• Nenhum resultado encontrado

9 – O Contrato Público

9.1 - Origem e influência no sistema jurídico nacional

Como já fomos desenvolvendo, a figura do contrato público é fruto da criação do legislador europeu, que tem vindo a ser gradualmente desenvolvida pelas sucessivas diretivas europeias, desde as conhecidas Diretivas de Liberalização em 1969 até à novíssima Diretiva 2014/24/UE.

Vimos na primeira parte deste estudo que o objetivo inicial do legislador europeu foi o de, através dos contratos públicos, garantir a supressão das restrições às liberdades fundamentais comunitárias previstas no Tratado de Roma, que constituíssem um obstáculo à livre circulação de mercadorias, ao livre estabelecimento e à livre prestação de serviços no mercado europeu.

Esta é, portanto, uma figura ligada à ideia de criação de um mercado interno, com condições de concorrência favoráveis e no respeito pelos princípios fundamentais de génese europeia.

A par da sucessão das diretivas europeias sobre a matéria dos contratos públicos, a jurisprudência do Tribunal de Justiça veio a clarificar, densificar e concretizar o regime dos contratos públicos, como mostram, por exemplo, os Acórdãos Telaustria97, Beentjes98, CEI/Bellini99, Rush Portuguesa100, Storebaelt101, Concordia Bus102 ou Pressetext103.

97 Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção), de 7 de Dezembro de 2000, processo nº C-324/98, [em linha] [Consult. 07-01-2015],

disponível em: http://eur-lex.europa.eu

98 Acórdão do Tribunal de Justiça (Primeira Secção), de 20 de Setembro de 1988, processo nº 31/87, [em linha] [Consult. 07-01-2015],

disponível em: http://eur-lex.europa.eu

99 Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção), de 9 de Julho de 1987, processos apensos 27 a 29/86, [em linha] [Consult. 07-01-2015],

disponível em: http://eur-lex.europa.eu

100 Acórdão do Tribunal de Justiça (Sexta Secção), de 27 de Março de 1990, processo nº C-113/89, [em linha] [Consult. 09-01-2015], disponível

em: http://curia.europa.eu

101 Acórdão do Tribunal de Justiça de 22 de Junho de 1993, processo nº C-243/89, [em linha] [Consult. 09-01-2015], disponível em: http://eur- lex.europa.eu

102 Acórdão do Tribunal de Justiça, de 17 de Setembro de 2002, processo C-513/99, [em linha] [Consult. 20-03-2015], disponível em: http://eur-

lex.europa.eu

103 Acórdão do Tribunal de Justiça (Terceira Secção), de 19 de Junho de 2008, processo C-454/06, [em linha] [Consult. 20-03-2015], disponível

68

Com o nascimento, crescimento e amadurecimento do contrato público, que os diferentes sistemas jurídicos internos da União Europeia viram-se obrigados a incorporar, foi-se debatendo a influência da criação de um novo regime de contrato público nos tradicionais e distintos regimes nacionais.

O conceito de contrato público foi introduzido no panorama jurídico nacional com a entrada em vigor do DL nº 18/2008, de 29 de Janeiro, que aprovou o Código dos Contratos Públicos.

Pelo facto de a noção de contrato público ter surgido no seio do Direito Comunitário, muitos foram os autores que defenderam que esta não atingia a noção tradicional de contrato administrativo.

PEDRO GONÇALVES defendeu a noção tradicional de contrato administrativo e a sua autonomia em relação à figura do contrato público, argumentando no sentido da concomitância de um regime comum aplicável a todos os contratos da Administração com um regime próprio do contrato administrativo, enquanto instituição autónoma dentro da categoria geral dos contratos da Administração104. Na opinião do autor, o contrato público trata-se de um conceito juridicamente neutro, desenvolvido pela disciplina comunitária, concentrado essencialmente no estabelecimento de regras procedimentais em matéria de contratação pública105.

Já MARIA JOÃO ESTORNINHO defendeu que, na sua evolução, o Direito Comunitário começou por introduzir uma noção de contrato público aparentemente neutra relativamente aos modelos tradicionais de contratação administrativa dos diversos países106, noção essa que se foi tornando mais abrangente e exigente107.

Seguindo o entendimento da autora, em virtude das diretivas europeias e da jurisprudência comunitária, estaremos a um passo de uma uniformização de regimes aplicáveis a contratos celebrados por entidades públicas e a contratos celebrados por entidades privadas, por outro lado, a contratos tradicionalmente qualificados como contratos administrativos e a outros considerados como contratos de direito privado da Administração Pública.108

Esta tese sustenta e assenta no fim do contrato administrativo de inspiração francesa, que proclamava a separação entre os contratos tipicamente administrativos, enquanto contratos

104 GONÇALVES, Pedro. O Contrato Administrativo: Uma instituição do direito administrativo do nosso tempo. Coimbra: Almedina, 2003. ISBN

972-40-1875-X, pp. 35-36.

