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Modificação de Contratos (Públicos) durante a sua vigência e Concorrência: Direito da União Europeia versus Direito Português

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Universidade do Minho

Escola de Direito

Susana Isabel Duarte Ramos

outubro de 2015

Modificação de Contratos (Públicos) durante

a sua vigência e Concorrência: Direito da

União Europeia versus Direito Português

Susana Isabel Duar

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Modificação de Contratos (Públicos) durante a sua vigência e Concorrência: Direito da União Europeia

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Susana Isabel Duarte Ramos

outubro de 2015

Modificação de Contratos (Públicos) durante

a sua vigência e Concorrência: Direito da

União Europeia versus Direito Português

Trabalho efetuado sob a orientação da

Professora Doutora Isabel Celeste Monteiro da Fonseca

Dissertação de Mestrado

Mestrado em Direito Administrativo

Universidade do Minho

Escola de Direito

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“O mundo era-me indiferente porque o meu braço começava a tremer no início da noite e eu tentava escrever. Palavras cada vez mais difíceis. Às vezes, durante as horas todas de uma noite só uma palavra. Conseguia só uma palavra. (…) E enchia-me de uma felicidade talvez absurda.” José Luís Peixoto in Uma Casa na Escuridão

Agradecimentos

Aos meus pais, pelos valores e ensinamentos transmitidos, pelo constante auxílio e confiança e por me terem permitido alcançar aspirações que de outro modo não poderiam ter sido alcançadas.

Ao Bruno pelas palavras de conforto, incentivo e pela ajuda incondicional.

À Professora Doutora Isabel Celeste M. Fonseca, o meu agradecimento por ter despertado em mim o interesse no estudo da contratação pública, pelo carinho e pela humilde partilha de saberes na orientação desta dissertação.

Pelo apoio em todos os dias e noites de palavras solitárias, nos momentos em que razão faltava e a emoção excedia, o meu sincero agradecimento a todos aqueles que nunca me deixaram desistir.

Resistir é vencer.

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Resumo:

Modificação de Contratos (Públicos) durante a sua vigência e Concorrência: Direito da União Europeia versus Direito Português

A presente dissertação de mestrado, subordinada ao tema “Modificação de Contratos (Públicos) durante a sua vigência e Concorrência: Direito da União Europeia versus Direito Português” visa compreender o alcance e diluir eventuais dificuldades atinentes à interpretação e integração no ordenamento jurídico nacional do hodierno artigo 72º da Diretiva 2014/24/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, assim como, facilitar a sua apreensão no seio da disciplina do Direito Europeu dos Contratos Públicos.

É nossa pretensão, partindo de uma breve resenha daquele que foi o percurso do Direito da União tendente à europeização dos contratos públicos, perceber de que modo é o artigo 72º - e os ideais de concorrência que o conformam - expressão da instrumentalização dos contratos públicos a favor das metas firmadas para todos os Estados-Membros da União Europeia, relacionadas, nomeadamente, com a eficiente atribuição de recursos, com a melhoria dos serviços públicos, com o desenvolvimento económico, com a criação de emprego, com o aumento da competitividade e com a prevenção da corrupção.

A novidade da matéria1, a densidade e a extensão do artigo 72º acarretarão, invariavelmente, dúvidas e incertezas, sendo, por isso, nossa intenção fixar critérios que permitam ao intérprete, com facilidade, depreender as situações em que a modificação do contrato origina, ou não, a obrigação da entidade adjudicante promover um novo procedimento de adjudicação. Por outro lado, e porque se encontra a decorrer o prazo de transposição da Diretiva 2014/24/UE para a ordem jurídica nacional, propomo-nos a discorrer sobre as implicações do artigo 72º no contrato administrativo nacional, caracterizado e individualizado pelo regime da modificação, em geral, e do ius variandi, em especial.

1Apesar de a jurisprudência do TJUE ter já versado sobre esta matéria, foi na senda dos ideais de concorrência que o legislador europeu veio em

ultrapassar os “limites” autoinfligidos de regulação da fase pré-contratual e codificar, pela primeira vez, a fase de execução do contrato público, estabelecendo um conjunto de condicionalismos às alterações contratuais durante a vigência dos contratos, de forma a garantir que das transformações apostas não emergia aquilo que se poderia considerar como “um novo contrato” e que, em consequência, obrigava a entidade adjudicante a lançar mão de um novo procedimento de adjudicação. Cfr. FONSECA, Isabel Celeste M., AREZES NEIVA, Mateus. Caderno III de Legislação Administrativa: Contratação Pública – Diretivas Comunitárias. Coimbra: Edições Almedina, 2015. ISBN 978-972-40-6051-4, pp. 5-15.

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Abstract:

Modification of (public) contracts during their term and Competition: European Union Law versus Portuguese Law

The present dissertation, named as “Modification of (public) contracts during their term and Competition: European Union Law versus Portuguese Law” aims to understand and to solve potential difficulties that may arise from the interpretation and integration of the newly created article 72º of the Directive 2014/24/UE of the European Parliament and of the Council of 26 February 2014 on public procurement and repealing Directive 2004/18/EC, on the Portuguese legal system, and also, to facilitate its comprehension on the European Union panorama.

It is our purpose, starting with a brief review of the evolution of the European Union’s law on public procurement, to acknowledge how the article 72º is - and the competition principles that conform it – an expression of the use of the public contracts in order to ensure the most efficient use of public funds, to provide a better public service, to promote economic growth and to prevent corruption on all Member States.

Adding to the article’s 72º density and extension, the fact that it establishes a new regime for a new subject2, one must certainly expect the emergence of doubts and uncertainties concerning to its interpretation. Therefore, it is our intent to offer a series of criteria that will easily permit the interpreter to distinguish in which situations a new procurement procedure shall be required due to the modification of the original terms of the contract from those in which it shall not be. On the other hand, and while the deadline given to Member States to bring into to force the rules of the Directive 2014/24/UE is getting closer, we plan to study the implications of its article 72º on the Portuguese administrative contract, characterized and individualized by the regime stated to its modifications, in general, and to ius variandi, in particular.

2 Although the European Union’s Court of Justice decisions had already contemplated this subject, it were the competition’s ideals that lead the

European legislator to overcome its self-inflicted barriers of sole regulation of the procurement procedures and codify, for the first time, the conditions under which modifications to a contract during its performance require a new procurement procedure. Cfr. FONSECA, Isabel Celeste M., AREZES NEIVA, Mateus. Caderno III de Legislação Administrativa: Contratação Pública – Diretivas Comunitárias. Coimbra: Edições Almedina, 2015. ISBN 978-972-40-6051-4, pp. 5-15.

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Índice

Introdução ... 7

Capítulo I - A Evolução do Direito Europeu dos Contratos Públicos ... 13

1 – A supressão de medidas restritivas ... 13

2 – Aperfeiçoamento e estabilização ... 16

3 - Simplificação, modernização e codificação ... 21

4 – A estatuição de um sistema de recursos ... 24

Capítulo II – As Diretivas 2014 e a Modificação dos Contratos Públicos durante a sua vigência ... 30

5 - O processo de revisão ... 30

6 - As influências concorrenciais na Diretiva de 2014/24/UE ... 31

7 – Os princípios fundamentais aplicáveis à execução dos contratos na jurisprudência do TJUE ... 39

8 – A modificação de contratos durante o seu período de vigência – Artigo 72º da Diretiva 2014/24/UE ... 52

Capítulo III – Contrato Público e Contrato Administrativo: Regulação Europeia e (in)Compatibilidade de Sistemas ... 67

9 – O Contrato Público ... 67

10 – O Contrato Administrativo ... 75

11 – O Contrato Administrativo: A Admissibilidade e os Limites das Modificações Contratuais em geral e o ius variandi em especial ... 91

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13 - A Alteração Anormal e Imprevisível das Circunstâncias: Teoria da Imprevisão ... 106 14 – O Caso de Força Maior ... 111 15 – Efeitos da regulação europeia da modificação do contrato no ordenamento jurídico nacional ... 112

Conclusões finais ... 126 Bibliografia ... 131

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Lista de Abreviaturas

AUE – Ato Único Europeu CC – Código Civil

CCP – Código dos Contratos Públicos CEE – Comunidade Económica Europeia CPA – Código do Procedimento Administrativo

CPTA - Código de Processo nos Tribunais Administrativos CRP – Constituição da República Portuguesa

CSC – Código das Sociedades Comerciais

ETAF – Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais JO – Jornal Oficial

PME – Pequenas e médias empresas UE – União Europeia

TdC – Tribunal de Contas

TFUE – Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia TJUE – Tribunal de Justiça da União Europeia

TUE – Tratado da União Europeia VwVfG - Verwaltungsverfahrensgesetz

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Introdução

Longo vai já o percurso do Direito da União em matéria de contratos públicos. A ideia de mercado interno europeu, aliada ao objetivo de prossecução de um projeto comum, que unisse todas as nações do “velho continente”, conduziu a uma gradual europeização dos contratos públicos3.

