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O compromisso todos pela educação: projeto de educação da burguesia para os trabalhadores

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Academic year: 2021

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O COMPROMISSO TODOS PELA EDUCAÇÃO: PROJETO DE EDUCAÇÃO DA BURGUESIA PARA OS TRABALHADORES

Yohana Graziely de Oliveira Buczek1 Analéia Domingues2 Resumo

A educação é um complexo social que cumpre função primordial na reprodução das relações sociais. Configura-se como um campo de constantes disputas na luta de classes. Nesse sentido, as parcerias entre o sistema público e o privado, representam a necessidade da burguesia de manter sob o controle a educação destinada aos filhos dos trabalhadores. O presente artigo tem como foco o Movimento intitulado Todos pela Educação e o projeto educacional oriundo deste movimento. O TPE como ficou conhecido, nada mais é do que o projeto da burguesia para a educação pública. Para entender como esse projeto foi organizado e o que ele pleiteia, buscamos compreender o contexto político, econômico e social em que foi produzido. Além do mais, buscamos apreender os interesses desses empresários da iniciativa privada pela educação pública brasileira e o que representa o Todos pela Educação na atual conjuntura política e econômica. Utilizamos como fundamentação teórico-metodológica o Materialismo Histórico-Dialético e autores que escrevem nessa perspectiva

Palavras-chave: Crise Estrutural. Educação. Todos pela Educação.

THE ALL COMMITMENT FOR EDUCATION: BURGUESIA EDUCATION PROJECT FOR WORKERS

Abstract

The education is a social complex which fulfills the primordial function in the reproduction of the social relations. It is configured as a field of constant disputes in the class struggle. In this sense, the partnerships among public and private, represent the bourgeoisie’s necessity of keeping under control the education destined to the workers’ children. The present article has as focus the movement entitled Todos pela Educação (“All for the Education”) and the educational project native from this movement. The TPE, as it got known, is nothing greater than a bourgeoisie project for the public education. To understand how this project was organized and what it pleads, we sought to understand the political, economic and social context in which it was produced. Moreover, we sought to capture the interests from these businessmen related to the private initiative for the Brazilian public education and what represents the Todos pela Educação movement in the current political and economic conjuncture. We utilized as theoretical and methodological fundament the Historical-Dialectical Materialism and the authors who write in this perspective.

Keywords: Structural Crisis. Education. All for the Education.

1 Acadêmica do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná campus de Campo Mourão. E-mail:

yohanagraziely@gmail.com.

2 Professora do Colegiado de Pedagogia da Universidade Estadual do Paraná campus de Campo Mourão. Doutora

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Introdução

Partimos da premissa marxiana de que o trabalho é a categoria fundante do ser histórico e social. Este possibilitou ao homem um salto ontológico em seu desenvolvimento, o homem saiu da condição do ser natural para o ser social. Tonet (2012) enfatiza que o trabalho estabelece uma dupla relação com o homem, à medida que ele transforma a natureza também transforma a si enquanto indivíduo.

O trabalho concreto – produtor de valor de uso- é uma eterna necessidade humana e responsável pela produção da riqueza material da sociedade humana. A partir dele surgiram os complexos sociais necessários à organização da vida em sociedade, que de acordo com Moreira e Maceno (2012), possuem uma articulação e relação de dependência ontológica em relação ao trabalho mas não se limita a ele. A totalidade social é expressa pela síntese dos complexos sociais que a compõe. Cada complexo se distingue dos demais devido a função específica que cumpre no interior de uma sociedade historicamente datada.

A educação configura-se como um desses complexos sociais possibilitados pelo trabalho, e conforme Moreira e Maceno (2012, p. 178) “[...] é ineliminável do ser social, é irredutível ao trabalho e é dele distinto”. Estabelece um papel de mediação da transmissão do conhecimento produzido pelo conjunto dos homens, imprescindível para a continuidade do processo histórico. Nas palavras dos autores

[...] a função social [da educação] é de mediação entre indivíduo-gênero, de forma que os indivíduos ajam de modo socialmente desejado pela reprodução da sociedade historicamente constituída; desse modo, a educação constitui-se em uma mediação da reprodução social como um todo. Portanto, apenas de modo indireto e extremamente mediato é que ela mantém relação com a esfera do trabalho. (MOREIRA; MACENO, 2012, p. 180)

É no escopo dessa função social que a educação altera-se substancialmente de acordo com o modo de produção vigente e estabelece relação com a totalidade social que está inserida. Esse fato, “não nega a sua natureza ontológica, ao contrário; confirma o que ela efetivamente é: uma mediação para a reprodução social. Em outros termos, para cumprir as determinações do seu ser-precisamente-assim a educação deve, necessariamente, se transformar” (MOREIRA; MACENO, 2012, p. 180).

É na totalidade das esferas das relações capitalistas de produção que a educação formal institucionalizada passa a se destinar a classe trabalhadora em geral e cumprir uma nova função substancial na reprodução social. É sobre isso que explanaremos no desenvolvimento desse trabalho.

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Na atual face de desenvolvimento do Capital a presença do discurso hegemônico é marcante e coloca a educação como a solução de todas as mazelas do capitalismo como as desigualdades sociais, a pobreza e o desemprego. A educação é entendida como condição fundamental para instaurar a competitividade entre os países, uma espécie de mola propulsora do desenvolvimento econômico.

No caso brasileiro, esse discurso é repercutido com maior força e intensidade, sobretudo após a Reforma do Estado iniciada na década de 1990 que subsidia e reorienta as reformas educacionais atreladas a um projeto de desenvolvimento coerente com os interesses do Capital internacional. Nessa nova dinâmica de proposição e elaboração das políticas, a função do Estado é redefinida, e a educação passa a ser ofertada por outros segmentos da sociedade civil, inclusive por empresas privadas.

