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Corrupção e integração regional: Uma análise da grande corrupção no contexto de política externa brasileira de integração regional a partir de bases históricas e político institucionais

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MESTRADO ACADÊMCIO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

CORRUPÇAO E INTEGRACAO REGIONAL

Uma análise da grande corrupção no contexto de política externa brasileira de integração regional a partir de bases históricas e político institucionais

APRESENTADA POR

FERNANDA MENDONÇA SERGIO FERREIRA

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO OLIVER STUENKEL Rio de Janeiro, Outubro 2019

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MESTRADO ACADÊMCIO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

CORRUPÇAO E INTEGRACAO REGIONAL

Uma análise de práticas de corrupção no contexto de política externa brasileira de integração regional a partir de bases históricas e político institucionais

APRESENTADA POR

FERNANDA MENDONCA SERGIO FERREIRA

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FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS

CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL – CPDOC

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

MESTRADO ACADÊMCIO EM HISTÓRIA, POLÍTICA E BENS CULTURAIS

PROFESSOR ORIENTADOR ACADÊMICO OLIVE STUENKEL FERNANDA MENDONCA SERGIO FERREIRA

CORRUPÇAO E INTEGRACAO REGIONAL

Uma análise da grande corrupção no contexto de política externa brasileira de integração regional a partir de bases históricas e político institucionais

Dissertação de Mestrado Acadêmico apresentada ao Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil – CPDOC como requisito parcial

para a obtenção do grau de Mestre em História, Política e Bens Culturais.

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Agradecimentos

Ao meu orientador Oliver Stuenkel, por ser fonte de constante incentivo, atenção e inspiração ao longo da minha trajetória acadêmica na FGV – obrigada por me apoiar em todas as oportunidades que encontrei ao longo deste caminho.

Aos professores Guilherme Casarões e Eduardo Mello, membros da banca, pelos valiosos conselhos e recomendações com que me prestigiaram.

À professora Ynaê Santos, por ser grande fonte de conhecimento, sabedoria e inspiração em temas que me transformaram enquanto ser humano.

Agradeço também à professora Ângela Moreira e à Daniela Aires (Secretaria CPDOC), por me auxiliarem da melhor maneira possível na conquista dos meus objetivos.

Agradeço aos meus colegas de turma ingressantes em 2018 do mestrado acadêmico por me propiciarem um ambiente de aprendizagem de qualidade inestimável.

Agradeço aos meus amigos, em especial às minhas amigas cariocas Adriane, Aline, Barbara, Fernanda, Gabriella, Isadora B., Isadora L., Nathalia e Rafaela por todas as valiosas trocas que me fortaleceram enquanto mulher e ser humano. E à Mariana e Manuella por estarem sempre presentes, me aplaudindo a cada conquista.

Agradeço à Luciana, Clovis, Anna, Ângela, Felipe, Vicente e Eduardo, por todo acolhimento e apoio e por terem sido a minha segunda família no Rio.

Agradeço à toda a minha família, em especial ao meu pai Orfeu, à minha mãe Lucylene e minhas irmãs Flávia e Júlia, por serem a minha maior referência de vida, pela torcida incondicional e por serem essa grande fonte de suporte às minhas escolhas e apoio para a realização dos meus sonhos.

Por fim, agradeço ao Paulo Speroni pela oportunidade diária de sonharmos e debatermos juntos, nessa incrível jornada, a construção de um mundo mais justo.

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RESUMO

A integração regional foi um traço prioritário da política externa brasileira desde os anos 2000 e atingiu seu auge durante os dois governos Lula, quando, em um contexto

de ascensão dos países emergentes, o Brasil instrumentalizou sua inserção internacional para projetar seus interesses globais. A agenda sul-sul da diplomacia

brasileira ganhou ênfase e o entorno regional foi pautado por uma integração por infraestrutura a partir do lançamento da IIRSA. Neste contexto, era marcante a alavancagem do processo de internacionalização das empreiteiras brasileiras, que, apesar de já ocorrer desde os anos 1970, neste momento encontrava-se acompanhado por uma diplomacia presidencial ativa e pautada por seu braço financiador, o BNDES,

em um ambiente democrático.

Junto à internacionalização das empreiteira brasileiras, no entanto, parece ter ocorrido a disseminação de práticas de corrupção típicas do capitalismo de laços brasileiro para outros países da América Latina. Essa práticas de corrupção em altos níveis de poder e compreendendo vastas quantias de dinheiro, que são chamadas pela anistia internacional

de grande corrupção, encontram no Brasil suas raízes nas dimensões históricas e nas brechas político-institucionais típicas do nosso sistema de governo.

Palavras-chaves: grande corrupção; integração regional; instituições políticas; Peru ABSTRACT

Regional integration has been a priority feature of Brazilian foreign policy since the 2000s and reached its peak during the two Lula governments, when, in the context of

rising emerging countries, Brazil has instrumentalized its international insertion to project its global interests. The south-south agenda of Brazilian diplomacy has gained emphasis, and the regional environment has been guided by infrastructure integration

since the launch of IIRSA. In this context, the leverage of the internationalization process of Brazilian construction companies was remarkable. This process was accompanied by active presidential diplomacy and guided by its financing arm, the BNDES, in a democratic environment. Along with the internationalization of Brazilian companies, however, there seems to have been the spread of corruption practices typical

of Brazilian bond capitalism to other Latin American countries. These high-power corruption practices, and comprising vast amounts of money, which are called by the

international amnesty of grand corruption, find their roots in Brazil in the historical dimensions and political-institutional breaches typical of our system of government.

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SUMÁRIO

1. INTRODUCAO 7

2. CORRUPÇAO: REVISAO DA LITERATURA 9

2.1. O que é corrupção? 10

2.2. Como mensurar a corrupção? 15

2.3. Breve Histórico da corrupção 16

2.4. Um marco teórico para o estudo de corrupção 24

3. AS RAIZES INSTITUCIONAIS DA CORRUPÇAO 27

3.1. A perspectiva histórica 28

3.2. A instituições brasileiras 32

3.2.1. O Sistema democrático 35

3.2.2. As instituições políticas da democracia brasileira e

suas características 40

3.2.3. Fraude eleitoral e financiamento ilegal de campanha 53

4. CONDICIONANTES DA POLITICA EXTERNA BRASILEIRA 70

4.1. O Estado neo-desenvolvimentista 75

4.2. O financiamento da Internacionalização em um

contexto de capitalismo de laços 85

4.3. A operação Lava Jato 95

5. PERU: UM ESTUDO DE CASO DAS OPERAÇOES DA ODEBRECHT NO

PAIS 102

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1. INTRODUÇAO

Este trabalho conta com uma parte teórica e um estudo de caso. A parte teórica se inicia com uma revisão da literatura sobre corrupção. Responder à pergunta sobre o que é corrupção é uma difícil tarefa que vem ganhando a atenção da cada vez mais pesquisadores nos dias atuais. Se por um lado a corrupção é um conceito amplo que engloba diferentes práticas - muitas delas ilegais e outras legais, algumas cotidianas e outras que requerem a ocupação de postos estratégicos - e o entendimento de

determinadas práticas como corruptas varia de país para país, por outro lado, sociedades e governos têm evoluído seu entendimento no sentido de encontrarem um denominador comum para explicar o conceito de corrupção. Nesse sentido, a forma mais comum de definição de corrupção hoje é aquela que diz se tratar de um abuso de um posto público para a obtenção de ganhos privados.

A partir da revisão da literatura sobre corrupção e do entendimento de o que será tratado como corrupção neste trabalho, traçam-se as bases históricas e institucionais que existem hoje no Brasil, e que fazem parte de um contexto mais amplo de bases político- institucionais da América Latina, para entender como se desenvolveu uma característica típica que influencia o modus operandi do sistema político institucional brasileiro que é o capitalismo de laços, conceito cunhado por Sergio Lazzarini, ou o capitalismo compadrio. O objetivo é entender as bases fundantes da existência de uma relação histórica e simbiótica entre elite empresarial e elite política no Brasil que se mostrou benéfica para ambos, mas maléfica para o desenvolvimento socioeconômico do país por estar embasada em práticas corruptas, como revelado posteriormente por inquéritos e operações de combate à corrupção como a Lava-Jato.