Podemos apontar o ano de 1957, com o Tratado de Roma e a instituição da Comunidade Económica Europeia, como o ponto de partida para aquilo a que chamamos hoje, assertivamente e sem hesitação, de direito europeu dos contratos públicos.

No ano de 1957, o Tratado Constitutivo da Comunidade Económica Europeia - Tratado de Roma – com o objetivo primordial de criar as bases para uma união mais estreita entre os povos europeus, na busca por uma ação comum que garantisse o progresso económico e social das nações, a evolução das regiões menos desenvolvidas e a melhoria das condições de vida dos europeus, reconhece que a eliminação das barreiras que dividiam a Europa e a supressão das restrições aos intercâmbios entre nações é essencial para atingir uma política comercial comum. A importância do Tratado de Roma para efeitos daquilo que hoje designamos como Direito Europeu dos Contratos Públicos é inegável, muito embora aí não se encontre qualquer disposição específica para a regulamentação dos contratos públicos. Contudo, não se pode ignorar que foi este Tratado, com o objetivo de criação de um mercado interno e com a definição daqueles que foram considerados com os princípios fundamentais4 para a CEE, que despoletou o desenvolvimento da disciplina jurídica do Direito Europeu dos Contratos Públicos. Na verdade, por forma a garantir o cumprimento das disposições do Tratado de Roma, o legislador comunitário sentiu a necessidade de regular a matéria dos contratos públicos, tendo-o concretizado através das sucessivas diretivas que estudaremos no primeiro capítulo desta dissertação.

3 ESTORNINHO, Maria João. Direito Europeu dos Contratos Públicos – Um olhar português. Coimbra: Edições Almedina, 2006. ISBN

972-40-2993-X, p.21.

4 Entre eles, por exemplo, o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade (artigo 7º), o princípio da livre circulação de mercadorias

(Título I) e o princípio da livre circulação de pessoas, serviços e capitais (Título III). É de destacar que já em 1957 se notavam as preocupações com o “jogo da concorrência” dentro do mercado comum, sendo-lhe dedicado um capítulo inteiro, inserido no âmbito da política da comunidade.

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A este respeito, a doutrina tem identificados quatro fases/estádios de evolução5, sendo que, as recentes diretivas de 2014 nada mais são do que o reflexo da constante progressão do direito europeu, na busca pela concretização de princípios e políticas comuns6.

Numa primeira fase, surgiram as Diretivas de Liberalização7, que visavam a abertura dos mercados e a eliminação de barreiras e de práticas discriminatórias.

Porém, o falhanço das Diretivas de Liberalização foi óbvio. Por este motivo, procurando ultrapassar os problemas destacados pelo Livro Branco sobre a realização do mercado interno, e num esforço de adequação da realidade dos contratos públicos ao Ato Único Europeu8, no final dos anos 80 e no início da década de 90, a Comunidade viveu um período altamente fértil no que respeitava à criação normativa em matéria de contratos públicos. Com as Diretivas de Coordenação9 procurou-se a coordenação dos diferentes ordenamentos jurídicos nacionais a fim de assegurar, através da uniformização de regras, o respeito pelos princípios fundamentais da Comunidade.

Acontece que, desde 200410 que vamos assistindo a um fenómeno de aprofundamento das Diretivas anteriores e, simultaneamente, de simplificação, modernização e codificação dos procedimentos de adjudicação.

Não obstante, destacamos também a importância das Diretivas Recursos11, que vêm suprir uma enorme falha no sistema comunitário, provendo meios de recursos eficazes e rápidos

5 Neste sentido, cfr., M. FONSECA, Isabel Celeste M.. Direito da Contratação Pública – Uma introdução em dez aulas. Coimbra: Almedina, 2009.

ISBN 978-972-40-3692-2, pp. 76 e ss; ESTORNINHO, Maria João. Direito Europeu dos Contratos Públicos, ob. cit., pp. 38 e ss.

6 Com a consagração e implementação de diretivas, os diferentes direitos internos foram-se tornando cada vez mais próximos e globalizados,

refletindo muito mais as preocupações de uma comunidade de países do que as idiossincrasias que constituem e configuram a sua identidade própria de cada um deles, contribuindo, assim para a formação de um ius commune. Este processo de europeização, nas palavras JOSE MARIA GIMENO FELIU “se trata, por tanto, no solamente de armonizar las legislaciones, sino de proceder a una uniformización de los distintos ordenamentos jurídico-administrativos nacionales”, cfr., GIMENO FELIU, Jose Maria - El Control de la Contratacion Publica (las normas comunitarias y su adaptation en España). Civitas: Madrid, 1995. ISBN: 84-470-0620-4, cit., p.31.

7 Diretiva 70/32 da Comissão, de 17 de Dezembro de 1969, publicada no JO nº L 13, de 19 de Janeiro de 1970, Diretiva 71/304/CEE do

Conselho, publicada no JO nº L 185, de 16 de Agosto de 1971, Diretiva 71/305, do Conselho de 26 de Julho de 1971, publicada no JO nº L 185, de 16 de Agosto de 1971 e Diretiva 77/62/CEE, de 21 de Dezembro de 1976, publicada no JO nº L 13, de 15 de Janeiro de 1977.

8 Publicado no JO nº L 169/1, de 29 de Junho de 1987.

9 Diretiva 88/295/CEE do Conselho, de 22 de Março de 1988, publicada no JO nº L 127/1, de 25 de Maio de 1988, Diretiva 89/440/CEE do

Conselho, de 18 de Julho de 1989, publicada no JO nº L 210/1, de 21 de Julho de 1989, Diretiva 90/531/CEE do Conselho, de 17 de Setembro de 1990, publicada no JO nº L 297/1, de 29 de Outubro de 1990, Diretiva 92/50/CEE, do Conselho, de 18 de Junho de 1992, publicada no JO nº L 209/1, de 24 de Julho de 1992, Diretiva 93/36/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993, publicada no JO nº L 199/1, de 9 de Agosto de 1993, Diretiva 93/37/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993, publicada no JO nº L 199/54, de 9 de Agosto de 1993, Diretiva 93/38/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993, publicada no JO nº L 199/84, de 9 de Agosto de 1993.

10 Diretiva 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, publicada no JO nº L 134/1, de 30 de Abril de 2014;

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em caso de violação das disposições do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que transpõem esse direito.

Estas etapas de europeização do direito dos contratos públicos a que por ora nos referimos não correspondem, necessariamente, a uma sucessão temporalmente ordenada de diretivas, em que o final de um período conduz impreterivelmente ao nascimento de um outro. Com a evolução dos tempos, o Direito Comunitário procurou adaptar-se, de forma a superar os erros e as dificuldades do passado, motivo pelo qual assistimos à passagem gradual das diretivas comunitárias, que inicialmente – e compreensivelmente – eram incompletas e limitadas, para um patamar de elevada concretização e regulamentação com as Diretivas de 2014.