Esse fato reconfigura totalmente as fronteiras entre as esferas públicas e privadas na promoção de serviços públicos e reforça a ideia de que a educação não é mais responsabilidade exclusiva do Estado, de maneira que passa a ser atribuída para a sociedade civil em geral. Nesse cenário, surgem os empresários e apresentam suas propostas, projetos e estratégias para educação pública que reflete os interesses de sua classe.

Nos propomos a discutir brevemente nesse artigo - dada a complexidade da questão -, os interesses da burguesia brasileira, representada pelos empresários de iniciativa privada na educação pública brasileira, especificamente dentro do projeto educacional intitulado Compromisso Todos pela Educação (TPE).

Justificamos a realização dessa pesquisa a partir da necessidade de promover discussões no campo de elaboração das políticas educacionais vinculadas as relações capitalistas de produção e sobre a necessidade de problematizar a inserção do empresariado na educação brasileira e tornar suas reais intenções conhecidas pela classe trabalhadora – a quem a educação pública é destinada -.

Metodologia

Utilizamos como fundamentação teórico-metodológica o Materialismo Histórico-Dialético elaborado por Marx e Engels para a compreensão da realidade social do homem a partir das relações humanas desenvolvidas por meio do trabalho, na sociabilidade do Capital e ainda conforme aponta Netto (1987), para a compreensão da essência das relações sociais de produção, estabelecidas historicamente na sociedade burguesa.

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Segundo Tonet (2013), o Materialismo Histórico-Dialético nos remete a uma abordagem histórica e ontológica do ser social. Conforme o autor acima citado, é imprescindível considerarmos a realidade material e objetiva que permeia as relações humanas ao longo da história. Nesse sentido, conforme Tonet (2013, p. 80-81), o ponto de partida para a análise do objeto a partir do Materialismo Histórico-Dialético constitui-se a partir de

[...] aquilo que de mais imediato aparece: indivíduos, reais e ativos, que se encontram em determinadas condições materiais de vida, condições essas, por sua vez, que já são o resultado da atividade passada de outros indivíduos e que continuam a ser modificadas pela atividade presente. Indivíduos cujo primeiro ato, imposto pela necessidade de sobrevivência, é a transformação da natureza, ou seja, o trabalho.

Como metodologia de pesquisa utilizaremos a revisão bibliográfica. A pesquisa bibliográfica nos permite verificar os estudos existentes na área da pesquisa a partir de materiais elaborados por outros pesquisadores.

1. Contexto econômico e social da crise estrutural do Capital

Na atualidade histórica de desenvolvimento do Capital, vivemos sua face mais violenta de crise estrutural do sistema produtivo. Nesse tipo de crise há uma estreita relação entre Capital e crise que é inerente ao modo de produção capitalista e está fundamentada em sua contraditória forma de reprodução. Conforme aponta Mészáros (2010), a crise estrutural do Capital se destaca por afetar de maneira geral as relações de todas as partes constituintes do complexo social.

No contexto econômico e social do século XX, sobretudo a partir da segunda década, o padrão de acumulação do Capital estava assentado sobre o modelo de produção taylorista/fordista3 que se expandiu e fortificou-se nas potências capitalistas especialmente nas duas guerras mundiais, sobretudo nos Estados Unidos e Europa. Mészáros (2010), descreve acerca da importância da maquinaria no período pós Segunda Guerra Mundial- compreendido por ele entre 1945 à 1970- que é introduzida como medida paliativa, com o deslocamento das contradições do sistema entre as esferas da produção.

Esse sistema de produção funcionou em equilíbrio nos países com capitalismo desenvolvido – sobretudo na Inglaterra e nos Estados Unidos-, até o fim da década de 1960 e

3 Conforme explica Antunes (2009, p.39) “Esse padrão produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e

fragmentado, na decomposição das tarefas, que reduzia a ação operária a um conjunto repetitivo de atividades cuja somatória resultava no trabalho coletivo produtor de veículos. [...] Uma linha rígida de produção articulava os diferentes trabalhos, tecendo vínculos entre as ações individuais das quais a esteira fazia as interligações, dando o ritmo e o tempo necessários para a realização das tarefas. Esse processo produtivo, caracterizou-se, portanto, pela mescla da produção em série fordista com o cronômetro taylorista, além da vigência de uma separação nítida entre elaboração e execução”.

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início da década de 1970, quando se tornou obsoleto, após cumprir o papel ao qual foi designado, “foram desenvolvidos especificamente para produzir grandes quantidades de produtos com pouquíssimos níveis de diferenciação”, conforme afirma Pinto (2007, p. 63). A partir do alto desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas no contexto acima descrito, ocasionou-se uma superprodução de mercadorias.

Instaurou-se então uma crise própria da esfera do setor produtivo, datada a partir de 1970 e que perdura até os dias atuais, que atingiu inicialmente os países com o capitalismo desenvolvido e posteriormente estendeu-se aos países periféricos, até alcançar proporções mundiais. Crise essa que, Mészáros (2010) denomina de crise estrutural do Capital por ser inerente a contraditória reprodução sociometabólica do reino do Capital, cujo objetivo primordial é cada vez mais a extração de mais-valor4, e nessa sociabilidade todas as necessidades humanas estão subordinadas a esse objetivo.

As três esferas fundamentais do sistema: produção, circulação e consumo/realização das mercadorias foram definidas por Marx (2013) de forma separada, mas com interação dialética na totalidade. São interdependentes entre si e o fortalecimento e a superação dos limites intrínsecos de cada uma promove a reprodução dinâmica do Capital, o que configura o processo de autoexpansão e domínio global enquanto sistema.