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As práticas corruptas do capitalismo de laços que se desenvolveram historicamente no Brasil ao encontrarem brechas político-institucionais do nosso sistema político teriam aproveitado uma oportunidade para se disseminar consistentemente para outros países da América Latina no momento de fomento de uma política de integração regional, que neste trabalho é tratadas nos marcos do lançamento da Iniciativa para Integração da América do Sul, IIRSA, em 2000, ainda no governo de Fernanda Henrique Cardoso e que alcançou o seu auge nos dois governos posteriores do ex-presidente Lula. Nesse sentido, são tratadas neste trabalho as condicionantes da política externa do governo Lula que alçou o país a uma posição de destaque nas relações internacionais seguindo os princípios universalista da política externa e do uso do desenvolvimento como vetor de inserção internacional ao mesmo tempo em que, por meio do impulso à maior internacionalização das empreiteiras brasileiras – que já vinham se internacionalizando desde a década de 1970 – impulso esse pautado em uma diplomacia presidencial ativa e seu braço financiador, o BNDES, foram criadas condições únicas na histórica da política externa brasileira para que a elite empresarial internacionalizasse também o seu modus operandi do capitalismo de laços baseados em práticas de corrupção.

Dessa forma, no último capítulo deste trabalho farei um estudo de caso da atuação da Odebrecht no Peru. O Peru foi o país escolhido como estudo de caso para entender a o processo de internacionalização das empreiteiras brasileiras por ter sido neste pais que as repercussões do processo da lava-jato tomaram as maiores proporções. Se a Odebrecht foi o principal ator do esquema de corrupção desvendado pela Lava-Jato, o Peru foi o maior palco de sua atuação no continente sul-americano. A Odebrecht foi a empresa escolhida por tratar-se da empreiteira que teve as maiores consequências da operação

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Lava-Jato, a empresa que, recentemente, entrou com o maior pedido de recuperação da história do país. Neste trabalho, não abordarei as consequências para a elite política nem para empresas brasileiras de um momento de crescente acesso à informação sobre formas de atuação corrupta na América Latina, apesar de ser um objeto fruto de muita discussão no cenário político atual do país. A maior crítica a, ainda em curso, operação lava-jato teria sido o enfraquecimento do empresariado brasileiro, e que, em uma tentativa de punir as elites econômicas que perpetuaram as práticas corruptas, acabou-se enfraquecendo as próprias empresas ao não haver a separação entre empresas e colaboradores em acordos de delação, o que consequentemente colocou em xeque um projeto desenvolvimentista que atenderia ao interesse nacional. Essa discussão, no entanto, não é o foco deste trabalho, que pretende se limitar entender a dinâmica e as raízes históricas e institucionais por meio da qual as práticas de corrupção que caracterizam o capitalismo de laços no Brasil se tornaram tão entremeadas no nosso sistema político-institucional que acabaram se expandindo para outros países como o Peru que, historicamente, já contavam com altos índices de corrupção e possuíam uma elite política propensa a se engajar em prática de pagamento de propina, suborno, concessão de licitações de forma ilícita, com uma elite empresarial brasileira.

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2. CORRUPÇAO: REVISAO DA LITERATURA

2.1 O que é Corrupção?

No passado, autores já escreveram sobre supostos benefícios da corrupção para a economia. Enquanto Nathaniel Leff (1964) sugeriu que a corrupção seria uma instituição extralegal usada por indivíduos que almejam influenciar a burocracia, mostrando que a existência de corrupção seria apenas um indicativo que esse grupos participariam do processo de decisão, autores como Samuel Huntington em seu livro Political Order in

Changing Societies (1968), ao defender a ordem e a estabilidade para os países em

desenvolvimento, desenvolveu a tese de que a corrupção seria uma maneira conveniente para encarar eventuais falhas do mercado e instabilidades políticas. Esses autores acreditavam ser a corrupção um requisito funcional para o processo de desenvolvimento dos povos, e essas definições eram desdobramentos de um debate da época sobre qual seria a melhor definição de corrupção.

Hoje, existe um consenso sobre os efeitos maléficos de práticas corruptas e autores apontam para a corrupção como impeditivo para o desenvolvimento socioeconômico nas sociedades. Rose-Ackerman e Palifka (2016) mencionam que uma parte da explicação para o da falta de eficiência instituições públicas em prover bens para a população está no fato de, a partir de práticas corruptas, ambas reterem o crescimento e impedirem a chegada de um fluxo de benefícios aos que possuem renda inferior. A corrupção traz, portanto, impactos negativos que condicionam a geração de renda, a distribuição de riquezas e o desenvolvimento socioeconômico das sociedades. Como apontam Raymond

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e Golden (2017), o custo da corrupção não se limita ao custo das propinas pagas aos funcionários públicos, ele é ampliado através de seu efeito prejudicial sobre instituições políticas e de mercado.

A corrupção ajuda a perpetuar a desigualdade econômica em dois sentidos distintos. Primeiro, altos níveis de desigualdade criam um ambiente institucional que favorece aqueles com alta renda, que são então capazes de comprar, dentro do ambiente institucional, favores que fortaleçam o objetivos de manter sua renda. Segundo, porquea corrupção gera um acesso não igualitário bens e serviços, aumentando o abismo entre os mais pobres e os mais ricos (Fried, Lagunes e Venkataramani, 2010).

A corrupção é um grande desafio para sistemas políticos porque ela desvia recursos do seu destino legítimo em prover bens públicos e os direciona para outros fins, além de minar a autoridade pública (Lagunes, 2012). A corrupção tem efeitos adversos não só na eficiência estatal, mas também no investimento e crescimento dos países (Bardhan, 1977). Fisman e Miguel (2008) mostram como a corrupção é responsável também por ineficiências no âmbito da cooperação internacional para o desenvolvimento – como até hoje, nenhum país conseguiu superar a sua condição de pobreza por meio transferência de recursos provindos de países ricos para o se seu desenvolvimento, a dificuldade da superação da armadilha da pobreza (Sachs, 2005) teria uma clara influência do que os autores Fisman e Miguel (2008) chamam de economic gangsters, responsáveis pela perpetuação da corrupção e da violência nos países mais pobres e impedindo o amadurecimento institucional de tais países.

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A corrupção é geralmente descrita como transações em que os indivíduos nela envolvidos obtém algum tipo de benefício - e esse benefício inclui, mas não é limitado a ganhos financeiros (Raymond e Golden, 2017). Benefícios podem incluir votos, legislações, empregos. Outros a descrevem como um fenômeno de múltiplos equilíbrios: enquanto em alguns países a corrupção é endêmica, em outros países semelhantes, a corrupção raramente aparece no dia-a-dia (Raymond e Golden, 2017). Holmes (2015) analisa a corrupção em termos mais amplos, e nela inclui uma vasta gama de atividades que vão desde o terrorismo e o tráfico internacional até problemas locais como o nepotismo. A autora endossa o consenso que a corrupção é um elemento chave na perpetuação de desigualdade econômica tanto nos países desenvolvidos quando nos subdesenvolvidos.