Se até aqui o legislador europeu destacou, pela sua importância, o procedimento pré-contratual, estabelecendo um conjunto de regras e princípios aos quais as entidades adjudicantes e adjudicatárias deviam respeito no momento da formação do contrato, atualmente, verificamos uma intensificação da disciplina do Direito Europeu dos Contratos Públicos, na medida em que, é legislada pela primeira vez, no artigo 72º da Diretiva 2014/24/UE, e na sequência da jurisprudência do TJUE, a fase de execução contratual.

A referida disposição, denominada “Modificação de contratos durante o seu período de vigência”, assume um papel fundamental no presente estudo, não apenas porque a novidade assim o exige, mas também porque são várias as dúvidas e as questões que surgem a partir da sua interpretação, às quais nos propomos a apresentar resposta.

Com efeito, urge questionar:

- Corresponderá o artigo 72º da Diretiva 2014/24/UE a uma mera transposição da jurisprudência já firmada pelo TJUE? Ou será que esta disposição vai mais além, introduzindo novas regras e critérios na apreciação de eventuais alterações contratuais durante a fase de execução?

- Em que circunstâncias a modificação do contrato durante a sua vigência origina um novo contrato?

11 Diretiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1989, publicada no JO nº L 395/33, de 30 de Dezembro de 1989; Diretiva

92/13/CEE, do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, publicada no JO nº L 76/14, de 23 de Março de 1992, Diretiva 2007/66/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de Dezembro de 2007, publicada no JO nº L 335/31, de 20 de Dezembro de 2007.

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- Estarão as entidades adjudicantes obrigadas a promover um novo procedimento de adjudicação em todas as situações em que, ao abrigo das disposições da Diretiva, as alterações contratuais conduzem a um novo contrato?

- Em que circunstâncias poderão as partes modificar o contrato inicialmente celebrado, sem que haja a obrigatoriedade de promover um novo procedimento de adjudicação?

- Quais as alterações que, nos termos do disposto no nº 4 da Diretiva 2014/24/UE, constituem modificações substanciais do contrato inicialmente celebrado?

- Serão de admitir outras situações de modificação substancial do contrato para além daquelas que se encontram descritas nas alíneas a) a d) do nº 4 do artigo 72º?

Tendo em vista o esclarecimento das questões suscitadas, dedicaremos o capítulo II à análise do regime estabelecido pelo artigo 72º, tomando em consideração o caminho traçado pela jurisprudência do TJUE sobre esta matéria e as influências concorrenciais presentes na Diretiva 2014/24/UE.

Oferecida resposta às questões levantadas, indagar-se-á se o artigo 72º da Diretiva 2014/24/UE cumpre com os objetivos concorrenciais e de prevenção da corrupção a que se propõe e, efetivamente, constitui uma ferramenta ao serviço dos objetivos a atingir por todos os Estados-Membros.

A intensificação do regime dos contratos públicos a que assistimos, movida pelos ideais de concorrência, coloca sérias dificuldades no que respeita à sua integração nos diferentes ordenamentos jurídicos europeus, de raízes e tradições muito profundas nesta matéria.

No ordenamento jurídico nacional, contrato público e contrato administrativo vivem, desde sempre, e tal como alguma doutrina parece indiciar, num ambiente de constante disputa e de elevada tensão.

Na verdade, desde o surgimento do contrato público no seio do Direito da União, que se vem discutindo a pertinência da manutenção da figura do contrato administrativo.

O legislador nacional, respeitando a tradição, optou por introduzir a figura do contrato público sem bulir com a do contrato administrativo.

Resulta claro do CCP atualmente em vigor a diferenciação dos regimes estabelecidos para os contratos públicos de natureza privada, por um lado, e para os contratos públicos de natureza administrativa (ou contratos administrativos), por outro lado.

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Tal opção legislativa permitiu manter a integridade do contrato administrativo, figura secular que atribui ao contraente público um conjunto de faculdades - exorbitantes - tendentes à conformação da relação contratual.

É, precisamente, aqui que se fixam as incertezas quanto à transposição do artigo 72º da Diretiva 2014/24/UE e se cogita, no terceiro capítulo, sobre uma eventual incompatibilidade de sistemas.

Procurando uma melhor compreensão da matéria, começaremos por distinguir contrato público e contrato administrativo atendendo à sua origem, à vigência de cada um deles na ordem jurídica nacional, aos critérios de qualificação e aos seus efeitos/consequências.

De seguida, inseridas no âmbito do regime substantivo do contrato administrativo, analisaremos, as situações em que o legislador nacional entende ser de admitir a modificação do contrato, dando especial enfoque ao instituto da modificação unilateral por razões de interesse público, previsto no artigo 307º nº 2 alínea b) e 311º nº 2 do CCP, enquanto expressão da exorbitância do contraente público.

É um facto que, os contratos administrativos tornam-se, em regra, imutáveis a partir do momento da sua celebração, por via da figura do pacta sunt servanda e do princípio da estabilidade contratual, previstas nos artigos 288º do CCP e 406º do CC.

Não obstante, nem mesmo nos contratos regidos pela disciplina do direito civil - fonte originária deste princípio - o pacta sunt servanda tem caráter absoluto, pelo que, verificadas determinadas circunstâncias e observados os limites impostos legalmente, são de admitir modificações contratuais em fase posterior à celebração do contrato.

Esta é uma matéria de uma sensibilidade ímpar, na medida em que, a derrogação do princípio da estabilidade contratual mostra-se idónea de ferir princípios fundamentais para a ordem jurídica, como o princípio da boa-fé ou o princípio da proteção da confiança. Por outro lado, o princípio da prossecução do interesse público não se coaduna com a suprema imutabilidade do contrato administrativo.

O CCP, absorvendo considerações doutrinárias de origem francesa e alemã sobre esta matéria, prevê a modificação objetiva do contrato por via de acordo entre as partes, decisão judicial ou arbitral ou por via ato administrativo emanado pelo contraente público, com fundamento na alteração anormal e imprevisível das circunstâncias ou na mutação do interesse público subjacente à decisão de contratar.

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O ordenamento jurídico nacional admite a modificação objetiva do contrato sob a forma de diferentes institutos, a saber, designadamente: ius variandi, fait du prince, teoria da imprevisão e caso de força maior.

Só conhecendo o alcance de cada uma delas será possível aferir se, com as restrições à modificação dos contratos durante a sua vigência, o legislador europeu afetou de algum modo o âmbito das disposições nacionais sobre esta matéria e, por isso, criou uma situação de conflito com a legislação portuguesa.

Posto isto, será nosso propósito oferecer resposta às seguintes questões:

- Quais as influências do artigo 72º no ordenamento jurídico nacional e, mais concretamente, na figura do contrato administrativo?

- Continuarão as modificações objetivas do contrato, tal como previstas nos artigos 311º e seguintes do CCP, a fazer sentido, atendendo às regras estabelecidas pela Diretiva 2014/24/UE?

- Poderão as situações de modificação objetiva do contrato ser subsumidas nas alterações contratuais admissíveis à luz do artigo 72º?

- Em que medida o conceito de modificação substancial do contrato encontra já expressão no ordenamento jurídico português?

- Será que, do disposto no artigo 72º, decorre a suplantação do interesse público que serve de fundamento à modificação unilateral do contrato pelos ideais concorrenciais?

Partindo dos problemas suscitados e das conclusões obtidas, a final, será inevitável interrogar: Será o artigo 72º da Diretiva 2014/24/UE o princípio do fim do contrato administrativo?

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Capítulo I - A Evolução do Direito Europeu dos Contratos Públicos

1 – A supressão de medidas restritivas

1.1 - As Diretivas de Liberalização

Os primeiros passos tendentes à regulação europeia da matéria dos contratos públicos foram dados pelas Diretivas 70/32 da Comissão, de 17 de Dezembro de 1969 e pela Diretiva 71/304 do Conselho, de 26 de Julho de 1971.

