESIGN LÍQUIDO

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CAPÍTULO 3 • O ESPAÇO E O TEMPO

sentação do tempo não é fácil porque não o vemos.

O dilema da representação do tempo não é novo e na viragem do séc. xix ocupou um lugar de destaque na investigação pictográ-fica dos movimentos artísticos de vanguarda. Os artistas explora-vam novas formas de representar o tempo no sentido de reproduzir uma era industrializada, onde a perspectiva parecia ser obsoleta. O movimento e uma sensação de aceleração no mundo circundante eram registados sobre o espaço da tela. Tanto o Cubismo como o Futurismo reflectiam uma espécie de urgência em direcção ao futu-ro, ao explorarem as várias faces da dimensão temporal; o cubismo desconstruía a ilusão tridimensional da perspectiva e, no caso do Futurismo, a velocidade era intuída a partir do movimento retrata-do nas várias sequências retrata-do objecto.

Na Bauhaus de Weimar, artistas como Paul Klee e Wassily Kan-dinsky, e depois na Bauhaus de Chicago, Gyorgy Kepes e Lázlo Mo-holy Nagy tentavam igualmente identificar uma gramática que pu-desse codificar uma nova linguagem visual12 adequada aos novos

padrões da existência, “uma iconografia dinâmica ajustada à reali-dade contemporânea” (Kepes 1946:14).

Confinados a um espaço bidimensional de uma tela ou de uma folha, numa era em que o factor tempo se sobrepunha à experiência do espaço, os modernistas acabariam por chegar a uma linguagem que pudesse sintetizar toda a experiência. Ao resgatar os elementos básicos da geometria podiam analisar a representação visual na sua estrutura, e portanto, na sua essência.

Nos anos 20, Kandinsky pondera sobre a experiência moderna fazendo uma distinção entre o interior e o exterior. Numa análise sensorial do que representa observar o exterior a partir de uma ja-nela (interior) e em seguida confrontar o exterior (a rua), escreve o seguinte: (…) eis que abrimos a porta: saímos do isolamento, participa-mos desse ser, aí nos tornaparticipa-mos agentes e viveparticipa-mos a pulsação através de todos os nossos sentidos. A alternância contínua do timbre e da cadên-cia dos sons envolve-nos, os sons sobem em turbilhão e, subitamente desvanecem-se. Do mesmo modo, os movimentos envolvem-nos – o jogo de linhas e de traços verticais e horizontais, inclinados pelo movimento para diversas direcções, jogo de manchas coloridas que se aglomeram e se dispersam, com uma ressonância por vezes aguda, outras vezes

gra-ve (1987: 25). No seu livro Ponto, Linha e Plano, da qual é retirada a frase, o autor tenta definir de forma sistemática as suas ideias teó-ricas sobre “uma muito recente ciência da arte” que “ultrapassa os limites da pintura e da própria arte” (19). Numa análise sequencial atribui ao ponto características de imobilidade e à linha caracterís-ticas de movimento, sendo a linha o produto e o rasto do ponto em movimento. O elemento linha adquire uma conotação com o exte-rior, sendo esta um ponto que se move numa determinada direc-ção “com tendência para continuar sempre a direito em direcdirec-ção ao infinito” (61). A linha era para Kandinsky “a forma mais concisa da infinidade de possibilidades do movimento” (61).

A temática do espaço e do tempo na representação gráfica tinha sido também abordada por Klee, fazendo recurso a diagramas de-senhados à mão, mas igualmente com uma componente científica, para fazer uma análise do comportamento da linha e da sua arti-culação nos mais variados contextos. Nos estudos de Klee, a linha apresentava os seguintes comportamentos gerais:

A linha como progressão do ponto; a linha como definição planar; a linha como proporção matemática;

a linha como coordenadora do percurso do movimento; a linha como guia óptico;

a linha como razão óptica;

a linha como equilíbrio psicológico; a linha como projecção da energia;

a linha como símbolo do movimento centrífugo e centrípeto; a linha como símbolo da vontade e da infinidade;

a linha como símbolo da mutação da cor e da harmonia cinética. Nas suas reflexões sobre o uso da linha enquanto elemento estrutural, mostra a sua “articulação divisional” na sua “estrutura mais primitiva”, identificando 3 ritmos: ritmo baseado na repetição; ritmo de duplo movimento e ritmo métrico (ver figuras 1, 2 e 3, res-pectivamente).

