A
CQNSTRUÇÃQ
DE
UMA
ALTERNATIVA
Í .
CURRICULAR
NA
PRE-ESCOLA:
A
experiência
do
_
NEI
Canto
da
Lagoa
ANA
CRISTINA
COLL
DELGADO
A CoNsTRUCÃo
DE
UMA
ALTERNATIVA
CURRICULAR
NA
PRÉ-EsCoLAz
A
experiência
do
NEI
Canto
da
Lagoa
Dissertação apresentada
ao
Curso de Mestrado
em
Educação
da
Universidade Federal
de
Santa Catarina
como
requisito parcialà
obtenção do
títulode
Mestre
em
Educação
Orientadora: Professora Dra.Nadir
Zago
Co-Orientadora:
Professora
Doutoranda
Beatriz Bittencourt
C.Hanff
FLORIANÓPOLIS
CENTRO DE
EDUCAÇÃO
DA
UESC
DEDIcATÓRIAz
“Este
trabalho édedicado aos profissionais
de
Educação
Infantilque continuam
resistindo elutando
pela
garantiado
cuidado
eeducação
para
ascrianças
AGRADECIMENTOS:
Gostaria
de
agradecer a todas as pessoasque
acreditaramna
concretização deste estudo.Ainda que
algunsnomes
não
sejammencionados,
este texto estácarregado
destas contribuições.
Em
primeiro lugar, aosmeus
pais, peloexemplo de
honestidade, justiça e determinação.A
todos
que,de
alguma
forma, participaramda
construção deste trabalho,através
de
leituras e sugestões: Eloisa , Cecília , Claudio, eSimone, que
fez a revisãofinal.
À
Olga
Miranda, por
terproporcionado
meu
afastamento parao mestrado
e pelaslições
de
vidaque
tem
ensinado.Ao
Rogério, Eliane, eBeth
pelaamizade
e disponibilidade.Às
professoras MarliAuras
eLeda
Scheibe, pela leituraminuciosa
do
projetoque
originou esta investigação e pelas suas observações positivas
que
me
levaram adiante.Ao
professorMarcos
Herter,que
me
ajudou duranteo mestrado
com
sugestõesde
bibliografia, apesar
de
tantoscompromissos.
À
Bel,que
também
ofereceu seu apoio e fez sugestões._
Aos
colegasdo
mestrado,com
os quais partilheimomentos
tão agradáveis: Pedro, Ivan,Louisa
Carla, Giana,Ana
Cristina, Jorge Alexandre, entre outros.À
Deborah
e Nico,companheiros de
todas as horas,que sempre demonstraram amizade
esolidariedade.
Especialmente à
Nadir Zago,
pelo apoio e pela orientaçãocomprometida
que
demonstrou
desde
nossos primeiros encontros eque
se estendeu, atémesmo,
durante seuafastamento
do
país.À
co-orientação, dedicação e apoioda
professora Beatriz Bittencourt.Ao
Rodrigo
e a tantas outras criançascom
as quais tenho convivido e aprendido.Às
coordenadoras da
Divisãode
Educação
Pré-Escolarda
SecretariaMunicipal
de
Educação
de
Florianópolis, pelo atendimento e disponibilidade para as entrevistas.Quero
agradecer, principalmente, aos profissionais, crianças emoradores
do
Canto da Lagoa, que
me
receberam
tãobem
desde os primeiros encontros eque
“Ao
fiindo
de
um
pátio arborizado,numa
noite quentede
dezembro,
eu
fuiconvidada
para entrarnuma
roda de
ciranda. Dalipara a frente, a
roda
evocês todos
tornaram-se parteda
minha
vida durante
quase
três anos.O
teatro, os sonsdos tambores
e a vidaque não
se perdia entre aquelas portas e janelas. Ali, a vida pulsava entre as contradições, os erros e acertosque vocês iam
experimentando.
Eu
ia e voltava para casa, cheiade
anotaçõesque
continham
histórias,vozes
e músicas.Vou
confessarum
segredo:sinto
saudade
daqueleimenso
pátio cercadopor
uma
lagoa,da
noite enluaradacom
aMari
tocando
violão e dasvozes
que
cantavam
até amadrugada...Vocês
acreditaramno
estudo eme
convidaram
a fazer parteda roda de
ciranda.Enquanto
dançava, iapensando
no
imenso desafio de
transformar estas históriasnum
texto, Sorte
minha que
guardeium
pouquinho do
pó
mágico da
SUMÁRIO
RESUMO
... ..RESUME
... ..INTRODUÇÃO
... .. 11-13PARTE
1CONTEXTUALIZAÇÃO
DO
.ESTUDO
E
METODOLOGIA
DÊ
PESQUISA
... ..1.1-O
CONTEXTO
SOCIOCULTURAL
NO
CURRÍCULO
DA
EDUCAÇÃO
INFANTIL
... ..14-29
1.2-A
PROBLEMÁTICA
DE ESTUDO
E
SUA
METODOLOGIA
... ..30-42
PARTE
2
O
BAIRRO
cANTO
DA
LAGOA
E
O
NúcLEO
DE
EDUCAÇÃO
INFANTIL;
história
da
elaboração
do
projeto
político
-pedagógico
... ..2.1-O
LOCAL
E
SUA
CARACTERIZAÇÃO
... ..43-só
2.2-O
NÚCLEO
DE
EDUCAÇÃO
INFANTIL
CANTO
DA
LAGOA
... .. 57-612.3-ORIGEM
E
ANTECEDENTES
DO
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
.62-702.4-O
PROJETO POLÍTICO-PEDAGÓGICO
“EM
BUSCA DE
UMA
ALTERNATIVA
CURRICULAR”
... ..71-82
PARTE
3
1 ~
O NUCLEO
DE
EDUCAÇAO
INFANTIL E
SEUS
ATORES
SOCIAIS:
caracterização, interações e expectativas
... ..3.1-ALGUMAS
QUESTÕES
QUE
APROXIMAM
O
COLETIVO
DOCENTE...