O código penal brasileiro, a em seu artigo 371, tipifica o crime de corrupção passiva como o de

“solicitar ou receber, para si ou para os outros, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida ou aceitar promessa de tal vantagem”

Já a Transparência Internacional define como corrupção um abuso para ganhos privados de um poder confiado. Segundo o órgão, a corrupção pode ser classificada como grande corrupção, pequena corrupção e corrupção política, dependendo das quantias de

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dinheiro perdidas e do setor onde ela ocorre1. A definição legal de grande corrupção

segundo a Transparência internacional é o abuso de poder a alto nível que beneficia poucos a custa de muitos e causa um prejuízo sério e generalizado ao indivíduos e à sociedade, sendo que esses abusos são frequentemente impunes. Na grande corrupção, os corruptos buscam contratos governamentais, legislações específicas, e para consegui-los, fazem uso de diversos mecanismos como o pagamento de propina para a aprovação de leis favoráveis a eles ou o pagamento a executivos de agencias governamentais para que eles aprovem regulamentos benéficos (Rose-ackerman e Palifka, 2016). A transparência Internacional aborda a grande corrupção como um dos principais desafios da atualidade. O fenômeno da grande corrupção acaba por resignificar os padrões de investimento público - por exemplo, governos acabam gastando mais dinheiro para obras de infraestrutura (Raymond e Golden, 2017) .O que a transparência Internacional chama de praticas pequenas de corrupção refere-se a corrupção diária praticadas por indivíduos comuns. Exemplos de corrupção pequena são suborno, pequenas propinas, ou evasão de impostos.

No âmbito das Nações unidas, nos seus objetivos para o desenvolvimento sustentável (ODS) a luta contra a corrupção está incluída no seu objetivo número 16 que diz respeito à promoção da paz, da justiça e de instituições fortes. Segundo a ONU, entre as instituições mais afetadas pela corrupção no mundo, encontram-se o judiciário e a polícia. A ONU também calcula que os custos com corrupção, suborno, roubo e evasão fiscal chegam a 1,26 trilhões de dólares para países em desenvolvimento por ano e aponta

1 Para mais informações sobre a definição de corrupção segundo a Transparência internacional, ver:

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em seguida que essa quantia deveria ser utilizada para melhorar a qualidade de vida daqueles mais pobres2.

Em 2017, a Conferência da ONU contra a corrupção adotou a resolução 7/2 que menciona a corrupção envolvendo vastas quantias de ativos, incitando os Estados a:

“Prevenir e combater a corrupção em todas as suas formas de forma mais eficaz, incluindo, entre outros, quando envolve vastas quantidades de ativos, com base em uma abordagem abrangente e multidisciplinar, de acordo com a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção”3

Essa foi a primeira vez que os países concordaram em fazer referência à grande corrupção em um documento oficial da ONU, ao fazer referência aos casos decorrupção que envolvem vasta quantidade de ativos.

As Nações Unidas, por meio de seu órgão especializado em drogas e crime, UNODC (United Nations Office on Drugs and Crime) define corrupção como um fenômeno social, político e econômico complexo que afeta todos os países. A corrupção seria responsável por minar as instituições democráticas, desacelerar o crescimento econômico, e contribuir para instabilidade política. Segundo o órgão, a corrupção ataca a fundação das instituições democráticas, distorcendo os processos eleitorais, pervertendo

2 Ver https://www.un.org/sustainabledevelopment/peace-justice/ - acesso em 15 de abril de 2019

3 United Nations Office on drugs and crime - https://www.unodc.org/unodc/en/corruption/COSP/session7-

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o Estado de Direito e criando problemas burocráticos único benefício é arrecadação de propinas. A corrupção inclui diferentes atividades ilegais, e porque a grande parte dos atores corruptos buscam ocultar seus atos é difícil mesurar ou até classificar objetivamente os atos de corrupção e o volume em que eles ocorrem.

Neste trabalho, focarei no conceito de corrupção como uma relação entre o setor público e o setor privado, na qual ocorre a exploração de cargos públicos para ganhos pessoais. Relações que têm como objetivo explorar oportunidades de mercado ou influenciar determinadas decisões de interesse, enquadram-se na definição cunhada por Sérgio Lazzarini (2011) de capitalismo de laços. Nesse tipo de relação, como apontam Rose-Ackerman e Palifka (2016), as vezes a parte dominante são as autoridades estatais, e, em outros casos, os atores privados são a força mais poderosa. O poder de obtenção de benefícios de um, ou de outro, determina o impacto geral da corrupção em determinada sociedade. Embora essas relações possam ocorrer também somente entre atores privados, o foco de análise deste trabalho será restringido àquelas relações que envolvem atores privados e também governos e outros atores públicos. Neste trabalho, abordarei apenas a grande corrupção – ou seja, aquela que envolve vastas quantias de dinheiro e ocorre nos altos níveis de poder.

2.2 Como mensurar a corrupção?

Existem vários índices que buscam mensurar a corrupção. Um deles, exemplificado acima, trata-se do índice divulgado pela Transparência Internacional, o

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setor público de 180 países e territórios. O último CPI divulgado, em 2018, é baseado em 13 pesquisas de opinião do empresariado e avaliações de experts a partir das quais são atribuídas notas de 0 a 100 aos países e territórios, sendo 0 (zero) aqueles considerados altamente corruptos e 100 os considerados limpos. De acordo com o último relatório do CPI (2018) os dois principais países que serão abordados neste trabalho – Brasil e Peru – ocupam, ambos, a posições 105 – possuem o mesmo numero 35 de pontos – no ranking da transparência internacional de um total de 180 países.

Outro índice amplamente utilizado é o Control of Corruption Indicator (CCI), um índice do Banco Mundial e um terceiro índice bastante utilizado é o Global Corruption

Barometer.

Como já mencionado, medir a corrupção é uma tarefa difícil, pois por definição quem comete práticas corruptas não deseja revela-las. Por essa razão, a maioria das dos medidores de corrupção é resultado de respostas a pesquisas (Raymond e Golden 2017). Dessa forma, é necessário atentar-se para o fato de que tais indicadores, apesar de fornecerem bons dados comparativos entre os países, por se basearem em índices macro de corrupção, não revelam detalhes de como a corrupção opera nos diversos países (Rose- ackerman e Palifka, 2016).

2.3 Breve Histórico da corrupção

A corrupção ocupou o centro de uma agenda de boa governança desde, pelo menos, meados dos anos 1990. Ao lado de reformas institucionais, o combate a

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corrupção virou uma questão central para governos ao redor do mundo. Alguns autores Rose-ackerman e Palifka, (2016) ; Blake e Morris (2009) ; Holmes (2015) apontam os fatores que levaram a agenda de combate a corrupção a assumir o protagonismo dos anos 1990. Dentre eles está presente o final da Guerra Fria, que reduziu o incentivo para países mais poderosos a tolerarem práticas corruptas e teve o papel de atrair uma atenção inédita de estudiosos para o tema. Fatores econômicos, como a transição de economias planificadas para economias de mercado, também teriam aumentado novas oportunidades para ganhos tanto lícitos quanto ilícitos, como o aumento de operações de lavagem de dinheiro (Whitehead 2002). Adicionalmente, no caso da América Latina, podemos apontar a grande turbulência política enfrentada pelo continente na década, quando nove presidentes latino americanos enfrentaram processor judiciais ou foram destituídos de seus cargos devido a processos de corrupção (Canache e Allison, 2005) alçando a corrupção a uma posição de protagonismo para as políticas locais.

Com o advento da globalização, surgiu o medo por parte de atores econômicos de que a corrupção fosse convertida em uma vantagem desleal para a conquista de mercados. Assim, leis começaram a ser criadas regendo o tema. Em 1977, os Estados Unidos passaram uma lei criminalizando o suborno para empresas localizadas em territórios não americanos - o chamado foreign corrupt act of 1977. Segundo o departamento de Estado estadunidense4 A Lei de Práticas de Corrupção no Exterior de 1977, conforme emendada,

foi promulgada com o propósito de tornar ilegal para certas classes de pessoas e entidades

4 Foreign Corrup Practices Act. Disponível em: -https://www.justice.gov/criminal-fraud/foreign-corrupt-practices-

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fazer pagamentos a autoridades governamentais estrangeiras a fim de obter auxilio na obtenção ou retenção de negócios.

