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O DIREITO E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO: POR UMA SOCIEDADE ABERTA E UMA ATIVIDADE JURISDICIONAL DEMOCRÁTICA

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O DIREITO E A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO:

POR UMA SOCIEDADE ABERTA E UMA ATIVIDADE

JURISDICIONAL DEMOCRÁTICA

Ana Flavia Sales1

Allan Duarte Milagres Lopes2

Resumo: O presente artigo visa refutar a Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann, a partir dos

estudos epistemológicos de Karl Popper. Demonstrar-se-á que o Direito não deve ser estruturado por um sistema fechado (autopoiético), que restringe o espaço dialógico-crítico da sociedade e protagoniza seus observadores internos. Verificar-se-á, a partir de uma perspectiva epistemológica, que a atividade jurisdicional deve valer-se do avanço crítico-reflexo da Ciência, dissociando-se de ideologias e de subjetividades que insistem em protagonizar um agente portador de um saber absoluto. Os atos dos agentes políticos (texto legal, decisão judicial) carecem de uma verdade (certeza) absoluta; desaparece o mito da autoridade. A construção e a aplicação do Direito dar-se-ão mediante o compartilhamento decisório.

Palavra-chave: Conhecimento Científico – Ciência ––Teoria do Sistema – Direito Processual

– Atividade Jurisdicional

Abstract: This article aims to refute Niklas Luhmann's Theory of Systems, based on the epistemological studies of Karl Popper. It will demonstrate that the law should not be structured in a closed system (autopoietic), which restricts the dialogical critical space of society and carries out its internal observers. will be verified, from an epistemological perspective, the judicial activity should draw on the critical-reflective Science advance, dissociating ideologies and subjectivities that insist on playing an agent carrier of absolute knowledge. The acts of political agents (legal text, judicial decision) lack a true (sure) absolute; disappears the myth of authority. The construction and application of the law to will be by the decision sharing.

Key-words: Scientific Knowledge - Science - Theory System - Procedural Law - Jurisdictional Activity

INTRODUÇÃO

A convivência em uma sociedade complexa, contingente e pluralista levou Niklas Luhmann a compreender o Direito como um sistema (fechado), “partindo do entendimento de

                                                                                                                         

1 Mestre em Direito Processual pela PUC Minas. Coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica da Faculdade Una

Contagem. Professora de Direito Processual Civil da Faculdade Una. Advogada

2 Mestre em Direito Processual pela PUC Minas. Bolsista-Capes. Pós Graduado em Direito Processual Civil pelo

IEC-PUC Minas. Professor de Processo Civil da Faculdade Una. Presidente da Comissão de Direito Processual da OAB/MG (83ª subseção - Contagem). Advogado.

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que o que determina o que é Direito são operações sociais, operações do próprio sistema jurídico que, assim, visam determinar o que é Direito e não que não é Direito” (CHAMON JUNIOR, 2007, p. 51).

Assim como o Direito, a política, a educação, a saúde, por exemplo, para Luhmann, são sistemas (subsistemas) que se produzem e reproduzem autônoma e independentemente; “o sistema jurídico se processa completamente em seu interior” (LEITE, 2008, 168), através de observadores (internos) integrantes deste próprio sistema.

Diante de tal situação, a qual não se pode aceitar, diferentemente da construção do conhecimento científico, que se afasta da busca da verdade e do sujeito cognoscente, seria o suficiente o Direito ser embasado por um sistema fechado (autopoiético), restringindo o espaço dialógico-crítico da sociedade como Niklas Luhmann defende?

A hipótese que se levanta é que não, já que a concepção de ciência renovou-se, e, concomitantemente, o estudo da validade do conhecimento científico avançou (epistemologia). “A antiga concepção de ciência como saber definitivamente adquirido em caráter irretocável e imutável não se confirma historicamente e não é mais sustentável” (GONÇALVES, 2012, p. 14). O conhecimento destaca-se pela sua provisoriedade; “absolutamente nada da ciência está permanentemente estabelecido, coisa alguma nela é absolutamente inalterável” (OLIVEIRA, 1999, p. 60).