83-96
3.2-As
INTERAÇOES ENTRE
O NUCLEO DE EDUCAÇÃO
INFANTIL
E Os
PARTE
4
A
MEDIAÇÃO
soc|ocuLTuRAL
NA
PRÁTICA
PEDAGÓGICA
... .§ ... ..113-115
4.1-
A
oRGANIzAÇÃo
E
PLANEJAMENTO
Do
TRABALHO PEDAGÓGICO
... ..
nó-121
4.2-
0
CURRÍCULO REAL E
sUAs
MANIFESTAÇÕES
NA
PRÁTICA
PEDAGÓGICA
... ..122-147
CONSIDERAÇOES
FINAIS:
As
Possibilidades e Limites
de
uma
Proposta
Curricular
Integrada
com
a
População
Local
... _.148-153
BIBLIOGRAFIA
... _.154-159
ANEXOS
... ..160-167
RESUMO
O
objetivo centralque
norteou este estudo foi“compreender
como
ocorre a integração das questões socioculturaisna
propostade
alternativa curricular e na práticapedagógica de
uma
unidade
pré-escolar”.Para
o
alcance deste objetivo opteipor
investigar
o
Núcleo
de
Educação
InfantilCanto da Lagoa,
no
qual seus profissionais,em
parceriacom
familiares emoradores de
um
local, construíram,num
periodode
dez anos,um
projeto politico-pedagógicodenominado
“Em
Busca
de
Uma
Altemativa Curricular”.O
referencial teóricoque
subsidiou a análisedos dados
está baseado: a)em
estudosque
defendem
a importânciado
contexto sociocultural das crianças e familiares nas propostascurriculares
de
Educação
Infantil a partirda década de
80; b) nas relações entre currículo e culturaaprofimdadas
por
representantesda
Nova
Sociologiada
Educação
eda
Teoria Críticado
Currículo; c)em
autoresque
vêm
apontando novos
rumos
para aformação
dos
profissionaisde
educação.A
investigaçãomantém
afinidadescom
as abordagens qualitativasde
pesquisa ecom
os estudosde
caráter etnográfico.A
partirda
problemática central, três eixos delimitaram
o
campo
de
análise: a caracterizaçãodo
projeto político-pedagógico, seus
fundamentos
teóricos e processo de elaboração; amediação
socioculturalna
prática pedagógica; e as interações, expectativas ecaracterização
dos
diferentes atores sociais envolvidosno
processo.Os
resultadosda
pesquisa
apontam
para a importânciada
integração entre familiares e profissionaisde
educação no
processode
construçãode
uma
altemativa curricular;da formação
em
serviço e
reflexão
sobreo
fazer pedagógico; edo compromisso
com uma
proposta educativa para a pré-escola.O
caráterde
provisoriedade e as contradiçõesdo
currículotambém
são enfatizados, poiso
projeto é construídono
dia á diada
unidade pré-escolarRÉsUMÉ
Cet étude a
été guide parun
objectif central:“comprendre
comment
Pintégration desquestions socio-culturelles a lieu
dans
la proposition d”alternative curriculaire etdans
la pratiquepédagogique d”une
école matemelle”.Pour
atteindre cet objectif, j°ai ioptépour
Finvestigationdu Núcleo
de
Educação
InfantilCanto da
Lagoa,
dont les professionnels,en
associationavec
les familles et les habitantsde
la cornmunauté, ont bâti,pendant
dixans,
un
projet politico-pédagogique appelé“À
la recherche d'une alternativecurriculaire”.
Les
références théoriques qui ont contribué à l'analyse desdonnés
sont fondées: a) sur des études qui soutiennent l'importancedu
contexte socio-culturel des enfants etde
leur familles dans les propositions currículaires d°éducation des enfants à partir desannées
80; b) sur les rapports entre curriculum et culture approfondis par des représentantsde
laNouvelle
Sociologiede
lӃducation etde
la Théorie Critiquedu
Curriculum; c) sur des auters qui indiquent des nouvelles directionspour
la fonnation des professiormelsde
Féducation. L°investigationpossède
des affinités avec lesapproches
qualitatives
de
recherche et avec les études d'ordre ethnographique.À
partirdu
problème
central, lechamp
d'analyse a été délimité par trois axes: la caractérisationdu
projet politico-pédagogique, ses
fondements
théoriques et son processus d”élaboration;la
médiation
socio-culturelle dans la pratique pédagogique; et les interactions, les attenteset la caractérisation des dilférents acteurs sociaux
engagés dans
le processus.Les
résultatsde
la recherche se directionnent vers l°importancede
l°intégration entre les familles et les professionnels en éducation dans le processusde
constructiond”une
altemative curriculaire;
de
la formationen
service et de la réfléxion sur le fairepédagogique;
etdu compromis
avecune
propositionpédagogique
éducativepour
lӎcolematemelle.
Le
caractere provisiore et les contradictionsdu
curriculum sont aussimis en
emphase,
puisque le projet est construitdans
le quotidiende
lӎcolematemelle
et qu°ilrNTRoDUÇÃo
A
necessidadede
desenvolverum
estudoque contemplasse
aEducação
pré-escolartem
suas raízesna minha
história profissional, especialmente a partirde
1991,quando
passei a trabalhar
com
formação de
professoresque
atuam
com
criançasde
quatro a seis anos.Entre
as alunas, percebia certa angústiamas
também
o
desejode
vislumbrar saidas, alternativas possiveis frente às inúmeras dificuldadesque o
cotidianonos
impõe.Talvez
precipitadamente
eu
denorninava esses anseiosde
“procurade
receitas”.Hoje
reavalio essa visão apressada,que
me
impediu, durante certotempo, de
refletir sobre acomplexidade da
questão.Se
as alunasprocuravam
respostas é porque, certamente,estavam
cansadasda
críticaou
da
denúncia que, muitas vezes, transforma professoresem
vilões e certas linhas teóricas
em
verdadeiras tábuasde
salvação para a educação..- \
Ao
ingressarno
cursode
.Mestradoem
Educação,
tinha claroque
pretendia realizaruma
pesquisaque
apresentasse possibilidades, talvezuma
forma de
responderaos
desafios
que
me
foram
colocados.,Da
mesma
forma, vinha questionandoo
predomínio de
análises psicológicas-em detrimentode abordagens
sociológicas,filosóficas
e históricas-naEducação
Infantil. Essas constatações,somadas
ao
contatocom
o
cotidianode
classes pre'-escolares e as leiturasque eu
vinhaaprofundando
sobreEducaçao
Infantil e Teoria Críticado
Currículo, possibilitaramum
traçado inicialdo
que
seria
o
meu
projetode
pesquisa.A
denorninaçao “pré escola” justifica-sepor
meu
campo
de
estudo estar direcionado à faixados
quatro aos seis anos.Segundo
a atual políticade
Educação
Infantildo
Ministérioda Educação
edo
Desporto-MEC
(l994)l, as instituiçõesque
oferecem
Educação
Infantil, integrantesdo
Sistemade
Ensino, são as creches e pré-escolas, cuja clientela se divide pelo critério exclusivo
da
faixa etária,ou
seja, zero a trêsanos na
creche e quatro a seis anosna
pré-escola.1
De
acordocom
BARRETO
(l996:8), o Ministério da Educação e do Desporto elaborou urna proposta de Política de Educacão Infantil que foi discutidacom
segmentos governamentais e não-govemamentais. Ela foi aprovadaem
1994como
a Política Nacional de Educação Infantil, na qualficam