Em 1993, outro grande marco surgia no combate à corrupção: a criação da Transparência Internacional, que hoje está presente em mais de 100 países e tem entre as suas principais funções a organização de convenções internacionais anticorrupção, campanhas internacionais de combate a corrupção e o combate a corrupção em eleições nacionais.

Em um esforço de combater a corrupção e garantir os ideais democráticos, a comunidade internacional passou a editar uma série de medidas e convenções internacionais. Como aponta um artigo do Jota5 o caminho foi aberto pela Organização

dos Estados Americanos (OEA), com a Convenção Interamericana contra a Corrupção realizada em Caracas em 1996. Em 1997, a OCDE adotou a Convenção sobre o combate à corrupção dos funcionários públicos estrangeiros em transações comerciais internacionais e em 1999 entrou em vigor a Convenção Anticorrupção da OCDE. A ONU, em 2003 lançou a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. No Brasil, a legislação anticorrupção avançou muito nas últimas décadas. O Estado brasileiro, desde a redemocratização, vem criando condições adequadas para que investigações diversas tivessem muitos acertos e revelassem a existências de uma corrupção sistêmica- segundo

5 Cooperação Internacional e outros catalizadores da persecução anticorrupção. Disponível em:

https://www.jota.info/especiais/cooperacao-internacional-e-outros-catalisadores-da-persecucao-anticorrupcao- 29052019 - acesso em 10 de maio de 2019

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(Rose-ackerman e Palifka, 2016) uma corrupção sistêmica sugere uma incapacidade generalizada de explorar o interesse próprio para fins legítimos e produtivos.

O desenvolvimento institucional brasileira no sentido do combate à corrupção incorpora a Lei de Improbidade Administrativa, a Lei de Lavagem de Dinheiro, a Lei de Acesso à Informação, a Lei Anticorrupção, a Lei da Ficha Limpa e a Lei do Crime Organizado.6 Todos esses mecanismo fortaleceram o ambiente jurídico e institucional e

incentivaram uma mudança para uma conduta mais honesta de vários atores políticos - a corrupção pública é a mais importante a ser tratada pois ela é um dos maiores impeditivos para uma distribuição de renda justa e igualitária.

A corrupção nessa nova agenda política passou a ser associada definitivamente a baixos níveis de desenvolvimento. Diversos estudos então começaram a apontar a relação inversamente proporcional do índice de desenvolvimento humanos (IDH) e os índices de corrupção e a direta proporcionalidade entre índices de corrupção e o índice GINI, que mede a desigualdade sociais (Lixi e Zou, 2000). Uma relação que é válida para todas as regiões, mas é mais forte na América Latina (Rose-Ackerman e Palifka, 2016).

Para ilustrar a correlação entre índices de desigualdade medidos pelo GINI e índices de corrupção coloco abaixo o mapa da ranking de corrupção (corruption

perception Index – CPI)7 da Transparência Internacional que ranqueia os países em uma

6 Cooperação Internacional e outros catalizadores da persecução anticorrupção. Disponível em:

https://www.jota.info/especiais/cooperacao-internacional-e-outros-catalisadores-da-persecucao-anticorrupcao- 29052019 - acesso em 10 de maio de 2019

7 Corruption perception Index – CPI – 2018. Disponível em:

https://www.transparency.org/cpi2018?gclid=EAIaIQobChMI3YWLh5aB5QIVmuDICh3DLAVtEAAYASAAEgL6

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escala de 0 a 100, sendo quanto mais próximo de zero mais corrupto o país é, e quanto mais próximo de 100, mais “limpo” ele se mostra.

Neles podemos observar que, com exceção do Uruguai e do Chile, os países da América Latina têm um nível de corrupção alto, até mesmo quando observada a série histórica a qual a segunda imagem se refere:

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Quando analisamos o índice GINI8, usado para medir a desigualdade sociais e

onde o índice 0 representa os países mais perfeitamente igualitários e o índice 100 os países mais perfeitamente desiguais, verificamos a mesma tendência. Vemos que a América Latina é também uma região ainda muito desigual.

8 World Development Bank Indicators. Disponível em: http://datatopics.worldbank.org/world-development- indicators/themes/poverty-and-inequality.html - acesso em 02/10/2019

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A literatura aponta alguns motivos para essas correlações. Um deles argumenta que sociedades mais corruptas tendem a ter distribuição de renda mais injustas porque países corruptos são menos propensos a taxar grandes fortunas e investir em programas sociais (Raymond e Golden, 2017). Em anos recentes, no entanto, as teses que propunham uma correlação inversa estáticas entre corrupção e desenvolvimento, como se nos países mais desenvolvidos não houvesse casos de corrupção, caíram por terra. Mesmo países mais desenvolvidas, com longas tradições democráticas como os Estados unidos ou a França têm experiências de escândalos de corrupção. A corrupção aparece como um problema para a maioria, se não forem todas as democracias (Della, 2012). E este fato está diretamente relacionado ao funcionamento das instituições:

“A política é o processo pelo qual uma sociedade escolhe as regrasque irão governá-la. A política envolve as instituições por uma simples razão: enquanto existirem instituições inclusivas, elas são melhores para a prosperidade econômica de uma nação como um todo, no entanto, se as instituições são extrativistas, estas servem sobretudo aos interesses de algumas pessoas ou grupos que querem se enriquecer” (Acemoglu e Robinson, 2012)

Mais recentemente práticas de corrupção têm sido interpretadas também na sua correlação com a violação dos Direitos Humanos. Documentos como Os Guiding

Principles on Business and Human Rights9, das Nações Unidas vão consolidando uma

nova abordagem sobre esforços internacionais de combate a corrupção que deveriam ser

9 Guiding Principles on Business and Human Right. Disponível em: https://www.unglobalcompact.org/library/2 -

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contemplados juntamente com a garantia dos direito fundamentais – a corrupção impediria a plena capacidade dos Direitos Humanos.

2.4 Um marco teórico para o Estudo da Corrupção

Existem diversas abordagens acadêmicas possíveis para o fenômeno da corrupção. Ela pode ser vista como resultado do papel exercido por instituições informais - crenças, expectativas e normas de comportamento dos indivíduos (Raymond e Golden, 2017); pode também ser compreendida de uma perspectiva econômica, em que associa os aumentos dos níveis de corrupção à interferência do Estado na economia (Haber, 2002) , ou pode derivar de uma visão institucional que atribui à capacidade de funcionamento das instituições as principais causas do subdesenvolvimento e consequentemente, os desafios contemporâneos enfrentados por muitos países em desenvolvimento, entre eles a corrupção.

Raymond e Golden, em seu livro Corruption: What everyone needs to know (2017), abordam a existência da corrupção como resultado de expectativas sociais. Nesse sentido, o fenômeno é entendido como o resultado de interações entre indivíduos e essas interações por sua vez gera um equilíbrio que beneficia poucos. As interações individuais fazem com que determinada pessoa faça a sua melhor escolha a partir do reconhecimento do que outros ao seu redor escolheram ou estão propensos a fazer como sendo mais benéfico individualmente. Dessa forma, um indivíduo, ao se envolver em práticas corruptas não necessariamente estaria escolhendo o que ele acredita ser mais honesto, ético ou melhor do ponto de vista moral a se fazer, mas ele toma as suas decisões baseado

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na forma como ele espera que os indivíduos ao seu redor ajam. Como resultado, de acordo com esse entendimento, a corrupção dificilmente pode ser revertida apenas com apelos morais.

