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Construção e validação do Protocolo de Entrevista: Contribuições para Investigação Qualitativa com Empreendedores Sociais de dois Países

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Academic year: 2021

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Construção e validação do Protocolo de Entrevista: Contribuições para

Investigação Qualitativa com Empreendedores Sociais de dois Países

Leticia Lengler1, Vania de Fátima Barros Estivalete1e José Maria Carvalho Ferreira 2

1 Departamento de Ciências Administrativas Universidade Federal de Santa Maria, Brasil. llenglerworld@yahoo.com;

vaniaestivaletel@ufsm.br;

2SOCIUS, Centro de Investigação em Sociologia Econômica e das Organizações do Instituto Superior de Economia e

Gestão – ISEG Universidade de Lisboa, Portugal. jmcf@iseg.uisboa.pt

Resumo. A construção e validação deste instrumento se insere dentro de uma pesquisa de doutorado em desenvolvimento, cujo objetivo é analisar as contribuições das características dos empreendedores sociais, da criação de valor social e dos valores pessoais para o desenvolvimento do empreendedorismo social, segundo a perspectiva de empreendedores sociais. O roteiro de entrevista partiu da elaboração de questões abertas com base no referencial teórico específico, englobando um conjunto de aspectos que originaram as categorias e os elementos de análise. A versão inicial do roteiro foi submetida à validação de conteúdo por um Comitê de Especialistas com experiência nas áreas temáticas deste estudo. As principais alterações propostas foram a reformulação da descrição de elementos que não correspondiam à nomenclatura utilizada e o reagrupamento de elementos, com inclusão, exclusão e adequação de questões. Após as contribuições do comitê, foram realizadas entrevistas- piloto, para consolidar as adequações propostas. Palavras-chave: características dos empreendedores sociais; criação de valor social; valores pessoais; protocolo de entrevista.

Construction and Validation of the Protocol of Interview with Social Entrepreneurs from Two Countries Abstract. The construction and validation of this instrument is part of a doctoral research in development, whose objective is to analyze the contributions of the characteristics of social entrepreneurs, the creation of social value and personal values for the development of social entrepreneurship, according to the perspective of social entrepreneurs. The interview script started from the elaboration of open questions based on the specific theoretical reference, including a set of aspects that originated the categories and elements of analysis. The script initial version script was submitted to content validation by a Committee of Specialists with research experience in the thematic of this study. The main changes proposed were the reformulation of the description of elements that did not correspond to the nomenclature used and the regrouping of elements, with inclusion, exclusion and adequacy of questions. After the committee's contributions, pilot interviews were conducted to consolidate the proposed adjustments.

Keywords: social entrepreneurs characteristics; social value creation; personal values; interview protocol.

1 Introdução

As transformações sociais, econômicas e ambientais têm impulsionado inúmeras mudanças no ambiente organizacional atual, influenciando as interações sociais que ocorrem neste cenário. Essa lógica de mercado abriu novas possibilidades para a atuação das organizações que até então contemplavam uma única dimensão, a econômica. Bornstein & Davis (2010) ressaltam que não se pode deixar passar despercebido que há uma proliferação de pessoas construindo novas formas de organizações para resolver os problemas sociais locais, nacionais e globais. Assim, percebe-se que o empreendedorismo social começou a despontar como uma oportunidade de desafiar, questionar e repensar determinados conceitos e teorias tradicionais, amplamente discutidas em relação ao empreendedorismo comercial.

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Muito além do entendimento filantrópico ou de caridade que o empreendedorismo social recebeu ao longo do tempo (Nga & Shamuganathan, 2010; Parente, 2014; MIES 2015) é o conceito da “ missão social” que motivou a pesquisadora nessa investigação. Deste modo, para se compreender o modus operandi das organizações sociais, importa compreender a forma como o propósito social guia o comportamento da organização e de seus empreendedores. Neste estudo adotou-se a compreensão de que o empreendedor social é o responsável por promover uma solução duradoura, partindo-se do entendimento de que ele é o principal agente de mudanças sociais. Nga & Shamuganathan (2010) também concordam que o desenvolvimento do empreendedorismo social está focado no indivíduo: o empreendedor social. De acordo com o MIES (2015), o desenvolvimento do empreendedorismo social é um processo essencial em função de gerar trabalho com vistas ao fomento e dinamização do ecossistema empreendedor, principalmente ao se considerar que o empreendedor social é quem desempenha um papel central ao alavancar soluções para os problemas sociais.