explicitados osobjetivos, diretrizes gerais e linhas de ação prioritárias que deverão orientar a ação do
MEC, em
parceria12
Desde
a primeira versãodo
projetoque
originou este trabalho, tinhapensado
em
pesquisar
uma
pré-escolacom uma
proposta diferenciada,na
qual seus .profissionais estivessemcomprometidos
com
o
cuidado eeducação da população
infantil atendida.Desta
forma, a pesquisabuscou
uma
aproximação
com
o
que Geertz
(1989)denomina
de
“visãode
pos1'11`vidade”,ou
seja, a tentativade
ultrapassar a óticada
privação,da
denúncia
das faltas. Pretendia encontrar,fundamentalmente, o que
uma
instituiçãode
Educação
Infantiltem
a oferecer,ao
invésde
apenas apontar as suas limitações./Í Foi
em
função
desse interesseque
escolhi investigar a proposta curricular e aprática
pedagógica de
uma
pré-escola públicaf*o
Núcleo
de
Educação
InfantilCanto da
Lagoa,
que tem
como
preocupação
a inserçãodo
contexto sociocultural das crianças efamiliares
no
seu cotidiano.O
grupo de
profissionaisque
ali atuava estavadesenvolvendo
uma
propostapedagógica
integradacom
a realidade socioculturalda
suapopulação
e iniciou,em
1994, a elaboraçãodo
projeto político-pedagógico“Em
Busca
de
uma
Alternativa Curricular”.Tenho
a convicçãode que o
momento
éde
mostrar as alternativas possiveis,fiente
às condiçoes,cada vez mais
limitadas, impostas aos profissionaisda
educação.Nesse
sentido,concordo
com
aobservação de Kramer:
“Numa
espéciede
democratização perversa,temos
assistido à difusãodo
conceito
de
carênciaque passou
a ser dirigidotambém
aos professores. Parece-me
que
esse éum
dos
critériosque
orienta,embora
não de forma
intencional, asmais
diferentes estratégiasde formação
(préviaou
em
serviço)que
sepropõem
aimplantar propostas, desconsiderando a experiência
dos
professores,negando
seu conhecimento,apagando
sua história epretendendo
substituir sua práticapor
outra
tomada
como
mais correta,avançada
ou
melhor
fimdamentada”
(1994: 18- 19).Este
estudotem
justamenteo
propósitode
colocarem
destaque a experiênciavivenciada
por
um
grupo de
profissionais, pais emoradores de
um
localcom
caracteristicas específicas e suas influênciasna
construçãode
uma
alternativa curricular.O
trabalho está dividido nas seguintes partes:Na
primeira parte, “Contextualizaçãodo
Estudo
eMetodologia de
Pesquisa”, façoum
levantamentoda produçao
teórica, a partirde
1980, acercada
importânciado
contexto sociocultural das crianças e famílias nas propostas curriculares
da
Educação
Infantil, destacando
algumas
contribuiçõesda
Nova
Sociologiada
Educação
ao
debate sobre curriculo e cultura.Após,
apresento a problemáticada
pesquisa e sua metodologia:a
opção
pela pesquisade
tipo qualitativo,o
trabalhode
campo
e os instrumentosde
pesquisa,
bem
como
a
análise e sistematizaçãodos
dados.Na
segtmda
parte,“O
BairroCanto da
Lagoa
eo
Núcleo
de
Educação
Infantil:história
da
elaboraçãodo
projeto político-pedagógico,” façouma
descriçãodo
localde
pesquisa edo
NEI
Canto da
Lagoa
e suas relaçõescom
o
Movimento
de
Reorientação Curricularda
Secretaria Municipalde
Educação
de
Florianópolis.Em
seguida, reconstituoa
históriada
propostapedagógica
do NEI,
desde
sua inauguração até a construçãodc
projeto político-pedagógico. INa
terceira parte,_“O
Núcleo
de
Educação
Infantil eSeus
Principais Atores Sociais: caracterização, interações e expectativas,” são analisadasalgumas
questõesque
mobilizam
o
coletivo docente e suasconcepções de
organizaçãodo
trabalho pedagógico.Resgato,
também,
as interações e expectativasdos
familiares das criançasno
processode
construção
de
um
trabalho coletivo.Na
quarta parte,“AMediação
Socioculturalna
Prática PedagÓgica,”analisoo
currículo real e suas manifestações
na
práticapedagógica
do NEI,
abordando
a inserçãoda
culturanos
projetosdo
núcleo, as manifestações socioculturais das crianças e as relaçõesde gênero
observadas nasduas turmas
de
pré-escolaque
foram
estudadas.//E
Entendo que
um
projeto político-pedagógico construído atravésda
participaçãode
vários atores sociaisnão
deve,em
nenhum momento
do
processo, ser considerado “pronto”,mas
permanentemente
revisitado e questionado.Num
estudo etnográfico,como
observa Geertz,“não
há
conclusõesa
serem
apresentadas,há
apenas
uma
discussão
a
ser sustentada”(1989).É
neste sentidoque encaminho
a parte final deste trabalho.PARTE
1.
CONTEXTUALIZAÇÃO
DO
ESTUDO
E
METODOLOGIA
DE PESQUISA
1.1
-o
coNrEx'ro
soc1ocULrURAL
No
CURRÍCULO
DA
EDUCAÇÃO
INFANTIL
Ainda que não
tenha a intençãode
fazeruma
retrospectiva históricada Educação
Infantil
no
Brasil, alguns aspectosforam
propositalmente retomados,como
forma de
caracterizar os estudos
que defendem
a importânciado
contexto sociocultural das crianças ede
suas famílias nas propostas pré-escolares, especialmente a partir dos anos 80.As
críticas feitas à ideologiada
privação cultural propiciaram,de
certa forma,o
surgimento de
uma
correntede pensamento,
dentroda
Educação
Infantil,que
defende aimportância
da
diversidade cultural nas propostas curriculares.Como
veremos
mais adiante, esta éuma
tendência mundial, cuja discussãono
Brasil, ainda é recente.A
abordagem
da
privação
cultural .O
conceitode
privação cultural surgiuna década de
60,nos Estados
Unidos,num
momento
caracterizado por confrontos raciais,desemprego,
segregação social e educacional, atingindo principalmente apopulação
negra e os imigrantes pobres (Nicolacci:1987
e Soares:l989).A
teoriada
privaçãoou
carência cultural,em
sintese, responsabilizava essascamadas da população
pelo próprio fracasso social e escolar.O
fracassopassou
a ser atribuído às privações culturais e linguísticas provenientes de meios familiares considerados inadequados.Dentro
desta análise, a funçãoda
escola deveria serde
oferecerprogramas
que
compensassem
as supostas carências desses grupos.No
Brasil, os discursos oficiais e as propostasde educação
pré-escolarpassaram
a utilizar a “Ideologia
da
Privação Cultural”como
forma de
preveniro
fracasso escolar, então atribuído às deficiências socioculturais e linguísticas das crianças e famílias dascamadas
populares.A
transposição dessaabordagem
parao nosso
país ocorreu nos anos'
Os
programas
preventivostinham
como
objetivos principais reduzirou
eliminardeficiências antes
da
escola regular; prevenir futurosproblemas
de aprendizagem
eadaptação na
pré-escola; esubmeter
as crianças a atividadesde
socialização adequada,o
que
pressupunha
que a
socialização vivenciadano
contexto familiar e cultural eraconsiderada deficiente (Soares, 1989). .