Mészáros (2010) explicita que a crise do Capital torna-se fundamentalmente estrutural a partir do momento em que atinge em conjunto as três esferas da produção e reprodução do Capital, afetando seu mecanismo de autoexpansão e deslocamento das contradições entre as esferas. Ou seja, cada uma das esferas - produção, circulação e consumo - possuem limitações imediatas que são superadas a partir da interação em conjunto das esferas, onde ocorrem o deslocamento das contradições especificas de uma esfera entre as outras.

Ocorre que numa crise do tipo estrutural esse mecanismo de deslocamento das contradições não é mais possível. E ao invés da crise ficar restrita a uma esfera em particular, ela torna-se universal, global e contínua e seus efeitos são sentidos em todos os complexos sociais particulares, por exemplo a educação, a política e a economia. Conforme Mészáros (2010, p.78)

4 A mercadoria força de trabalho cria valores que são reproduzidos nas mãos dos detentores do Capital. Portanto,

o Capital sobrevive da exploração do trabalho assalariado produtivo. A jornada de trabalho é composta pelo trabalho necessário (que garante o acesso aos meios de subsistência para o trabalhador) e o trabalho excedente (trabalhador trabalha para reproduzir mais valor no processo de exploração). A maquinaria é inserida no processo produtivo com a finalidade de baratear as mercadorias e encurtar o tempo de trabalho necessário a sua produção a fim de prolongar o tempo de trabalho excedente, o que permite o trabalhador produzir mais em menos tempo.

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Seu modo normal [do Capital] de lidar com as contradições é intensifica-las, transferi-las para um nível mais elevado, desloca-transferi-las para um plano diferente, suprimi-transferi-las quando possível e, quando elas não puderem mais ser suprimidas, exportá-las para uma esfera ou um país diferente.

Essa impossibilidade do deslocamento das contradições afeta todo o ciclo de reprodução e expansão do Capital, e por isso torna-se tão perigoso e ameaçador para o sistema. Essa ocorrência obriga o Capital em situação de crise estrutural a buscar por saídas para retomar seu ciclo de expansão e suas taxas de lucro e as possíveis saídas encontradas foram a reestruturação produtiva do trabalho, a expansão do Capital em escala geográfica acompanhada da conquista de novos mercados e a implementação do projeto neoliberal a nível mundial.

O padrão taylorista/fordista de produção não atendia mais os interesses de reprodução do Capital nesse momento. A reestruturação produtiva do trabalho ocorreu por meio da constituição e implementação de uma nova forma de acumulação flexível de Capital denominada toyotista5 em substituição ao antigo modelo de produção, como resposta do Capital à crise estrutural instaurada. Sobre a reestruturação produtiva do trabalho, explicita Antunes (2009, p. 49)

O quadro crítico, a partir dos anos 70, expresso de modo contingente como crise do padrão de acumulação taylorista/fordista, já era expressão de uma crise estrutural do capital que se estendeu até os dias atuais e fez com que, entre tantas outras consequências, o capital implementasse um vastíssimo processo de reestruturação, visando recuperar seu ciclo reprodutivo.

Conforme Antunes (2009), esse novo modelo de produção implementado trouxe consigo novas formas de intensificação da exploração da força de trabalho do trabalhador produtivo, -a forma que trabalho que cria mais-valor-, uma das estratégias foi a incorporação de trabalhos considerados improdutivos ao trabalho produtivo, de forma a eliminar cargos de trabalho e aumentar a produtividade. A reestruturação produtiva do trabalho trouxe consequências desastrosas à classe trabalhadora como o desmonte dos direitos trabalhista, fragmentação e/ou destruição dos sindicatos e da luta de classes, precarização das condições de trabalho e intensificação da exploração da força de trabalho humana.

5 Conforme Antunes (2009, p. 54) “Ele [modelo toyotista de produção] se fundamenta num padrão produtivo

organizacional e tecnologicamente avançado, resultado da introdução de técnicas de gestão da força de trabalho, próprias da fase informacional, bem como da introdução ampliada dos computadores no processo produtivo, e de serviços. Desenvolve-se em uma estrutura produtiva mais flexível, recorrendo à desconcentração produtiva, às empresas terceirizadas etc. utiliza-se de novas técnicas de gestão da força de trabalho, do trabalho em equipe, das ‘células de produção’, dos ‘times de trabalho’, dos grupos ‘semiautônomos, além de requerer, ao menos no plano discursivo, o ‘envolvimento participativo’ dos trabalhadores, em verdade uma participação manipuladora e que preserva, na essência, as condições do trabalho alienado e estranhado. O ‘trabalho polivalente’, ‘multifuncional’, ‘qualificado’ combinado com uma estrutura mais horizontalizada e integrada entre as diversas empresas, inclusive nas empresas terceirizadas, tem como finalidade a redução do tempo de trabalho”.

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Concomitantemente a reestruturação produtiva em curso, para que o Capital continue seu processo de reprodução é necessário criação de novos espaços para a acumulação. Para isso, conforme Harvey (2005), ele precisa organizar-se no espaço e expandir-se em escala geográfica, com o objetivo de conquistar o domínio de novos territórios e mercados. Harvey (2005) retoma os estudos de Marx para lembrar-nos acerca da necessidade da anulação do espaço pelo tempo na expansão geográfica. Os custos da circulação real das mercadorias estão inclusos no processo produtivo, para reduzir esses custos o Capital necessita da inovação tecnológica para que as mercadorias se realizem na esfera da circulação e a reprodução de valor continue na esfera da produção em uma relação dialética, visto que, a criação de mais-valor e a acumulação pressupõem a capacidade da mercadoria realizar-se na esfera da circulação. Nesse sentido, corrobora Harvey (2005, p. 50)

O modo capitalista de produção fomenta a produção de formas mais baratas e rápidas de comunicação e transporte, para que ‘o produto direto possa ser realizado em mercados distantes e em grandes quantidades’, ao mesmo tempo em que ‘esferas de realização para o trabalho, impulsionadas pelo capital’, podem se abrir. Portanto, a redução nos custos de realização e circulação ajuda a criar novo espaço para a acumulação de capital. Reciprocamente, a acumulação de capital se destina a ser geograficamente expansível, e faz isso pela progressiva redução do custo de comunicação e transporte.