A primeira delas, a Diretiva 70/32/CEE, tinha como objeto os contratos de fornecimentos de produtos ao Estado, coletividades territoriais e pessoas coletivas de direito público. Por seu turno, a Diretiva 71/304/CEE era aplicável às empreitadas de obras públicas e à adjudicação de empreitadas de obras públicas por intermédio de agências ou sucursais. Apesar dos objetos distintos, ambas Diretivas caracterizavam-se por serem pioneiras na implementação de disposições tendentes à supressão das restrições às liberdades fundamentais comunitárias previstas no Tratado de Roma, daí que também tenham a designação de diretivas de integração negativa12, uma vez que, pretendiam pôr termo a todas as disposições legislativas, regulamentares e administrativas, e a todas as práticas administrativas, dos diferentes Estados-Membros, incompatíveis com o preceituado no Tratado e que se revelassem um obstáculo à livre circulação de mercadorias, ao livre estabelecimento e à livre prestação de serviços dentro do mercado europeu.

O respeito pelo princípio da não discriminação em razão da nacionalidade acaba por se mostrar indispensável para a eliminação das barreiras criadas pelos Estados que, em situação de contratar, favoreciam tendencialmente as empresas nacionais, criando assim discriminações positivas não fundamentadas e contrárias às liberdades do Tratado13.

O legislador construiu a Diretiva 71/304/CEE em termos muito semelhantes à Diretiva 70/32/CEE. Na verdade, ambas as diretivas destacam-se pela reduzida quantidade de artigos e pela similitude normativa. Assim, se atendermos ao artigo 3º da Diretiva 71/304/CEE,

12 VIANA, Cláudia. Os Princípios Comunitários na Contratação Pública. Coimbra Editora: Coimbra, 2007. ISBN 978-972-32-1517-5, p.310. 13 Sobre o princípio da igualdade e o princípio da não discriminação em razão da nacionalidade, IDEM, pp.105 e ss.

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reparamos que este, tal como acontecia com o artigo 3º Diretiva 70/32/CEE, é composto pela caracterização das disposições nacionais que o legislador europeu considerava como restritivas dos princípios de livre circulação de mercadorias, liberdade de estabelecimento ou de prestação de serviços, consoante o caso, que implicavam tratamentos discriminatóriose obviavam ao desenvolvimento do mercado único.

Ainda que primassem pela novidade, estas diretivas não tiveram o impacto desejado, uma vez que, não só tinham um âmbito de aplicação muito reduzido, dado que não foram concebidas de forma a ultrapassar o protecionismo dos Estados-Membros e a vencer a resistência que estes demonstravam no cumprimento dos princípios fundamentais no âmbito dos contratos públicos14, acabando por ter um efeito prático quase nulo15.

1.2 - As Diretivas Clássicas

Neste caminho de europeização seguiram-se aquelas que foram vulgarmente designadas pela doutrina como Diretivas Clássicas, a Diretiva 71/305, do Conselho de 26 de Julho de 1971, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas e a Diretiva a Diretiva 77/62, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1976, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos de fornecimento de direito público.

Estas diretivas são tidas como as mães do Direito Comunitário dos Contratos Públicos16, já que, pela primeira vez são criadas regras e princípios comuns para todos os Estados-Membros sobre a matéria dos contratos públicos17.

Para a concretização dos ideais de criação de um mercado único caracterizado pela concorrência efetiva, as Diretivas Clássicas surgem norteadas por princípios como a proibição de

14 De facto, como refere, JOSE MARIA GIMENO FELIU, tratavam-se de normativas “incompletas”, com “buracos” que permitiam aos Estados

esquivarem-se, fazendo delas “simples princípios de carácter programático de escassa influência no dia-a-dia da contratação pública”. GIMENO FELIU, Jose Maria, ob. cit., cit., p.40

15 FONSECA, Isabel Celeste M., Direito da Contratação Pública…, ob. cit., cit., p. 78 16 VIANA, Cláudia. Os Princípios Comunitários…, ob. cit., cit., p.313.

17 A doutrina não é unânime no que respeita à denominação e integração das Diretivas Clássicas no panorama da evolução das Diretivas em

matéria de contratos públicos. Se, por um lado, CLÁUDIA VIANA entende que estas devem ser consideradas como Diretivas de Coordenação, já ISABEL CELESTE M. FONSECA opta por incluí-las nas Diretivas de Liberalização, enquanto um 2º ensaio com efeito limitado. Também MARIA JOÃO ESTORNINHO perfilha da opinião de que as Diretivas Clássicas constituem parte integrante da fase inicial da regulamentação europeia dos contratos públicos, a par das Diretivas precendentes. Cfr. VIANA, Cláudia. Os Princípios Comunitários…, ob. cit., pp. 314 e 315; FONSECA, Isabel Celeste M., Direito da Contratação Pública …, ob. cit., cit., p. 77.; ESTORNINHO, Maria João. Direito Europeu dos Contratos Públicos…, ob. cit., pp. 38-39.

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especificidades técnicas que tivessem efeito discriminatório, a publicidade suficiente dos concursos e a elaboração de um processo de fiscalização comum, almejando uma convivência pacífica entre as normas europeias e as normas de direito nacional de cada um dos Estados-Membros, numa tentativa de manutenção da neutralidade18 das primeiras face às distintas disposições e práticas internas.

Na verdade, a Diretiva 71/305/CEE e a Diretiva 77/62/CEE primam por definirem medidas positivas para a criação de condições de igualdade na participação de empresas em procedimentos contratuais públicos19, procurando reduzir a liberdade de escolha das entidades adjudicantes na seleção dos seus cocontratantes20, como sejam, por exemplo, as regras comuns no domínio técnico21, de publicidade22 e de participação23.

Excluídos da aplicação das Diretivas, como nota MARIA JOÃO ESTORNINHO, ficavam aqueles setores que, em termos económicos seriam mais apetecíveis para as empresas estrangeiras24, o que conduz à limitação do âmbito objetivo da sua aplicação, tal como, reduz o impacto do intercâmbio negocial entre Estados-Membros.

18 De facto, a Diretiva 71/305/CEE, atendendo ao conteúdo do seu artigo 2º, permitia que as entidades adjudicantes continuassem a seguir os

processos nacionais de adjudicação de empreitadas, destarte a obrigação que veio estabelecer no sentido da adequação dos trâmites internos ao seu conteúdo.

19 ESTORNINHO, Maria João. Direito Europeu dos Contratos Públicos…, ob.cit., cit., p. 39. 20 IDEM, ibidem.

21 As especificações técnicas, as descrições dos métodos de ensaio, de controlo, de receção ou de cálculo devem, obrigatoriamente, constar dos

documentos contratuais. Permite-se, contudo, que a definição das especificações técnicas possa ser feita por remissão para as normas nacionais de cada Estado-Membro. Seguindo o preceituado no princípio da proibição de discriminação em razão da nacionalidade, as entidades adjudicantes não podem introduzir especificações técnicas que mencionem produtos de um fabrico ou de uma proveniência determinada ou processos especiais que tenham por efeito favorecer ou eliminar certas empresas, cfr. Diretiva 71/305/CEE, artigos 10º e 11º e Diretiva 77/62/CEE, artigos 7º e 8º.

22 Cfr. Diretiva 71/305/CEE, artigos 12º a 19º e Diretiva 77/62/CEE, artigos 9º a 16º. São previstas regras muito específicas no que toca ao

conteúdo anúncios, que devem incluir: a data de envio ao Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias, o processo de adjudicação escolhido, o lugar de execução/entrega da prestação/produto, a natureza e a extensão das prestações e as características gerais da obra/quantidade de produtos a fornecer, o prazo de execução/entrega eventualmente imposto, os meios de contacto com a entidade adjudicante, a forma jurídica estabelecida que deve eventualmente assumir o agrupamento de empreiteiros/fornecedores aos qual for adjudicado o contrato, a data limite de receção dos pedidos de participação, o endereço para quem devem ser enviados e ou as línguas nas quais devem ser redigidos, a data limite até à qual os convites para fazer propostas são enviados pelas entidades adjudicantes, as informações a incluir no pedido de participação sob forma de declarações ulteriormente verificáveis e relativas à situação do fornecedor, bem como as informações e formalidades necessárias que permitam avaliar as condições mínimas de carácter económico e técnico que as entidades adjudicantes fixarem aos fornecedores para a sua seleção.