Comprovando
a influência dessesprogramas
preventivos,o
Diagnóstico Preliminarda
Educação
Pré-Escolarno
Brasil, realizado peloDepartamento de Ensino
Fundamental
do
Ministérioda
Educação
e Cultura -MEC,
em
1975, estabeleciaque
“asdeficiências
de
estimulação sensórío-motora, afetiva, social e. verbal,próprias
de
ambientes
debaixo
nívelsócioeconômico
ínfluenciam
negativamente
0
desenvolvimento
infantil” (Nicolacci,
1987
: 29).Logo,
caberia àeducação
pré-escolar suprir taisdeficiências, visando
um
melhor
rendimento nas séries posteriores.'
Os
efeitosda
abordagem
da
privação cultural analisadospor
Soares: 1989, Nicolacci: 1987, Patto: 1993,Kramer:
1992,Abramovay:
1991, entre outros autores,demonstram
que
ospadrões
culturais das classesdominadas passaram
a ser consideradoscomo
subculturas e os das classes dominantes,como
“cultura legítima”.A
“diferença”,nesta perspectiva,
começou
a ser percebidacomo
deficiênciaou
inferioridade (Soares, 1989: 15).As
criançasque não possuíam
a herança cultural e linguistica legitirnadas pela escolapassaram
a ser tratadascomo
se tivessem nascido“sem
cultura”.Consequentemente,
issoacabou
justificando a inculcaçãode
hábitos, valores ecomportamentos
da
“cultura oficial”,que
era ade
classemédia
branca.De
acordo
com
Kramer
(1992: 12), aindaque
essesprogramas não tenham
sidoimplementados
com
sucessoem
todo o
Brasil pela ausênciade
recursos próprios para aeducação
pré-escolar, teoricamente difundiu-seo
preconceitode
quê' as crianças efamilias das classes populares
apresentavam
um
déficit sociocultural, a sercompensado
,
como
forma de
preveniro
fracasso escolar.Assim, a pré-escola consagrou-se, nesse periodo,
como
meio de
salvaçãoda
escolade
primeirograu
e das crianças consideradas carentes.Esse
conceitode
carência culturalmerece
ser questionado,duas décadas
depoisde
ter se infiltradono
ideáriopedagógico
brasileiro,porque
suasmarcas
ainda resistemao
tempo
e as criticas.A
16
raça negra,
na
verdade,omitem
adominação de
uma
classe social sobre outra, poiscomo
observa
Patto:“(...)
numa
sociedadeem
que
a discriminação e a exploração incidempredominantemente
sobredeterminados grupos
étnicos, a definiçãode
superioridade
de
uma
linhagem a partirda
notoriedadede
seusmembros
sópode
resultar
num
grande mal
entendido: acreditarque
é naturalo
que,na
verdade, é socialmentedeterminado”
(1993: 39).Durante
essa fase,na
Educação
Infantil brasileirapredominaram
propostas, cujapreocupação
central, era a inculcação ideológicados
valores e hábitos dascamadas
dominantes,
o
que
propiciouuma
sériede
críticas aosprogramas
compensatórios e àabordagem
da
privação cultural.Novos
rumos
para
a
Educação
InfantilNa
metade da década de
80, as propostas centradasno
assistencialismo,guarda
ecompensação
das carências culturais,no âmbito da
Educação
Infantil,começaram
a serquestionadas
no
Brasil.A
importânciada
função educativa aliadaao
cuidado passou a ser discutidanos
meios
acadêmicos.Estudos
realizadospor
Kramer
(1982, 1989, 1991, 1992), Ferrari (1980, 1982),Rosemberg
(1987, 1989, 1993),Campos
(1986, 1989, 1991, 1992, 1994), entre outros, contribuiram parao
crescimentodo
debatena
área.A
busca de
uma
identidade para aEducação
de
zero a seis anosvem
ocorrendo
especialmente
em
duas
instâncias:na
discussão acadêmica,de onde
emergem
esses estudos, ena
elaboraçãoda
Constituiçãode
1988,que contou
com
a participação de diversossegmentos da
população.Durante
a fase de elaboraçãoda
Constituiçãode
1988, aEducação
Infantil foireconhecida
como
um
direitoda
população, poiso
Movimento
Nacional Criança eConstituinte obteve alguns avanços,
como,
por
exemplo, vincular aEducação
de zero a seisanos
ao
ciclo básico, obrigando aUnião
a proporcionar sua oferta,devendo
esta sercontemplada nos orçamentos
do
MEC
e das Secretariasde
Educação
Estaduais eMunicipais.
A
garantia dessas conquistas, sofreu alteraçõescom
aaprovação
do
projetocomplementar da
Leide
Diretrizes eBases
(dezembro de
1996),do
senadorDarcy
Básica,
a
distribuiçãode
verbas e recursos específicos para a área ficou'comprometida,
no
momento
em
que
a responsabilidade foi repassada aos municípios ede
forma
secundarizada.
Apesar
de mais
da metade da população
infantilde
baixarenda
não
ter acesso acreches e pré-escolas,
convém
ressaltarque
houve
uma
expansão
do
atendimento nasduas
últimas décadasz.A
expansão da
oferta fez crescer,também,
a discussão sobreo
papel social e político
da
pré-escola e sobreo
exercíciode
suafunção
pedagógica.A
implementação de
propostaspedagógicas
ou
curricularesque
interessem àspopulações
infantis, especiahnente das classes populares,tem
sidopieocupação
centralde
autorascomo
Kramer
(1992),Abramovay
(1991), entre outros.Entendem
estaseducadoras
que
a funçãopedagógica
é possibilitadamediante
um
trabalhoque
toma
a culturade origem
das criançascomo
base para a aquisiçãode novos
conhecirnentos.