105 IDEM, pp. 53-54.

106 Cfr. ESTORNIHO, Maria João. Curso de Direito dos Contratos Públicos – Por uma contratação pública sustentável. Coimbra: Almedina, 2013.

ISBN 978-972-40-4952-6, cit., p. 316.

107 IDEM, ibidem. 108 Cfr., IDEM, p. 378.

69

celebrados pela entidade pública dotada de poderes exorbitantes, que eram conformados pela disciplina do direito público e cujo controlo se fazia com recurso ao contencioso administrativo, e os contratos celebrados pela Administração na sua veste privada, dominados pelo direito privado e controlados pelos tribunais comuns.

Atendendo à evolução do direito europeu e do direito nacional, entendemos que é de reconhecer a evidente tendência de uniformização dos regimes aplicáveis aos contratos celebrados pela Administração, sejam eles, na aceção tradicional, contratos administrativos ou contratos de direito privado, concretizada através da disciplina dos contratos públicos.

Na verdade, o legislador nacional não o nega, tanto mais que faz no CCP a distinção entre os contratos públicos de natureza administrativa - que reconduz à ideia tradicional de contrato administrativo - e os demais contratos públicos, no qual serão subsumidos os vulgarmente conhecidos como contratos de direito privado celebrados pela Administração.

A existência de uma dicotomia associada aos contratos celebrados pela Administração não deve ser recusada nem encarada com desconfiança, porquanto é naturalmente emergente da atividade contratual da Administração.

Com efeito, já defendia MARCELLO CAETANO que nem todos os contratos de direito público interno eram contratos administrativos, sendo-o, apenas, aqueles que eram celebrados entre a Administração e outras pessoas, singulares ou coletivas, para fins administrativos109.

Ainda que a regulação europeia da contratação pública em geral e dos contratos públicos em concreto tenha vindo a conduzir a uma aproximação de regimes aplicáveis aos contratos celebrados pela Administração, no sistema jurídico nacional, até ao momento, tal abeiramento não tem significado a hegemonia de um dos tipos de contratos paralelamente à decadência do outro, tanto mais que, é evidente a autonomia reconhecida no CCP ao contrato público de natureza administrativa, isto é, ao tradicional contrato administrativo, enquanto subespécie dos contratos públicos.

De facto, uma análise cuidada ao CCP mostra que este tem um duplo objeto110, dedicando-se à regulamentação da formação dos contratos públicos, por um lado, e à estatuição do regime substantivo do contrato administrativo, por outro lado, nas Partes II e III, respetivamente.

109 Cfr. CAETANO, Marcello - Manual de Direito Administrativo. 10ª edição (4ª reimpressão), Tomo I. Coimbra: Almedina, 1990, cit., p. 579. 110 Neste sentido, FREITAS DO AMARAL, Diogo. Curso de Direito Administrativo. 2ª edição, 2ª reimpressão. Com a colaboração de Pedro Machete

70

Posto isto, entendemos que contrato público e contrato administrativo não são figuras incompatíveis, de tal forma que, o segundo é um subtipo do primeiro. Contudo, e na senda do defendido por PEDRO GONÇALVES, não ignoramos a perda de autonomia do contrato administrativo, em virtude da sua sujeição às regras jurídicas uniformemente aplicáveis a todos os tipos contratos públicos111.

Entendemos, porém, que a questão da aproximação de sistemas ganha ainda maior relevância com a Diretiva 2014/24/UE que, de forma inovadora, no artigo 72º vem sujeitar a modificação dos contratos públicos, incluindo aqueles de natureza administrativa, às regras da concorrência. Neste sentido, vem ultrapassar as fronteiras estabelecidas pelas Diretivas que a precederam (e que influenciaram a configuração do CCP), que se limitavam à regulamentação dos procedimentos pré-contratuais, e disciplinar o contrato público durante a sua formação e que em nada buliam com o conceito tradicional de contrato administrativo.

Com a regulamentação europeia dos contratos públicos durante a fase de execução, que no CCP é exclusiva dos contratos públicos de natureza administrativa e, mais concretamente, do instituto da modificação do contrato, será de questionar se, para além da autonomia, não estará, agora, o contrato administrativo a perder a sua essência.

9.2 – A qualificação do contrato público e o âmbito de aplicação dos procedimentos pré-contratuais no CCP

A Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de Fevereiro de 2014, define contratos públicos como contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais entidades adjudicantes, que tenham por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços (artigo 2º nº 1, alínea 5)).