O Direito, numa perspectiva científico-jurídica, deve ser um sistema democrático, aberto ao observador externo, assegurando, num viés democrático, o “debate-crítico-racionais acerca da organização normativa da sociedade” (DEL NEGRI, 2008, p. 69).

Dessa forma, a presente pesquisa possui a intenção de iniciar e fomentar um debate crítico-reflexivo acerca da aplicação do Direito, numa perspectiva epistemológica, partindo-se de premissas popperianas e democráticas, afastando a atividade jurisdicional dos estudos dogmáticos, e aproximando-a de um compartilhamento (deliberativo) decisório.

2 – A CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO

Rosemiro Pereira Leal, sobre o surgimento da ciência adverte que:

Só surgiu [ciência] a partir do momento em que o pensamento humano abandonou o ‘velho ideal’ da episteme – ‘do conhecimento absolutamente

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certo’ e criador do ‘ídolo da certeza’ absoluta que se prestou e se presta por séculos à defesa do obscurantismo” (LEAL, 2014, 36).

Esse obscurantismo advém de uma ciência “impropriamente autossuficiente, monopólica e fechada” (DEL NEGRI, 2008, p. 60) centralizada no historicismo, ou seja, acredita-se “que alguns acontecimentos presentes são determinados pelo passado, além de estabelecer como inevitáveis as previsões futuras, uma vez que o destino histórico está definido de antemão. Por isso, para os historicistas é possível prever acontecimentos” (DEL NEGRI, 2008, p. 60).

Karl Popper, de acordo com os apontamentos de Rodrigo Coppe Caldeira, denominou de historicismo (teoria) “a doutrina de que a história é controlada por leis históricas ou evolucionárias específicas, cujo descobrimento nos capacitaria a profetizar o destino do homem” (CALDEIRA, 2008, p. 281). Busca-se, nessa ideologia, um Estado ideal (platônico), uma perfeição, a partir, do que Popper denominou, segundo Coppe, da doutrina do povo escolhido, ou seja, “a partir da interpretação de que se faz parte de um povo escolhido para ser instrumento da Vontade de Deus e que, por isso, herdará a terra na consumação da história” (CALDEIRA, 2008, p. 281).

Portanto, o historicismo adota a doutrina do povo escolhido, através da qual “recai ênfase” (CALDEIRA, 2008, p. 282) numa vontade divina, numa lei histórica, ansiando uma sociedade perfeita (platônica), recomendando, se preciso, “a reconstrução da sociedade como um todo” (CALDEIRA, 2008, p. 288), mediante a instauração de um governo forte, que se coloca sempre acima do indivíduo, por ser ele (O Estado) capaz de “colaborar com o homem no caminho da perfeição”, visto que “só o estado pode ser auto-suficiente (‘autárquico’), perfeito e capaz de tornar boa a imperfeição necessária do indivíduo” (CALDEIRA, 2008, p. 285).

Indo de encontro com tais assertivas, Karl Popper esclarece a relevância de se submeter à prova uma teoria, destacando a sua rejeição, ou não; uma teoria há de ser objeto de teste, ante a sua provisoriedade. Diferentemente da lógica indutiva, que determinava o “grau de probabilidade de um enunciado” (POPPER, 2013, p. 221), Popper advertiu que “toca-o a tarefa de averiguar que testes, que críticas essa hipótese conseguiu superar” (POPPER, 2013, p. 221). Averiguar-se-á “até que ponto ela foi corroborada” (POPPER, 2013, p. 221).

Para Popper “o trabalho do cientista consiste em elaborar teorias e pô-las à prova” (POPPER, 2013, p. 30), não sendo “a ciência um sistema de enunciados certos ou bem estabelecidos, nem é um sistema que avance continuamente em direção a um estado de

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finalidade” (POPPER, 2013, p. 243), não sendo, também, um “conhecimento (episteme): ela jamais pode proclamar haver atingido a verdade ou um substituto da verdade, como a probabilidade” (POPPER, 2013, p. 243).

