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CATEQUISTAS, ARTISTAS OU SOCIALMENTE ENGAJADOS: AS FORMAS DE INSERÇÃO POLÍTICA DO CATOLICISMO CARISMÁTICO

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Carlos Eduardo Pinto Procópio**

Resumo: este artigo analisa as formas de recrutamento e engajamento na Renovação

Ca-rismática Católica. Para tanto, olha para três linhas de atuação onde políticos em potencial são selecionados: catequético-conversionista, artístico-midiático e socialmente-engajado. Cada uma dessas linhas marca a maneira como os carismáticos católicos fazem política. Essas formas ajudam a entender alguns aspectos do ativismo católico hoje.

Palavras-chave: Catolicismo carismático. Ativismo católico. Política.

A

literatura sociológica sobre catolicismo carismático tem se dedicado ao longo dos últimos 20 anos a entender os desdobramentos do movimento de renovação ca-tólica na cultura brasileira. Dentre estes desdobramentos, há algumas reflexões sobre a atuação política e partidária e que tem ajudado a desvelar as combinações entre religião e política e seus significados na produção de uma imaginação cívica. Nesse sentido, podemos agrupar as reflexões em dois grandes blocos analíticos.

CATEQUISTAS, ARTISTAS

OU SOCIALMENTE ENGAJADOS:

AS FORMAS DE INSERÇÃO POLÍTICA

DO CATOLICISMO CARISMÁTICO*

–––––––––––––––––

* Recebido em: 08.04.2018. Aprovado em: 20.06.2018.

** Doutor em Ciências Sociais pela Universidade Federal de Juiz de Fora. Mestre em Ciência da Religião. Graduado em Ciências Sociais.

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Um primeiro bloco de estudos compreende a participação política dos carismáticos como marcada pela busca de espaço político para fazer valer os interesses particulares do movimento. A Renovação Carismática, desse modo, se equipa-raria ao estilo evangélico de fazer política e se contrastaria com o jeito de fazer política das comunidades eclesiais de base. Reginaldo Prandi (1997) foi um dos primeiros a tentar olhar mais detidamente para a atividade política dos ca-rismáticos. Para este autor, a postura desse segmento católico significava uma reação conservadora dentro da igreja católica, refletindo no plano político em uma defesa intransigente dos valores religiosos e de suas demandas materiais. Esse modo de compreender a política da Renovação Carismática ecoou em outras reflexões, que se concentravam em replicar o modelo de Prandi. Os tra-balhos de Rodrigo Portella (2011), Péricles Andrade (2014) e André Ricardo de Souza e Marcos Vinícius Freitas Reis (2017) se dedicam em enfatizar a face conservadora e reacionária do carismatismo católico, tal como Prandi propa-lava no início dos anos de 1990. O trabalho de Brenda Carranza (2000) tam-bém reflete esse enquadramento da presença intransigente, mas tem a grande vantagem de compreender os dispositivos internos e as estratégias pelos quais as atuações políticas eram endereçadas. Mais recentemente, Carranza (2017) elaborou uma interessante investigação sobre os espaços de produção do ati-vismo carismático, com a qual dialogarei nas páginas seguintes.

Um segundo bloco de estudos tenta apreender as composições realizadas na relação do catolicismo carismático com a política. O que se coloca em debate são as ima-gens sobre a política e os estilos de fazer campanhas. A ênfase recai majorita-riamente sobre as atuações na rua, ou seja, sobre as relações estabelecidas no cotidiano da política e as retóricas endereçadas na produção de candidaturas. O trabalho de Julia Miranda (1999) é pioneiro nesse sentido, quando explica os laços produzidos e as tensões internas em algumas candidaturas carismáti-cas no Ceará. Nesse bloco de reflexão não se pode esquecer o trabalho de Mar-jo de Theije (2002), que analisou o impacto da cultura pastoral local, marcado pela presença das CEBs, na formatação da política de grupos carismáticos no interior de Pernambuco, mostrando como o contexto deve ser considerado na análise da atuação política desses grupos. Emerson Silveira (2008), por sua vez, discorre sobre a simbologia utilizada em campanhas eleitorais dos caris-máticos em Minas Gerais, enquanto Carlos Procópio (2012, 2014a) se dedica ao entendimento das tramas relacionadas à produção de redes de apoio em candidaturas para o parlamento em Minas Gerais e São Paulo.