É crucial para o Capital em tempos de crise, que ocorra a expansão geográfica como condição precípua para a conquista de novos territórios e mundialização do sistema a partir da criação de um comércio exterior, que também tem a função de equalizar as margens de lucro e dissipar os impactos da crise. Harvey (2005, p. 55) afirma que “O crescimento do comércio exterior, que, inevitavelmente, surge com a expansão da acumulação apenas ‘transfere as contradições a uma esfera mais ampla, dando-lhes maior latitude’.” Nesse sentido, a expansão geográfica é uma das formas do capitalismo escapar de suas contradições.

O Capital é uma relação social dotado de uma essência contraditória. As crises fazem parte de seu ciclo de reprodução e fundamentais à sua expansão devido ao fato de serem uma forma de elevá-lo a um patamar superior de reprodução e acumulação. Harvey (2005), enfatiza esse aspecto, ao descrever que as crises colaboram para o aumento da exploração e produtividade da força de trabalho, ao passo que utiliza a inovação tecnológica nos meios de produção, o que diminui o custo da força de trabalho, devido a formação de um exército de trabalhadores desempregados.

Aliada a expansão geográfica, o Capital também precisa conquistar novos mercados consumidores. A inauguração do modelo toyotista de produção com grande uso da tecnologia

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traz consigo uma nova forma de acumulação flexível de Capital. Harvey (2011) explicita que, nessa nova forma de organização do trabalho e acumulação o Capital se expande e conquista novos mercados por meio da criação de novos setores produtivos, diferentes maneiras de fornecimento de serviços e investimentos de Capital excedente em novos mercados. Isto posto, contribui Harvey (2005, p. 64) “A expansão é, simultaneamente, intensificação (de desejos e necessidades sociais, de populações totais, e assim por diante) e expansão geográfica. Para o capitalismo sobreviver, deverá existir ou ser criado espaço novo para a acumulação”.

No fim da década de 1980, a crise estrutural do Capital alcança proporções mundiais e a política econômica neoliberal passa a ser propagada por organismos multilaterais como o Banco Mundial (BM), Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Conforme Leher (2010) essas instituições convocam representantes de todos os países do mundo em Washington em 1989 para discutir sobre a situação econômica de crise. Esse evento ficou conhecido como Consenso de Washington e a partir dele o neoliberalismo foi implementado a nível mundial.

Conforme Shiroma, Moraes e Evangelista (2011) o principal objetivo do neoliberalismo é o desmonte das políticas de regulação e controle da economia surgidas no decorrer do século XX, como por exemplo, as políticas keynesianas6 e o Estado de Bem-Estar Social que defendem a intervenção e regulação do Estado na economia e a promoção de serviços públicos.

Conforme afirma Moraes (2001, p. 27) o neoliberalismo é “[...] uma ideologia, uma forma de ver o mundo social, uma corrente de pensamento”. A principal característica do neoliberalismo é a defesa da não intervenção do Estado na economia. Porém, essa medida não fica restrita ao campo da economia, é propagada a demais setores, como a educação, por exemplo, em que ocorre a chamada de empresas de cunho privado para a participação da oferta de serviços públicos legitimados e estabelecidos por meio das parcerias público-privadas.

Importante destacar que independentemente das medidas e/ou mecanismos adotados pelo Capital para suprimir as crises, a ocorrência delas é inevitável devido ao desenvolvimento do capitalismo. Entendemos que por meio da supressão das crises sofridas periodicamente pelo

6 John Maynard Keynes (1883 – 1946) foi um economista britânico. Suas principais ideias propunham o

gerenciamento macroeconômico do mercado para conter os traços autodestrutivos do Capital em crise. Segundo Keynes, era necessário que o Estado regulasse e controlasse as atividades econômicas e as oscilações de emprego, como forma de moderar as crises econômicas e sociais. Após a Segunda Guerra Mundial, as ideias de Keynes foram amplamente difundidas e aplicadas no pós Segunda Guerra Mundial como forma de recuperação da economia e de mercado. Segundo Moraes (2001, p. 15) o papel positivo disseminado do Estado foi: “na criação do pleno emprego; na moderação de desequilíbrios sociais excessivos e politicamente perigosos; no socorro a países e áreas economicamente deprimidos; na manutenção de uma estrutura de serviços de bem-estar (habitação, saúde, previdência, transporte urbano, etc.); na gradual implantação de políticas sociais que atenuassem desigualdades materiais acentuadas pelo funcionamento não monitorado do mercado, etc.”

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Capital, o sistema encontra meios de expandir continuamente sua capacidade de produção e provocar mudanças nas condições de acumulação e nesse processo cada vez mais destitui o homem de sua condição humana, encaminhando-o a uma barbarização cada vez maior.

2. Implementação do projeto neoliberal no Brasil

No Brasil, o marco da implementação do projeto neoliberal7 ocorreu a partir da Reforma

do Estado com a criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) e a proposição do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, ambos sob a coordenação e proposição, respectivamente, de Luís Carlos Bresser Pereira8.