Percebe-se que a relevância deste estudo emerge do fato do empreendedorismo social ser um campo emergente, no qual falta consolidação de um corpo teórico capaz de relacionar a criação de valor social com as características dos empreendedores sociais e valores pessoais, a fim de estabelecer contribuições ao desenvolvimento das iniciativas de empreendedorismo social. Esta pesquisa propõem assim um avanço para a temática ao também englobar os valores pessoais que se manifestam nos empreendedores sociais, uma vez que tais valores podem ser considerados como catalisadores do empreendedorismo social (Hemingway, 2005).

No intuito de alcançar o objetivo a que esta pesquisa se propõe, ao analisar as contribuições das características dos empreendedores sociais, da criação de valor social e dos valores pessoais dos indivíduos participantes de organizações sociais para o desenvolvimento do empreendedorismo social, optou-se pela realização de uma pesquisa empírica, de natureza qualitativa. Para tanto, este estudo irá considerar a perspectiva dos empreendedores sociais de destaque do Brasil e de Portugal, que deverá ser captada por meio da utilização de entrevistas. Destaca-se que a escolha por estudar empreendedores sociais do Brasil e Portugal justifica-se em função da proximidade cultural entre ambos, decorrente da colonização portuguesa. Acredita-se que muitas das atitudes dos empreendedores sociais brasileiros podem ser um desdobramento das características que imperam no sistema de valores português, uma vez que o Brasil foi colonizado de forma a espelhar o Estado Português e seu conjunto de crenças e valores (Caldas & Wood, 1999). Acrescenta-se a isso o fato das organizações sociais de Portugal terem sido apontadas, por diferentes pesquisadores, como quadro de referência para o estudo e prática do empreendedorismo social (Ramos, 2004; Quintão, 2008; Parente, 2014; Bernardino & Santos, 2015; MIES, 2015; IES SOCIAL BUSINESS SCHOOL, 2016). Assim, as próximas seções deste trabalho evidenciam a fundamentação teórica e os procedimentos metodológicos que descrevem as diferentes etapas do processo elaboração deste protocolo de entrevista.

2 Fundamentos Teóricos

2.1 Empreendorismo Social: Um Processo de Criação de Valor Social

As discussões sobre o empreendedorismo social emergiram nos anos 1980, mas a inexistência de uma visão homogênea e amplamente aceita sobre o conceito do empreendedorismo social, levaram Weerawardena & Mort (2006), Zhara, Gedajlovic, Neubaum & Shulman, (2009) e Dacin, Dacin, & Matear (2010) a realizar diferentes compilações que incluem até 37 autores com conceitos

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diferentes sobre o empreendedorismo social. Dentre esses diferentes conceitos, esta pesquisa segue a concepção de Zhara, Gedajlovic, Neubaum & Shulman (2009, p. 521) que definem o empreendedorismo social da seguinte forma: “é o que inclui todas as atividades e processos desenvolvidos para descobrir, definir e explorar oportunidades com o propósito de gerar riqueza social na criação de novos negócios ou no gerenciamento dos existentes de forma inovadora”. Com essa definição, identifica-se que um dos elementos centrais do empreendedorismo social é a geração de valor social. As características relacionadas às oportunidades e à inovação social também estão presentes no conceito adotado, e são elementos primordiais para a compreensão do conceito de empreendedorismo social de Weerawardena & Mort (2006). Com relação ao aspecto da gestão de riscos, Weerawardena & Mort (2006) acrescentam ainda que as organizações sociais precisam demonstrar menos dependência dos fundos do governo para conseguirem alcançar maior flexibilidade e oportunidades de empreender socialmente. Ao considerar o aspecto da proatividade, os autores destacam que as organizações sociais precisam de modelos de negócios mais sustentáveis, pois é importante que elas consigam prover evidências de viabilidade financeira como pré-requisito para o início de qualquer projeto social. De acordo com a Figura 1, o modelo de empreendedorismo social elaborado por Weerawardena & Mort (2006) considera que as organizações sociais devem exercer sua missão social, ou seja, criar valor social.