O texto que se segue tem a intenção de ampliar esse debate sobre a relação dos caris-máticos católicos com a política brasileira. O interesse é olhar para os dispo-sitivos que permitem com que alguns nomes sejam alçados a condição de can-didatos do movimento, os seus representantes para o parlamento. A partir do

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diálogo com Brenda Carranza e sua investigação sobre espaços de formação política no catolicismo carismático, pretendo apresentar uma complementação a esta perspectiva, dando um paço atrás em relação à institucionalização que ela apresenta, para mostrar as fontes de recrutamento e engajamento disponí-veis no cotidiano do movimento carismático.

Para tanto, o texto se desdobra em duas partes. A primeira é uma explanação do argu-mento de Carranza, cotejando sua reflexão com algumas questões mais gerais sobre a sociologia dos carismáticos. A segunda parte é uma apresentação das fontes de recrutamento e engajamento, levando em conta casos etnográficos que ajudam a marcar as linhas pelas quais se faz a política no carismatismo católico.

ATIVISMO CATÓLICO NO BRASIL: O PAPEL DO CATOLICISMO CARISMÁTICO Em artigo recente, Brenda Carranza (2017) apresentou um interessante panorama em

relação ao ativismo católico no Brasil, tendo como objeto a atuação da Reno-vação Carismática. Seu pano de fundo era o ativismo evangélico e o modus operandi que teriam introduzido na política brasileira, procurando mostrar como os carismáticos, em face desta presença, tem lançado mão de estratégias voltadas para galgar publicidade e lançar candidaturas majoritárias e propo-sicionais visando cargos municipais, estaduais e federais. Para tanto procura explicar 4 linhas de força para apresentar o modus operandi católico na po-lítica brasileira: o Ministério Fé e Popo-lítica (MFP); o Instituto Thomas More; o Encontro de Cristãos em Busca da Unidade e Santidade (ENCRISTUS); a Frente Parlamentar Mista Católica Apostólica Romana (FPMCAR). Essas li-nhas de força ajudam a entender as maneiras como o catolicismo carismático procura formar e congregar seus representantes para se projetarem sobre o que reconhecem como sendo política. Entender esses espaços é, para Carranza, um passo importante para analisar as modalidades do ativismo católico no Brasil. A procura deliberada em se posicionar como agentes políticos preocupados em veicular os produtos doutrinários do movimento carismático, característica de uma atuação catequético-conversionista (PROCÓPIO, 2012), encontraria, segundo Carranza (2017), no MFP seu principal fiador. Tomando para si a responsabilidade de dar diretrizes para a atuação partidária do movimento carismático, o MFP procuraria:

articular as coordenações diocesanas e estaduais; identificar as potenciais li-deranças capazes de se transformar em candidatos (sob a premissa de vocação missionária para atuar na política partidária); mediar disputas internas entre candidatos, ajudar na nomeação dos candidatos para concentrar a plataforma eleitoral carismática; apoiar candidaturas e colaborar com a organização de

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eventos regionais, estaduais e nacionais, além de promover encontros anuais com os mandatários e seus assessores (CARRANZA, 2017, p. 102).