Logo,
deve
partirdo
que
a criançaconhece
e domina. Salientam, ainda,que
é preciso favorecero
acesso aosconhecimentos da
culturadominante sendo
esse propiciadode forma
critica, para possibilitar à criançacompreender
seumundo
e sua realidade sociocultural. Finalmente,o
trabalhopedagógico
da
pré-escolanão
pode
se limitar aum
únicopadrão de
cultura,mas
abranger a diversidade cultural, respeitando as diferençasde
classe, raça, sexo, religião e outras, existentes entre as crianças.Tecidas essas considerações,
o
presente trabalho pretende questionarcomo
uma
unidade
pre'-escolarque
diz priorizaro
contexto sociocultural das crianças organiza suaproposta
curricular e sua prática pedagógica.Como
na
Educação
Infantil,o
debate aindaé recente, fez-se
um
levantamentoda produção
teórica sobre currículo e culturade
forma mais
ampla,ou
seja,não
direcionado exclusivamente à. pré-escola.O
redimensionamento
do
conceitode
currículo e suas relaçõescom
a culturatem
sido alvo
do
debate realizado por representantesda
Nova
Sociologiada Educação.
O
primeiro
ponto
a ser considerado,na
nova
abordagem,
é a superaçãodo
significado2
O
Ministério da Educação e Desporto
em
1994, no documento “Educação Infantil no Brasil: Situação Atual” confrontou os dados da população de zero a seis anos, levantados pelo censo de 1991 do IBGE,com
os de matrícula na pré-escola pesquisados pelo Serviço de Estatísticas do l\/HEC, e concluiu quea proporção de crianças atendidas na pré-escola cresceu de 5,5% para 15,5% da população de zero a seisanos, entre 1979 e 1991, no Brasil.
O
documento salienta que, embora o atendimento educacional àscrianças de zero a seis anos tenha apresentado expansao no país, os índices ainda sao baixos,
18
tradicional
de
currículo, geralmentecompreendido
como
controle sobreo
processode
ensino/aprendizagem, ou, ainda,
como uma
listagemde
conteúdos.Essa
revisãodo
modo
de
pensaro
currículo, possibilita,de
certa forma,uma
aproximação
com
o
debatesobre propostas curriculares
na
Educação
Infantil.Currículo
e culturaDe
acordo
com
Forquin, a corrente denorninadaNova
Sociologiada
Educação
surgiu
na Grã-Bretanha
no
finalda
década de
60, atravésde
um
livro organizadopor
Michael
Young
em
1971.Em
seu artigo,Young
insistiano
fatode
que
“osprocessos
de
seleção e
de
organização dos conteúdos
cognitivos e culturaisdo
ensinotraduzem
ospressupostos
ideológicos e os interesses sociaisdos
grupos
dominantes
” (Forquin,1993: 92).
A
partir desta publicação, surgiram outros estudosque
relacionaram currículo e cultura. t«
_
O
significadode
currículo, expresso pelos teóricosda
Nova
Sociologiada
Educação,
caracterizao termo
como
“um
conjunto contínuode
situaçõesde
aprendizagem (leaming
experiences)às
quaisum
indivíduo vê-se expostoao
longo de
um
dado
periodo,no
contextode
uma
instituiçãode educação-
formal
" (Forquin,l993:22).
O
“cun'ículo”, nessaabordagem,
vaialém
do
plano cognitivo, alcançando as relaçoes afetivas e sociais.Segundo
a análisede
Forquin, essa correntebusca
refletir, a partirdos
contextosculturais,
como
emergem
e se institucionalizam os currículos. Istotem
provocado
uma
reelaboração
da
problemática culturalda educação
(l993:24) e,em
decorrência,delineou-se
um
embate
teóricomarcado
por posicionamentos
variados acerca das relações entre currículo e contextos culturais.Os
trabalhosproduzidos na Grã-Bretanha
no
periodo1960-1985 trouxeram
elementos significativos para a
formação de
uma
visão criticade
currículo. Esta temática,mais
tarde, alcançou osEstados Unidos,
atravésde
autorescomo
Apple
(1982, 1989,1991) ,
Giroux (1992,1994)
, Connell (1995), entre outros.Nos
Estados
Unidos, apreocupação maior dos
representantesda
Sociologiado
Currículo é
compreender
a favorde
quem
ele trabalha ecomo
fazê-lo trabalharem
prol,19
destaco Applle (1982, 1989) e Connell (1995),
que
apontam
a possibilidadede
o
curriculo
não
vir só a reproduzir a ideologia dominante,mas
fundamentalmente, a produzir,também,
o
efeito contrário, isto é, as manifestações socioculturais até entãonegadas
e excluídaspoderem
conquistarum
espaço nas escolas.Connell (1995) desenvolve
o
conceitode
“justiça curricular” que,segundo
ele,supera
a questãodo
acesso à escola.O
autor analisa os diferentes resultadosde
escolarização para as classes populares e
dominantes
relacionadoscom
tipos especificosde
curriculo.Nesta
perspectiva, os currículos dominantescontêm
uma
históriade
classeque
inclui e exclui crianças,de acordo
com
suacamada
social.Um
currículo democrático e justo, para Connell, será construídoem
tomo
dos
interesses
dos grupos
com
menor
vantagem.
Eledenomina
esta estratégiade
“reversãoda
hegemonia”, que deve
ser generalizada paratodo
o
sistema,mantendo
suasparticularidades.