Pereira (1998), deixa claro que devido a uma atuação equivocada do Estado de forte intervenção na economia e altos gastos sociais originou-se uma crise de caráter fiscal. A crise sofrida é em decorrência as grandes atribuições e altos gastos, -daí o caráter fiscal- e não originária do modo de produção. Nesse discurso liberal, “[...] reformar o Estado significa, antes de mais nada, definir seu papel, deixando para o setor privado e pra o setor público não-estatal as atividades que não lhe são especificas” (PEREIRA, 1998, p. 22)

No sentido de diminuir as atribuições do Estado e transferi-la para a sociedade civil organizada, Pereira (1998) e Brasil (1995), documentos que legitimam a Reforma do Estado propõem o processo de publicização, ou seja, a descentralização de serviços que eram de oferta exclusiva do Estado para o setor público não-estatal9: “como é o caso dos serviços de educação, saúde, cultura e pesquisa cientifica”. (BRASIL, 1995, p. 13)

Cavalcante (2014), apresenta uma análise política neoliberal a partir da perspectiva de luta de classes e compreende essa vertente política como uma atuação do Estado a favor do Capital, na medida em que ao reduzir as atribuições do Estado na promoção de serviços sociais, oferece novos setores de atuação para o mercado, e dessa forma oferece-lhe novas fontes de acumulação de Capital.

7 Suas principais características vão ao encontro das ideias do Estado mínimo, dentre elas convém destacarmos a

privatização das empresas estatais, desregulamentação das leis trabalhistas e transferências crescentes de serviços sociais para o setor privado.

8Ministro da Fazenda do Brasil no período de abril a dezembro de 1987, durante o governo de José Sarney; Ministro

da Administração e Reforma do Estado de 1995 a 1998, durante o governo de Fernando Henrique Cardoso; Doutor e livre docente em Economia pela Universidade de São Paulo.

9 “Constituída pelas organizações sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou grupo e

estão orientadas diretamente para o atendimento do interesse público. [...] A propriedade pública não-estatal torna mais fácil e direto o controle social, através da participação nos conselhos de administração dos diversos segmentos envolvidos, ao mesmo tempo que favorece a parceria entre sociedade e Estado”. (BRASIL, 1995, p. 43, grifos nossos)

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É evidente que a política ideológica da Reforma do Estado era colocar na ordem do dia, a ideia de um Estado ineficiente como forma de estabelecer relações e parcerias entre os setores público e privado (PPP). Nesse sentido, contribui Domingues (2017, p. 86), ao afirmar que:

É nessa perspectiva que o Estado ‘se retira’ aparentemente de algumas demandas populares e passa essas atribuições para o setor privado ou para a sociedade civil. A educação é uma dessas demandas que sofre os efeitos da crise do capital.

A autora supracitada entende que a PPP “faz parte de um projeto mais amplo que reconstitui a educação pública como uma indústria de serviços de educação a ser governada, como parte da construção de uma sociedade de mercado”. (DOMINGUES, 2017, p. 87)

Dessa forma, a educação entendida como serviço não exclusivo do Estado e as PPP nos deixam explícito que a Reforma do Estado propiciou as condições políticas para a inserção do empresariado brasileiro na educação ligado a necessidade de um novo patamar de acumulação do Capital em crise estrutural.

3. O Movimento Todos pela Educação: relação entre empresários e educação no governo Lula

A vitória de Fernando Collor de Mello nas eleições presidenciais de 1989 representou uma via aberta ao neoliberalismo. Conforme Leher (2010, p. 36) “Fernando Collor de Mello foi o primeiro governo a assumir plenamente a agenda neoliberal”, devido ao fato de ter sido eleito a partir de um arranjo para impedir a vitória de Luís Inácio Lula da Silva, pertencente ao Partido dos Trabalhadores (PT), que defendia um programa de governo com reformas consideradas inaceitáveis ao Capital. Porém, devido a incapacidade do então presidente colocar em pauta a agenda neoliberal, ou seja, “[...] o despreparo de Collor para operar a governabilidade necessária ao capital” levaram os setores dominantes a pedirem seu impeachment. (LEHER, 2010, p. 36).

Na sequência é eleito Fernando Henrique Cardoso (FHC) como presidente, e nesse governo como nos subsequentes, o projeto neoliberal é implementado de fato com a viabilização das pautas do Consenso de Washington em articulação as necessidades do Capital internacional de modo a impulsionar o avanço da agenda neoliberal, principalmente no que se refere as privatizações e entrada de Capital estrangeiro, ou ainda nas palavras de Leher (2010, p. 38)

[...] A partir da eleição de Cardoso (1995-2002) é possível aprofundar, com maior consistência política e jurídica, a implementação do decálogo de medidas do Consenso de Washington em conformidade com o FMI e o Banco Mundial. [...] Desse

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modo, os elaboradores do governo Cardoso puderam recontextualizar o Consenso objetivando adequá-lo a realidade brasileira sem perder de vista a correlação de forças entre os setores dominantes e os subalternos.

No que tange à educação, o governo de FHC adotou medidas coerentes com as transformações vivenciadas no mundo do trabalho, no sentido de ajustar a educação a esse contexto de crise estrutural e suas implicações, com o objetivo de qualificar a força de trabalho necessária de forma precarizada de acordo com os ditames da educação neoliberal. O objetivo era oferecer uma educação aos trabalhadores que desenvolvessem suas competências e habilidades técnicas para o trabalho.

A política de reconfiguração sistêmica da educação brasileira se deu no sentido de adequá-la à nova estrutura produtiva do país, que, conforme visto pelos indicadores do trabalho no país, não requeria a elevação da formação cultural e cientifica dos trabalhadores” (LEHER, 2010, p. 42).