Desse modo, a investigação científica é marcada pelo esforço de se buscar a verdade, a qual Popper já advertia ser inalcançável. Valorizava-se a procura por conhecimentos (epistemologia), ainda que provisórios (LEAL, 2014, p. 33), sem almejar respostas finais. A ciência avança, portanto, por sempre descobrir problemas novos, mais profundos e mais gerais, “sujeitando suas respostas a testes sempre renovados e sempre mais rigorosos” (POPPER, 2013, p. 245).

A partir da esperança de se chegar mais perto da verdade (popperiana), o homem deve (se) indagar e (se) interrogar, permanentemente, a construção de seus projetos científicos (BATISTA, 2015, p. 102), afastando-se da ideia de que os rumos da humanidade serão ditados “por meio de um saber dogmático e decifrável apenas pela figura da autoridade” (BATISTA, 2015, p. 104), assim como defendem os historicistas.

A construção do conhecimento científico jurídico pressupõe uma sociedade aberta, cujo espaço dialógico-crítico impõe-se. Permanecer, portanto, elegendo um “intérprete da consciência popular (à semelhança do Führer nazista)” (MADEIRA, 2008, p. 23), detentor de privilégios cognitivos, para garantir o bem comum de uma sociedade complexa, seria reconhecer a teoria dos sistemas de Niklas Luhmann, que reconhece o Direito como um sistema fechado, pautado numa “linguagem ideologicamente hermética” (FARIA, 2012, p. 23) e historicista.

3 – A TEORIA DO SISTEMA DE NIKLAS LUHMANN: ANÁLISE DE SUA APLICAÇÃO NO DIREITO

Na busca pelo conhecimento, o qual admitimo-nos a partir de reflexões epistemológicas (técnica, ciência, teoria e crítica) (LEAL, 2014), a atividade crítica, nos dizeres de Gustavo de Castro Faria:

Deve ser encarada como um ponto central do desenvolvimento de uma linha epistemológica pós-moderna, o motor principal de qualquer atividade intelectual, não se admitindo que os conteúdos das proposições teóricas se

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autoimunizem, transformando-se em dogmas de um saber ideologizado que contrarie a intelectividade de bases racionais” (FARIA, 2012, p. 36).

Dessa forma, destaca-se que “o conhecimento não combina com uma atividade individualista” (FARIA, 2012, p. 37), que se determina por diálogos maçônicos e “instituições mágicas” (CALDEIRA, 2008, p. 289). Popper chama a atenção para que a sociedade não retroceda ao tribalismo, denominando sociedade fechada aquela que considera o Estado um ente autossuficiente.

Admitindo que a sociedade moderna caracteriza-se “pelo seu elevado grau de complexidade e contingência, proporcionando a sua diferenciação funcional” (LEITE, 2008, p. 164), Niklas Luhmann busca desenvolver uma teoria capaz de reduzir tais complexidades, na qual a sociedade “é considerada um sistema” (VICENTE, 2006, p. 116), compartimentando-a (funcionalmente) em “vários sistemas parciais ou subsistemas diferenciados funcionalmente” (LEITE, 2008, p. 165). Nesse contexto, Vicente adverte que Luhmann reconhece que “a complexidade exige cada vez mais subsistemas” (LEITE, 2008, p. 116). Glauco Salomão Leite, exemplificando tais sistemas, adverte que “os sistemas político, jurídico, econômico, educacional, apenas citar alguns, são sistemas parciais ou subsistemas da sociedade que se diferenciam funcionalmente” (LEITE, 2008, p. 165).

