Maria de Lourdes
Crispim
No final do Crtilo, Scrates afirma temer que no
"seja prprio
de um homem assaz cordato entregar-se com toda a alma ao cuidado dos nomes, confiando neles e nos seus autores para afirmar como certo que sabe
alguma
coisa". Ainda que correndo risco de insensatez,condio
dolinguista
preocupar-se com esses mesmos nomes (erespectivos
autores)
para procurar "descobriralguma
coisa", sem sedeixar cair na
perplexidade
dopobre
Crtilo a quem,depois
de arrasadoraargumentao,
Scrates desafia ironicamente, ao encerraro
dilogo:"se
descobriresalguma
coisa,
comunica-a tambm a mim".Assim,
o presente trabalho tem a finalidade de tentar identificar,atravs dos vocbulos constitutivos de um dado campo lexical,
qual
arepresentao
do universo femininoquatrocentista
que nos trans mitida por um manuscrito do sc. XV intitulado O Livro das TrsVertudes a
Insinana
das Damas.Antes de entrar na anlise do texto,
gostaria
de sublinhar muitosucintamente a
problemtica
darepresentao
naperspectiva
do trabalho
filolgico
e de situar no seu contexto deproduo
a obraaqui
considerada.
O carcter
representativo
dalinguagem,
pese emboratradio
socrtica,
noobjecto
dequalquer
discusso no mbito das teoriaslingusticas
modernas,
antes funciona comopressuposto
universalmente aceite. No entanto, o conceito de
representao,
no campo daprtica
filolgica, complexifica-se
adquirindo
outras dimenses. Comefeito,
porque ofillogo
no trabalha comlinguagem,
nem sequerRevista da Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, n." 10, Lisboa,
com
lnguas,
mas comobjectos lingusticos,
os textos, oproblema
darepresentao
coloca-se em diferentes nveis dosquais
referirei dois que considero fundamentais:Em
primeiro
lugar,
temos o quedesignarei
por nvel do texto.Constitudo por um nico
exemplar
ou porvrios,
o texto , em simesmo, um representante.
Representante
das suascondies
de produo,
representante
do seu autor (ou,pelo
menos, dealgumas
dassuas facetas) e de
"aquilo"
que o autorquis
representar,vulgarmente
designado
por contedo ou tema tratado.Esta
trplice representao
processa-se atravs da materialidade com que o texto noschega
e atravs da mensagem que este nosprope.
Atravs da
materialidade,
porque noindiferente,
porexemplo,
que o suporteseja pergaminho
oupapel,
que a escritaseja
manuscritaou
impressa,
que as letrassejam
desenhadas numa forma a ou numa formab,
acompanhadas
deimagens
ou no. Todos concordaremos que um manuscrito empergaminho
ricamente iluminado no veicula a mesmarepresentao
de uma obra que um manuscrito empapel
semdecoraes.
Atravs da mensagem, porque, dentro de um modelo clssico decomunicao,
dada a distncia que separa a emisso e arecepo
da mensagem, entre uma instncia e outra, mudaram asestratgias
discursivas ou introduziram-separasitas
que obscurecemou diluem a mensagem
primordial, aquela
que, supostamente, o autorproduziu
ouquis produzir
de uma dada maneira.Em
segundo
lugar,
teremos o nvel doscdigos.
Oscdigos aqui
considerados so tanto os
prprios
sistemaslingusticos
ou estados delngua,
como os sistemas comunicativos-retricos e socio-culturais
-utilizados na
produo
e narecepo
da mensagem.Quanto
mais afastados forem os espaos e/ou os tempos dos dois momentos(produo/recepo
damensagem),
maiordiferena
decompetncias
lingusticas
e comunicativas sepressupe
entre os intervenientes no processo decomunicao.
Nestas
circunstncias,
o trabalho dofillogo,
que sedesejaria
que fosse um trabalho de descoberta darepresentao
constitutiva dotexto, mais no ser do que uma
precria
e incertarepresentao
(ou
representaes)
dos representantes que se lhe oferecem. Por outraspalavras,
ainda que modernamente tenha sofridoalteraes,
oobjecti
vo daFilologia
temsido,
historicamente,
o de recuperar um TEXTOdesconhecido,
atravs dos testemunhos que no-lo transmitiram. Estafinalidade,
quealguma
crtica moderna tem posto em causa, revela-se umamiragem.
Comum texto, em vez da
recuperao
do textoperdido,
o resultado mais no , por ironia, do que um novo texto. Ao tentar recuperar oarqu
tipo
e/ou ooriginal,
o trabalhofilolgico
gera um substituto do textoperseguido.