23 Para efeitos da participação, são introduzidos critérios de seleção quantitativa, determinando que a atribuição do contrato é feita após a

verificação, segundo esses critérios, da aptidão económica, financeira e técnica dos operadores, cfr., Diretiva 71/305/CEE, artigos 20º e ss. e Diretiva 77/62/CEE artigos 17º e ss.

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16

De facto, não estavam sujeitas à aplicação da Diretiva 71/305/CEE as empreitadas nos setores de transporte, de produção, de distribuição e de transporte de água e de energia. Por sua vez, e à semelhança da precedente, estavam excluídos da aplicação da Diretiva 77/62/CEE os contratos de fornecimento nos setores de transporte, de serviços de produção, de distribuição e de transporte de água e de energia e telecomunicações.

Para além disso, por entender que são providos de importância reduzida no plano concorrencial, o legislador optou por afastar do objeto da Diretiva 71/305/CEE as empreitadas de valor inferior a um milhão de unidades de conta europeias e da Diretiva 77/62/CEE os contratos de fornecimento com valor inferior a duzentas mil unidades de conta europeias, o que potenciou junto dos Estados-Membros uma fuga à aplicação das disposições comunitárias através da divisão em lotes dos contratos, por forma a fazê-los cair dentro dos limites mínimos de aplicação das Diretivas.

Apesar de as Diretivas Clássicas terem surgido como complemento25 das Diretivas de Liberalização, não logravam em cumprir os objetivos do legislador comunitário.

Entendemos que a responsabilidade pelo seu falhanço deve ser repartida entre legislador comunitário – que, como vimos, limitou em muito o alcance da aplicação das normas por ter excluído sectores essenciais – e os diferentes Estados-Membros, que continuaram a demonstrar o seu excessivo protecionismo, escapando-se, sempre que possível à aplicação dos preceitos comunitários26.

2 – Aperfeiçoamento e estabilização

2.1 - Antecedentes

25 Pode dizer-se que as Diretivas Clássicas surgiram como um complemento das Diretivas de Liberalização, na medida em que, estas últimas, por

estarem limitadas à abolição das restrições discriminatórias, constituíam uma via negativa de integração dos contratos públicos no mercado comum, enquanto as outras, pela introdução de princípios e regras comuns, estabeleciam uma via positiva, cfr. VIANA, Cláudia. Os Princípios Comunitários…, ob.cit., cit., p.315.

26 Nas palavras de JOSE MARIA GIMENO FELIU, “[e]l objetivo de esas Directivas no fue conseguido a la consecuencia de la «evasión» en la

aplicación de la normativa mediante distintas «corruptelas jurídicas» (…): a) la utilización de determinados criterios de selección de contratistas que favorecían previamente a ciertos licitadores; b) la descentralización (incluso fragmentación) de la contratación pública, con la consiguiente dificultad de un control eficaz; c) la utilización de forma abusiva de las excepciones en los procedimentos ordinários de contratación; d) diversos errores en las transposiciones de las Diretivas; e) la aplicación de normativas técnicas nacionales restrictivas frente a empresas no nacionais (que ha sido posible por la ausencia de normativa comunitaria en matéria de normalización y estandarización)”. Cfr. GIMENO FELIU, Jose Maria, ob.cit., cit., p.41.

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17

Como já deixámos referido, o período que sucedeu ao Livro Branco sobre a realização do mercado interno27 e ao Ato Único Europeu foi altamente produtivo ao nível do aprofundamento e da diversificação da regulação comunitária dos contratos públicos.

O Livro Branco sobre a realização do mercado interno, chamou a atenção para o facto de grande parte do produto interno bruto ser proveniente do public procurement, sector marcado pelo excessivo protecionismo dos Estados-Membros - que continuavam a preferir contratar com empresas nacionais e assim falhavam largamente no cumprimento do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade - e pela parca aplicação das Diretivas entretanto emanadas, que careceriam de melhoramentos, tendo em vista o aumento da transparência e da abertura à concorrência dos contratos públicos.28

A abertura da contratação pública à concorrência era vista, então, como uma das condições que permitiriam a criação do mercado interno europeu29, que só poderia ser concretizada através da eliminação das fronteiras físicas, técnicas e fiscais30.

Dois anos mais tarde, o Ato Único Europeu, veio alterar o Tratado Constitutivo da CEE, procurando a sua adaptação à realidade da altura, de maneira a conseguir o cumprimento dos objetivos estabelecidos para o ano de 1992 ao nível da realização do mercado interno. Com o AUE e o aditado artigo 100º-A, os procedimentos de coordenação/harmonização legislativa tornaram-se menos penosos, uma vez que, deixou de ser exigida a unanimidade do Conselho para a adoção de medidas de harmonização e a passou a ser possível a tomada de decisão por maioria qualificada.31

27 Comissão das Comunidades Europeias - Completing the internal market, White paper from the Commission to the European Council, COM (85)

310 final [em linha], [Consult. 01-09-2015] disponível em: http://europa.eu/documentation/official-docs/white-papers/index_pt.htm

28 O Livro Branco alertou, especialmente, para a necessidade de serem revistos os limites de aplicação das Diretivas, para a conveniência da

obrigatoriedade de publicação da intenção de contratar em caso de procedimento fechado à concorrência e da publicação dos contratos vencedores, de maneira a assegurar uma maior transparência. Acrescentou, também, que os sectores da energia, transportes, água e telecomunicação – até então não regulados pela legislação comunitária – deveriam ser objeto de regulamentação até 1992, o que despoletou, como veremos infra, a elaboração da Diretiva 90/531/CEE (Diretiva Setores Excluídos). Foi também com o Livro Branco que a Comissão reconheceu que a liberalização do mercado dos contratos públicos em matéria de serviços era vital para o futuro económico da Comunidade, tendo surgido em 1992, na senda deste objetivo de diversificação, a Diretiva Serviços – Diretiva 92/50/CEE.

29 Cfr.,VIANA, Cláudia. Os Princípios Comunitários…, ob.cit., cit., p. 329. 30 IDEM, cit., p. 330.

31 CLÁUDIA VIANA considera ser, ainda, de destacar a importância para o direito dos contratos públicos a substituição, com o AUE, da noção de

mercado comum constante do Tratado pela noção de mercado interno, enquanto espaço sem fronteiras no qual a livre circulação das mercadorias, das pessoas e dos capitais é assegurada. IDEM, pp. 330 e 331.

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18

2.2 – As Diretivas de Coordenação

Em nossa opinião, o período de coordenação teve o seu início nos finais dos anos 80, prolongou-se até à chegada das Diretivas de 2004 e foi pautado pelo aperfeiçoamento e estabilização do regime jurídico anterior32.

Desde a emanação da Diretiva 88/295/CEE, foi possível assistir-se ao amadurecimento gradual do direito comunitário/europeu dos contratos públicos, sendo que, cada uma das diretivas ia refletindo o esforço do legislador no sentido aprofundamento do regime jurídico aplicável aos contratos públicos e à diversificação das matérias sujeitas a regulação.

Para combater os falhanços apontados pelo Livro Branco de 1985 e sempre com o objetivo da concretização do mercado interno no horizonte, no dia 22 de Março de 1988, surgiu a Diretiva 88/295/CEE para alterar a Diretiva 77/62/CEE relativa à coordenação dos processos de celebração de contratos de fornecimento de direito público. Esta diretiva aparece com a função de aperfeiçoar e alargar a aplicação das diretivas, aumentando a transparência dos processos e das práticas de celebração de contratos de fornecimento de direito público e permitir uma melhor fiscalização do respeito da proibição de restrições à livre circulação de mercadorias.