Esse ministério é amplamente utilizado ao longo dos processos eleitorais, basta observar as inumeráveis cartas, documentos e eventos promovidos para aproximar membros e vocacionados do movimento carismático de determinadas ações e normativas mais gerais em relação a prática política e partidária. Carranza (2000) e Emerson Silvei-ra (2008) já haviam salientado a importância desse ministério na organização da política entre esses católicos, especialmente no que tange à abertura de diálogo de debate político junto as bases, promovendo o aconselhamento e o discernimento. Claro que estes espaços também serviam como ponto de recrutamento e de forma-ção, o que Julia Miranda (1999; 2015) e Procópio (2014a; 2017) mostraram com dados mais sistematizados. Olhando respectivamente para os estados do Ceará e Minas Gerais, ambos convergem sobre os procedimentos voltados para o recruta-mento, que envolvem averiguação do tempo de caminhada pelo postulante, o reco-nhecimento em relação ao compromisso com os valores cristãos e a intercessão da comunidade unida em oração e vigilância. A diferença entre esses autores estaria no fato de que Procópio se concentra em marcar os limites das candidaturas diante de suas empreitadas junto ao MFP. Já Miranda, por sua vez, insiste em marcar os limites dos procedimentos do próprio ministério, já que cada candidatura operaria muito mais ligada à comunidade que tem como ponto de referência do que com diretrizes mais amplas direcionadas pelo MFP. Carranza (2017) não deixa de levar isso em conta em seu artigo, sobretudo porque há várias tensões entre o MFP e as bases sobre as quais se dirige. Mas é indubitável que esse órgão, que Procópio (2014a) chamou de instituição, tem papel importante na produção de uma imagi-nação política no catolicismo carismático.

Os arranjos e mutações sofridas pelo carismatismo católico diante das tensões projeta-das tanto interna quanto externamente abrem espaço para um enquadramento de composição-bricolagem (PROCÓPIO, 2012). No artigo de Carranza (2017), o Instituto Thomas More e o ENCRISTUS são colocados como expoentes dessa linha analítica. O primeiro opera como um braço da MFP, formando quadros políticos profissionais, oferecendo apoio financeiro para candidaturas e orientando suas estratégias eleitorais. O segundo está mais ligado às novas comunidades e trás uma proposta ecumênica, articulando “parlamentares em exercício, católicos e evangélicos, para uma aproximação interdenominacio-nal que favoreça viabilizar agendas políticas no tocante a temas comuns de defesa da moralidade cristã e intercâmbio de conhecimento sobre projetos so-ciais” (CARRANZA, 2017, p. 107).

Um problema que recai sobre essas duas instituições, de acordo com Carranza (2017), passa pela dificuldade de atuar horizontalmente e agregar interesses diversos

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em benefício de um plano de ação comum. A reposta para isso, asseguro, está em um conjunto de contradições em nível local que dificultam a apreensão de um projeto que possa caminhar em uma mesma direção. Os postulantes a cargos representativos são socializados dentro de contextos políticos variados e as suas escolhas eleitorais e partidárias se confundem tanto com a maneira como vivenciam seus valores religiosos quanto com a maneira como eles ima-ginam o fazer cotidiano da política. Talvez essa seja a razão pela qual encon-tramos no carismatismo católico filiações partidárias e projetos políticos que vão da direita à esquerda.

Pelo fato destas candidaturas serem na sua maioria oriunda do laicato, como mostra Maria das Dores Campos Machado (2015), que se vê estimulado a se lançar como representante da comunidade, tema amplamente discutido em Miranda (1999), é indubitável as controvérsias sobre as quais os projetos políticos são lançados. As análises de Procópio (2012; 2014a; 2015) dão uma mostra das tensões pragmáticas e programáticas na qual está imersa o catolicismo caris-mático. Candidaturas como Odair Cunha, Miguel Martini, Gabriel Chalita e Flavinho, foco da reflexão deste autor, mesmo que comungando uma mesma base religiosa e seus produtos doutrinários, se fazem e são eleitas a partir de vínculos distintos e devem ter que responder aos compromissos estabelecidos ao longo da eleição, o que performatiza o estilo da representação. É nesse sentido que Procópio desenvolve a ideia de multiposicional, uma articulação tencionada entre defesa dos elementos religiosos como família e vida com a ação de prestador de serviços para uma comunidade, que nem sempre está assentada em uma experiência religiosa.