A visão que associa os aumentos dos níveis de corrupção à intervenção do Estado deriva de uma visão política do capitalismo de Estado. O conceito de capitalismo de laços desenvolvida por Sérgio Lazzarini no seu livro Capitalismo de Laços, os donos do Brasil

e suas conexões é fundamental para entender essa visão. Ela salienta que a interferência

do governo, seja em empresas em que ele tem participação majoritária ou minoritária, acaba direcionando tais empresas para o cumprimento de objetivos políticos e não econômicos. Dessa forma, os agentes políticos encontram nessas empresas um terreno fértil para praticas corruptas: desvio de recursos, seleção de empregados com base em ligações políticas ou fonte de capital barato para atender objetivos políticos. A implicação é que os governos fornecem capital à empresa em troca de apoio político (Mussachio e Lazzarini, 2015).

Daron Acemoglu e Jame Robinson em Why Nations Fail (2012) defendem que os países diferem no seu sucesso econômico por causa das diferenças nas suas instituições e das regras políticas e econômicas que motivam o seu funcionamento. Segundo os autores:

"Instituições políticas e econômicas, que são a escolha da sociedade, podem ser inclusivas e encorajar o crescimento econômico. Ou podem ser extrativos e se tornarem impedimentos ao crescimento econômico. As nações fracassam quando têm instituições econômicas

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extrativistas, apoiadas por instituições políticas extrativistas que impedem e até bloqueiam o crescimento econômico."

Segundo o marco teórico que encontra no funcionamento das instituições a origem para o subdesenvolvimento (Acemoglu e Robinson, 2012), a construção histórica das instituições em cada país levou a diferenças na natureza das elites que dominam seu cenário político e econômico. Em lugares onde perseverou um modelo extrativista, as elites se apropriaram de grande parte dos recursos e impediram as nações de embarcarem em um caminho de prosperidade e crescimento econômico.

Dessa forma, as instituições que criam incentivos para o progresso econômico são Aquelas capazes de distribuir renda e poder. Se a corrupção não for combatida, o resultado será a persistência e eventualmente o aprofundamento das desigualdades sociais. Geddes e Neto (2000) relacionam um desenvolvimento institucional ainda fraco brasileiro e, principalmente, a emergência do presidencialismo de coalizão na redemocratização com os altos níveis de corrupção presentes no Brasil, mostrando como instituições tipicamente brasileiras possibilitam a prática de corrupção no país.

Importante também mencionar, que enquanto parte da literatura econômica tende a recomendar uma liberalização econômica como forma de limitar a corrupção, por meio da redução de regulamentos do governo, corte de impostos, o aumento da concorrênciae a eliminação de oportunidades de busca de renda, outros analistas mostram que essa relação causal entre adoção de medidas liberais e redução da corrupção não é válida e que

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os governos com menores índices de corrupção como Finlândia e Suécia, são governos que apoiam grandes orçamentos e programas assistencialistas. (Blake e Morris, 2009).

Neste trabalho que trata sobre a corrupção na América Latina eu me orientarei pela visão institucionalista para explicar as causas da corrupção porque acredito que ela traz os melhores subsídios para compreender os fenômenos da realidade brasileiro e da América Latina. Eu parto da premissa que a falta de funcionalidade das instituições políticas e econômicas compõe a principal causa da corrupção, apesar de não serem as únicas. Para explicar desafios institucionais brasileiros farei uso do conceito de capitalismo de laços cunhado por Sérgio Lazzarini e me limitarei a escrever sobre a grande corrupção. Paralelamente não deixarei de considerar aspectos políticos e econômicos que auxiliam no entendimento do fenômenos, e como a política externa brasileira desde pelos menos os anos 2000, quando voltou-se para uma integração regional apoiada em programas de infraestrutura, pode explicar a internacionalização de uma corrupção sistêmica existente no Brasil para América Latina. A relevância do tema pode ser sinteticamente resumida pelo fato de hoje o estudo da corrupção ter se tornado central para entender os desafios e o curso do desenvolvimento econômico das nações, o que faz com que a corrupção seja estritamente relacionada aos índices de desenvolvimento humano e econômico.

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3 AS RAIZES INSTITUCIONAIS DA CORRUPÇAO

3.1 A perspectiva histórica

Ao analisar as raízes históricas da corrupção e a seguir as instituições políticas brasileiras é interessante pensar no quadro conceitual proposto por Ioris (2016), que localiza a corrupção no lugar de encontro entre pressões sincrônicas e diacrônicas.

Por um lado, a corrupção existe como relação social e por isso reflete uma desigualdade de classes. Dessa forma, ela permanece viva nessas desigualdades durante longos períodos de tempo e essa corresponderia à sua dimensão sincrônica. Como veremos a seguir, a sociedade Brasileira, assim como outras sociedades latino- americanas, perpetua uma desigualdade originaria das relações de produção escravistas do período colonial, que delimitava sistematicamente relações de poder e alimentou o racismo estrutural perpetuador de desigualdades que conhecemos na sociedade contemporânea.

Por outro lado, a dimensão diacrônica da corrupção, refere-se à proliferação de práticas corruptas por diversas setores da sociedade. Dessa forma, ela aflora sempre quando mecanismos de controle são relaxadas em determinado setor, como o político ou o econômico. No Brasil, determinadas vícios no sistema político como o clientelismo ou praticas de compadrio, aliadas a uma falta de transparência e controle das instituições democráticas resulta na dimensão diacrônica da corrupção.

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A união das duas dimensões resultaria em uma corrupção na sua totalidade, um termo usado por Ioris (2016) para corrupção sistêmica, e que uni assimetrias sociais e politico-institucionais. A existência simultânea da dimensão sincrônica e diacrônica da corrupção faz com que no Brasil, e também no restante da América Latina, tenha-se a percepção de que a corrupção está enraizada na sociedade.

A explicação institucional para as formas de subdesenvolvimento enxerga a história como um importante subsídio na explicação dos desafios contemporâneos enfrentados por países em desenvolvimento e entre esses desafios está definitivamente a corrupção sistêmica. Importante notar, que essa visão ao colocar a história em um papel protagonista, não constitui um explicação determinista da história dos povos. Até mesmo porque, com já visto, a corrupção é um fenômeno mundial e não um fenômeno especificamente brasileiro ou latino-americano - um fenômeno global que opera em uma vasta escala (Raymond e Golden, 2017). Sendo assim, o desenvolvimento histórico das instituições brasileiras explica muito sobre o que hoje vivenciamos. Afinal, para entender por que existe tanta desigualdade no mundo de hoje, temos que nos aprofundar no passado e estudar a dinâmica histórica das sociedades (Acemoglu e Robinson,2012).

No Brasil, a corrupção, da forma como entendemos hoje, tem suas origens ainda nas instituições coloniais. Como mostra Lilia Schwarcz (2019), o fato de termos sido uma colônia de exploração, caracterizada por latifúndios agroexportadores, cujo senhor da terra tinha o monopólio político e econômico, certamente influenciou o modo como desenvolvemos hoje as nossas relações sociais. Diante desses grandes poderes personalizados e localizados, acabamos por criar práticas patrimonialistas, que implicam

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o uso do Estado para a resolução de questões privadas. Faoro (1958) já mostrava o patrimonialismo como uma característica que se sobrepões nas relações sociais brasileiras que mistura interesses públicos com interesses privados.

Acemoglu e Robinson (2012) mostram que as instituições econômicas da América Latina Colonial tinha características opostas àquelas chamadas instituições inclusivas. Na américa Latina, perseverou instituições extrativas exclusivas, que eram projetadas para extrair renda e riqueza de um conjunto da sociedade de modo a beneficiar um subconjunto diferente. Blake e Morris (2009) alertam para o fato que redes de corrupção, paternalismo desenfreado e uso extensivo das receitas do governo para fins pessoais são características que permeiam tanto o passado colonial como o passado pós colonial da América Latina.

Eles ainda complementam:

“Assim, enquanto alguns oficiais militares durante o século XX culparam a democracia pela existência da corrupção em vários países da América Latina, é abundantemente claro que a corrupção antecede o surgimento da democracia”

Apesar de, em uma perspectiva histórica, a corrupção se manifestar em qualquer época, seu significado é amplo, pode variar muito, e não existe uma linha única de continuidade. (Schwarcz, 2019). A ambiguidade e a fluidez de significado do termo não nos permite portanto dizer o seu exato significado a cada período da historia, no entanto práticas que hoje consideramos corruptas existem no Brasil desde o período colonial.