Um ano mais tarde, a Diretiva 89/440/CEE do Conselho, de 18 de Julho de 1989 alterou a Diretiva 71/305/CEE, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de empreitadas de obras públicas. As preocupações com a realização da liberdade de estabelecimento e da livre prestação de serviços em matéria de empreitadas de obras públicas são evidentes, às quais acrescem outras relacionadas com a efetivação da transparência dos processos e das práticas de celebração dos contratos de empreitada de obras públicas, da proibição das restrições e da erradicação das disparidades existentes das condições de concorrência entre nacionais dos Estados-Membros.

As Diretivas 77/62/CEE e 71/305/CEE foram, respetivamente, alteradas pelas Diretivas 88/295/CEE e 89/440/CEE que, por um lado, visaram o alargamento do âmbito subjetivo da aplicação das disposições europeias por vincularem não só as entidades públicas clássicas mas também organismos de direito público sobre os quais aqueles exercem influência dominante e entidades subvencionadas e, por outro lado, procuraram a hierarquização de

32 Cfr., neste sentido, ESTORNINHO, Maria João. Direito Europeu dos Contratos Públicos…,ob. cit., p. 40; FONSECA, Isabel Celeste M., Direito da

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19

procedimentos e métodos de seleção e a maior exigência em termos de prazos e de transparência.33

Em 1990 caminhou-se para o dilatação dos limites objetivos da aplicação da diretivas, uma vez que, os até então tidos como sectores excluídos da água, energia, transportes e telecomunicações foram finalmente regulamentados pela Diretiva do Conselho de 17 de Setembro de 1990 – Diretiva 90/531/CEE 34. Para além disso, e recorde-se que o Livro Branco tinha alertado para a necessidade de ser previsto um regime específico para este tipo de contratos públicos, o legislador emanou a Diretiva 92/50/CEE – Diretiva Serviços - especificamente voltada para a coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços.

O período que se seguiu foi dedicado ao melhoramento das diretivas anteriores35. Assim, e de maneira a facilitar o conhecimento das normas e a tarefa de harmonização de sistemas jurídicos, foram compiladas as regras relativas à coordenação dos procedimentos de adjudicação de contratos de fornecimentos, empreitadas de obras públicas, dos contratos de direito público nos sectores da água, energia, transportes e telecomunicações nas diretivas 93/36/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993, 93/37/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993, 93/38/CEE, do Conselho, de 14 de Junho de 1993.

Mais tarde, as Diretivas 92/50/CEE, 93/36/CEE e 93/37/CEE foram alteradas pela Diretiva 97/52/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Outubro de 1997.

2.3 - O Livro Verde – Os Contratos Públicos na União Europeia: Pistas de reflexão para o futuro.

O Livro Verde sobre Os contratos públicos na União Europeia: pistas para reflexão para o futuro foi publicado no ano de 199636, altura em que ainda se encontravam em fase de

33 Cfr., ESTORNINHO, Maria João. Direito Europeu dos Contratos Públicos…, ob. cit., cit. pp.40-41.

34 No caso da Diretiva Sectores Excluídos, verificou-se a par do aumento dos limites objetivos, o alargamento dos limites subjetivos da aplicação

da Diretiva, uma vez que esta era aplicável não só a entidades dotadas de poderes públicos ou empresas públicas, mas também a todas aquelas entidades que tivessem como atividade(s) aquelas que se encontram previstas no nº2 do artigo 2º da Diretiva 90/531/CEE e beneficiassem de direitos especiais ou exclusivos concedidos por uma autoridade competente de um Estado-Membro.

35 Cfr., FONSECA, Isabel Celeste M., Direito da Contratação Pública…, ob. cit., cit., p. 78.

36 Comissão das Comunidades Europeias – Livro Verde Os Contratos Públicos na União Europeia: Pistas de Reflexão para o Futuro, COM 96

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20

transposição as Diretivas de 1993, como forma de fazer um balanço sobre o processo de transformação vivido até então, prometendo lançar o debate sobre as questões fundamentais para a política europeia de contratação pública.

Não obstante a transparência no processo da adjudicação dos contratos ter aumentado37, a Comissão continuava insatisfeita, essencialmente, com a transposição parcial e incompleta pelos Estados-Membros das diretivas relativas aos contratos públicos e com o facto de o impacto económico das políticas europeias em matéria de contratos públicos38 ser ainda bastante reduzido, revelando que os resultados obtidos em termos de convergência de preços, de convergência de fluxos comerciais transfronteiras e de aumento do número de fornecedores que participam nos processos não se encontravam ainda ao nível esperado.

O Livro Verde foi bastante crítico no que tocava à fraca e deficiente transposição por parte dos Estados-Membros das diretivas, denotando a obrigação que recaía sobre os Estados de transporem as diretivas para o direito nacional.

A transposição incorreta das diretivas é vista pelo Livro Verde como altamente prejudicial para os operadores económicos e, consequentemente, para a concretização do mercado interno, por enfraquecer os direitos que lhes são reconhecidos pelas diretivas e por, em caso de conflito entre a legislação nacional e a comunitária, ser previsível a incorreta aplicação das disposições europeias.

Para além disso, manifestou grandes preocupações com as dificuldades verificadas no momento da aplicação das diretivas, mais especificamente, com os entraves à interpretação correta do alcance das definições de base contidas nas diretivas, com o recurso excessivo ao processo por negociação na escolha dos processos de adjudicação, com a qualidade insuficiente das notificações - dado que não constavam todas as informações exigidas pelos modelos de anúncio previstos nas diretivas -, com o recurso excessivo ao “processo acelerado” e decorrente utilização de prazos de participação demasiado curtos e com os critérios utilizados pelas entidades adjudicantes para verificar a aptidão dos candidatos nos processos de celebração dos contratos e para adjudicar os contratos.

37 O Livro Verde de 1996 destacou que o número de anúncios de contratos publicados no Suplemento do Jornal Oficial (e na sua versão

eletrónica) passou de 12 000 em 1987 para cerca de 95 000 em 1995. Ainda assim, aproximadamente 85% das entidades adjudicantes sujeitas à aplicação das diretivas – na sua maioria autoridades locais – continuava a não atuar de acordo com as exigências em matéria de publicidade e de transparência.

38 Tais políticas tinham como objetivos a criação de condições de concorrência necessárias a que os contratos públicos fossem adjudicados sem

discriminação, a utilização racional do erário público, através da escolha da melhor proposta apresentada, o acesso dos fornecedores a um mercado único, oferecendo importantes possibilidades e o reforço da competitividade das empresas europeias.

(24)

21

De forma inovadora, a Comissão apontou a importância dos contratos públicos enquanto instrumentos para a prossecução de políticas secundárias de natureza social e ambiental.

Apesar de não ter sido objetivo do Livro Verde a emanação de novas regras, com o debate que lançou e os murmúrios dele provenientes39, a Comissão acabou por assumir a necessidade de proceder a uma reorientação da sua política e a uma racionalização das suas regras40, tendo-se comprometido, para o efeito, com a apresentação de propostas de alteração das diretivas, de maneira a poder ser assegurada a existência de um quadro jurídico estável e adaptado à realidade da altura, simultaneamente, potenciador da qualidade dos serviços públicos, através da utilização dos contratos públicos como um instrumento ao serviço da gestão eficiente dos recursos existentes e da promoção do desenvolvimento económico, da competitividade e da criação de emprego.