Uma ação vigilante dentro do parlamento e uma função mais nucleada voltada para discutir de perto questões de interesse católico revelam, a partir da FPMCAR, uma quarta linha de força. Para Carranza (2017), esta frente segue na esteira da Pastoral Parlamentar Católica (PPC) e tem como mote a defesa intransigen-te dos valores cristãos. Nesse sentido, o projeto da frenintransigen-te é representar as “po-sições oficiais em matéria de doutrina e dogmas da Igreja Católica [e] articular ações que garantam os interesses corporativos da Igreja nas casas legislativas [além de] organizar grupos de oração, encontros espirituais e um grupo de estudo para acompanhar os debates e discussões na Câmara de projetos rela-cionados com a moralidade familiar e sexual” (CARRANZA, 2017, p. 108). Apesar de não ser uma frente exclusiva dos deputados carismáticos, pois envolve outros

católicos, muito do que permeou o carismatismo católico ao longo das décadas parece estar sendo canalizado na FPMCAR. As primeiras reflexões de Regi-naldo Prandi (1997) e de Carranza (2000) sobre a política dos carismáticos lançam luz sobre a questão. Estes autores salientavam que existia uma inten-são clara em ocupar postos de poder e levar os interesses católicos para todas

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as esferas da vida. Nesse sentido, o FPMCAR não seria uma grande novidade. Os estudos citados ao longo deste texto, ao enfatizar a condição vigilante que se deve ter sobre os representantes eleitos, sobretudo quando a reflexão recaia sobre o MFP, ajudam a desvelar as bases que a frente parlamentar parece estar canalizando ou sobre a qual parece estar sendo projetada.

Essas quatro linhas de força podem operar como congregadores dos representantes do catolicismo carismático e a grande vantagem do texto de Carranza é desvelar as nuances destas linhas. Sobre elas podemos visualizar um ativismo católico, as direções que podem endereçar e as posições que estão dispostas a tomar. Aqueles que se elegem ou querem ser eleitos encontram nessas linhas dispo-sitivos para sua formação e atuação. Contudo, quando se pensa em ativismo católico, é preciso olhar mais profundamente para as bases que permitem com que quadros sejam recrutados para a atividade política.

O MFP, o Instituto Thomas Morus, o ENCRISTUS e a FPMCAR representam uma fase mais adiantada do ativismo católico e que, apesar das tensões e controvérsias com as quais subsistem, expressam um projeto consolidado de atuação e que tem na institucionalização sua forma mais acabada de engajamento. Por isso as linhas de Carranza estão mais para pontos de chegada. Os pontos de partida da política do carismatismo católico estão em outros lugares e é atrás deles que as páginas a seguir irão. Existem pelo menos três fontes de recrutamento e de engajamento que podem ser apresentados como a fase infrapolítica do ativismo católico, em especial o carismático.

RECRUTAMENTO E ENGAJAMENTO NO CARISMATISMO CATÓLICO

A primeira fonte de recrutamento e de engajamento agrega um tipo de comportamen-to que podemos denominar de catequético-conversionista. As campanhas e os mandatos destes deputados costumam ser atravessados por duas (2) ações fundamentais, que marca esta modalidade de ativismo: uma participação po-lítica voltada para a defesa de uma identidade moral católica que deveria ou serviria para orientar a moralidade cívica em geral; apropriação e defesa de produtos doutrinários, especialmente os ligados ao tema da família e das práti-cas religiosas católipráti-cas em geral. As plataformas e pautas destes candidatos os colocavam como agentes políticos interessado em beneficiar diretamente seu grupo de origem, seja do ponto de vista material ou imaterial. Este jeito de fa-zer política se aproxima da participação política de alguns setores evangélicos, marcado pelo toada mais conservadora através da apresentação de bandeiras e projetos nas ruas e no parlamento.