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Durante o império brasileiro, por exemplo, o termo corrupção foi raramente utilizado ou referido, por tratar-se, na maior parte do tempo, de um regime forte que permanecia livre de questionamentos. A partir da Primeira República, no entanto, podiam ser identificadas um conjunto de práticas que vendo à luz das definições de hoje, são consideradas corruptas. Exemplos delas são o voto de cabresto e a política de governadores, ambas formas de corrupção eleitoral marcadas pelo coronelismo. Desde então, escândalos e praticas de corrupção vem assumindo diversas formas ao longo da historia do Brasil.

Lilia Schwarcz (2019) também aponta algumas razões estruturais históricas para a disseminação da corrupção no Brasil, que hoje chegar a níveis tão alarmantes, que parece estar entranhada na cultura brasileira. O primeiro fator, segundo a autora, remota do período colonial e diz respeito à distância da administração portuguesa em relação a sua sede lusitana. O segundo elemento é o fato de as terras brasileiras estarem invariavelmente associadas a oportunidade de negócios e chances de acumulo de riquezas. E por ultimo um elemento estruturante essencial para entendermos as raízes da forma sistêmica de corrupção: o Brasil foi um lugar que por mais de 130 anos financiou a existência de um sistema escravocrata, o que acabou distorcendo valores como morale ética. Nesse sistema, os detentores de posse confundiam tomavam os bens públicos como privados e indivíduos eram favorecidos com base em laços de família ou de amizade.

Mais tarde, na história do Brasil, no período de redemocratização e com a incorporação do presidencialismo fragmentado e de coalizão no sistema institucional Brasileiro, o primeiro grande escândalo de corrupção parece ter sido o impeachment do presidente Collor. Mello e Spektor (2018) chamam atenção para o fato que o

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presidencialismo multipartidário favorece o capitalismo de compadrio que existe no Brasil desde seus dias de autoritarismo.

O que parece ter ocorrido no Brasil é que vícios e praticas de desse capitalismo de compadrio se perpetuaram no tempo e, mesmo com mudanças institucionais formais, - sendo a última a redemocratização pós regime militar- , o clientelismo e a fraude eleitoral se perpetuaram. Como mostra o historiador José Murilo de Carvalho (2017):

"Outro fator que contribuiu para a situação atual, inédita no que se refere à dimensão adquirida pela corrupção, foi a tradição de impunidade dos poderosos, essa sim, presente desde a Independência, e que atribuo à fragilidade dos direitos civis. Vários privilégios protegem os poderosos, como o foro privilegiado, a prisão especial, as múltiplas possibilidade de recurso e a capacidade de contratar advogados caros"10

3.2 As instituições brasileiras

Na visão de Sérgio Abranches (1988), o dilema institucional brasileiro reside em como encontrar um ordenamento institucional que seja suficiente para comportar um quadro heterogêneo de representações e ao mesmo tempo viabilizar uma governabilidade que seja eficaz na busca de uma redução nas disparidades estruturais e injustiças sócias encontradas no país. Essa adequação entre contexto e estrutura é um processo, com base

10 Entrevista disponível em: https://www.dw.com/pt-br/as-ra%C3%ADzes-da-corrup%C3%A7%C3%A3o-no-

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histórica e sociológica, que culminou nos principais modelos democráticos adotados no país, tais como o presidencialismo e o sistema eleitoral misto. Além das estruturas institucionais, nossa trajetória nos levou a experiências pontuais como como o multipartidarismo e o presidencialismo de coalizão11. Cada uma dessas escolhas

históricas contribuiu para o que vinha a ser o sistema político institucional brasileiro e determinou os custos e as oportunidades únicas para a existência e a perpetuação de práticas de corrupção.

Hoje, apesar de os atores políticos que desfrutam de práticas sistêmicas de corrupção não serem os mesmos atores que moldaram as instituições e sistemas políticos brasileiros, há uma lógica de perpetuação desse sistema pelo fato de ele gerar diversos benefícios, sobretudo financeiros, a quem nele está inserido. Rose-ackerman e Palifka (2016) argumentam que o fato de todas as democracias não convergirem em uma forma única de governo presidencialista ou parlamentarista ou para sistemas eleitorais únicos, indica que existem trade-off entre sistemas quefornecem determinados benefícios direcionados àqueles que praticam a corrupção. No final, a concepção de estruturas constitucionais e regras eleitorais oferece várias opções que culminam em um ato de equilíbrio adotado por cada sociedade.

Estudos empíricos (Lederman, Loyaza e Soares, 2005) apontam para o papel predominante de instituições políticas na determinação da existência da corrupção.

11 Termo cunhado por Sergio Abranches para referir-se a “um sistema caracterizado pela instabilidade, de alto risco e cuja sustentação baseia-se, quase exclusivamente, no desempenho corrente do governo e na sua disposição de respeitar estritamente os pontos ideológicos ou programáticos considerados inegociáveis, os quais nem sempre são explícita e coerentemente fixados na fase de formação da coalizão.” (Abranches, 1988)

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Democracias, sistemas parlamentaristas, estabilidade política e liberdade de imprensa são características do sistema político que estariam relacionadas a índices mais baixos de corrupção. Esses autores afirmam que as instituições políticas influenciam níveis de corrupção por meio de dois canais principais: a accountability política e a estrutura de provisão de bens públicos. Tanto mecanismos de punição individuais para corrupção quanto instituições que geram competitividade para a provisão de bens públicos inibem taxas de corrupção. No âmbito político as instituições democráticas previnem o domínio de determinado setor que participa de seu processo por meio de seu sistema de freios e contrapesos.

Ao analisar a estrutura política-institucional brasileira neste trabalho sobre corrupção, eu parto do pressuposto que as instituições políticas brasileiras em seus aspectos marcantes têm características que permitiram o desenvolvimento de práticas de corrupção sistêmica. Isso porque, o desenho político-institucional brasileiro aumenta o poder empresarial, uma vez que munidos de brechas institucionais, os empresários são capazes de acessar mais facilmente o governo e dessa forma obter vantagens de formas ilícitas. Adiciono para além das características já mencionas como o multipartidarismo fragmentado e o presidencialismo de coalizão, os método de financiamento de campanha, que apesar de ser proibido desde as últimas eleições presidenciais de 2018, foi o principal mecanismo de entrelace do setor público e privado brasileiro nas últimas décadas.

Para tanto, analiso primeiro de maneira mais ampla aspectos gerais da democracia brasileira e sua relação com a corrupção e depois analiso separadamente características

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do sistema político institucional brasileiro que se relacionam com a pratica de incentivos ou praticas inibidores de uma corrupção sistêmica

3.2.1 O Sistema democrático

Quando pensamos na estrutura político institucional brasileira e sua relação com práticas de corrupção, podem ser feitos diversos questionamentos. Primeiro, pensando na forma de governo de maneira mais ampla, a primeira pergunta que surge é: a existência de uma democracia no Brasil favorece o combate a corrupção?

Para uma ampla definição do significado de democracia confluem três grandes tradições do pensamento político, apontadas por Noberto Bobbio (1983) em seu dicionário de política. A teoria clássica, que aborda a Democracia como um governo do povo, de todos os cidadãos, se distinguindo portanto da monarquia, que refere-se ao governo de um só, e da aristocracia como o governo de todos. A teoria medieval, que apoia a concepção de democracia na soberania popular - enquanto o poder legislativo pertence exclusivamente ao povo e é o poder principal (e segundo Locke deve ser exercido por meio de representantes), o poder executivo é delegado pelo povo sob a forma de um mandato revogável e é um poder derivado. Por fim, conflui também no conceito de democracia a teoria moderna, segundo a qual as formas de governo são essencialmente duas: a monarquia e a república, e a democracia nada mais é que uma forma de república.