Este substituto, de um modogeral,
constitui-se como umasoma ou uma sntese dos textos
existentes,
ouseja,
como uma novarepresentao.
Assim, tendo trabalhado numa destas
representaes,
que se
concretizou na
edio
de um textomedieval1,
parto da mesma para,como referi no incio, tentar estabelecer a
representao
das mulheres que, porhiptese,
noschegou
atravs desse texto.A escolha do
objecto
darepresentao
aqui
apresentada
no foialeatria. Com
efeito,
o texto emobservao
uma obradidctico--moralstica que se
distingue
das suascongneres
da mesmapoca
poralgumas
particularidades
interessantes,
de que destacarei:(i)
,
de uma certamaneira,
uma obra no feminino.Quero
com isto dizer que, da autoria ao tema, a obra se refere a e relaciona-secom mulheres: estamos perante um tratado de
educao
das mulheres,escrito
originalmente
emfrancs,
no incio do sc. XV (cerca de1405),
por uma mulher - Christine de Pizan2-que o dedicou a
Mar-1
Em abono do que acabo de afirmar, trata-se de uma edio que oferece: a) uma
transcrio, segundo normas explcitas e fundamentadas, de um texto-base,
recupervel, a qualquer momento, a partir do texto editado; b) um aparato, em que
so exaustivamente registadas, alm das informes sobre o suporte material, todas as intervenes do editor e algumas variantes de outros textos relacionados com o
texto-base. Assim, o texto da presente edio de O Livro das Trs Virtudes constitudo por: A
-uma transcrio integral do texto fornecido pelo manuscrito de Madrid, segundo regras de transcrio enunciadas no Cap. VII, criticamente
alterado porcorreces, acrescentos e supresses (sempre assinaladas), a partir da
lio do impresso de 1518, das lies fornecidas pela edio crtica do texto francs publicada em 1989 e da lio transmitida pelo manuscrito de Yale. B
-um
aparato crtico emque se registam:
-as versesoriginais dos passos intervenciona dos, eventualmente acompanhadas de comentrios;
-as intervenes do copista
sobre o prprio texto;
-os acidentes materiais observados no cdice madrileno;
-as anotaes de leitura posteriormente inscritas por Lus de Borja nas margens do
mesmo;
-o registo das lies dos outros testemunhos (ILe TF), relativas a lugares
variantes do texto-base conservados na edio, e/ou pertinentes para a sua
interpretao,
d) Todas as particularidades e acidentes do manuscrito -palavras ouletras riscadas, correces, repeties, notas marginais, sublinhados
- so referidas
em aparato, em p de pgina ou em notas finais no fim do texto editado.
2 A
bibliografia
sobre a autora e sobre a vasta obra que deixou abundante e asopinies sobre a sua personalidade e valor literrio algo controversas, mas no
tratarei aqui desta questo. A obra,
geralmente
intitulada Le Livre des Trais Vertus1'Enseignement
des Dames nas verses manuscritas que nos chegaram (vinte eguerite
deBourgogne,
futura cunhada de D. Isabel dePortugal, pelo
casamento desta com
Philipe
le Bon. E conhecida a actividadepoltica
e cultural de D. Isabel deBorgonha
e vrios indcios levam a admitirque ter estado directa ou indirectamente
ligada
difuso3 do Livre des Trois Vertus.(ii)
No mesmosculo,
a obra foi traduzidapara por
tugus "per
mandado da muito excilente ecomprida
de muitas vertu-des Senhora, a Rainha Dona Isabel(1447-1455)
molher do muito alto e muito excilentePrincepe
eSenhor,
el Rei DomAfonso,
oquinto
dePortugal
e doAlgarve
e Senhor deCepta",
se acreditarmos noincipit
do manuscrito de Madrid onde tambmfigura
o ttulo Livro das TrsVertudes a
Insinana
das Damas.Em
1518,
a rainha D. Leonor, viva de D. Joo II, mandouimprimir
uma versoparcialmente
diferente datraduo,
sendo o ttulo doimpresso
OEspelho
de Cristina. Como vemos, no percurso da obra, desde aredaco
atedio,
o nico elemento de quem desconhecemos o sexo o tradutor.Feita esta breve
apresentao
da obra, cumpre agora apresentar ametodologia seguida
para determinar arepresentao
das mulheres que pressupomos nela estar presente.Um dos muitos
problemas
com que se debatequalquer
estudioso dos textos dopassado
o quepoderamos designar
porproblema
dascompetncias lingustica (Chomsky,
1975)
e comunicativa(Hymes,
1977).