Os deputados recrutados dentro dessa dimensão catequético-conversionista procuram mobilizar em seu favor a atividade eleitoral junto aos grupos de oração da

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RCC e/ou de comunidades de vida e aliança. Estas também serão as principais beneficiárias de suas ações, seja ela material ou simbólica. O primeiro depu-tado federal eleito foi o mineiro Osmânio Pereira (PSDB/MG), que, com o apoio do catolicismo carismático, pôde exercer o cargo no Congresso Nacio-nal entre os anos de 1991 e 2007, totalizando quatro mandatos completos. Ao longo das quase duas décadas em que Osmânio foi deputado, este modelo de recrutamento e de engajamento do movimento carismático contou ainda com a eleição do mineiro Miguel Martini e do paulista Salvador Zimbaldi. Na atual legislatura (2015-2019), encontramos como representantes desse modelo os deputados Diego Garcia, do Paraná, e Evandro Gussi, de São Paulo.

A literatura corrente sobre catolicismo carismático e política enfrentou o desafio de compreender a atuação de alguns desses representantes, seja nas ruas ou no parlamento. Carranza (2000) e Procópio (2014a) olharam com o mesmo cui-dado para as movimentações políticas de Zimbaldi e Martini. Como parte de um projeto de conquista de posições políticas, estes dois representantes são es-colhidos no interior da comunidade carismática para defenderem os interesses morais e materiais do catolicismo. Trazem consigo um histórico de participa-ção em grupos de oraparticipa-ção e comunidades, onde exerceriam funções diretivas, o que teria ocasionados as escolhas dos seus nomes para uma ação para além da vida religiosa. Zimbaldi e Martini foram aos poucos sendo elevada a condição de nomes certos para a representação dos carismáticos, marcando suas campa-nhas e ações políticas com um caráter de forte intransigência.

O que importava era defender os valores morais e éticos da Igreja Católica e colabo-rar para sua hegemonia cultural. As bandeiras assumidas ao longo da atuação desses representantes não nos deixa enganar. Os dados da atuação parlamentar destes deputados mostra que as ações de Zimbaldi e Martini no parlamento se concentraram na Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF), onde a família cristã poderia ser defendida, e na Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI), onde concessões e regulações no campo da mídia eram discutidas.

Com as mesmas características em termos de recrutamento, aparece mais recentemente a figura de Evandro Gussi. Sua candidatura se articula em torno dos mesmos princípios que guiaram Zimbaldi e Martini, ou seja, defender os produtos dou-trinários católicos se apresentando como uma voz em defesa da igreja e de seus valores no parlamento. A novidade, ao que parece, se deve ao fato de que Gussi tem uma projeção política amparado em uma estrutura midiática forte. Seu nome estava presente em muitas atividades da TV Canção Nova, segundo aponta a dissertação de Manduca (2015). Frequentava programas de debates onde sua atividade como advogado era tomada como lugar de fala importante para tratar de temáticas relacionadas a questão da legislação no que tangia

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temas morais e éticos. Nesses espaços, Gussi se apresentava como um comen-tarista especializado.

Bem verdade que a dissertação de Manduca não trás exemplos efetivos de como sua atuação nos programas da Canção Nova eram desenvolvidas, com quem falava e em quais circunstâncias, mas há pistas interessantes sobre esta variação do ativismo carismático. Não apenas está circunscrita ao interior das atividades em grupos e comunidades, mas também dentro de todas as frentes desenvol-vidas em programas de rádio, televisão, eventos, cursos, entre outros. Nesses casos o capital intelectual pode ser recurso acionado, dando uma voz mais técnica para as demandas religiosas no âmbito do direito, por exemplo. Apesar de outros representantes do carismatismo atuarem em programas das mídias das comunidades, Gussi parece estar inaugurando uma variação da forma de recrutamento catequético-conversionista, por conta da condição de especialis-ta a ele atrelado. Sua atuação parlamenespecialis-tar vai se concentrar na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e na Comissão Mista de Planos, Orçamentos Públicos e Fiscalização, espaços de atuação condizentes com a formação que publicizava.