12 Esta linguagem viria a servir de teoria base para a concepção do design gráfico moderno.

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CAPÍTULO 3 • O ESPAÇO E O TEMPO

Na tipografia, também Tschichold apelava ao uso da linha dia-gonal e à assimetria para implicar o movimento e o dinamismo da modernidade.

Mais tarde, Gyorgy Kepes começa a incorporar no seu discurso o binómio espaço-tempo como uma nova realidade da linguagem na Pintura, na Fotografia e no Design de Publicidade13. Em Linguagem

da Visão argumenta o seguinte: Devemos enfrentar as experiências es-paciais contemporâneas, de forma a aprendermos a utilizar a represen-tação visual dos eventos contemporâneos do espaço-tempo (…) a nova linguagem deve e vai permitir à sensibilidade humana a percepção de relações espaço-temporais nunca antes reconhecidas (1946:14). Este livro reunia a gramática de uma linguagem visual bastante desen-volvida instruindo sobre os princípios da organização plástica na representação visual, no contexto da dimensão espaço-temporal. Ao explorar o campo visual, sublinhava a importância da estrutura como moldura do espaço a partir do qual era possível contextualizar a acção das unidades ópticas14. (A essa moldura Kandinsky chamava

de plano original, formado por 2 linhas horizontais e duas linhas verticais.) A partir dessa moldura de referência, e dependendo de onde as unidades ópticas se localizassem, o movimento podia ser revelado.

Nos anos 40, Moholy-Nagy incidiria igualmente nesta temática no seu livro Vision in Motion, dedicando um capítulo aos “Proble-mas do Espaço-tempo” onde escrevia: … apareceram no final do séc. xix duas grandes áreas da complexa experiência humana. Uma foi a vi-são em movimento; a outra, a descoberta de que o subconsciente é parte de uma função orgânica do ser humano. Ambos os conceitos constituem na verdade, duas faces do mesmo problema que é o espaço-tempo. Um pertence ao domínio físico e o outro, ao domínio psicológico. Ao mani-pular, medir e experimentar o nosso entorno físico e psicológico, o espa-ço-tempo aparece como uma dimensão adicional, um refinamento nas nossas ferramentas de apreensão do nosso ambiente e connosco den-tro dele (1947: 114). Nesta obra Moholy-Nagy faz uma investigação minuciosa sobre a representação do espaço e do tempo na lingua-gem visual da pintura, referindo-se à pintura contemporânea como “uma superfície plana com um novo conceito cinético de articula-ção espacial, uma visão em movimento” (153). “A visão em

movimen-A LINHmovimen-A ENQUmovimen-ANTO ELEMENTO ESTRUTURmovimen-AL, SEGUNDO KLEE

13 Design publicitário referindo-se ao design gráfico

14 Elementos visuais

Fig. 1 Ritmo baseado na repetição Fig. 2 Ritmo de duplo movimento Fig. 3 Ritmo métrico

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CAPÍTULO 3 • O ESPAÇO E O TEMPO

to é apreensão simultânea. A apreensão simultânea é performance criativa – ver, sentir e pensar devem ser feitos conjuntamente e não como uma série de fenómenos isolados”; A visão em movimento ou a percepção do tempo-espaço significa também “planear, é a dinâ-mica projectual das nossas faculdades visionárias” (153).

3.2 O ESPAÇO E O TEMPO SOCIAL

3.2.1 MODERNIDADE

Como nos indica a Enciclopédia de Sociologia da Blackwell, “toda a vida social é ordenada ao longo do tempo através do espaço. A vida não está apenas enquadrada num tempo-espaço, o tempo e o espa-ço são centrais para a interacção social. A 'localização' da vida social envolve o tempo-espaço como característica constitutiva na cons-trução e na reconscons-trução, daquilo que as pessoas fazem e na forma como o fazem em conjunto. A organização da vida social surge por-que as práticas sociais são rotineiramente feitas para se aproxima-rem através do tempo-espaço enquanto experiências partilhadas”.

Neste ponto será possível entender que o modo como as socie-dades, as instituições e os indivíduos vivenciam o espaço e o tempo, influencia a forma como se organizam e, por conseguinte, a forma como reproduzem os seus sistemas de orientação.

Para que se crie um fio condutor, a análise começa nas socieda-des pré-modernas, de forma a acompanharmos a sua evolução até à contemporaneidade.