Fig. 1. Modelo multidimensional de empreendedorismo social (Weerawardena & Mort; 2006).

Austin, Stevenson & Wei-Skillern (2006) apresentam um framework pautado em três aspectos: oportunidades, pessoas e capital. Existe assim, a interdependência de capital humano (pessoas) e capital de recursos (capital financeiro), pois os empreendedores sociais são os que devem conhecer os fornecedores-chave, entendendo as necessidades dos clientes e como os concorrentes atuam. Para os autores, esses três aspectos em conjunto são responsáveis pela proposição de valor social (PVS), conforme evidencia a Figura 2.

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A proposição de valor social de Austin, Stevenson & Wei-Skillern (2006), apresentado na Figura 2, é impactada ainda pelo contexto, com fatores que consideram questões macroeconômicas, socioculturais, regulamentarias, taxativas, demográficas e políticas. Identificou-se assim que os modelos de Austin, Stevenson & Wei-Skillern (2006) e Weerawardena & Mort (2006) foram aplicados em diferentes países e contextos (Chohen & Peachey, 2015; Bonfanti, Battisti & Pasqualino, 2016) nos quais os empreenderes sociais também são considerados os responsáveis pela criação de valor social (Dees, 1998; Sullivan-Mort, Weerawardena, & Carnegie, 2003; Austin, Stevenson & Wei-Skillern, 2006; Weerawardena & Mort, 2006; Dacin, Dacin & Matear, 2010; Choi & Majumdar, 2013). Destaca-se que há diferentes modelos que discutem o empreendedorismo social, no entanto a relevância desses dois modelos reside na figura do empreendedor social. Phills, Kriss & Miller (2008) corroboram ao apontar que o foco do empreendedorismo social ainda permanece atrelado às qualidades pessoais dos indivíduos que iniciam as novas organizações. Portanto, a próxima seção visa apontar as principais características dos empreendedores sociais, a fim de contribuir com avanços no campo do empreendedorismo social uma vez que são estes os indivíduos responsáveis pelo desenvolvimento social das organizações.

2.2 O Empreendor Social e os Valores Pessoais

Compreender as características do empreendedor social se faz necessário, mas Barendsen & Gardner (2004), Bernardino & Santos (2015) advertem que focar apenas nas características não é suficiente, e eles abrem espaço para a crítica e contestação entre teóricos e pesquisadores, uma vez que os elementos contextuais também interagem com a personalidade e podem influenciar o comportamento do empreendedor. Cabe ressaltar que a literatura também apresenta críticas com relação ao discurso globalizado que atribui um certo grau de heroísmo aos empreendedores sociais. Ao realizar uma análise do discurso dos empreendedores sociais, Casaqui (2015) aponta que há um aumento recente na defesa de novos cenários futuros liderados por empreendedores sociais, porém o autor argumenta que por maior que seja o compromisso desse empreendedor, pode existir limitações, falhas, zonas obscuras de atuação, além de se promover uma disputa por poder entre essas organizações. Tendo em vista estas ressalvas, compreende-se que o objetivo de discutir quem são os empreendedores sociais não é a exaltação dos aspectos positivos ou negativos desse indivíduo, mas sim oferecer uma possibilidade de compreensão sobre o comportamento desses indivíduos responsáveis pelo desenvolvimento do empreendedorismo social. O empreendedor social compreende assim, um conjunto de características distintas e não há uma concordância de todos os autores em relação à essas características. Portanto, o Quadro 1 evidencia as principais características dos empreendedores sociais citadas na literatura.