Luhmann, assim, determina que o sistema deva ser separado do ambiente. Glauco, nesse sentido, disserta que:

O que separa o sistema de seu ambiente é a circunstância de naquele existirem certas operações fáticas denominadas ‘comunicações’, que se encontram em um processo constante de reprodução. A sociedade, nessa linha de raciocínio, é um conjunto amplo de comunicações, ou, em outras palavras, um sistema ‘oniabarcador’ de todas as comunicações possíveis. São exatamente essas comunicações que permitem separar a sociedade de seu ambiente, de sorte que apenas se pode falar na existência de comunicação no interior da sociedade. Não há, portanto, comunicação no ambiente. Os homens, na concepção de Luhmann, são sistemas orgânicos e psíquicos que se situam no ambiente, ou seja, a partir dos conceitos luhmanianos, os homens não fazem parte da sociedade. Sociedade e homem são, reciprocamente, mundo circundante, portanto, complexo e contingente (LEITE, 2008, p. 165).

Em relação às diferenças funcionais dos sistemas, cada qual se opera através de códigos próprios, ratificando o seu autoconhecimento, o que homologará a sua auto reprodução (autossuficiência). Numa límpida metodologia acerca desses códigos, Marcelo Cunha de Araújo verbera:

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Cada um desses sistemas tem seu código próprio. O sistema vivo opera com o código da vida. O sistema psíquico com o código pensamento. Já o sistema social opera com o código comunicação. O que existe, por exemplo, como elemento e estrutura do sistema psíquico são pura e simplesmente pensamentos. O cérebro (físico) não é pensamento. A pessoa (física) que pensa não é pensamento. A comunicação que a pessoa faz não é pensamento. Tanto o cérebro, quanto a pessoa, quanto a comunicação, não faz parte do sistema psíquico. Tudo isso é ambiente (ou seja, é elemento externo) para o sistema de pensamentos. O sistema psíquico, repetimos, é composto tão-somente de pensamentos (ARAÚJO, 2005, p. 37).

Marcelo Cunha de Araújo conclui que “da mesma forma o sistema social, como dito acima, opera com o código comunicação. Logo, apenas a comunicação é componente desse sistema. O cérebro, o pensamento e o próprio homem fazem parte do ambiente do sistema social” (ARAÚJO, 2005, p. 37).

A partir disso, Luhmann determina o fechamento do sistema, de modo que este poderá aceitar/receber influências (irritações) externas (do ambiente), em razão de sua independência e autossuficiência (auto-produção e auto-reprodução). Todavia, aplicará seu “próprio código no estímulo, transformando-o num problema interno” (ARAÚJO, 2005, p. 42).

O Direito, dessa maneira, passa a ser considerado por Luhmann como um sistema autopoiético, “na medida em que, para a produção de suas operações específicas, ele se remete à rede de suas próprias operações, de tal modo que a variação do sistema jurídico se processa completamente em seu interior” (LEITE, 2008, p. 168).

A auto-observação caracteriza o Direito como um sistema, na medida em que o sistema se produz e reproduz a partir de seus observadores internos; interno ou externo será o observado. O observador será aquele que integra o sistema e se considera o mais versado para estruturá-lo.

Como admitir a autossuficiência do Estado, com a consequente “realização de direitos pela auctoritas” (LEAL, 2013, p. 05), numa sociedade democrática (aberta) e pluralista? Faz-se necessário, então, fechar o sistema, reduzindo a participação do povo e compartimentando a sociedade em vários sistemas sociais especializados e independentes, assim como Luhmann defende?

A partir do exposto, espera-se apenas por duas respostas negativas, visto que, conforme dito alhures, admitir a autossuficiência do Estado, mediante a expertise daqueles que o “observam” (internamente), seria acatar os discursos ideologizados do historicismo, protagonizando um Estado Dogmático.

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Da mesma maneira, considerar a possibilidade de um sistema fechado, capaz de reduzir as complexidades e as contingências da sociedade, o qual reduz a participação popular e cria subsistemas especializados e independentes, não se faz necessário ante a necessidade de um “diálogo-crítico-racional” na construção do conhecimento científico jurídico por todos os seus destinatários (observador interno e externo; representante e representado: o povo).