De acordo com Lefebvre “até à era moderna o espaço era gene-rosamente atribuído ao Homem e o tempo a Deus” (2004:51). Na era medieval, por exemplo, o entendimento do tempo, mesmo por parte dos escolásticos revelava-se de difícil compreensão e foi ob-jecto de grande debate filosófico ao longo de toda a Idade Média. A sua formulação medieval admitia duas versões: a do tempo real que consistia na medida do movimento entre o “antes” e o “depois”, e a do tempo imaginário que não tem “princípio” nem tem “fim”. Estas formulações eram reforçadas por uma visão sagrada que

impossibi-litava a identificação exacta do início e do fim de um plano divino. De uma forma geral, o tempo percepcionado era o de uma totalidade universal de acordo com o fim do mundo bíblico. Havia sobretudo, uma noção de tempo cíclico que compreendia os ciclos lunares e solares, o ano, a estação e o dia, confinados a único espaço ou ter-ritório.

A fé constituía um ponto de intersecção entre o espaço e o tem-po, ao qual se submetia toda uma prática de ritual e de obediência: as vilas medievais eram construídas em torno das igrejas locais e, nas cidades erigiam-se catedrais no seu centro. Esta configuração topográfica produzia uma noção de espaço central e finito que, alia-do a crenças supersticiosas originava uma experiência limitaalia-dora do conhecimento: “O espaço exterior era entendido de forma fraca e geralmente concebido como uma autoridade externa cosmológica, misteriosamente povoado de anfitriões angélicos ou figuras sinis-tras provindas de mitos ou da imaginação” (Harvey 1989:241).

A representação do espaço e do tempo medieval pode ser obser-vado nos mapas TO: assumia a forma de um círculo circunscreven-do um “T”; a grelha circular representava a cidade de Jerusalém no centro, a partir da qual nascia um corpo de água em forma de “T”. O corpo do “T” simbolizava o mediterrâneo, um dos seus braços re-presentava o rio Don e o outro o rio Nilo. “Este mapa exprimia as di-mensões temporais e físicas da experiência humana através da nar-rativa bíblica” (…) ”esta organização centrípeta ligava a população, conceptual e fisicamente a Cristo que estava simbolizado na cruz da Catedral ao centro da cidade e da consciência” (Higgins 2009:89).

A partir do Renascimento, e com a transição de uma visão sagra-da do mundo para uma visão progressivamente secular, o Homem passa a ser o centro do universo. A substituição do sistema feudal pelo capitalismo mercantil trouxe consigo a activa exploração física do espaço. A mercantilização aliada a um renovado interesse pela cultura clássica grego-romana viria a produzir um conhecimento mais amplo assim como da geografia terrestre. A redescoberta do atlas Geographia de Ptolomeu que continha instruções e os elemen-tos canónicos para representar o globo terrestre a partir da geome-tria da perspectiva linear, iria influenciar o desenvolvimento de

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CAPÍTULO 3 • O ESPAÇO E O TEMPO

uma nova concepção do espaço. O sistema usado por Ptolomeu “era simultaneamente o resultado de uma tentativa de representar uma realidade tridimensional numa superfície bidimensional e um re-gisto do mundo numa grelha, segundo as coordenadas do tempo e do espaço”15 (Higgins 2009:93). Para representar a forma esférica do

globo no papel, Ptolomeu tinha usado um sistema de linhas orto-gonais que convergiam para um único ponto. A consequente adap-tação deste sistema na pintura, criou a partir do ponto de fuga um distanciamento do mundo relativamente ao seu observador: uma visão subjectiva das coisas onde se acentuava a consciência e a li-berdade do indivíduo. Esta experimentação dava a sensação de um controle pessoal sobre o espaço que se configurava total e contínuo.

A adopção do sistema de representação bidimensional de Ptolo-meu, juntamente com as ideias de Descartes16 centradas na

observa-ção crítica das coisas, produziriam grelhas com coordenadas mate-máticas de latitude e longitude indicando com precisão distâncias do espaço físico.

De acordo com Heller (2016) o ateísmo tinha sido essencial para que o Homem do Renascimento tivesse ultrapassado os obstáculos medievais na apreensão da temporalidade. Se antes era impossível identificar o “início” do mundo porque este se tinha constituído como um género de ready-made divino, agora entendia-se essen-cialmente o tempo como uma obrigação de dar continuidade à evo-lução humana que tinha ficado esquecida na antiguidade. Para além desta percepção de continuidade, havia, por outro lado, uma visão de repetição e de paralelismo: “(…) a antiguidade era vista simples-mente como um exemplo de repetibilidade, não se considerando a separação entre o presente e o passado remoto; prevalecia um reco-nhecimento de paralelismo em vez de um recoreco-nhecimento de uma época que se constrói sobre a outra” (Heller 2016:183). Esta vivência do tempo vai ao encontro do discurso de Williamson (1989) sobre a grelha cartesiana que salientava o potencial expansivo do módulo repetido ao longo dos eixos das linhas num continuum, atravessadas por linhas paralelas.