EMPREENDEDORES SOCIAIS AUTORES

Pró – ativos e apaixonados Sullivan-Mort, Weerawardena, & Carnegie, 2003; Bornstain & Davis, 2010; Dacin, Dacin, & Matear, 2010. Weerawardena & Mort 2006; Inovadores Leadbeater, 1997; Dees, 1998; Sullivan-Mort, Weerawardena & Carnegie, 2003;

Nga & Shamuganathan, 2010. Propensos a assumir riscos e com

coragem

Sullivan-Mort, Weerawardena & Carnegie, 2003; Hemingway, 2005; Weerawardena & Mort 2006; Nga e Shamuganathan, 2010.

Buscam oportunidades Leadbeater, 1997; Hemingway, 2005; ; Austin, Stevenson & Wei-Skillern 2006; Zhara, Gedajlovic, Neubaum & Shulman, 2009; Nga & Shamuganathan, 2010. Visionários (possuem foco na visão

do valor social)

Austin, Stevenson & Wei-Skillern 2006; Dacin, P., Dacin, M. E.& Matear, M., 2010; Bornstein & Davis, 2010; Mair & Marti, 2006; Nga & Shamuganathan, 2010. Criativos Leadbeater,1997; Hemingway, 2005; Mair & Marti, 2006; Nga & Shamuganathan,

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Quadro 1. Características dos empreendedores sociais

Ao estudar os empreendedores sociais, Kirkley (2016) também identificou que os valores podem ser observados por meio de comportamentos que expressam a preocupação do indivíduo com o âmbito social. Para Campos & Porto (2010), a identificação dos valores pessoais prediz como o sujeito irá se comportar, sendo possível predizer, a partir deles, as tendências nas ações, escolhas e decisões dos indivíduos. Nesse sentido, esta pesquisa também utilizou a Teoria dos Valores Pessoais de Schwartz (2001) que indicam que cinco motivações de valores servem a interesses individuais e não têm preocupação com o bem-estar do outro e com a natureza (hedonismo, autodeterminação, poder, estimulação e realização) opondo-se a outros três tipos motivacionais (benevolência, tradição e conformidade) que servem a interesses coletivos. Para tanto, este levantamento teórico que engloba as características dos empreendedores sociais aliado ao processo de criação de valor social e aos valores pessoais traduz as expectativas da pesquisadora para analisar as contribuições das características dos empreendedores sociais, da criação de valor social e dos valores pessoais para o desenvolvimento do empreendedorismo social. A partir das discussões apresentadas nesta seção, a seguir apresenta-se os procedimentos metodológicos para a elaboração do instrumento de pesquisa.

3 Metodologia

A utilização da abordagem qualitativa se justifica por ser apropriada para compreender a natureza de fenômenos sociais, onde se procura o entendimento dos aspectos psicológicos relacionados aos fenômenos estudados. Diferentemente do modelo de metodologia quantitativo, a pesquisa qualitativa busca se aprofundar nas questões e não em resultados estatísticos. Estudos qualitativos permitem analisar complexidades de grupos sociais ainda não satisfatoriamente compreendidas, além de utilizar perguntas mais abertas que dão liberdade aos entrevistados, o que auxilia a formar o cenário da pesquisa. Para Minayo (2017) e Yin (2016) o verbo principal da análise qualitativa é compreender e para isso é necessário que o pesquisador se coloque no lugar do outro, considerando a singularidade do indivíduo e do contexto que o cerca. Para tanto, este estudo irá considerar a perspectiva dos empreendedores sociais de destaque do Brasil e de Portugal, que deverá ser captada por meio de uma linguagem natural e espontânea, que se torna possível por meio da utilização de entrevistas semiestruturadas. Optou-se pela utilização desse tipo de entrevista, pois de acordo com Triviños (2007), elas partem de certos questionamentos básicos, formulados tanto a partir do suporte teórico, quanto de todas as informações coletadas sobre o fenômeno estudado.

Na primeira etapa da elaboração da entrevista semiestruturada foram formuladas questões abertas a partir do referencial teórico específico que considera os conjuntos de aspectos que englobam 35 elementos de análise advindos do referencial teórico. Ressalta-se que foi feito um aglutinamento

Orientados para uma missão social (almejam criar valor social)

Leadbeater,1997; Dees, 1998; Sullivan-Mort, G., Weerawardena, J. & Carnegie, K., 2003; Hemingway, 2005; Austin, Stevenson & Wei-Skillern 2006; Weerawardena & Mort, 2006; Zhara, Gedajlovic, Neubaum & Shulman, 2009; Dacin, Dacin & Matear, 2010; Nga & Shamuganathan, 2010.