4 – A CIÊNCIA DO DIREITO PROCESSUAL E A ATIVIDADE JURISDICIONAL DEMOCRÁTICA

O Direito, em permanente processo de construção, atingiu o seu mais alto grau de racionalidade, nos dizeres de Aroldo Plínio, a partir do momento em que houve a “superação do critério de aplicação da justiça do tipo salomônico, inspirada apenas na sabedoria, no equilíbrio e nas qualidades individuais do julgador, ou na sensibilidade extremada do juiz” (GONÇALVES, 2012, p. 37).

Esse critério de aplicação do Direito, que se vinculava a elementos subjetivos, é substituído por uma técnica de aplicação vinculada a uma estrutura normativa (GONÇALVES, 2012). Dos soberanos a aplicação do Direito passou para os juízes, o que, segundo Aroldo Plínio, em fins do século XIX, “despertou na Teoria do Direito um intenso interesse em torno da figura do juiz, de sua missão e de seus deveres perante a lei injusta” (GONÇALVES, 2012, p. 38).

A Ciência Jurídica3, dessa forma, passou a investigar a aplicação do Direito, a partir da Ciência do Direito Processual, afastada da “dogmatização do saber” (DEL NEGRI, 2015, p. 28), realçando a lógica científica da provisoriedade do saber, submetendo-se à problematização.

O Direito Processual, num viés epistemológico, deve sujeitar-se à crítica científica, de modo a problematizar as certezas que os operadores do Direito buscam cristalizar. As pesquisas científicas não se dissociam da prática forense; teoria e prática complementam-se. O Direito legitima-se “se houver procedimentos com abertura a um discurso jurídico

                                                                                                                         

3 Rosemiro Pereira Leal assim definiu a Ciência Jurídica: “A Ciência Jurídica não é uma categoria isolada, um compêndio um conjunto de conhecimentos unificados e perenemente concordantes, concretos e fixos, ou uma entidade capaz de agir por si mesma, nascida, como fênix, das cinzas dos embates humanos, mas um produto da atividade humana e desta depende, gerador e ampliativo do conhecimento à dilucidação (conscientização), aperfeiçoamento ou transformação das realidades jurídicas em movimento” (LEAL, 2014, p. 03-04)

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processualizado (princípio do contraditório, de ampla defesa e isonomia)” (DEL NEGRI, 2015, p. 38).

A atividade jurisdicional4 passou a ser, portanto, a inquietude do estudo do Direito Processual. O procedimento jurisdicional 5 distanciou-se de subjetividades e de discricionariedades. Numa perspectiva crítica-reflexiva, a atividade jurisdicional, nos dizeres de Rosemiro Pereira Leal, “não é mais um comportamento pessoal e idiossincrático do juiz, mas uma estrutura procedimentalizada de ato jurídicos sequenciais a que se obriga o órgão judicial pelo controle que lhe impõe a norma processual, legitimando-a ao processo” (LEAL, 2014, p. 23).

O Direito deverá ser construído e aplicado através de procedimentos deliberativos; impõem-se a democracia deliberativa, a qual é reconhecida da seguinte maneira:

Uma forma de governo na qual cidadãos livres e iguais (e seus representantes) justificam suas decisões e oferecem uns aos outros razões que sejam mutuamente aceitáveis e acessíveis a todos, com o propósito de se chegar a uma conclusão que produza vínculos entre todos, no presente, mas aberta à revisão no futuro (MAIA, 2008, p. 28).

No Estado Democrático de Direito, a legitimação dos atos judiciais (estatais) legitimam-se mediante o “afastamento completo da ideia de privilégio cognitivo do julgador (decisionismo) e a implantação de um espaço discursivo comparticipativo de formação das decisões” (NUNES, 2008, p. 196). Desacredita-se que cabe aos órgãos estatais a promoção da pacificação social (DINAMARCO, 2003), mediante um sadio protagonismo judicial6. Nesse sentido, adverte Dierle Nunes:

Percebe-se que a análise do Direito prescinde de pré-compreensões não problematizadas ou problematizáveis dos ideais de bem viver, que seriam                                                                                                                          