O tempo e o espaço outrora homogéneos e absolutos da perspec-tiva dão lugar a uma experiência de relatividade e pluralidade a par-tir dos finais do século xix, quando os efeitos da Revolução

Indus-trial se começam a fazer sentir. Os desenvolvimentos tecnológicos trariam consigo não só uma restruturação da sociedade mas tam-bém uma nova experiência humana. O indivíduo é apanhado num remoinho de novos fenómenos: a paisagem é agora composta de comboios e barcos a vapor, automóveis, bicicletas, balões, zepelins e aviões. Enquanto símbolos de velocidade, o trajecto que realiza-vam constituía um espaço activo, um veículo de comunicação que potencia uma nova sensação de poder. Os meios de comunicação multiplicam-se e passam a compreender a radiofonia; o telégrafo; a fotografia e o telefone, introduzindo pela primeira vez a experiência de uma simultaneidade espaço-temporal, onde a vivência do real encontra o seu eco num outro lugar. “A comunicação electrónica instantânea (…) afectava o sentido de presente, velocidade, forma e distância” (Kern 2003:6). Esta espécie de crise na experiência do tempo e do espaço criava conflitos na representação alterando as estruturas de narrativa realista17. O alvoroço acabou por ser

inevita-velmente alvo de uma procura pela uniformização literal do tempo. Apesar de já em 1884 ter havido uma proposta para se estabelecer Greenwich18 como meridiano zero, determinando a duração

exac-ta do dia e fixando o início preciso do dia universal, só a partir de 1912 a prática é estandardizada. Se a homogeneização do tempo sig-nificava, por um lado, uma expansão territorial em que era possível comunicar além fronteiras, esta significava também o poder de o controlar racionalmente.

No entender de Giddens (1991) o dinamismo da modernidade de-riva da separação do tempo e do espaço e da sua recombinação em formas que permitam o ordenamento preciso do tempo e do espaço na vida social, considerando a difusão do relógio como o aconteci-mento principal para essa separação. Quando em 1914 Henry Ford abre a primeira linha de montagem automatizada para produzir car-ros, com o intuito de fabricar peças de automóvel estandardizadas por etapas, adopta um sistema de trabalho que ordena o espaço e o tempo de que nos fala Giddens. A prática do Fordismo implicava a fragmentação de tarefas distribuídas pelo espaço para maximizar a eficiência, devendo estas ser executadas num determinado perío-do de tempo. Este processo não só diminuía o tempo de produção como reduzia as funções laborais à rotinização. A rotinização era 15 De acordo com

Higgins as instruções eram baseadas nos relatos de viajantes que eram enviados para uma determinada direcção, durante um dado número de dias. Ptolomeu calculava a velocidade média da viagem ao longo do terreno percorrido e criava uma distância aproximada do local. 16 Segundo Williamson (1986) o discurso do método de 1637, não só servia de princípio que informava o uso e o significado da grelha neste período, seria também uma ferramenta para resolver problemas de design nos finais do séc. xx. 17 Esta afectação era visível na representação e na linguagem pictórica dos movimentos artísticos como o cubismo e o futurismo e também na literatura com a introdução das anacronias.

18 A proposta inicial da estandardização do tempo foi resultante da implementação dos horários dos caminhos de ferro que lutavam contra os diferentes fusos horários dentro do país e entre os restantes países). Em França, por exemplo, havia casos em que numa só região podia haver até 4 fusos horários diferentes, por ainda adoptarem o sistema de leitura solar.