A segunda fonte de recrutamento e de engajamento agrega um comportamento que podemos chamar de artístico-midiática. Inovador por se dar dentro de uma esfera religiosa, mas já dinâmica consumada na esfera política em geral, esta forma de recrutamento e engajamento se deve ao fato de que ao longo dos anos 2000 e 2010 se lançaram à atividade parlamentar, em nível federal, músicos e escritores de renome no cenário católico e católico carismático, convertendo seu capital artístico em capital político.

Este modelo de candidatura vai apostar na transferência dos carismas como músico ou escritor para a política, gozando da capilaridade que eles possuíam jun-to a grupos de oração e comunidades do movimenjun-to carismático, que uma vez tendo seus nomes lançados a cargos públicos, acabavam, intencional-mente ou não, encontrando nestes espaços um grande manancial de votos. Suas campanhas conseguem facilmente mobilizar seus recursos fonográfico ou literário, recebendo apoios e agregando dezenas de milhares de fãs que se convertiam em eleitores. A condução de suas campanhas eleitorais vai se concentrar em apresentar bandeiras gerais, mobilizando os temas da educação, vida, moralidade, família, que quando desdobrados em ação parlamentar vai produzir projetos de leis e emendas oscilantes entre o que consideramos so-ciologicamente para direita ou para esquerda. Nomes como Eros Biondini, seguido de Gabriel Chalita e depois Flavinho, que já possuíam espaço no meio artístico-midiático católico carismático, tiveram seus nomes estimu-lados para a disputa eleitoral, saindo vitoriosos em todas as eleições para a Câmara Federal em que disputaram.

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Apesar da produção das ciências sociais sobre carismáticos tratar de forma bastante densa a relação desse segmento católico com o universo midiático (BRAGA, 2004; SOUZA, 2005; CAMURÇA, 2009; CARRANZA, 2011; SILVEIRA, 2014), a relação de nomes propalados midiaticamente e suas interfaces com a política encontra apenas nas pesquisas de Procópio (2012; 2015) um ponto de reflexão. Seus trabalhos sobre Chalita (2012) e Flavinho (2015) ajudam a dar conta do peso que pode ter o recrutamento de artistas e escritores propalados no carismatismo na projeção política deste segmento católico. Chalita, como bem mostra o trabalho citado, é um afamado escritor católico. Sua presença junto ao público católico em geral e carismático em particular é bastante signi-ficativa. Os temas que enfrentou no campo da formação dos princípios huma-nos cristãos, exposta huma-nos seus textos, livros e palestras, deram a ele a condição de educador.

O tema da educação vai ser o responsável pela conquista de posições junto aos pode-res executivos municipal, estadual e federal ao longo de quase duas décadas, bem como o respeito de parte da intelectualidade paulista, especialmente en-tre escritores. Esse capital acumulado vai leva-lo a conquistar de forma bas-tante significativa uma posição de vereador na capital paulista, com cerca de 100 mil votos (2008) e depois como deputado federal, com cerca de 500 mil votos (2010). Sua atuação no parlamento foi incipiente, resumida a algumas inserções na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e na Comissão de Educação (CE). Mas o lugar que ocupa na cena pública como escritor e educador permite com que ele consiga converter recursos, sustenta-do pela sua possibilidade de projeção eleitoral, para poder ocupar posições de destaque na esfera executiva.