4 Ronaldo Brêtas de Carvalho Dias assevera que “a jurisdição é atividade-dever do Estado, prestada pelos seus órgãos competentes indicados nos textos das Constituições, somente exercida sob petição da parte interessada (direito constitucional de ação) e mediante a garantia do devido processo constitucional. Vale dizer, a jurisdição somente se concretiza por meio de processo instaurado e desenvolvido em forma obediente aos princípios e regras constitucionais (garantias constitucionais), o contraditório, a ampla defesa, o direito à prova e à fundamentação das decisões jurisdicionais baseada na reserva legal, a fim de se realizar imperativa e imparcialmente os preceitos das normas que compõem o ordenamento jurídico” (BRÊTAS, 2015, p. 187). 5 Aroldo Plínio assim definiu o procedimento jurisdicional: “atividade disciplina por uma estrutura normativa voltada para a preparação do provimento, com a participação, em contraditório, de seus destinatários, é uma técnica criada pelo ordenamento jurídico, e trabalhada pela ciência do Direito Processual, que, em sua função de formular conceitos, categorias e institutos concernentes a toda a atividade da jurisdição, deve se esmerar em fornecer o melhor instrumental teórico para que o processo se torne a técnica mais idônea possível no cumprimento de sua finalidade” (GONÇALVES, 2012, p. 147).

6 A respeito do protagonismo judicial, conferir em: NUNES, Dierle. Processo Jurisdicional Democrático.

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entregues aos critérios de salvação de algum escolhido, seja este uma instituição de controle social (v.g o Estado o Igreja), um órgão ou uma pessoa (v.g o presidente, o Führer ou o juiz) (NUNES, 2008, p. 196).

Perceber-se-á, portanto, que o provimento jurisdicional exarado pelo agente político – o juiz – não é uma verdade absoluta; ao revés, deve-se submeter a todos a crítica do texto legal, de modo que seja dada “oportunidade de apontar as ausências e falhas do próprio sistema jurídico existente” (MADEIRA, 2010, p. 142). Ainda, nesse sentido, lembra Dhenis Madeira:

É de se notar que o ordenamento escriturado contém falhas em, na atualidade, não há receio algum de se admitir isso, porque, ofertando o texto legal à crítica num especo isonômico, em contraditório e em ampla defesa, os próprios destinatários podem apontar os limites da aplicação do texto normativo, se é que o mesmo merecerá aplicação ao caso concreto. Não se deve ter medo de “apegar-se a um exagerado literalismo exegético”, vez que, diante da derrocada das teorias aristotélicas, iluministas e estóicas, o juiz deixou de ter a árdua tarefa de buscar uma razão universal sobreposta (chamada por alguns de espírito da lei): não há uma verdade absoluta a ser projetada na sentença (MADEIRA, 2010. p. 142).

Dessa maneira, a legitimidade e a racionalidade da decisão estão exatamente no compartilhamento cognitivo.

5 – CONCLUSÃO

Karl Popper admite a objetividade científica, de modo que “o conhecimento científico deve ser justificável, independentemente de capricho pessoal” ((POPPER, 2013, p. 41). A justificação, de acordo com Popper, “será objetiva se puder, em princípio, ser submetida à prova e compreendida por todos” (POPPER, 2013, p. 41). Afasta-se o sentimento de convicção ou a experiência subjetiva da justificação de um enunciado (POPPER, 2013).

Do ponto de vista epistemológico, o progresso da ciência rejeita “processos” ideológicos, cujos conhecimentos são reunidos por sábios condutores da realidade e tomados por verdadeiros (FARIA, 2012).

Ante a provisoriedade de enunciados científicos, que deverão ser submetidos constantemente a testes, a teoria social luhmanniana, revela-se descompromissada com os avanços da Ciência – em especial com o Direito, uma vez que considera o Direito um sistema

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(subsistema) fechado e autossuficiente, especializando-o e entregando-o a agentes supostamente capazes e aos “mitos dos contextos históricos” (LEAL, 2015, p. 12), com o escopo de reduzir as complexidades e as contingências da sociedade através da vivência e expertise de observadores internos (auctoritas) que retroalimentam o “sistema” (auto-produção e auto-re(auto-produção).