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CAPÍTULO 3 • O ESPAÇO E O TEMPO

sinónimo de monotonia, regularidade, repetibilidade e previsibi-lidade19. Esta prática mecanizada tornar-se-ia comum e reflecte-se

na forma como toda a vida urbana passa a ser controlada pelo tem-po (horários) e pelo espaço. Bauman (2000) reflecte sobre esta di-mensão espaço-temporal ao constatar que “o Fordismo era o cons-ciente da sociedade moderna na sua fase pesada, imóvel, enraizada e sólida (…) era obcecado pelos (…) limites e com torná-los rígidos e impenetráveis. (…) a corrente invisível que prendia os trabalha-dores aos seus locais de trabalho limitando a sua mobilidade, era o coração do Fordismo. (…) A fábrica Fordista – com a sua meticulosa separação entre concepção e execução, iniciativa e instrução/cum-primento, liberdade e obediência, invenção e determinação, (…) era sem dúvida a maior concretização até à data de uma engenharia social que aspira à ordem” (2000: 56, 57, 58).

Enquanto na viragem do séc. xix o mundo se tinha mostrado caótico, agora apresentava-se novamente organizado. Uma vez que, e de acordo com Williamson (1989), Descartes já tinha estabelecido as bases para a geometria analítica para construir a grelha do mapa no renascimento, vindo a salientar a sua abstracção relativamente ao mundo, “a grelha acaba por vir a representar não apenas as leis e os princípios estruturais por detrás da aparência física, mas tam-bém do próprio processo de pensamento racional” (176).

A nível de representação, esta nova concepção de tempo e de espaço regular e modular reproduz-se agora na grelha do design gráfico, num sistema de orientação de um micro-universo, criada para localizar a crescente informação.

19 Bauman fala-nos sobre do tempo da rotinização como sendo um tempo métrico.

3.2.2 CONTEMPORANEIDADE

A contemporaneidade será neste ponto considerada a partir do séc. xxi sensivelmente. Contudo, será descrita a sua transição entre meados do séc. xx e a actualidade, tendo em conta a sua relevância na transição da representação gráfica.

A partir dos anos 50, a televisão era já considerada o principal im-pulsionador de opinião pública, o que significa que este dispositivo era um objecto amplamente acessível a qualquer lar. Nos dez anos

que se seguiram, a TV implementou cor e desenvolveu qualidade técnica, ao mesmo tempo que habituava o espectador a uma ima-gem visual em constante movimento rivalizando com as salas de cinema. A divulgação deste modo de ver e de aceder a uma determi-nada informação, pioneiramente apresentada pelo cinema, anun-ciava um crescente predomínio da experiência do tempo sobre a do espaço. De Kerckhov (1997) descreve esta experiência ao dizer-nos que a informação disponibilizada pela TV é cortada em segmentos mínimos que se entulham ao máximo, no maior curto espaço de tempo possível. Do mesmo modo, também no cinema visualizamos uma imagem em movimento que não nos deixa antever os vários layers de tempo que se encontram dentro de uma dada moldura, ex-pondo a perda de capacidade de rastear o tempo na superfície do plano. Lefebvre (2004) ilustra bem esta alteração perceptual ao fa-zer uma analogia entre os sistemas electrónicos e os dispositivos mecânicos: se anteriormente conseguíamos visualizar os mecanis-mos que compreendiam a interacção entre as partes de determina-da máquina (cilindros, pistons, engenhos a vapor, etc), agora temos caixas que escondem todos esses mecanismos. A não ser que seja-mos especialistas na área, todo este processo escapa-se-nos e, não nos é possível entender toda a complexidade que está por debaixo da superfície20. Este fenómeno que impossibilita a visualização do

que se encontra abaixo das aparências, juntamente com uma nova cultura do ver que começa a ter relevo teórico a partir dos anos 7021,

iria produzir alterações não só na percepção e na representação de toda uma dimensão espaço-temporal, como também criar uma oscilação de interesse, ora no visível, ora no invisível. A partir dos anos 80, à medida que a energia assume um papel cada vez mais preponderante na comunicação e na transmissão de informação, o rigor matemático na representação seria sacrificado em prol dos estímulos sensoriais. Na grelha do design gráfico observam-se esta alterações: a grelha assume-se agora como uma espécie de fractu-ra da superfície, como se se quisesse perscrutar o que se encontfractu-ra oculto por debaixo do que é aparente. A passagem da representação no papel para o suporte o digital, traria consigo um questionamento sobre as normas estabelecidas.

O princípio das sociedades industriais tinha sido o de conceber

20 Em contraste com a tendência modernista para revelar toda a estrutura a partir de uma forma funcional, a superfície do plano é perfurada ou fracturada, para sugerir que está no limiar de uma fronteira de dimensão misteriosa e, às vezes, não material (Williamson 1986)

21 No início desta década, John Berger anuncia o nascimento do conceito cultura visual na obra Ways of Seeing, com a frase “ver vem antes das palavras”. Paralelamente, Venturini lança o Manifesto Learning from Las Vegas, dando relevância aos símbolos/estímulos visuais.