Na literatura, quando tratamos de democracias, dois são os fatores principais apontados que associam democracias e o constrangimento de práticas de corrupção: o

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primeiro é que o exercício de eleições, entendido como o exercício da soberania popular, pode ser um elemento que contenha a corrupção. Existe entre os cientistas sociais uma visão que sustenta que regimes não democráticos são frequentemente corruptos enquanto democracias possuem mecanismos para conter a corrupção por meio da prestação de contas eleitorais (Raymond e Golden, 2017).

O segundo elemento, também típico de democracias, é a liberdade de expressão, que permite à população e a setores da sociedade civil a pressionarem governos que não as representam. A democracia acaba nutrindo demandas populares que, no seu exercício resultam em pressões para boa governança e accountability. Assim, ela acaba por colocar, devido a essas duas características principais, o tema da corrupção no topo de sua agenda política e analítica (Blake e Morris 2009).

Blake e Morris (2009) ao analisarem o surgimento da democracia na América Latina, apontam que o regime democrático criou novos meios de adquirir e exercitar poder e riqueza, condições que muitas vezes originam novas oportunidades de corrupção. Um desses meios, aponta Anthony Downs em seu clássico An economic thory of

democracy (1957), seria o fato de que em democracias, devido à existência de uma

inevitável alternância no poder, o objetivo daqueles que estão no poder seria a busca imediata de ganhos materiais para o grupo que está no controle – o que favorecia praticas para ganhos pessoais. O exercício de eleições regulares que permitam a alternância política não é por si só, portanto, um fator de inibição de práticas de corrupção.

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Autores (Lagunes, 2012) apontam como a transição para a democracia falhou em entregar a promessa de um governo mais honesto. Se a democracia constitui-se como um governo sensível às demandas da população, é porque ela aloca o poder soberano nas mãos dos cidadãos (Lagunes, 2012) No entanto, o arranjo institucional presente naqueles países que viveram sua redemocratização em anos recentes é marcado por uma assimetria informacional entre o conhecimento da população sobre atividades do setor público, incluindo as atividades dos funcionários públicos (Lagunes, 2012)

Quando analisamos as praticas de corrupção em democracias nos deparamos com o chamado paradoxo da estabilidade. Tal paradoxo refere-se ao fato que se os atores políticos presentes em determinado país como o Brasil, que possui eleições periódicas, estiverem totalmente seguros da sua reeleição, uma vez ocupando um cargo político, eles estão mais propensos a praticar atos corruptos. Da mesma forma, se a chance desses políticos ou do incumbente do poder executivo de retornar ao cargo nas próximas eleições estiver bem abaixo de 100%, eles estão igualmente propensos a práticas corruptas. De forma que muita segurança ou muita insegurança para a posse podem favorecer arranjos corruptos (Rose-ackerman e Palifka, 2016). Em tais situações, cabe principalmente aos partidos de oposição expor a corrupção e fazer dela objeto de campanha.

Partindo do pressuposto que o processo eleitoral em democracias assegura a alternância no poder, Ray (2017) aponta o fato que muitos corruptos são constantemente reeleitos em democracias, o que implicaria na afirmação de que as instituições políticas democráticas seriam insuficientes para conter a corrupção. Já Motinola e Jackman (2002) mostram que estruturas políticas mais competitivas podem sim inibir a corrupção e que a

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competição estaria associada a instituições políticas nas quais uma vez eleitos, os lideres democráticos enfrentariam rotineiramente um alto risco de serem substituídos. Ela mostram que quanto maior o índice de democratização dos países (refletida na natureza das eleições), mais baixos são os índices de corrupção experimentados por esses países. O tempo de maturação da democracia ajudaria a explicar as taxas de corrupção distintas em democracias tão diversas. Rose-ackerman e Palifka, ( 2016) por sua vez mostram que a competição política típica de regimes democráticos é necessária para reduzir práticas de corrupção porque ela aumenta os custos que trazem as apostas a serem feitas em determinado candidato e reduz a possibilidade de acordos paralelos.

Um debate que existe na literatura, refere-se ao dilema de pobreza e amadurecimento institucional de países menos desenvolvidos. Enquanto autores como Sachs (2005) defendem que o fim da pobreza condições fundamental para a desenvolvimento institucionais de países mais pobres, autores mais institucionalistas como Easterly (2007) defendem que primeiro as instituições precisam avançar para que elas possam atuar eficiente no combate a pobreza. Se traçarmos um paralelo desse debate para discutirmos a relação entre corrupção e instituições parece que cairíamos no mesmo dilema – o combate à corrupção é requisito para o aperfeiçoamento institucional e portanto a consolidação democrática das nações, ou para combater a corrupção é preciso que as nações estejam consolidadas democraticamente? Essa é uma pergunta que autores como Fisman e Miguel (2008) já tentaram responder após analisarem um série de estudos de caso. Eles não chegaram a respostas definitivas para a pergunta, mas apontaram caminhos: existem políticas eficazes mundo afora que podem apontam o caminho para o combate à corrupção, mas nem todas são eficazes.

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A Transparência internacional divulgou um estudo recente demonstrando a relação entre corrupção e o nível de democracia das sociedades12 onde o gráfico abaixo

mostra que quanto mais democráticas são as instituições de uma sociedade, menos corrupta a sociedade é. A TI sugere que ações como fortalecimento do sistema democrático de freios e contrapesos, a prestação pública de contas e a liberdade de imprensa podem contribuir não só para combater a corrupção, mas também para preservar normas e instituições democráticas

O estudo ainda aponta que:

“Embora não se tenha resolvido o dilema sobre se a consolidação democrática

12 Tackling the crisis of democracy, promoting rule of law and fighting corruption. Disponível em:

https://www.transparency.org/news/feature/tackling_crisis_of_democracy_promoting_rule_of_law_and_fig hting_corruption - acesso em 20 de junho de 2019

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exige primeiro o controle da corrupção ou se o controle da corrupção exige consolidação democrática, os exemplos passados e presentes mostram claramente como os líderes corruptos minaram as instituições democráticas para se protegerem de processos e continuarem roubando recursos”

Hoje, passadas mais de três décadas desde a redemocratização brasileira e o início da Nova República, a corrupção parece estar enraizada nas nossas instituições, que se abalam frequente com escândalos. Se entendermos que o apoio político de cidadãos a seus representantes em democracias é, como proposto por Canache e Allison (2005) construído a partir de três diferentes níveis de percepção do governo, podemos melhor compreender a relação direta que existe entre a construção da democracia, as instituições e a pratica da corrupção.

Em um nível mais geral, os cidadãos avaliam a performance dos incumbentes de acordo com o tipo de regime – em uma democracia, se os pressupostos democráticos estão sendo exercidos ou não -, em um segundo nível eles avaliam o desempenho de seus incumbentes propriamente ditos, ou seja, se eles estão cumprindo o que prometeram em suas campanhas eleitorais, para então em um terceiro nível formarem opiniões sobre a eficiência de suas instituições políticas. Podemos notar, portanto, que a percepção quanto a níveis de corrupção ocorre em um terceiro nível de suporte relativo as instituições. Dessa forma podemos dizer que a principal consequência da corrupção é minar as instituições políticas.

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Desse modo, a possibilidade de a corrupção abalar o regime democrática como um todo existe, mas é mais remota porque requer primeiro um abalo institucional. Quando a corrupção é persistente e sistêmica ela acaba corroendo as instituições e deslegitimando o governo antes de propriamente deslegitimar o regime democrático. No entanto, como apontam Canache e Allison (2005) o perigoso em relação à opinião pública sobre a corrupção é, que em última instância, a percepção de uma má conduta generalizada pode envenenar o sentimento público em relação à democracia. Ray (2017) argumenta que políticos corruptos emergem em todos os sistemas políticos, e não há instituições formais que decididamente façam um trabalho melhor em garantir que candidatos corruptos nunca cheguem ao cargo.