No que se referecompetncia
lingustica,
RosaVirgnia
de Mattos e Silva(1989),
ao discutir aadequao
dos modelos de descrio
de sincronias dopassado,
observa"j
que nodispomos,
nessasituao,
do falante nativo e de suaintuio
para discernir, por exemplo,
enunciadosgramaticais
de enunciadosagramaticais,
ou sobre aequivalncia
semntica de estruturas sintcticas distintas ou sobre aambiguidade
em suas diversasmanifestaes,
teremos que admitir queos enunciados
reproduzidos
nadocumentao
querem sempre transmitir um
significado
e que aestruturao
do seusignificante
est de acordo com as regrasvigentes
napoca".
O corolrio desta constatao
ser que, na falta dacompetncia
lingustica,
agramtica
dasincronia em estudo ter de ser deduzida a
partir
dos testemunhos remanescentes. Se considerarmos que oproblema
dacompetncia
comunicativa se
poder
colocar de modo idntico, ser tambm aum exemplares), recebeo nome deLe
Trsor de la Cite desDomes, no incunbulo
de 1497e nas duas edies quinhentistas. 3 V.
partir
dos testemunhos quepoderemos
inferiralguns
traos
estilsticose
socio-culturais pertencentes
ao contexto deproduo.
Nesta
perspectiva,
uma dasabordagens
possveis
a da anlisedo texto considerado como um
discurso,
entendendopordiscurso uma
produo lingustica
contextualizada,
isto , condicionada por factoresextra-lingusticos
que nela deixam marcassusceptveis
deidentificao.
Ahiptese
deidentificao
de traosextra-lingusticos
(particu
larmente
ideolgicos)
atravs da anlise de discursos esteve naorigem
daformao
do grupo francs de Anlise Automtica do Discurso(ADD)
que, desde os fins da dcada de 60(Langages
13, 1969),
temproduzido
trabalhos de anlise de discursospolticos
recorrendo, nomeadamente, lexicometria(Langages
62, 1981; 71, 1983; 81,1986).
O campo da Anlise do Discurso estlonge
de constituir um domnio terico coeso ou, sequer,homogneo,
mesmorestringindo--nos
Europa.
Encontram-se sob estaetiqueta orientaes
tericas diversas edefinies
deobjectos
de estudo distintos. A anlise que se segueinspirou-se
nosprincpios
da ADpraticada pelo
grupo acimareferido,
pressupondo
que, relativamente aopassado,
para oqual
nos faltam elementosextra-lingusticos
dedescodificao,
o processo de descoberta desses elementos passa necessariamentepela
anlise dostextos
onde,
porhiptese,
eles deixaramvestgios.
Assim,
dado que estamosperante
uma obracujo objectivo
explcito
o de ensinar as mulheres - "Atodo o
colgio
femenino[...]
seja
noteficado o sermom eliom
desapincia
[...]
Primeiramente aas Rainhas eprincesas
e outras Senhoras. Desiseguindo
de graao em graao cantaremos semelhavelmente nossa doutrina em todolos estadosdas molheres"
(I,
1)
-parece
legtimo
procurar determinar que ima gem ourepresentao
das mesmaspodemos
formar apartir
do texto.Para
isso,
apartir
daedio
do manuscrito, foi constitudo um corpus quecorresponde
aoconjunto
dedesignaes
portadoras
dostraos
[+Hum, +Fem]
que ocupam um determinadolugar
nagrelha
argumentai
do verbo ensinar.Esta
grelha
foi construda doseguinte
modo: dado que, comofigura
noprprio
ttulo,
o texto se destina"inssinana",
este arcas mo foi considerado comorepresentante
de um"campo
nocional"necessariamente
presente
no texto. Sendo"inssinana"
um nomedeverbal,
foi criada uma classe deequivalncia
atravs daparfrase
"aquilo
que ensinado". O verbo "ensinar", por sua vez,apresenta
aestrutura
argumentai
X(agente),
Y(tema),
Z(alvo),
sendo o alvo, neste texto,explicitamente
[+Hum, +Fem].
De resto, aexclusividade
XIII da I Parte onde diz "nossa doutrina nom se
enderena
aoshomee/is ainda que a todos fosse necessrio seer ensinados. Mas
porque falamos soomente aas molheres
[...]".