Flavinho tem sua fama oriunda da atuação como cantor. Socializado dentro da co-munidade Canção Nova, em Cachoeira Paulista/SP, fez carreira musical can-tando temas católicos, divulgadas nas missas de Jonas Abib ou em shows em comunidades carismáticas pelo Brasil afora. Tal condição afamada levou com que Flavinho fosse recrutado para a vida política, aceitando o desafio de defender temas católicos como família e vida no parlamento, caso eleito. A performance de sua campanha, mostrada na pesquisa de Procópio (2015), refletia sua condição de cantor, seja por lemas que lembravam suas canções ou campanhas imagéticas que lembravam sua atuação no palco. O eleitor foi mobilizado por estas performances, que pode ser provada pela boa votação que Flavinho teve em 2014, especialmente na cidade de São Paulo, onde re-cebeu quase 25 mil dos seus 90 mil votos. Sua atuação no parlamento é mais ampla, distribuídas nas Comissões de Educação (CE), Seguridade Social e Família (CSSF), Cultura (CC), e Ciência e Tecnologia, Comunicação e In-formática (CCTCI).

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A terceira fonte de recrutamento e de engajamento agrega um comportamento na po-lítica que podemos assumir como sendo socialmente-engajada. Também nos anos 2000, ao invés de um capital político cultivado e acionado por uma posi-ção de defesa explícita do grupo religioso de origem ou pela projeposi-ção artística gozada ao longo de uma trajetória passada por grupos de oração e comunida-des do catolicismo carismático, o que é colocado em jogo é uma atividade de representantes das demandas de camadas populares com as quais os candida-tos possuíam contato, estimulado desde grupos e comunidades religiosas que frequentavam.

Nesse modelo de ação política, os candidatos estabelecem um diálogo direto com as necessidades locais da população, procurando interpelar o poder públi-co para a solução dos problemas enpúbli-contrados. As campanhas desenvolvidas para agregar votos passavam pela apreciação de demandas do eleitorado lo-cal, compondo uma plataforma de ação ampla e que contemplava a melhoria da vida das pessoas em seu contexto. Essas demandas captadas oscilavam desde o bem viver na cidade à mediação para a instalação de equipamentos urbanos que pudessem canalizar esse modo de vida. Durval Orlato, Odair Cunha e Alessandro Molon são os protótipos desse modelo, não só pela me-diação que faziam junto ao poder público local, mas também pela opção pelo que fizeram por se candidatar pelo PT, historicamente envolvido em temas ligados a defesa das camadas menos favorecidas. Este jeito de fazer política poderia estar aproximando a ação política dos carismáticos de um tipo de ação política já conhecida no interior da Igreja Católica, a das Comunidades Eclesiais de Base.

A terceira fonte de recrutamento e engajamento, que parece contrastar com a maneira como grande parte da sociologia dos carismáticos tem visto a publicidade deste segmento católico, pode ser encontrada pela primeira vez no trabalho de Eliane Oliveira (2004), pelo menos enquanto uma curiosidade. Esta autora nota que a presença de Alessandro Molon, que circulava no circuito carismáti-co carioca, entre os candidatos do PT para as eleições estaduais no início dos anos 2000, poderia estar indicando outros sentidos dos ventos que sopram des-de o interior do carismatismo católico. Oliveira para sua reflexão por aí, mas é interessante perceber como que outras vozes começam a emergir ou a serem desveladas pela investigação sociológica e antropológica, complexificando a maneira de entender a atuação política do carismatismo. Vozes que eram vis-tas ecoando apenas para o lado conservador da vida política, marcando uma intransigência, agora também começam a aparecer em outros lados, abrindo caminho para outras combinações.

Estas novas combinações do carismatismo católico foi objeto de investigação de Pro-cópio (2014a; 2014b), quando abordou o cotidiano da campanha do petista

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Odair Cunha em Minas Gerais nas eleições de 2010. A questão trazida por este autor passa pelo fato de que mesmo tendo sido recrutado para a vida política por conta de sua atuação em comunidades e grupos carismáticos, sua atuação política acabou sendo tencionada com suas atividades junto a trabalhos sociais a partir do interior de pastorais católicas e de sua atuação com advogado e radialista em sua região de origem.