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DESIGN LÍQUIDO

A GRELHA TIPOGRÁFICA CONTEMPORÂNEA

CAPÍTULO 3 • O ESPAÇO E O TEMPO

formas de desenvolver tarefas de forma rápida sem desperdício de tempo. Conforme nos diz Bauman (2000), a conquista do espaço implicava a concepção de máquinas velozes para aumentar o es-paço, sendo essa aceleração (tempo) a única solução para o alargar, ainda que convenientemente delineado, dividido e mapeado. “O tempo tinha história, tinha história pela sua capacidade de carregar uma perpetuidade expansiva do tempo: o comprimento do alonga-mento do espaço, cujas unidades de tempo permitissem que “pas-sasse”, “atraves“pas-sasse”, “cobrisse” ou conquistasse” (2000: 8, 9).

O conceito de “tempo é dinheiro” tornar-se-ia sinónimo de um esforço continuado, acabando por ultrapassar a resistência do es-paço, encurtando distâncias e eliminando barreiras. À medida que o mundo se tornava global com o auxílio das novas tecnologias de comunicação, e permitia a comunicação a uma velocidade quase instantânea, a diferença entre “perto” e “longe” deixa de existir. O valor do espaço é de acordo com Bauman, diminuído em detrimen-to do tempo; o tempo aniquila o espaço, explicando que a anterior conquista do espaço dá lugar à abolição de fronteiras que param a corrente de novas forças; o espaço já não delimita a acção e perdeu o seu valor estratégico.

A sociedade contemporânea é definida por Manuel Castells (2010) como uma “sociedade em rede”. Fala-nos sobre a transição dos tradicionais mass media para um sistema horizontal de comu-nicação em rede, organizada em torno da internet e das comuni-cações sem fios, afirmando que esta multiplicidade de padrões de comunicação que se desenvolveram, provocaram uma transforma-ção substancial na cultura, na organizatransforma-ção e na práticas sociais. A era da informação tem, segundo o autor, uma nova arquitectura espacial fazendo distinção entre dois tipos de espaço: o espaço dos lugares, um espaço de contiguidade produzido a partir da comuni-cação entre as cidades a nível de interação social, troca de serviços ou bens, etc, um “espaço cuja forma, função e significado estão con-tidos dentro de fronteiras de contiguidade física”(453); por outro lado, fala-nos sobre o espaço dos fluxos22 que envolve a produção, a

transmissão e o processamento do fluxo de informação à distância. A relação que se produz entre estes dois espaços é a de uma simul-taneidade entre a localização e a globalização, entre um espaço de

contornos modernos e um espaço contemporâneo. Segundo Cas-tells o espaço que prevalece é o espaço dos fluxos, porque é neste que “a função e o poder das nossas sociedades estão organizadas”, sendo que “o domínio estrutural da sua lógica altera o significado e a dinâmica dos lugares” (2010:458).

No que diz respeito ao tempo, tanto Castells como Bauman, ca-racterizam-no como sendo instantaneizado. Para Bauman o tempo não é mais considerado a longo prazo, havendo antes uma manipu-lação em termos de transitoriedade que se sobrepõe à durabilidade: o encontro de estranhos é um evento sem passado e normalmente sem futuro; “é provável que os estranhos na sua capacidade de estra-nhos, e na sua capacidade de emergir de um encontro fortuito, o ter-minem tão abruptamente como o começaram” (Bauman 2000:95).

No entender de Castells o tempo tem características de simulta-neidade23 e intemporalidade.

Essa intemporalidade é também o tempo instantâneo de Bau-man, mas está associada ao espaço de fluxos. Castells designa in-temporalidade ao tempo, por este introduzir descontinuidade24 no

espaço da informação, eliminando uma ordem sequencial: “a eli-minação da sequência cria tempo indiferenciado o que equivale à eternidade” (495).

22 do inglês space of places and space of flows.

23 Esta simultaneidade aparece associada aos dois tipos de espaços referidos pelo autor.

24 Descontinuidade, no sentido da interrupção do fluxo da informação.

Imagem

Fig. 1 Ritmo baseado na repetição Fig. 2 Ritmo de duplo movimento Fig. 3 Ritmo métrico

Referências

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