Dessa
forma,não
pode
serum
projetocontra-hegemônico
único,devendo
reconhecer as diferençasde
gênero, raça e classe, pois,“Se
quisermos
ensinar sobre relações étnicas e raciais,por exemplo,
é possívelobtermos
uma
compreensão mais
inclusiva e maisprofunda
se construirmosum
curriculo a partir
do
ponto de
vistados grupos
étnicos subordinadosdo
que
se trabalharmos a partirdo
ponto
de
vistado
grupo dominante”
(1995: 22).Já
na
França,o
surgimento dessa corrente foi mais tardio,conforme
explicaForquin
em
seu livro “Escola e cultura” (1993).Nesse
trabalho,o
autor estabelecerelações entre currículo e cultura,
apontando
saberes, competências, representações, papéis e valores adquiridosna
escola, muitas vezes ausentesdos programas
oficiais.Para
Forquin, seo
homem
éum
serde
“cultura”, é necessário colocar aeducação no
centroda
questão antropológica.Se
a cultura éo conteúdo
principalda
educaçao,uma
não
pode
serpensada
sem
a outra, poistodo
ato educativo traz implícitoum
processode
seleção
de
uma
cultura.A
esse respeito ele observa: _ “(...) pode-se dizer perfeitamente
que
a cultura éo conteúdo
substancialda
educação, sua fonte e sua justificação última: a
educação não
énada
forada
cultura e
sem
ela (...)uma
não
pode
serpensada
sem
a outra etoda reflexão
sobre
uma
desemboca
imediatamentena
consideraçãoda
outra” (1993: 14).O
Brasilcomeçou
a receber a influência desses autores estrangeirosna metade da
década de
80.A
produçao
teórica sobre currículo foi aospoucos superando
a Óticamais
20
~
teórica
da
Nova
Sociologiada Educaçao, Moreira
e Silvacomeçaram
a sustentaruma
visão diferenciadade
currículo.Para
Silva (1996),há
uma
relação entre cuniculo e cultura,na
medida
em
que o
currículo e aeducação
são“campos
de
produçãoativa
de
cultura
quanto
campos
contestados”.Nesse
sentido, a cultura é inseparáveldos grupos
e classes sociais pois é
o
“o terrenoem
que
seenfientam
diferentes e conflitantesconcepções de
vida social, é aquilopelo qual
se luta enão
aquiloque
recebemos”
(1994: 27).
Dentro
dessaabordagem
críticado
curriculo, utilizarei, para acondução
da
análise
da
prática pedagógica,o
conceitode
“currículo real,” desenvolvidopor Forquin
(1996), e Sacristàn (1996).
Faço
essaopção, por
sero
curriculo realcompreendido
como
o que
é realmente ensinadoem
aula,o que
podemos
conhecer por
enqueteou
observaçao
junto às professoras e alunos, ou,mais
especificamente,o que
acontecena
prática
pedagógica
diáriaem
oposição aosprogramas
oficiais (Forquin:1996,191).Igualmente
para Sacristàn,o
currículo realpode
apontar intenções e significados“desligados
das
intenções curriculares explícitas ”(1996: 36).A
interdependência entre cultura eeducação
também
éabordada por
Sacristànquando
chama
a atenção para a importânciade
pensarmos na
“cultura currícularizada”,que
irá favorecer a descobertade
novas
formas de
refletir sobreo
currículo (1996: 34).Para
o
autor, seo
curriculo faz escolhasno
interiorda
cultura,presenciamos
nas escolasvisões particulares
ou
reconstruçõesda
cultura.Em
outrasipalavras,encontramos
nas instituições escolaresnão
a culturaem
estadobmto,
mas
uma
versão escolarizada desta.Semelhante
aos autores já citados, Sacristàn,ao
compreendero
currículocomo
uma
seleção
de conteúdos
da
cultura, tenta definiro
que
esta última significa.Duas
abordagens
diferentes,mas
nao
incompatíveis, transitamnos meios
educacionais,
de acordo
com
este autor.A
primeira delas é a culturanuma
perspectiva antropológica,compreendida
como
`“(...)
um
conjuntode
significadosou
informações ecomportamentos de
tipo intelectual, ético, estético, social, técnico, mítico etc.que
caracterizaum
grupo
social
do
qual se dizque
tem
uma
detemiinada
cultura”(1996
140).A
segunda
abordagem
refere-se à alta cultura,“ao
melhor
da
condição
universalhumana”
(l996:41).O
maior
desafio da
escola,segundo
Sacristàn é abusca
do
“Se
aeducação
tem
como
missão
situar0
estudante diantedo
mundo
para compreendê-lo, é preciso adotar aacepção
antropológicade
culturana hora de
selecionar conteúdos,
mas
contando sempre
com
asmelhores
contribuiçõesda
chamada
“alta cultura” (l996:42)”.Semelhante
aos questionamentos feitospor
Sacristàn, outros autorestêm
problematizado
a inserçãoda
culturade origem dos
alunosnos
currículos. Forquin,ao
analisar
os
posicionamentosdos
representantesda
Nova
Sociologiada
Educação
na Grã-
Bretanha, admite
que
as críticas feitas àabordagem do
déficit cultural originaramuma
reelaboraçãoda
problemáticada
cultura.A
cultura das criançasque
fracassavamna
escola
passou
a ser concebida,não
mais sob a perspectivado
déficitou
da
pobreza,mas
como uma
cultura diferenteque
se encontranum
processode
rupturaem
relação àcultura
dominante
(1993: 127).Uma
nova
visãopedagógica passou
a defendero
respeito às caracteristicas culturaisda
comunidade na
qual vive a criança, na tentativade
estabeleceruma
maior
inter-relação entre a escola eo
meio
local.No
Brasil, é inegável a contribuiçãode Paulo
Freire,um
dos
primeiroseducadores
a apontar a necessidadede
inclusãoda
culturade origem
e a experiênciado
aluno
como
pontos de
partida parauma
práticapedagógica
voltada aos setores populares.A
partir de Freire, outros autoresforam aprofundando
essa discussão,como
éo
casode Moreira
(1995),segundoo
qual é preciso valorizar a cultura dascamadas
populares e
promover
seu diálogocom
a cultura erudita.Para o
autor, é indispensávelnão
mistificaruma
ou
outra,não romantizando o
saber popular epercebendo
os riscosde
uma
idealizaçãodo
saber erudito.Forquin
tem
questionado as criticasda esquerda
feitasao
curriculocomum.