Importante ressaltar com o aporte teórico de Domingues (2017), que embora houvesse grande resistência da sociedade para com a implementação do projeto neoliberal, ele foi implementado com a justificativa de eficiência e qualidade das reformas educacionais, sob um discurso sustentado por Bresser Pereira acerca da necessidade de educar a sociedade para aceitar a Reforma do Estado. “Nesse sentido, a educação, em geral, e a escola, em particular contribuíram para a produção da conformidade e do consenso, bem como os outros aparelhos privados de hegemonia” (DOMINGUES, 2017, p. 91).

Na disputa do pleito eleitoral de 2002, Leher (2010) faz uma colocação importante a respeito do PT, ao indicar inicialmente grandes mudanças em sua agenda política, em que um dos pontos era a conciliação entre Capital e trabalho, o que se concretiza com a convocação de um empresário do setor têxtil –José de Alencar- como vice-presidente. Lula se compromete a manter a agenda macroeconômica neoliberal iniciada por FHC, essa posição tornou Lula o candidato cogitado pelos setores dominantes. Leher (2010, p. 53), caracteriza o governo petista como uma continuidade da política neoliberal de FHC, na medida em que mantém “[...] o núcleo duro das medidas neoliberais de Cardoso”.

O governo de Lula é marcado pela indicação de vários empresários10 para compor cargos ministeriais e órgãos de governo com o objetivo de promover maiores interlocuções entre Estado e sociedade, conforma pontuam Martins (2013) e Leher (2010). Nesse sentido,

10 Conforme Leher (2010, p. 53) “Os postos-chave da área econômica foram confiados ao núcleo duro dos setores

dominantes. Para o Banco Central foi escolhido Henrique Meirelles (Banco de Boston); para a Agricultura, Roberto Rodrigues (liderança destacada do agronegócio); para o Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan (da Sadia, e representante do setor de commodities) e para a Fazenda, Antônio Palocci, que, embora filiado ao PT, representava a ortodoxia neoliberal no governo, delegando toda a direção superior do ministério aos representantes da alta finança”.

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fica evidente a política de conciliação de classes transcrita em uma relação estabelecida entre governo e sociedade civil sob o discurso de um novo caminho para o crescimento da economia, redução do desemprego por meio de uma parceria entre trabalhadores e empresários, que em sua essência se caracterizava por disputa de interesses políticos e luta de classes.

Martins (2013), apresenta uma análise a respeito da relação estreita do governo Lula com os empresários, sem romper com os interesses do grande Capital o governo petista promove a ascensão da burguesia brasileira, em especial, o empresariado no poder. Nas palavras da autora:

O acesso de Lula da Silva à presidência do Brasil também se deve as alterações na relação entre Estado e sociedade desencadeadas pelas novas alianças promovidas com a grande burguesia interna brasileira, sobretudo com o empresariado” (MARTINS, 2013, p. 23).

No início do século XXI, o Brasil passou a ser considerado uma país de potência emergente e passa a compor o BRICS11 na economia mundial. Dessa forma, era necessário que o país elencasse novas prioridades em sua agenda, dentre elas destaca-se fortemente: o crescimento econômico, força de trabalho disponível e geração de empregos, ancoradas a um projeto do Capital internacional, o qual previa reformas na educação.

Nesse contexto, destaca-se o BM com grandes políticas e estratégias de educação a longo prazo para os países periféricos, e sobretudo da América Latina nas quais difundem a ideia de que a responsabilidade social também é atribuição da sociedade civil. De acordo com Martins (2013), organismos multilaterais como o BM atuam como intelectuais orgânicos12 coletivos na medida em que

[...] mobilizam setores, promovem parcerias, exercem influência e pressões sobre os governos no sentido de reformar as políticas educacionais, incorporando outros sujeitos nos processos decisórios, sobretudo os setores empresariais (MARTINS, 2013, p. 28).

11 Criado em 2001, inicialmente composto por: Brasil, Rússia, Índia, China e posteriormente foi incorporado a

África do Sul considerados países de potência emergente devido a seu desenvolvimento econômico que alcançaram.

12 De acordo com a visão Gramsciana, o intelectual orgânico deve necessariamente estar vinculado a

uma das duas classes fundamentais. Tem a função de organizar e mediar a realidade de sua classe social fundamental no campo do pensamento e da ação com o objetivo de manter a hegemonia da sociedade. Portanto, cada classe forma seus intelectuais para cumprir com essa finalidade. Importante ressaltar que o intelectual orgânico está inserido em determinadas relações sociais, geralmente presentes nas superestruturas da sociedade-, nas quais cumpre papeis para corroborar com a posição hegemônica de sua classe, de forma que os homens tomem consciência da posição que ocupam no mundo.

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A educação entendida como serviço não exclusivo do Estado pela Reforma dos anos 1990, é condição para que grupos privados de empresários possam interferir, determinar e ofertar a educação pública.

Diante de todo o contexto acima explicitado, de não ruptura da política neoliberal pelo governo petista de Lula não é ao acaso que ele aprova em 30 de dezembro de 2004, a Lei n.º 11.079 que institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração pública, discutida, porém não levada a cabo no governo anterior.

Essa legislação regulamenta as PPP’s na oferta de serviços públicos mediante contrato estabelecido entre as esferas do setor público e privado. A definição de PPP’s encontra-se explicita no Art. 2º da referida Lei: “Parceria público-privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa” (BRASIL, 2004).

Com respaldo legal, atento as recomendações internacionais de cunho neoliberal e por influência do empresariado brasileiro, o governo inicia um processo de reorganização da educação brasileira, no qual se fortalece um movimento entre Estado, empresariado e sociedade civil organizada, voltado para atender as necessidades de formação para o trabalho por meio da educação. Esse movimento materializa-se em um projeto educacional de cunho político-empresarial, denominado Compromisso Todos pela Educação (TPE) em 2006.