Interconectados com o ecossistema

global (sustentabilidade) Weerawardena & Mort 2006; Nga & Shamuganathan, 2010. Forte capacidade de liderança Leadbeater,1997; Mair & Marti, 2006;

Foco no capital humano (habilidade em lidar com as pessoas )

Austin, Stevenson & Wei-Skillern 2006; Bornstein & Davis, 2010; Nga & Shamuganathan, 2010.

Capacidade gerenciar ou buscar

recursos financeiros Leadbeater, 1997; Austin, Stevenson & Wei-Skillern 2006; Engajados por terem vivido uma

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desses elementos, tendo em vista que esta estratégia de agrupamento proporciona elaborar um número menor de questões, com o intuito de evitar que a entrevista seja exaustiva para o empreendedor social.

A aglutinação dos elementos da categoria Características do Empreendedor foi feita por similaridade de temática englobando 8 elementos: almejar criar valor social, orientação para a missão social, ser engajado por ter vivido uma experiência prévia com foco no valor social (foram aglutinados para gerar um questionamento); inovadores, criativos e busca por oportunidades (foram aglutinados para gerar um questionamento); pró-ativos e propensos a assumir riscos (foram agrupados, gerando um questionamento). Não houve agrupamento de elementos para a interconectividade ao ecossistema global (sustentabilidade), tendo em vista a complexidade de conceituação e compreensão do tema. Também não houve agrupamento para os elementos capacidade de gerenciar recursos e foco no capital humano. Para a segunda categoria, entende-se que o valor social, a missão social a virtuosidade empreendedora e o objetivo altruísta são muitas vezes compreendidos dentro de uma mesma temática, portanto estes elementos foram aglutinados para atender um único questionamento. Considerando-se que as oportunidades sociais figuram o ponto de partida do modelo de Austin, Stevenson & Wei-Skillern (2006), compreende-se que este elemento possui uma proximidade com a temática da inovação social, o que implicou na aglutinação desses dois elementos. Como o foco no altruísmo é essencial para a criação de valor social, a proatividade e os objetivos altruístas foram aglutinados para originar outro questionamento. Para os aspectos apontados por Austin, Stevenson & Wei-Skillern (2006) em relação à pessoas (recursos humanos) e capital (recursos financeiros), também foi proposto um único questionamento no qual estes elementos pudessem ser considerados de forma conjunta e abrangente (aglutinados). Os elementos apontados por Weerawardena & Mort (2006) que consideram a gestão de risco, e por Austin, Stevenson & Wei-Skillern (2006) em relação às dinâmicas do ambiente, também foram agrupados para evitar a sobreposição de perguntas, gerando assim uma única questão. Por fim, o foco na sustentabilidade organizacional não foi aglutinado com outro elemento em função da complexidade de seu conceito voltado para o modelo de negócio sustentável e perpetuação do negócio social, o que originou um questionamento isolado. Para a categoria de valores pessoais os elementos foram aglutinados levando em consideração as polaridades discutidas no instrumento quantitativo de Schwartz (2001) em relação à: (i) abertura a mudança (estimulação e autodeterminação), conservação (segurança, tradição e conformidade); (iii) autotranscendência (Benevolência e universalismo); (iv) autopromoção ( poder e realização). O elemento hedonismo não foi aglutinado. Para a categoria de desenvolvimento de empreendedorismo social, utilizou-se apenas os elementos facilitadores ou dificultadores para compor uma questão aberta.