Com base numa concordncia
previamente
realizada,
foramseleccionados todos os vocbulos com os traos
[+Nome, +Hum,
+Fem],
considerando que estes vocbulos constituem um campo lexical definido como
conjunto
dasdesignaes
de MULHER no Livrodas Trs Virtudes
(verso
manuscrita)4.
A anlise deste campo lexical
poder,
porhiptese,
fornecer dados sobre o universo feminino alvo da"inssinana"
epermitir,
porcomparao
com a actualidade, construir umarepresentao
cronologicamente
situada desse mesmo universo.A verso manuscrita do Livro das Trs Virtudes contm cerca de 6.650
palavras
diferentes. Dado que a contagem feita apartir
de uma leiturapaleogrfica
queregista
todas asvariaes grficas,
o nmero real de vocbulos diferentes inferior. Deste acervo foramretirados, como foi
dito,
as formas[+Nome,
+Hum,-i-Fem]
(excluindo
os nomes
prprios)
queperfazem
um total de cerca de 1.000ocorrncias,
distribudas por 41 vocbulos diferentes como sepode
verpelo
quadro seguinte,
em que usamos aortografia
moderna e lematizamos nosingular:
mulher 301 baronesa 5 senhora 275 dama 5princesa
138 religiosa 5 donzela 46 fazendeira 4 dona 30parida
3 manceba 27 comadre 3 filha 23 companheira 3 rainha 22 abadessa n madre 17burguesa
o virgem 16 caseeira 2 servidor 15 pecadora 2 velha 15 parenta 9 moa 13 emperatrizes 2 camareira 11 estalajadeira 9 anci 9 serva 9 duquesa 9ospeda
1A verso impressa, sendo parcialmentediferente, podenooferecerexactamenteas
mezquinha
9priorcssa
1 cidad 7 diessa 1 condessa 7 madrasta 1 viva 7 monja 1 irm 6 mestressa 1 amiga 5 vizinha 1Partindo desta
listagem
de vocbulos, foram feitos os levanta mentos dos contextos em que os mesmos ocorrem, estabelecidas asrelaes
entre os diferentes vocbulos e entre ossignificados
destes eos
significados
actuais. Desta anlise contrastiva deduzimos que: 1. Muitasdesignaes
mantm noportugus
actual ossignifica
dos atestados no corpus, emborahaja alguns
contextos insuficientes para determinar se asacepes
so idnticas. o caso de comadre-"vesitando amide comadres"
(III, 8),
"as outras camareiras da ruaque som do lemite e do convite e outras comadres" (III,
9),
"o parentesco e as assudas que com muitas comadres ha em na vila"
(id.)
-,companheira
-"havendo soo ociosidade por
companheira"
(I,
I ), "euouvi dizer a fo tal cousa doutra sua
companheira"
(II, 8)
-e vizinha
-"dizer no o deve a vezinho nem a vezinha" (II, 1
3).
2.
Alguns
vocbulosj
no so usuais noportugus contempor
neo: diessa, mestressa,fazendeira,
camareira, caseeira, serva,manceba.;
ou sofreramalteraes morfolgicas,
como servidor - "talreposta deve dar a booa seruidor em tal caso a sua Senhora"
(II,
2)
-e
parenta
-"levando
consigo
filhos eparentas"
(1,1
1),
"na cortehaja
outras de maior estado e suas
parentas"
(I, 24).
3.
Algumas palavras,
das maisfrequentes,
apresentam
vriosacepes
dasquais
algumas
se mantm noportugus
moderno, outrasrevelam marcas que se relacionam com a estrutura social do tempo. E
o que acontece com
mulher, dona,
donzela.Assim,
partindo
do vocbulo maisfrequente,
mulher,podemos
observar oseguinte:
1)
Apresenta acepes
que se mantm noPortugus
actual a de oposto ao masculino comoobjecto
dacriao
divina
-"deos
[...]
depois
fez o homem e a molhere as outras animalias"(1,
1 )a de
oposto
ao masculino dentro dognero
humano
-"porque
tu homem e molher se
quiseres
seer bem nenbrado da misria do teunaimento."
(11,12);
a de elemento feminino do
casal, oposto
a marido - "os maldiE nom querem
soportar
que as molheres dos outros vaam diante dassuas"
(11,12);
"Raynha
dona Isabel molher do muito alto e muito exci lenteprincepe
e Senhor ElRey
dom Afonso oquinto" (Incipit);
a de
designao
genrica
de sexo feminino-"Serimonias que
fazem muitas molheres
quando
som em ascompanhias
das vodas ou em outroqualquer ajuntamento"
(11,12).