Eledestaca dois blocos
de argumentações
que
defendem
um
curriculo diferenciado,conhecidos
como
“obreirista”e “comunitarista”.O
obreirista enfatiza a necessidadedos
trabalhadores
terem
sua identidade cultural e seus interesses materiaisde
classe expressosno
curriculo. Jáo
comunitaristadefende
a culturada
comunidade
local e seu contextocomo
o
“suporte,o
objeto e0
beneficiário
principaldo
ensinodado
aos
alunos
" (1993: 128).Uma
vez
que
a realidade socialaponta
parauma
pluralidade de grupos,o
emprego do
termo “comunidade”,
por parecer nostálgicoou
mítico é criticado pelo22
deve
enfatizaro que de
mais geralhá
em
termos de
conhecimento, sobpena
de
discriminação das crianças
no
acessoao
saber:“A
alternativa pluralista e comunitária radicalprovoca
objeções igualmenteno
plano ético e pedagógico;
Pode-se
temer,com
efeito,que
elatome
a encerraro
indivíduo
na
suacomunidade de
pertinência suposta, a reduzir sua identidade pessoala
uma
identidade social, privando-o das possibilidadesde
ampliaçãode
conhecimentos
edo
desenvolvimento intelectualque
trazum
ensino libertoda
tirania
do
contextopróximo”
(1993: 133-134).Reconhecendo
que
as sociedades são multiculturais eque
o
curriculopode
serpensado a
partir dessa constatação,na
perspectivade
Forquin, os aspectos gerais econstantes das manifestações
da
culturahumana devem
ser priorizados.Para
ele,o
contexto espacial e social
próximo
não
pode
sero
único referencialdo
currículo.No
âmbito da educação
pré-escolar, entretanto, necessário se faz estabelecercerta diferenciação entre as críticas aos limites das perspectivas localistas, principalmente
porque
se referema
uma
etapada
escolarização diferenteda
faixados
zero aos seis anos.Uma
proposta
de
Educação
Infantil direcionadasomente
à realidade local das crianças é,por
Óbvio, limitante,mas
é indiscutível,também,
que o ponto de
partidadeve
ser acompreensão
do
seumeio
sociocultural para, após, alcançar osconhecimentos mais
gerais.
Considerando-se,
como
explica Soares (1989: 14),que
todas as culturas são “estruturadas, coerentes, cornplexas”,não
podem
os profissionaisda educação
permitir a exclusão das culturas silenciadas - tidascomo
subculturas -dos
currículos.A
diversidade, pelo contrário, precisa s_er respeitada, seja na pre'-escola, seja nas séries
posteriores.
Currículo
e contexto socioculturalna
Educação
InfantilOs
posicionamentos sobre currículo e sua relaçãocom
o
contexto socioculturalna
Educação
Infantiltomaram
irnpulsono
finaldos
anos 80.No
Brasil, várias autorastêm
colaborado
com
este debate,conforme veremos no
transcorrer deste estudo.Kramer
(1991, 1993) evidencia a importância deum
cuniculo pré-escolarque
problematize e contextualize a criança
em
seu ambiente sociocultural.A
autora alerta,em
algumas
publicações, paraque não
sejam desprezados osconhecimentos
jávivencia,
bem como
osconhecimentos
do
mundo
fisico e social (1991: 54-55).O
eixodo
currículo
(Kramer,
1993)deve
articular, então, a realidade sociocultural das crianças,o
desenvolvimento
infantil e os interesses específicosque
elas manifestam.Machado
afirmaque o
currículo pré-escolar é diferentedo
de
primeiro grau, jáque
suas diretrizes (autonomia, rotinas, regras, interações,linguagem
e outras) levariam à inclusãode
uma
sériede conteúdos
aserem
trabalhados,sem
quebrar a continuidadedo
processo
de conhecimento
existente nessa fase (1991:7 8).Nos
anos
80, Assis desenvolveu idéiasmais afinadas
com
aproposta de Kramer.
A
autorachama
a atenção para a importância das bases antropológicasna
elaboração curricular,defendendo
a necessidadede conhecimento
do meio
em
que
vive a criança, pela pesquisa participante. Nesta, os pais seriam incorporadosao
processode
discussão e análisede
sua própria situação.Para
Assis, se a escola aproveita a experiência educativa-culturalde
uma
comunidade
pode
gerarconteúdos
emétodos que
impulsionem o
desenvolvimento das criançasde
quatro a seisanos
(1991 :80).A
integraçãocom
os familiares nas propostas curricularesde
Educação
Infantil éuma
tendência internacionalque
vem
sendo
implementada nos
últimos anos.Um
exemplo
éo
livro organizado porRosemberg
eCampos
(1994),onde
são apresentadasexperiências
de educação
e cuidado infantis,em
cinco paísesdo
hemisfério norte:Estados Unidos,
Suécia, Itália,França
e Grã-Bretanha.A
experiênciada
EmiliaRomagna,
região localizadaao
norteda
Itália, prioriza arelação entre creche e bairro,
envolvendo
famílias, representantes comunitários e criançasna construção
coletiva das programações.Para
Campos,
nessa região existeum
vínculoentre creche e território
que
extrapola a relaçãocom
as familias, atingindo “oambiente
natural e cultural,as
organizações comunitárias, osdemais equipamentos de uso
coletivo e
os
profissionaisque
nelestrabalham”
(1994:340).A
interaçãodo
currículocom
o
contexto sociocultural,na
Educação
Infantil,predomina
nas cinco experiências analisadas. Assim,o
aspectoda
diversidade cultural,principalmente relacionada
com
as discriminaçõesde
gênero e raça, faz partede todos
os currículos,conforme o
livroacima
indicado._24
Em
outra publicação sobre experiências internacionais3, ChristosFrangos
(1996:
145)
salientaque
anoção de
culturaocupa
atualmenteuma
parte considerável nas ciênciasda
educação.Para
o
autor,foram
as descobertas e posicionamentos teóricosde
I_._.S.
Vygotsky,
A. Luria e Jean Piagetque apontaram
a importânciado
fator cultural,com
destaque
paraVygotsky,
hoje consideradoum
teórico e pesquisadorda
cultura.Frangos
também
relata experiências pré-escolaresna
Gréciaque
valorizamo
conhecimento da
realidade, atravésde
visitas a locais vizinhos,espaçosde
trabalho,ateliers, aeroportos, entre outros (1996:155).
Neumann
(1996)por
sua vez,comenta
sobrea
experiênciana Alemanha,
onde
a atual políticade
Educação
Infantil valorizaa
inclusão das familias
nos
projetos educativos,Já
em
relação aAmérica
Latina,Espinosa
(1992)4 fazuma
critica aos curriculos pré-escolares,que desprezam
os estilosde
vida própriosde
uma
localidade enão
adquirem
significado e relevância para osgrupos
sociais.Segundo
essa autora:“Preguntémonos
solamente
qué
imáginesvem
nuestros niñosen
los jardinesinfantiles, que' cuentos, canciones, rimas
escuchan y
dicen;qué
conceptode
niñoy hombre
se favorece? Elde
sucomunidad
o aquellosque
transmitem losmedios
de
comunicación
social,y que son
tan ajenos a su realidad, atentando por tanto suauto
estima?” (1992: 11).A
autora defende, igualmente,uma
não
“folclorização”do
curriculo, aoafirmar
que
é preciso considerar as contribuições de todos os âmbitos culturais.No
caso brasileiro, apreocupação
com
a diversidade sociocultural das criançastambém
está presentena
Políticade
Educação
Infantil estabelecida peloMEC.