Mesmo que suas primeiras inserções eleitorais pudessem ter a seu favor uma articulação desde as comunidades e grupos carismáticos, sua atuação foi contemplando ou-tras esferas da sociedade, que ao serem procuradas ou procurarem pelo deputado para tratarem de recursos e projetos a serem executados nos municípios e região, criou entre eles uma relação de compromisso que também passava a compor o leque de atuações do deputado. Sua atuação no parlamento se concentrava por um lado, na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) e, por outro lado, nas variadas comissões destinadas a debater medidas provisórias, muitas delas relacionadas com a distribuição de recursos e benefícios públicos. CONCLUSÃO

A proposta deste texto foi apresentar uma possibilidade de entendimento sobre as for-mas de recrutamento e engajamento político do catolicismo carismático. Em diálogo com Carranza, especialmente seu trabalho sobre as instituições ges-tadas no carismatismo voltados para a formação e atuação política, procurei mostrar como que, antes de um arranjo institucional, existem dispositivos de captação de quadros que podem ser alçados para carreiras políticas. As formas catequético-conversionista, artístico-midiática e socialmente-engajada mos-tram o interessante cenário na qual a prática política dos carismáticos está sendo desenvolvida.

A perspectiva, como também é a de Carranza, amplia o quadro analítico sobre o ativis-mo católico, já que se preocupa em explicar as linhas pelas quais a política é feita desde o interior do carismatismo. A diferença entre esses trabalhos, volto a dizer, está no fato de que o plano das práticas é tomado como ponto de par-tida, ao invés do plano institucional.

Olhar para as práticas, nesse sentido, permite desvendar as tramas que envolvem o ca-tolicismo carismático. Desde a análise pioneira de Pedro Ribeiro de Oliveira (1978), criou-se uma expectativa de que os carismáticos estavam inclinados para reagir duplamente, contra as CEBS e contra os evangélicos. A consequ-ência política disso seria o apolitismo, num primeiro momento, e o conserva-dorismo, em um segundo momento.

A produção sociológica sobre o tema bebeu nessas teses até aparecem as contribuições de Brenda Carranza (2000) e Julia Miranda (1999), que conseguiram avançar

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para uma análise mais de perto sobre o que os carismáticos faziam em matéria de política. Não é que não havia um rosto conservador no carismatismo, ele existe e de quando em quando mostra sua face. Mas quando se fala em recru-tamento e engajamento político é necessário ter mais atenção com as bases que permitem a projeção de quadros para carreiras políticas. Um movimento diverso como o carismático não poderia captar seus representantes apenas no interior de sua esfera burocrática, o que poderia em muito ajudar a corroborar a tese da intransigência e do conservadorismo.

O carismatismo se espraia sobre um leque de possibilidades no plano da vida social. Está nas mídias e daí tira grande parte de sua fama e projeção, mas também está nas comunidades, perto das pastorais, de quem também se deixa contami-nar. Por que dessas arenas não buscaria também seus quadros políticos? Novas formas de recrutamento não levariam a novas formas de engajamento? Tentei responder estas questões ao longo do texto. Não se pode tomar a atuação po-lítica dos carismáticos como tendo um mesmo ponto de partida ou ponto de chegada. Por mais que percorram os mesmos problemas e dilemas ao longo da condução de uma candidatura ou de um mandato, os sentidos da política no catolicismo carismático funcionam em um movimento que é circulante. Os espaços de recrutamento e engajamento, que são diversos, modelam o jeito de fazer política, que se modificam na medida em que agrega outros dispositivos ao longo do fazimento do representante político. O resultado é uma presença política multifacetada.

CATECHISTS, ARTISTS OR SOCIALLY ENGAGED: THE POLITICAL FORMS OF THE CATHOLIC CHARISMATIC RENEWAL

Abstract: this paper analyzes the recruitment and engagement forms within Catholic

Charismatic Renewal. Therefore, looks to three lines when politicians are se-lected: catechism, media and social engagement. Each line directs the model as the catholic charismatic do your policy. Like this, these forms help us to understand some aspects the catholic activism today.

Keywords: Catholic Charismatic Renewal. Catholic activism. Policy.

Referências

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Referências

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