Neste sentido
engloba
as mulheres de todas as classes sociais ou"estados" - "o
segundo
ponto
que as molheres devem teer que como se devemguardar
de fazeremgrandes gasalhados
aoshomee/zs"(II,3);
"E porque a ne/zha molher nom he tanta honra deuida como aasSenhoras e
princesas"
(id.).
2)
Figura
em contextos em queadquire
sentidosdesaparecidos
no
Portugus
actual ou refere realidadeshoje
inexistentes:Relacionada com
"princesa"
ou"grande
senhora" tem o sentidoaproximado
de "aia"quando,
de um modogeral,
apalavra
aparececomplementada
por "decorte",
"depaao",
"de ssua casa" e/ou espe cificadapelo possessivo.
Ex. "como as molheres de corte se devemguardar
de dizer mal de suas Senhoras"(11,7).
Na corte
existem,
porm,
vrios estatutos entre as mulheres quese encontram ao
servio
das"princesas"
ou"grandes
senhoras" comovemos em: "Assaz de molheres de corte ha
pelo
mundo de desvairados estados"
(11,7).
As "molheres de corte"referem,
poroposio
a "dona ou donzella de corte" um estatuto inferior: "Mas todavia a booa dona ou donzela ou outra molher de corte quequiser
usar de booaconciencia amara o bem e a honra de sua Senhora"
(id.).
Por
oposio
a"princesas"
e "molheres de corte" temos as "molheres destado":"comea
a terceira e derradeira partedaqueste
livro a
qual
seenderena
aas molheres d'estado de booas villas e aasborjesas"
(111,1);
"Oprincipio
desta terceira parte,seguindo
aspeegadas
dasprincesas
que andam diante e,depois,
as Senhoras e donzelas da corte e de foradela,
nos convm[...]
falar das molheresdestado das
cidades, scilicet,
das que som casadas com leterados deconselho de Rex ou de
princepes
ouofeiaaes
doguardamento
daJustia
ou doutros diversosofiios.
Isso meesmoaaquelas
que somcasadas com cidados de cidades ou booas vilas
que em
alguas
ter ras som chamados nobresquando
som delinhajees antigas"
(id.).
As "cidads das boas villas e cidades" recebem o "estado"
pelos
cargos dos seus maridos. As que moram fora das cidades,poder
dalgus
bares por causa de sua terra, donde as molherestomam o estado"
(11,9);
"muitaspoderosas
Senhoras assi como baronesas e outras que teem
grandes
terras"(id.).
No fim da escala social surgem as "molheres do comii
pouvo"
ou
seja,
as "molheres dosmercadores",
as "molheres veuvas", "asmolheres dos
mesteres",
"as molheres servidores ou servas da casa" e,por ltimo, "as molheres dos lavradores" que so as
"simprezes"
ou"simprezinhas
molheres" que vivem nas aldeias e cuja vidaj,
por sis, um
servio
de Deus que dever conduzir ao Paraso.E a vida que,
logo
no incio da obra, aprincesa
deveriadesejar
para no se deixar vencerpelas
tentaes,
especialmente pela
soberba. Para alm deste emprego referencial emrelao
directa com a estrutura da sociedade medieval, ainda o termo mulher utilizadocomo
suporte
para outrasdesignaes
de grupos indirectamente hierarquizados
-o das
religiosas,
o das mancebas, o das velhas, o das mulheres castas e honestas e o das de "sandia vida".O
segundo
vocbulo maisfrequente
no texto "Senhora/Senho ras". As "Senhoras"pertencem
sempre corte, so "altas" ou"gran
des" e,
quando encarregadas
daeducao
dasprincesas
ou de asacompanhar
eaconselhar,
"donas e/ou donzellas" devem ser sempre"sages"
e, depreferncia,
de idade e "sesudas". So"grandes
Senhoras" no s as
princesas,
rainhas,emperatrizes,
mas tambm asduque
sas e condessas e
algumas
"molheres d'estado". No so "Senhoras" as"burjesas"
nem as outras "molheres", ainda que tentemparec-lo
pelo
modo de vestir. Neste campo reinagrande "desordenana"
contraa
qual
as TrsVirtudes,
pela
pena de sua "servidor", Cristina, seinsurgem
fortemente."Princesa/Princesas" o termo mais
genrico
paradesignar
as senhoras do "mais altoestado",
daquele
estado a que pertencemigualmente
asemperatrizes,
as rainhas e asduquesas
comoexplica
cuidadosamente Christine de
Pizan,
apropsito
das baronesas: "aindaque nom
sejam
chamadasprincesas,
oqual
nome nomperteece
senomaas
empertrizes,
rainhas eduquesas,
se nom somalguas
que somcasadas com
aquelles
que per causa de suas terras som chamadosprincepes,
assi como ha em Itlia e em outraspartes.