3 - Simplificação, modernização e codificação

A Diretiva 2004/17/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos nos setores da água, energia, transportes e serviços postais e a Diretiva 2004/18/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitadas de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos de prestação de serviços distinguem-se pelo facto do seu alcance não se ter limitado à mera revisão de disposições anteriormente consagradas, constituindo verdadeiros instrumentos de consolidação do Direito Europeu dos Contratos Públicos41. De facto, estas diretivas trouxeram uma verdadeira mudança de paradigma, para o qual contribuiu, como já vimos, a consciencialização da Comissão de que os resultados obtidos com as diretivas emanadas até então ficavam aquém do desejado para a concretização do mercado.

39 Veja-se que foram registadas cerca de 300 contribuições, tendo participado ativamente diversas instituições, Estados-Membros, fornecedores e

adquirentes e até mesmo organismos representativos dos sectores da procura e da oferta.

40 Cfr., Comissão das Comunidades Europeias - Comunicação Os Contratos Públicos na União Europeia, COM (1998) 143 final [em linha],

[Consult. 01-09-2015], disponível em http://eur-lex.europa.eu/.

41 Como demonstra ISABEL CELESTE M. FONSECA, “a reforma operada pelas Diretivas de 2004 revela tendências que, numa perspetiva

horizontal, significa alargamento objetivo e subjetivo do universo dos contratos abrangidos (…) e, numa perspetiva vertical, traduz intensificação e aprofundamento da disciplina jurídica (…), daqui resultando uma progressiva criação e codificação das regras (…)”. Cfr. FONSECA, Isabel Celeste M.. Direito da Contratação Pública…, ob. cit., cit., p. 81.

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22

Procurando simplificar e modernizar os processos de adjudicação dos contratos de empreitadas de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos de prestação de serviços, a Diretiva 18/2004/CE veio compilar, atualizar e repensar as Diretivas 92/50/CEE do Conselho, de 18 de Junho de 1992, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de contratos públicos de serviços, 93/36/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos públicos de fornecimento e 93/37/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de adjudicação das empreitadas de obras públicas.

Por outro lado, a Diretiva 17/2004/CE, pelas mesmas razões de simplificação e modernização apresentou uma reformulação das disposições previstas na Diretiva 93/38/CEE do Conselho, de 14 de Junho de 1993, relativa à coordenação dos processos de celebração dos contratos dos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações. A grande novidade desta última, face à sua precedente, foi a exclusão do sector das telecomunicações e a integração do sector dos serviços postais.

Em comum, ambas acabaram por refletir não só as críticas e as sugestões resultantes do Livro Verde de 1996, como também, da jurisprudência até então produzida pelo Tribunal de Justiça, especialmente, no que toca aos critérios de adjudicação e à possibilidade de as entidades adjudicantes satisfazerem, simultaneamente, políticas sociais e ambientais, desde que estivessem ligados ao objeto do contrato, não conferissem à entidade adjudicante liberdade de escolha ilimitada, estivessem expressamente indicados e respeitassem os princípios fundamentais da igualdade de tratamento, da não discriminação, do reconhecimento mútuo, da proporcionalidade e da transparência42.

Permitiram às entidades adjudicantes o recurso a um de dois critérios de adjudicação, admitindo que, ao invés do critério do preço mais baixo, aquelas se servissem de um outro, o inovador critério da proposta economicamente mais vantajosa.

Postularam, assim, que, caso as entidades adjudicantes optassem pelo critério da proposta economicamente mais vantajosa para a adjudicação do contrato, deveriam tomar a decisão de adjudicação com base na proposta que apresentasse uma melhor relação qualidade/preço, sendo que, estariam obrigadas à definição prévia dos critérios no seu entender integravam o conceito de “proposta economicamente mais vantajosa”.

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23

A determinação desses critérios dependeria, invariavelmente, do objeto do contrato, uma vez que, o nível de desempenho de cada proposta seria avaliado em função do objeto contratual, tal como definido nas especificações técnicas43. Seria desta forma que as entidades adjudicantes poderiam aferir da qualidade/preço de cada uma das propostas e decidir por aquela que melhor preenchia, no caso em concreto, esta exigência.

O critério da proposta economicamente mais vantajosa mostrou-se fundamental para a prossecução de políticas secundárias e visava que as entidades adjudicantes, através dos contratos que celebravam, alcançassem interesses de natureza ambientais e/ou sociais, por exemplo, através da melhor gestão dos recursos naturais ou da integração de indivíduos socialmente excluídos ou em situações de desemprego.44

Somos, ainda, de destacar a preocupação que estas diretivas revelaram com o combate à criminalidade e à fraude, procurando evitar a adjudicação de contratos públicos a operadores económicos que tenham participado numa organização criminosa ou que tenham sido condenados por corrupção, fraude ou branqueamento de capitais e a exclusão daqueles que tenham sido condenados, por sentença transitada em julgado, pela prática dessas infrações.

A mudança de paradigma do Direito Europeu dos Contratos Públicos com as Diretivas de 2004 fez-se notar também pela previsão dos acordos-quadro45 e a introdução do procedimento do diálogo concorrencial especificamente para os sectores das empreitadas de obras públicas, dos fornecimentos e dos serviços, a adoção de técnicas eletrónicas de compra e a utilização de leilões eletrónicos.

43 Os requisitos ambientais ou sociais passaram a ocupar posição de destaque enquanto especificações técnicas, não podendo estas, porém, de

modo algum, afetar o acesso em condições de igualdade dos proponentes ou criar obstáculos injustificados à abertura dos contratos públicos à concorrência. Ademais, admitiram que as entidades adjudicantes recorressem às definições contidas nos rótulos ecológicos para imporem determinado nível de desempenho ou de requisitos funcionais aos operadores económicos. A preocupação demonstrada, neste âmbito, com o princípio da transparência não pode ser ignorada, uma vez que, as especificações técnicas deviam, obrigatoriamente, constar dos documentos do concurso.

44 Ressalve-se que, para que a prossecução de finalidades de cariz ambiental e/ou social pelos contratos públicos fosse tida como critério de

adjudicação seria necessária a sua definição nas especificações técnicas dos contratos.

45 Os acordos-quadro encontravam já previsão na Diretiva 90/351/CE, do Conselho, de 17 de Setembro de 1990, relativa aos procedimentos de

celebração dos contratos de direito público nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações. Para estes sectores existia já a possibilidade de as entidades adjudicantes recorrerem a procedimentos de negociação flexíveis. Cfr. ESTORNINHO, Maria João. Direito Europeu dos Contratos Públicos…, ob. cit., cit., p.58 e VIANA, Cláudia. Os Princípios Comunitários…, ob. cit., p. 350 e 351.

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24

4 – A estatuição de um sistema de recursos 4.1 – Para os sectores clássicos

Como já referimos, as primeiras diretivas em matéria de contratos públicos não tiveram a eficácia desejada, sendo que, a inexistência de sistema de recursos foi apontada como uma das principais causas para este insucesso. Na verdade, a falta de um mecanismo de controlo, que permitisse a supervisão e a revisão dos procedimentos de adjudicação dos contratos ao nível nacional e comunitário46, obviava à realização dos princípios, objetivos e políticas comuns da Comunidade, uma vez que, para as entidades adjudicantes não resultava qualquer consequência da não aplicação das normas comunitárias e os operadores económicos nada podiam fazer para reivindicarem a proteção dos seus interesses.

Esta importante falha começou a ser colmatada com a Diretiva 89/665/CEE, do Conselho, de 21 de Dezembro de 1969, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras de fornecimentos. A Diretiva 86/665/CEE veio reforçar a ideia de que os princípios da transparência e da não discriminação são essenciais para a abertura dos contratos públicos à concorrência, razão pela qual, deviam ser criados meios de recursos eficazes e rápidos em caso de violação do direito comunitário em matéria de contratos de direito público ou das normas nacionais que transpõem esse direito.

A Diretiva 89/665/CEE deu aos Estados-membros a liberdade de configurarem, por si mesmos, os seus processos de recurso nacionais, desde que eficazes, céleres – para responder à rapidez dos processos de adjudicação – e acessíveis. Da análise do artigo 2º da Diretiva Recursos decorria que as medidas a adotar pelos Estados-membros podiam ser provisórias ou definitivas47.