O
documento
de
1994, elenca trêsdimensões
essenciaisque
devem
nortear as propostascurriculares: “o
grau
de desenvolvimento
da
criança,a
diversidade social e culturaldas
populações
infantis eos
conhecimentos
que
sepretendam
universalizar” (1994: 15).Dando
continuidadeao
debate sobre curriculona
Educação
Infantil,em
1996,o
MEC
publicouum
cademo
sobre propostas pedagógicas e curriculares naEducação
Infantil. Tal
documento
é resultadode
um
confronto entre as propostas sobreo
tema
existentes
no
Brasilna
faixados
zero aos seis anos. Participaram dessa pesquisa técnicos3
RAYNA,
syrvâe,
LAEVERS,
Fem
etDELEAU
ivnchei (¢ooraozmé>UÉDUCATION
PRÉSCÓLAIRE
fiyels Objectifs Pédagoggq ucs?INRP
et Nathan, 1996.4
Texto apresentado no XI Congresso Brasileiro de Educação Infantil /
OMEP/
17 a 21 de Julho 1995.do
MEC
e cinco consultorasde
Educação
Infantil (Kishimoto, Oliveira, Mello,Kramer
eMachado). Vejamos
quais são os posicionamentos destas consultoras sobre curriculo ecomo
suas conceituaçõespodem
ajudarno
direcionamento deste estudo.Para
Kishimoto, ou curriculo são intençõesque
dirigem a escola eque colocam
em
prática experiências
de aprendizagem
consideradasz importantes para as crianças e seus pais.Proposta pedagógica
seria a explicitaçãode
qualquer orientação presentena
escolaou
na
rede.Na
escolhade
um
curriculo,Kishimoto
enfatiza a importânciade responder
às seguintes indagações: a
que
criança se destina? qual aconcepção de educação
presente?
o
que
ensinar?como?
deque forma? o
que
ecomo
avaliar? (1996: 13-14).Numa
perspectiva sócio-interacionista, Oliveira evidenciaque
éno
espaço
construido
na
interaçãocom
outras pessoasque
acontece aação
educativa.O
curriculo écomo
um
roteirode
viagem,de
responsabilidadedo
educador
ou
professor.As
atividades
devem
incluiro
cuidado,mas
o
foco central éo
trabalhopedagógico
realizadocom
as crianças.O
planejamento curriculardeve
explicitar afiindamentação
teórica e as alternativasde
organizaçãodo
ambiente deaprendizagem
edesenvolvimento
das crianças. Finalmente, ela destacaque
planejamento curricular eformaçao
em
serviçodevem
estar integrados (1996: 14-15). -Para
Mello, as instituições deEducação
Infantildevem
exercer sua função socialde educar
e cuidar as crianças.Baseada
em
Cesar
Coll,defende
um
curriculo abertodefinindo três fatores
que
devem
fazer parteda
sua elaboração: a realidadedos
equipamentos de
Educação
Infantil, aformação
eopção pedagógica dos educadores
e asnecessidades biopsicossocias das crianças
de
zero a seis anos.Kramer
não
diferencia currículode
proposta pedagógica,“compreendendo
curriculo
ou
altemativa curricular deforma
ampla,dinâmica
e flexível,que
é, viade
regra,
a
maneira
como
setem concebido
uma
proposta pedagógica”.
Na
sua ótica,em
se tratandode
curriculoou
proposta pedagógica, é preciso reunir as bases teóricas, as diretrizes práticas e os aspectos técnicosque
possibilitam sua concretização.As
propostaspedagógicas
têm
uma
históriaque
justifica sua razãode
existir,o
que
também
reforça
a
idéia deque
as experiênciasacumuladas
têm
seu valor.Fundamentada
em
26
“das perguntas
vivasde
uma
comunidade
atuante ereconhecida
como
tal,por
reificarem
respostasde
um
lugarque
não
éo
seu”
(1996: 17-18).Machado
estabelece diferenciação entre os termos, fazendouma
opção mais
voltada
à
Educação
Infantil atravésdo
que
denomina
“projeto educacional-pedagógico”. Projeto, para a autora, traz anoção de
incompletude,de
algoque
estáem
permanente
construção.
O
tenno
“educacional” sugereque o
adulto é responsável pelodesenvolvimento
da
criança, tanto a nível fisico,como
psicológico e social.Nesse
sentido,
os
profissionais são encarregadosdo
cuidado eeducação
das crianças. Finalmente,o termo “pedagógico”
significa “intencionalidade assumida, planejada,acompanhada,
sistematizada pelosprofissionais que
desta tarefaparticipam"
(199ózó-s). ~
`
Considerando
os diferentes posicionamentos sobre as propostas curricularesna
pré-escola,
o que
também
enriqueceo
debate,pude
constataralgumas aproximações
entre as proposições das autoras
mencionadas
e a realidade pesquisada.São pontos
comuns:
-
A
importânciado
cuidado ede
um
trabalhode
cunho pedagógico
nas propostascurriculares das creches e pré-escolas; .
-
A
necessidadede
evidenciar o eixo teórico e asformas de
concretizaçãoda
prática pedagógica,
respondendo
sobre aconcepção de
infância eeducação que
norteia tais propostas curriculares;-
O
caráter aberto e dinâmicoque deve permear
uma
proposta curricular para apré-escola;
-
A
formação permanente
dos profissionais, assimcomo
a participação destes ede
suas experiênciasna
construçao destas propostas, ou' seja,que
passem
de
executorespara
“construtores” nesse processo;-
Por fim,
a exigênciade
que
as propostas sejam construídascom
a participaçãode todos
os sujeitos (crianças, profissionais, familias,moradores)
considerando suasnecessidades ne realidade.
Como
esta é múltipla e contraditória,Kramer
destaca a impossibilidadede
uma
proposta única.Nesse
sentido, para a construçãode
um
curriculoque
leve _em conta a heterogeneidade é preciso valorizar os fatores socioculturais(MEC,
1996: 19).Estas questões levantadas pelas autoras se
aproximam
da
realidadeque
pesquisei.Evidentemente,
trata-sede
um
processo própriode
construção entre os atores sociaissenvolvidos, que, naquele período,
não tinham definido
as conceituaçõesde
proposta, currículoou
projeto. Acreditoque
aadoção de
um
termo
ou
outro,não
é questão central desse estudo, cuja problemática emetodologia
serão apresentadasa
seguir.^`\'V;
5
..,
.. . . _.A
expressão “atores socia1s”e frequentemente utilizada na sociologia da educaçao para designar osparticipantes do processo educativo. Este termo será utilizado neste estudo, porque sugere movimento e participação ativa nos rumos de