E ainda que ascondessas em toda
parte
nomsejam
nomeadasprincesas,
porque elasseguem o renque das
duquesas,
segundo
a denidade das terras, entendemos em ela o nome das
princesas"
(II,
9).
No que diz
respeito
aos ensinamentos de que as mulheres saoporque
elas,
se bem ensinadas, serviro deexemplo
s outras em tudo o que comumcondio
de mulher.Algumas
coisas,
porm,
sprincesa
dizemrespeito, pois
s ela tem os meios e ascondies
-dar esmolas e
doaes,
honrar osvisitantes,
consolar osnecessitados,
ser"avogada"
e medeaneira entre oprincepe
e o povo, evitar a guerra e aopresso
dos humildes. Mas sempre em"guardando
a honra de seuSenhor".
A obedincia e amor ao marido,
,
depois
do amor e temor deDeus, a
principal
"insinana"
que "Prudncia mundana" d, no s sprincesas
como a todas as mulheres. Mesmoquando
os maridos so maus e perversos. Por isso no vem as Trs Senhorasqualquer
vantagem em que as vivas voltem a casar, embora o "estado da viuveza"
seja
dos mais duros. Maridos ou no, humildes oupoderosos,
os homens no so muitoapreciados
nesta obra. Deles se devem afastar as mulheres que "amam boa nomeada" porque neles sempre existe a vontade de as enganar. E se o marido for "de maaos costumes perverso e spero e de pouco amor contra sua molher de
qualquer
estado que ellaseja,
ou se desama em amor doutramolher,
ou demuitas,
[...]
Ha vez o amoestara perdevoiom,
outra perpiedade
que devehaver
dela,
outra vez em riindo como sejogatasse
com ele. E com esto lho far dizer per booas persoas e per seu confessor.[...]
E,quando
ela houver este caminho levado h tempo e vir que ele se nom querenmendar,
seu socorro ser a Deos e trabalhara de se poer em paz semlhe mais fallar".
Como
podemos
ver, o universo feminino presente no Livro dasTrs Vertudes constitudo por um
conjunto hierarquizado
de mulhe res que sedistinguem pelo
seu estado:Princesas / Rainhas /
Imperatrizes
/Duquesas
Donas / Donzelas / Mulheres de corteMulheres de estado / Baronesas
Burguesas
Mulheres do povo
O
estado,
definidor dainsero
social,
no,
em nenhum caso, atributoadquirido
por mritoprprio,
masdepende
dalinhagem
ou docasamento. Mesmo as mais altas
princesas
devem ter conscincia de da suacondio:
"Torna-te ao Senhor teu Deosl E conhece que shua
simprez
molherzinha,
que no hs
fora,
poder,
nem autoridade, se d'outrem te nom vem!"(I, 2).
Assim,
nenhum dos ensinamentos dados s mulheres visamqualquer mudana
de estado. Bem ou malnascidas, bem ou mal
casadas,
elas devero serhumildes, obedientes,
gentis,
honestas, generosas e,sobretudo,
pacientes.
Por "tais modoshaver" sero
dignas
de fazer parte da "Cidade Gloriosa"j
anterior mente descrita por Christine de Pizan na obra intitulada La Cite des Dames.Bibliografia
Langages 13, 1969. Langages 62, 1981. Langages 11, 1983. Langages SI, 1986. CHOMSKY, Noam (1975)-Reflections
onLanguage. Temple
Smith, Londres.CRISPIM, Maria de Lourdes (1995). Christine de Pizan. O Livro das Trs Vertudes ou O
Espelho
de Cristina.Dissertao
de doutoramento. Faculdade de Cincias Sociais e Humanas, Lisboa.HYMES, Dell (1977)
-Foundations in
Sociolinguistics.
Tavistock, Londres. MATTOS E SILVA, RosaVirgnia
(1989)-Estruturas Trecentistas. Elementos para uma Gramtica do
Portugus
Arcaico.Imprensa
Nacional-Casa da Moeda, Lisboa.
PISAN, Christine de (1987). O
Espelho
de Cristina. Ed. fac-similada. Lisboa,Biblioteca Nacional.
WILLARD