O Direito Processual, portanto, numa perspectiva epistemológica, deve ser um sistema democrático, aberto ao observador externo, assegurando, num viés democrático, o “debate-crítico-racionais acerca da organização normativa da sociedade” (DEL NEGRI, 2008, p. 69).

6 – REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Marcelo Cunha de. A corrupção e a irritação das decisões judiciais sob a ótica da Teoria dos Sistemas de Niklas Luhmann. Revista da Faculdade Mineira de Direito, Sete Lagoas,n. 1, janeiro-junho, 2005.

BATISTA, Sílvio de Sá. Teoria processual da relação jurídica como técnica ideológica de julgamento: uma estagnação científica. (Coord.) BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. SOARES, Carlos Henrique. Técnica Processual. Belo Horizonte: DelRey, 2015.

CALDEIRA, Rodrigo Coppe. A gênese do totalitarismo no historicismo platônico: Karl Popper e A Sociedade aberta e seus inimigos. Coletânea. Revista semestral de Filosofia e Teologia da Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Pantone Ltda, Ano VII, jul/dez, 2008.

CHAMON JUNIOR, Lúcio Antônio. Filosofia do Direito na Alta Modernidade. Incursões Teóricas em Kelsen, Luhmann e Habermas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007.

DEL NEGRI, André. Controle de Constitucionalidade no Processo Legislativo. Teoria da Legitimidade democrática, Belo Horizonte: Fórum, 2008.

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DEL NEGRI, André. Técnica Legislativa e Teoria do Processo. (Coord.) BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. SOARES, Carlos Henrique. Técnica Processual. Belo Horizonte: DelRey, 2015.

DINAMARCO, Cândido Rangel et al. Teoria Geral do Processo. São Paulo: Malheiros, 2003. FARIA, Gustavo de Castro. Jurisprudencialização do Direito. Reflexões no contexto da processualidade democrática. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2012.

GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica Processual e Teoria do Processo. Belo Horizonte: Editora DelRey, 2012.

LEAL, Rosemiro Pereira. A teoria neoinstitucional do processo: uma trajetória conjectural. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2013.

LEAL, Rosemiro Pereira Leal. Da técnica procedimental à ciência processual contemporânea. (Coord.) BRÊTAS, Ronaldo de Carvalho Dias. SOARES, Carlos Henrique. Técnica Processual. Belo Horizonte: DelRey, 2015.

LEAL, Rosemiro Pereira. Teoria Geral do Processo. Primeiros estudos. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

LEITE, Glauco Salomão. A politização da jurisdição constitucional: uma análise sob a perspectiva da teoria dos sistemas de Niklas Luhmann. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 16, julho-setembro, 2008.

MADEIRA, Dhenis Cruz. O processo de conhecimento & cognição. Uma inserção no Estado Democrático de Direito. Curitiba: Juruá Editora, 2008.

MAIA, Rousiley C. M. Mídia e Deliberação. Rio de Janeiro: FGV, 2008.

NUNES, Dierle José Coelho. Processo jurisdicional democrático. Curitiba: Juruá Editora, 2012.

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OLIVEIRA, Sílvio Luiz de. Tratado de Metodologia Científica. São Paulo: Pioneira. 1999. POPPER, Karl. A lógica da pesquisa científica. Trad. HEGENBERG, Leonidas; DA MOTA, Octanny Silveira. São Paulo: Cultrix, 2013.

VICENTE, Marcelo Alvares. Kelsen e Luhmann: duas teorias sobre o Direito Positivo – entre a epistemologia jurídica normativa e o construtivismo sistêmico. Revista do Instituto dos Advogados de São Paulo, São Paulo: Revista dos Tribunais, ano 9, n. 17, janeiro-junho, 2006.

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