3.2.2 As instituições políticas da democracia brasileira e suas características

Se voltarmos um pouco no tempo, para as raízes da estrutura política institucional brasileira, destacando o multipartidário brasileiro, veremos que, em uma sociedade que herdava tanta diversidade econômicas e sociais, os conflitos inerentes dessa heterogeneidade refletiam na associação de forças e interesses que queriam se fazer representar através de uma ampla diversidade de legendas partidárias desde tempos mais remotos. Desde pelo menos a volta das eleições legislativas em 1945, vários partidos políticos para além dos principais PSD, PTB e UDN foram criados, tais como PSP, PST, PTN, PRT, PSB, PDC, PRP, PR e PL. O período entre 1979 e 1985, também foi essencial para estabelecer a pluralidade político partidária no Brasil. Ele foi marcado pelo fim do bipartidarismo a partir do decreto da Lei Orgânica dos partidos políticos, que ocorreu no ano de 1979. A oposição antes concentrada sob a legenda do MDB se fragmentou em

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diversos novos partidos, dentre eles PMDB, PP, PTB, PDT, PSB e PT. Os principais nomes do antigo partido pró-governo militar, ARENA, se encontraram e formaram o PDS que em seguida se fragmentou gerando o PFL e PL. Essa relação entre diversidade presente no processo de construção social brasileira e o multipartidarismo institucional da política nacional é uma tendência estrutural que se estende em nossa história e tem reflexos no panorama político atual do país.

A transição consolidada pela promulgação da Constituição de 1988, criou um ambiente democrático marcado pela pluralidade de partidos na cena política nacional. Soma-se a isso a instituição de um regime presidencialista com sistema eleitoral misto, marcado por eleições majoritárias para os cargos executivos e proporcional para os cargos legislativos. Desse universo, surge o fenômeno tipicamente brasileiro do presidencialismo de coalizão, no qual o poder executivo vê-se limitado no jogo político- partidário à construir amplas coligações que têm impacto direto na sua performance eleitoral, na formação do governo e, finalmente, no ato de governar. Existe uma condicionante implícita no tocante à relação entre formação de coligações partidárias sólidas e os níveis de governabilidade do presidente. Vale ressaltar que a ineficiência na construção ou manutenção das coligações custaram caro tanto à Fernando Collor e Dilma Rousseff, ambos destituídos de seus cargos por meio de processos de impeachment conduzidos pelo congresso.

A pluralidade social, regional, econômica e cultural brasileira é propícia a instauração de um ambiente multipartidário. Um modelo ideal de democracia

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representativa deve se adaptar a tamanha diversidade, permitindo a representação dos distintos e significativos segmentos sociais. Caso contrário, há um perigo iminente de deslegitimação da classe política, o que pode gerar instabilidade suficiente para colocar em xeque a democracia representativa como um todo.

Por outro lado, é bem verdade que num ambiente com mais de trinta partidos é impossível termos trinta dimensões políticas e ideológicas diferentes a serem divididas entre esquerda, centro e direita, sem que haja nenhum tipo de sobreposição. Ironicamente, ainda em 1988, Abranches acreditava que o sistema eleitoral proporcional permitiria acomodar os distintos segmentos sociais significativos da sociedade brasileira, garantindo a representação de uma população heterogênea e, ao mesmo tempo, coibindo uma proliferação desenfreada de novas e minúsculas legendas criadas muito mais para fins eleitorais do que propriamente produtos da sócio-política. Hoje sabemos que esta projeção otimista não se concretizou e, pelo contrário, seguiu-se não só uma fragmentação e pulverização partidária, bem como intensa migração interpartidária, na qual políticos eleitos trocam de partidos durante seus mandatos.

Para além da forte característica do multipartidarismo, o sistema político brasileiro por meio da nossa constituição consagrou, como já visto dois os sistemas eleitorais: o sistema majoritário, para cargos do executivo e do senado federal e o sistema proporcional de lista aberta, para os cargos do legislativo. O sistema majoritário é aquele em que vence a eleição o candidato que obtiver a maioria dos votos. Considera-se, nesse caso, maioria, tanto a absoluta, que compreende a metade dos votos dos integrantes do corpo eleitoral mais um voto, quanto a relativa (também chamada de simples), que considera eleito o

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candidato que alcançar o maior número de votos em relação aos seus concorrentes13 No

sistema proporcional de lista aberta as vagas conquistadas pelo partido ou coligação partidária são ocupadas por seus candidatos mais votados, até o número de cadeiras destinadas à agremiação. A votação de cada candidato pelo eleitor é o que determina, portanto, sua posição na lista de preferência14

O tipo de sistema eleitoral misto adotado pelo Brasil aliado ao multipartidarismo político brasileiro estabelece determinadas relações de custo benefício únicas para práticas de corrupção. Sistemas presidenciais fragmentados existente pela América Latina em países como Argentina, Colômbia ou Uruguai mostram os mesmos vícios típicos do sistema multipartidário brasileiro: mecanismos de rent-seeking – que nem sempre envolvem práticas ilícitas - e corrupção (Mello e Spektor, 2018). Há autores que afirmam que no sistema proporcional, a liderança do partido pode concentrar mais eficientemente oportunidades corruptas, de modo que os legisladores individuais tem reduzidas as suas chances de apropriação de renda. Quando o sistema é majoritário, os eleitores conseguem fazer um monitoramento mais rigoroso de seus candidatos, uma vez que elegeram uma pessoa individual com a qual teoricamente possuem conexões locais. Rose-ackerman e Palifka, (2016), argumentam que o sistema proporcional está mais suscetível à corrupção quando comparado ao sistema majoritário porque ele tende a enfraquecer o vinculo entre a reeleição e o bom desempenho no cargo ocupado

13 Sistemas eleitorais brasileiros. Disponível em: http://www.tse.jus.br/o-tse/escola-judiciaria-

eleitoral/publicacoes/revistas-da-eje/artigos/revista-eletronica-eje-n.-4-ano-4/sistemas-eleitorais-brasileiros -Acesso em 02/10/2019

14 Lista aberta. Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/glossario-legislativo/lista-aberta - Acesso em

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Após as revelações da operação Lava-Jato, confirmamos também um característica que parece inerente ao sistema de multipartidarismo brasileiro: os escândalos de corrupção revelaram a centralidade de atividades ilícitas como forma de superar um desafio institucional chave no sistema brasileiro: formar e sustentar uma coalizão (Mello e Spektor, 2018). Nesse contexto, a formação de coalizões partidárias é uma tendência tanto do multipartidarismo quanto da cena política brasileira. Coalizões seguem os critérios partidários e regionais, e a partir desse contexto, o poder executivo distribui cargos entre a classe política para assim angariar o apoio necessário àcondução da sua agenda governamental junto ao poder legislativo, muitas vezes de forma ilícita. Certamente, o ambiente multipartidário gera a necessidade do estabelecimento de coalizões governamentais, mas estas são frequentemente estabelecidas por aqueles que detêm o controle do executivo nacional, já que estes atores lideram a implementação da agenda política vigente cujos recursos e ações interessam a totalidade dos partidos políticos existentes.

A teoria também mostra que os incentivos à corrupção são maiores se a forma de arranjo político institucional pode conduzir o Estado a fornecer bens particularistas Esse é o caso do multipartidarismo brasileiro: como apontam Mello e Spektor (2018), para governar, os executivos chefes em sistemas presidencialistas multipartidários, têm que conciliar dois objetivos concorrentes: Por um lado, eles procuram prover bens públicos para a maioria dos eleitores, por outro eles devem garantir o apoio das partes que compõe a coalizão governista. é um sistema centrado, portanto, no provimento de bens particularistas a legisladores.

Referências

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