De acordo com Todos pela Educação (2018 A), site oficial, o TPE denomina-se como um movimento da sociedade brasileira composto de uma aliança nacional, apartidária entre a sociedade civil, iniciativa privada e organizações de gestores e educadores brasileiros. Tem como missão “contribuir para que, até 2030, o País assegure educação Básica pública de qualidade a todas as crianças e jovens”.

O TPE conta com uma organização de patrocinadores em nível hierárquico de acordo com o valor de seu repasse. O site oficial, Todos pela Educação (B), elenca os principais mantenedores entre eles se destacam: Grupo Gerdau, Fundação Bradesco, Itaú, Fundação Lemman, Grupo Suzano, Instituo Natura e Fundação Roberto Marinho. Martins (2009), afirma que o presidente do Grupo Gerdau: Jorge Gerdau Johannpeter, ocupa o cargo de presidente do TPE e recebe o status de “cota de ouro” por se apresentar como o principal patrocinador.

Esses empresários, representantes de frações da burguesia nacional brasileira, defendem seus interesses de classe. Nas palavras de Martins (2013, p. 31, grifos nossos), esses empresários são

[...] sujeitos influentes, com capacidade de mobilizar lideranças e redes de parceiros de diversos tipos. Esses intelectuais têm atuado na construção de um consenso favorável à defesa de uma proposta educacional de acordo com a concepção de mundo que defendem, para tanto, eles pautam-se na colaboração entre setores da sociedade, nas vontades individuais e em uma nova postura de sensibilidade ou “nova

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consciência social” do empresariado frente às questões sociais. Tais sujeitos, em seu conjunto, buscam agir como classe dirigente, organizando e conferindo um direcionamento moral e intelectual à educação pública nacional.

Os empresários que fazem parte do TPE defendem a participação efetiva do empresariado a partir de uma correlação entre Estado, iniciativa privada e terceiro setor no que envolvem as questões sociais, - principalmente a educação como condição para o desenvolvimento econômico-. A atuação desses empresários perpassam a esfera estritamente econômica, a maioria deles mantém e coordenam outros projetos de cunho social que contribuem para garantir a organização e reprodução do sistema capitalista de forma “harmônica”. O pensamento da autora acima mencionado acerca dos empresários vai ao encontro do que defende Gramsci (2001):

[...] o empresário representa uma elaboração social superior, já caracterizada por uma certa capacidade dirigente e técnica (isto é, intelectual): ele deve possuir uma certa capacidade técnica, não somente na esfera restrita de sua atividade e de sua iniciativa, mas também em outras esferas, pelo menos nas mais próximas da produção econômica (deve ser um organizador de massa de homens, deve ser um organizador da “confiança” dos que investem em sua empresa, dos compradores de sua mercadoria, etc.). Se não todos os empresários, pelo menos uma elite deles deve possuir a capacidade de organizar a sociedade em geral, em todo complexo organismo de serviço, até o organismo estatal, tendo em vista a necessidade de criar as condições mais favoráveis à expansão da própria classe; ou pelo menos, deve possuir a capacidade de escolher os “prepostos” (empregados especializados) a quem confiar esta atividade organizativa das relações gerais exteriores à empresa (GRAMSCI, 2001, p. 15-16, grifos nossos).

O TPE acredita que somente a ação dos governos não será suficiente para superar o histórico de desigualdade em nosso país, dessa forma “A participação dos diversos segmentos da sociedade, reunidos em torno de metas comuns e alinhadas com as diretrizes das políticas públicas educacionais, é fundamental para promover o salto de qualidade de que a Educação Básica brasileira necessita”.

Milú Villela, umas das intelectuais orgânicas que representa a classe empresarial do setor bancário, apresenta o novo projeto para a educação em artigo publicado na Folha de São Paulo

Só a educação de qualidade pode formar a base de um novo projeto de país, mais justo e mais desenvolvido. Foi exatamente esse o espírito do encontro na Bahia: ao analisar o triste cenário no Brasil e na América Latina, os 250 participantes do evento chegaram à conclusão de que a educação é, neste momento, a mais importante política pública e que assegurar a sua qualidade, especialmente para os menos favorecidos, constitui o melhor instrumento para reduzir nossas históricas desigualdades sociais. [...] Pela primeira vez, um grupo de lideranças, apoiado por organizações da sociedade civil e em sintonia com os governos, decidiu juntar esforços em torno de um grande projeto educacional para o país. Como demonstração de vontade, a maioria dos presentes subscreveu sua participação no movimento "Compromisso Todos Pela Educação", que deverá ser lançado oficialmente no dia 6 de setembro, ao meio-dia, no Museu do Ipiranga. Na prática, a adesão significa colocar energia e recursos no

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cumprimento da missão de "efetivar o direito à educação de qualidade para que, em 2022, bicentenário da Independência do Brasil, todas as crianças e jovens tenham acesso a um ensino básico que os prepare para os desafios do século 21" (VILLELA, 2006, p. 7, grifos nossos).

O TPE é entendido como uma forma de reafirmar o projeto econômico em curso na política educacional. Concomitantemente a discussão e proposição em 2006 do TPE por parte dos empresários, Lula aprova o decreto de n° 6.094 de 24 de abril de 2007 que dispõe sobre a implementação do Plano de Metas Compromisso Todos pela Educação que deixa explicito no Art. 7º

Podem colaborar com o Compromisso, em caráter voluntário, outros entes, públicos e privados, tais como organizações sindicais e da sociedade civil, fundações, entidades de classes empresariais, igrejas e entidades confessionais, famílias, pessoas físicas e jurídicas que se mobilizem para a melhoria da qualidade da educação básica (BRASIL, 2007, p. 3, grifos nossos).