A versão inicial do roteiro, englobando 18 questões, foi submetida à uma avaliação junto a um Comitê de Especialistas. A realização do julgamento de instrumentos de pesquisa por comitês de especialistas é uma estratégia utilizada para a validação de pesquisas, e de acordo com Spínola (1984) não há um número pré-estabelecido de juízes ou especialistas para validar os resultados obtidos. Bojo, Axelsson, Lord, & Uden (2004) advertem que quanto maior o número de especialistas, maior a chance de discordância, além de tornar a reunião muito extensa, com dificuldades de organização e coordenação das ideias apresentadas. Caso o painel de peritos seja muito reduzido (inferior a três), os autores apontam que deve haver uma necessidade de concordância total sobre os itens, no entanto eles advertem que grupos muito pequenos não permitem a contribuição de diversidade de opiniões. Para a formação do Comitê de Especialistas deste estudo, foram convidados cinco profissionais de uma universidade pública brasileira, com experiência de pesquisa nas temáticas deste estudo. Após um dos especialistas declinar o convite em função de incompatibilidade de horários, o comitê foi então formado por quatro membros. Para a terceira etapa, o comitê de especialistas recebeu por e-mail uma Minuta de 3 páginas (que também foi

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disponibilizada em cópias impressas no ato da reunião presencial), com os principais delineamentos

da pesquisa, com a finalidade de familiarização com os temas previamente à realização da reunião. A

justificativa por utilizar especialistas brasileiros decorre da conveniência geográfica e acessibilidade da pesquisadora e dos profissionais que atuam na instituição brasileira, o que viabilizou a realização da etapa a seguir. Na quarta etapa, definiu-se como estratégia de avaliação a tomada de decisão em grupo em reunião presencial, portanto a análise coletiva do Comitê de Especialistas compreendeu avaliação e discussão das questões em relação aos critérios de adequação, clareza, objetividade e

compreensão dos elementos agrupados e questões elaborados, na presença da pesquisadora. Com a

responsabilidade de julgar os itens do instrumento de pesquisa, considerando a pertinência do agrupamento e das questões elaboradas em relação aos objetivos da mesma, a discussão presencial

teve a duração de 2 horas e ocorreu em uma sala da universidade. Neste bloco, um dos elementos

aglutinados foi desmembrado e passou a contemplar uma questão abordando a “proatividade”, e o elemento “propensos a assumir riscos” foi reagrupado junto com a “capacidade de gerenciar fundos”, pois os especialistas entenderam que a redação desta questão contemplava ambos os aspectos. Foi chamado a atenção de que a haviam duas questões utilizando elementos com uma nomenclatura diferente da que foi apresentada na Figura 3, e portanto as mesmas foram revistas e readequadas, conforme a proposição teórica discutida. Nos elementos correspondentes à categoria criação de valor social, o comitê compreendeu que os “objetivos altruístas” também estavam sendo contemplados no primeiro questionamento, e por este motivo ele foi reagrupado, formando a primeira questão deste bloco. O elemento “proatividade” não foi reagrupado, em função de já existir um questionamento no bloco anterior, e, portanto, excluiu-se esta questão deste bloco para evitar sobreposições de informações. O elemento “recursos financeiros” foi reagrupado com “gestão de risco e ambiente externo” e a questão foi subdividida em duas. Para os elementos da categoria valores pessoais, em relação ao conjunto “Segurança, conformidade e tradição” a questão foi desmembrada em duas questões. Na última questão desse bloco, foi alterado a palavra” status” para “prestígio e reconhecimento”, para facilitar a compreensão do valor que estava sendo questionado. Em relação aos elementos da categoria desenvolvimento de empreendedorismo social o comitê

julgou pertinente propor duas questões distintas com relação aos elementos desta categoria. Na

penúltima etapa, que englobou o envio por e-mail da versão final do instrumento com as sugestões discutidas, os especialistas realizaram uma avaliação individual em relação a todos os itens e questões do instrumento, com o intuito de uniformizar o conteúdo. Observa-se que comunicação com os especialistas foi facilitada pela proximidade física e pela agilidade de retorno por e-mail, o

que culminou na homologação do instrumento. Na última etapa, foram realizadas duas entrevistas –

piloto no Brasil e uma em Portugal, com o objetivo de testar previamente o instrumento de pesquisa, verificar o tempo médio de duração das mesmas e a necessidade de adequações. Assim, o quadro 2 retoma as principais etapas realizadas.