As primeiras, de carácter suspensivo, previstas na alínea a) do número 1, seriam destinadas a corrigir a alegada violação ou a impedir que fossem causados outros danos aos interesses em causa, suspendendo ou fazendo suspender o processo de adjudicação.

46 Cfr. GIMENO FELIU, Jose Maria, ob. cit., cit., p. 59. 47 IDEM, p.61.

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25

As segundas, por sua vez, encontravam-se plasmadas nas alíneas b) e c) do número 1 do artigo 2º e visavam anular ou fazer anular as decisões ilegais e conceder compensações indemnizatórias aos lesados pela violação das disposições nacionais ou comunitárias.

Pela forma como foram concebidas, as medidas definitivas eram adequadas ao controlo posterior à celebração do contrato, ao invés das medidas provisórias, que visavam assegurar o cumprimento das disposições nacionais e/ou comunitárias o respeito na fase pré-contratual, ainda antes da formação de um contrato público48.

O artigo 3º consagrava um mecanismo especial de recurso que conferia poderes de intervenção à Comissão em caso de infração clara e manifesta das disposições comunitárias em matéria de contratos de direito público no decorrer de um processo de adjudicação de contrato abrangido pelo campo de aplicação das Diretivas 71/305/CEE e 77/62/CEE. Através de uma intervenção pré-contenciosa49, a Comissão deveria notificar o Estado-Membro e a entidade adjudicante em causa das razões pelas quais considerava que havia sido cometida uma infração clara e manifesta e solicitava a sua correção. Findo um período de vinte e um dias os Estados-Membros ou corrigiam a infração e confirmavam tal correção à Comissão, ou não corrigiam a infração, razão pela qual deveriam apresentar uma conclusão fundamentada, explicando as razões que os moveram ou, ainda, notificavam a Comissão no sentido da suspensão do processo de adjudicação em causa.

Existe, portanto, uma clara noção de que as violações ao direito europeu dos contratos públicos podiam ocorrer quer no período pré-contratual – daí a necessidade de serem criados mecanismos de tutela urgente – como também depois da adjudicação do contrato.

Após a celebração do contrato, caberia ao direito interno de cada um dos Estados-Membros definir quais os efeitos que a anulação de um ato ilegal ou de uma disposição regulamentar produziam sobre o contrato celebrado50, sendo certo que, estava estatuída a possibilidade de os Estados preverem somente a concessão de indemnizações aos lesados, na senda do nº 6 do artigo 2º51.

48 Os poderes de controlo deveriam ser atribuídos a diferentes instâncias, responsáveis por aspetos diferentes dos processos de recurso, de

natureza jurisdicional ou não jurisdicional, sendo que, para a concretização de um sistema de controlo eficaz, os Estados-membros deveriam assegurar a criação de um sistema em que as decisões tomadas pela instância de base – independentemente da natureza - fossem suscetíveis de recurso perante órgão jurisdicional, independente em relação à entidade adjudicante e à instância de base.

49 Cfr. GIMENO FELIU, Jose Maria, ob. cit., cit., p.62.

50 Cfr., FONSECA, Isabel Celeste M.. Direito da Contratação Pública…, ob. cit., cit., p. 88. 51 IDEM, ibidem.

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26

Ainda que contivesse importantes disposições para a instituição de um mecanismo de controlo eficaz dos contratos públicos desde os primórdios da sua formação, o objetivo de instituição de um sistema de recurso eficaz em matéria de contratos públicos não foi alcançado, desde logo porque a Diretiva 89/665/CEE era somente aplicável aos contratos dos “sectores clássicos”.

4.2 – Para os setores excluídos

A Diretiva 92/13/CEE, do Conselho, de 25 de Fevereiro de 1992, relativa à coordenação das disposições legislativas, regulamentares e administrativas respeitantes à aplicação das regras comunitárias em matéria de procedimentos de celebração de contratos de direito público pelas entidades que operam nos sectores da água, da energia, dos transportes e das telecomunicações previu a criação de um sistema de recursos para os sectores excluídos, não abrangidos pelas Diretivas 71/305/CEE e 77/62/CEE, cujo sistema de recurso havia sido instituído pela Diretiva 89/665/CEE.

Mais uma vez, a falta de meios de recurso ou a insuficiência dos existentes foi tida como elemento dissuasor da apresentação de propostas pelos operadores económicos, constituindo um grave entrave à abertura dos contratos à concorrência, daí decorrendo a necessidade da criação de mecanismos de reação adequados em caso de violações das disposições comunitárias ou nacionais que as transpusessem.

À semelhança da Diretiva Recursos Sectores Clássicos, a Diretiva Recursos Sectores Excluídos previa a obrigação dos Estados-Membros adotarem as medidas necessárias52 para que as decisões das entidades adjudicantes pudessem ser eficazmente objeto de recurso, com fundamento na violação de disposições do direito comunitário ou das normas nacionais que as transpuseram.

O Capítulo 2 encerrava uma novidade face ao regime da Diretiva 86/665/CEE, porquanto desenvolvia um sistema de certificação, através do qual as entidades adjudicantes poderiam submeter, periodicamente, o contrato celebrado a apreciação, por forma a obterem

52 Num esquema quase idêntico ao da Diretiva Recursos para os sectores clássicos, no nº1 do artigo 2º está expressamente previsto que as

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um certificado comprovativo de que foram cumpridas todas as exigências comunitárias e nacionais em matéria de contratos públicos53.

Mais uma vez, foi prevista a possibilidade de a Comissão notificar um Estado-Membro e a entidade adjudicante concretamente envolvida, caso entendesse que teria ocorrido uma violação clara e manifesta das disposições comunitárias – e apenas estas – em matéria de contratos de direito público no decurso de um procedimento de celebração de contratos nos sectores da água, energia, transportes e telecomunicações.

Foi, ainda, previsto pela Diretiva Recursos dos sectores excluídos um novo instrumento, inexistente na Diretiva Recursos dos sectores clássicos, designado por Conciliação (Capítulo 4).

Este mecanismo permitia o acesso a todos os interessados na celebração de um contrato e que tivessem sido lesados, ou estivessem na eminência de o ser, devido a violação do direito comunitário ou das normas nacionais de transposição, e buscava obtenção de um acordo entre as partes envolvidas54.

Tanto a Diretiva Recursos para os Setores Clássicos como a Diretiva Recursos para os Setores Especiais consagravam uma disposição que acabou por determinar a “morte à nascença” das possibilidades de sucesso dos regimes que consagravam. Isto porque, no nº6 do artigo 2º de ambas as Diretivas o legislador estatuiu que, após a celebração do contrato, os poderes da instância de recurso se limitavam à atribuição de indemnizações.

Este preceito veio potenciar o recurso abusivo ao ajuste direto55,uma vez que, a mera atribuição de indemnizações aos lesados pela violação das disposições comunitárias ou nacionais acabava por ser um “mal menor”, que compensava todas as entidades adjudicantes que não cumpriam e nem tinham intenções de cumprir o conteúdo das normas.

A disposição premiava todas as entidades adjudicantes aquelas que recorriam indevidamente ao mecanismo do ajuste direto e que dele se serviam para escapar às exigências da concorrência, beneficiando e potenciando interesses contrários aos princípios da igualdade de tratamento e da transparência.

53 Este sistema apresentava uma enorme flexibilidade, uma vez que, foram apenas definidos pela Diretiva as suas características mais essenciais,

estando os Estados-Membros dotados de uma ampla margem discricionariedade no momento da sua aplicação e consequente certificação dos contratos.

54 Cfr., FONSECA, Isabel Celeste M.. Direito da Contratação Pública…, ob. cit., p. 88. 55 Cfr., IDEM, p. 87.

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Fig. 1 – Esquema interpretativo do artigo 72º da Diretiva 2014/24/UE

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