De acordo com Leher (2010, p. 58) é no governo de Lula que os empresários passam a “ter uma ascendência sistêmica sobre a educação por meio do Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE)”. Conforme o autor, por meio do PDE o bloco dominante das classes empresariais busca subordinar a educação pública a seus interesses, e para isso recebem isenções tributárias do governo para atuarem no setor educacional por meio das PPP’s.

A apresentação e inserção do TPE na sociedade são definidas como uma união de esforços e comprometimento dos empresários envolvidos para o desenvolvimento da educação, e consequente bem-estar da nação, mas o cerne dessa questão é uma forma legitima que a classe empresarial conseguiu para intervir no cenário educacional, com um projeto de “educação restrito para as massas”.

Para Martins (2009), o Compromisso Todos pela Educação representa uma proposta neoliberal, e levanta um questionamento para refletir sobre qual é a educação que está sendo dada à classe trabalhadora e de que qualidade de se trata?

O TPE se materializa como um organismo comprometido com estratégias de hegemonia da classe empresarial no campo da educação, lutando para afirmar uma perspectiva restrita de formação humana para os trabalhadores brasileiros na atual configuração do capitalismo. [...] Caso o projeto de educação desse organismo seja mantido como referência para as próximas décadas, é possível que a educação escolar para as massas se mantenha em patamares restritos e ainda venha contribuir para a afirmação de uma nova sociabilidade, em que predomine a estandartização, das formas de pensar e agir. Se isso acontecer, o processo de assimilação de trabalhadores para a zona de influência da classe empresarial no século XXI será, certamente, facilitado (MARTINS, 2009, p. 26-27, grifos nossos).

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O Movimento Todos pela Educação é entendido por Domingues (2017) como uma PPP fundamental para adequar a educação as necessidades do mercado, no sentido de qualificar dentro da escola a força de trabalho necessária ao Capital, que resulta das pressões do empresariado sobre o governo para participar efetivamente no processo de discussão e elaboração das políticas educacionais.

A “preocupação” dos empresários com a educação da classe trabalhadora tem relação com a formação do trabalhador para a sociedade do conhecimento que emerge no contexto neoliberal, mediante uma aprendizagem flexibilizada de acordo com as necessidades do padrão de produção e reprodução do Capital concentrado nas mãos do empresariado. A esse respeito, escreve Kuenzer (2016, p. 4)

Daí o caráter ‘flexível’ da força de trabalho; importa menos a qualificação prévia do que a adaptabilidade, que inclui tanto as competências anteriormente desenvolvidas, cognitivas, práticas ou comportamentais, quanto à competência para aprender e para submeter-se ao novo, o que supõe subjetividades disciplinadas que lidem adequadamente com a dinamicidade, com a instabilidade, com a fluidez.

Dessa forma, o Capital se vê na obrigação de educar cautelosamente os trabalhadores de acordo com o atual modelo de sociabilidade vigente. A autora acima mencionada afirma que é crucial para a sobrevivência do Capital formar subjetividades flexíveis através de uma aprendizagem flexibilizada13, que se adaptem as rápidas mudanças do mercado, que acompanhem as mudanças de cunho cientifico e tecnológico características do modelo toyotista, e principalmente que desenvolvam a capacidade de aprender ao longo da vida defendida pela sociedade do conhecimento.

A partir dessa breve análise da totalidade dos complexos sociais e suas respectivas articulações na sociedade do Capital que tentamos esboçar nesse artigo entendemos que a educação no contexto dessa sociabilidade é fundamental e primordial para a produção e reprodução do Capital. Isso se intensificou ainda mais com a implementação do projeto neoliberal que subordinou totalmente a educação as necessidades e exigências do Capital.

Considerações finais

Essa pesquisa intentou apresentar o papel estratégico que a educação ocupa no reino do Capital, e, portanto, é entendida como alvo de disputas de interesses políticos e econômicos, da

13 O princípio da aprendizagem flexível de acordo com Kuenzer (2016) é resultante de interesses

ideológicos do sistema capitalista. Essa flexibilização advém dos processos de produção e organização do trabalho e se materializa na educação por meio das políticas e documentos educacionais.

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mesma forma que se constitui um campo de luta de classes dado seu papel estratégico em torno da construção de um projeto hegemônico.

O Capital supera a crise e se reproduz a partir da intensificação da exploração da classe trabalhadora. A educação institucionalizada é responsável pela formação dessa classe e deve colaborar para que os indivíduos internalizem e reproduzam as relações sociais.

O Movimento Todos pela Educação é concebido dentro da política educacional brasileira em que há uma estreita relação dos empresários com o Estado. A educação passa a ser ofertada por meio de alianças entre o governo e sociedade civil organizada, como forma de compartilhar a responsabilidade do Estado com a educação.

Para que alcance os objetivos de educação transcritos em um projeto hegemônico de sociedade, as frações da classe burguesa representadas pelos intelectuais orgânicos empresariais participam junto ao Estado na discussão, elaboração e implementação das políticas educacionais. Dessa forma, destacamos como atualíssima a conhecida citação de Marx de que “[...] o poder do Estado moderno não passa de um comitê que administra os negócios comuns da classe burguesa como um todo (MARX; ENGELS, 2008, p. 12).

O modelo de educação incide sobre o modelo de produção para que os indivíduos reproduzam as relações sociais. A educação hegemônica presente na sociedade do Capital é uma mercadoria que se deve ao fato de que o processo educativo priva o acesso ao conhecimento que permite o desenvolvimento das potencialidades humanas.

A educação do Capital rouba as possibilidades de desenvolvimento do gênero humano na medida em que o enxerga apenas enquanto força de trabalho que precisa ser qualificada para ser explorada no processo produtivo. Dessa forma, frisamos que a burguesia tem um projeto para a educação pública, e deixamos como questão para uma próxima investigação: qual o projeto de educação da classe trabalhadora? Por que ela encontra-se ausente desse processo?

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