FASES DESCRIÇÃO

ETAPA 1 Elaboração da

versão inicial

Identificou-se 35 elementos de análise correspondentes às quatro categorias do estudo. Realizou-se um agrupamento preliminar dos elementos que demonstram similaridade entre si, resultando em um número mais sintético de questões, totalizando 18 (versão inicial).

ETAPA 2 Comitê de Especialistas

Convite a 5 profissionais pesquisadores de uma instituição brasileira com conhecimento nas temáticas envolvidas no estudo para avaliar a versão inicial do instrumento. Após um membro ter declinado a participação na reunião presencial, o comitê foi composto por 4 especialistas. ETAPA 3

Minuta da pesquisa

Foi disponibilizado para o e-mail dos especialistas uma Minuta da pesquisa, em 3 páginas, com os principais delineamentos, com a finalidade de familiarização com os temas e questões.

ETAPA 4 Reunião presencial Comitê Especialistas

Os especialistas se reuniram para discutir coletivamente e julgar os itens da versão inicial do instrumento. Realizou-se a análise de pertinência do agrupamento dos itens (elementos) e das questões, em relação aos objetivos e desenho da pesquisa, conforme constava na Minuta enviada.

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192 ETAPA 5

Elaboração da versão final e homologação

Após a reflexão e incorporação das sugestões do comitê, o instrumento foi readequado e enviado por e-mail para a apreciação dos especialistas. Após procederem com suas análises, que foram todas incorporadas, os especialistas manifestaram por e-mail a sua concordância com a redação da versão final, contendo 20 questões.

ETAPA 6 Aplicação do Instrumento piloto

Realizou-se duas entrevistas piloto no Brasil e uma em Portugal, para verificar a pertinência dos itens abordados, avaliando a clareza das questões, com a finalidade de minimizar possíveis problemas em relação à compreensão dos termos e dados que serão coletados.

Quadro 2. Construção do instrumento de pesquisa

As etapas e procedimentos descritos no Quadro 2 permitiram verificar a pertinência dos itens abordados, avaliando a clareza e compreensão das questões que resultaram na versão final do

instrumento. A realização do teste piloto também permitiu verificar o tempo médio necessário para

a realização da entrevista, qual seja, 45 minutos. Observou-se que a língua portuguesa empregada foi compreendida em ambos os contextos, possibilitando assim a realização da próxima fase, que envolverá a coleta de dados.

4 Conclusões

O percurso de construção e validação do instrumento se mostrou de grande valia por permitir reflexões de aspectos que necessitavam ser repensados para garantir uma melhor adequação em relação aos propósitos de cada questionamento elaborado. O próprio percurso metodológico contribui para o enriquecimento da investigação qualitativa, que englobou a transformação de um instrumento quantitativo (Schwartz, 2001) para compor um instrumento qualitativo, aliado à validação realizada pelo Comitê de Especialistas. A realização do teste piloto também permitiu verificar o tempo médio necessário para a realização da entrevista. Como sugestão para o desenvolvimento de uma futura etapa, considera-se a possibilidade de submeter o instrumento a um pesquisador Português com experiência nas temáticas deste estudo, para que seja possível incluir alterações nas expressões e construções gramaticais das questões a serem aplicadas nas entrevistas com os (as) empreendedores(as) sociais portugueses. A inclusão desta etapa teria a finalidade de facilitar a comunicação e aproximação cultural entre a pesquisadora estrangeira e os sujeitos pesquisados.

Os resultados desta pesquisa entre países emergentes e de economias consolidadas (Brasil e Portugal) devem levar à identificação de elementos importantes para o desenvolvimento dessa área de conhecimento, gerando uma contribuição relevante para a produção científica do país e do exterior, assim como para a reflexão sobre o desenvolvimento do empreendedorismo social nesses países. Por fim, essa pesquisa possibilitará ainda que as discussões acadêmicas avancem em função da perspectiva conjunta que está sendo adotada, tendo em vista que esses temas (criação de valor social, características dos empreendedores sociais e valores pessoais) têm sido trabalhados de forma isolada até então. Mais especificamente, ao pesquisar os indivíduos que engajam no empreendedorismo social, espera-se que este estudo contribua para acelerar a transferência científica e tecnológica em busca de transformações sociais significativas.

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Referências

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