111 Por força da regulamentação europeia, através das diretivas relativas à contratação pública já analisadas e da jurisprudência do Tribunal de

Justiça, tem-se assistido à tendencial uniformização de regimes, que sujeita um maior número de contratos celebrados pela Administração – sejam eles, tradicionalmente, configurados como administrativos ou de direito privado – a um conjunto de pré-estabelecido de regras e procedimentos no que respeita à sua formação e, mais recentemente, à sua execução, o que MARCELO REBELO DE SOUSA E ANDRÉ SALGADO MATOS entendem corresponder a um corpo mínimo de regras de direito público. Cfr. REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. Direito Administrativo Geral: Atividade Administrativa. 1ª Edição. Alfragide: Dom Quixote, 2007. ISBN 9758-972-20-3301-5. Tomo III, pp. 276 ss.

71

Por outro lado, postula o CCP que são contratos públicos todos aqueles que, independentemente da sua designação e natureza, são celebrados pelas entidades adjudicantes previstas no artigo 2º.

A noção apresentada pelo CCP é, à primeira vista, mais ampla do que a da Diretiva 2014/24/UE, dado que depende apenas do cumprimento de um requisito subjetivo, enquanto a segunda aparece estruturada em função quer do sujeito como do objeto.

Seria, então, de esperar que, face à noção apresentada pelo CCP, fosse considerado como contrato público e, consequentemente, submetido às regras da contratação pública, todo e qualquer acordo de vontades112 em que interviesse pelo menos uma entidade adjudicante daquelas enunciadas no artigo 2º113.

Entendemos que a qualificação de um contrato como contrato público depende, desde logo, e por se tratar de um contrato, da confluência de vontades, devendo o contrato público, consequentemente, constituir um ato bilateral, positivo e imaterial114. Todos os instrumentos da atividade administrativa que não sejam suscetíveis de respeitar estas exigências - como, por exemplo, os atos e os regulamentos administrativos - não poderão ser qualificados como contratos públicos115.

Quanto ao critério subjetivo propriamente dito, os contratos públicos são contratos celebrados por entidades adjudicantes, independentemente da sua natureza pública ou privada116. Deste modo, admite-se que possam ser sujeitos às regras da contratação pública certos contratos celebrados por entidades privadas, desde que se insiram numa das categorias desenvolvidas no nº 2 do artigo 2º do CCP.

Parece-nos que o critério substantivo subjetivo117, baseado na natureza das partes, considerado para efeitos da qualificação de um contrato como público ao abrigo do CCP, pela

112 Independentemente da sua natureza, o contrato corresponde ao acordo celebrado entre duas ou mais pessoas com interesses

individualizados, a cujas vontades a lei reconheça o poder de, por essa forma, livremente criarem, modificarem ou extinguirem uma relação jurídica. Cfr. CAETANO, Marcello, op.cit., cit., p. 574.

113 E, no caso dos setores especiais, as enunciadas no artigo 7º do CCP.

114 Cfr REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André - REBELO DE SOUSA, Marcelo; SALGADO DE MATOS, André. Direito

Administrativo Geral: Atividade Administrativa…, ob. cit., cit., p. 263.

115 Relativamente a esta matéria, cfr., CAETANO, Marcello, op. cit., pp. 569 e ss, e ESTORNIHO, Maria João. Curso de Direito dos Contratos

Públicos…, ob. cit., pp. 320 e ss.

116 Cfr. Artigo 2º nº 2 alínea a) do CCP.

117 Para maiores desenvolvimentos acerca dos critérios substantivos e formais, cfr. ESTORNINHO, Maria João. Requiem pelo Contrato

72

sua amplitude desmedida, deverá ser mitigado pela verificação, in casu, de um critério substantivo teleológico.

Tal como defende MARIA JOÃO ESTORNINHO, serão contratos públicos aqueles que visam a prossecução de fins de interesse público ou, em alguma medida, possam afetar a prossecução desses mesmos fins118.

Perfilhamos desta opinião, na medida em que, só assim parece ser justificada a sujeição de contratos celebrados por entidades de natureza privada aos procedimentos pré-contratuais do CCP. No que respeita ao caso concreto das entidades financiadas ou controladas por uma entidade pública, justifica-se a sua consideração como entidades adjudicantes e, consequentemente, a subordinação ao regime da contratação pública, uma vez que, nesses casos, estará sempre em causa, pelo menos, o interesse coletivo na boa gestão dos recursos públicos.

Por outro lado, cumpre referir que nem todos os contratos públicos estão sujeitos às regras de formação dos contratos previstas na Parte II do CCP.

Com efeito, apenas os contratos públicos cujo objeto abranja prestações que, designadamente, em razão da sua natureza ou das suas características, bem como da posição relativa das partes no contrato ou do contexto da sua própria formação, estão ou sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado estão submetidos ao regime da contratação pública119.

A delimitação objetiva do âmbito de aplicação da Parte II do CCP é expressão das preocupações concorrenciais de génese europeia no regime contratação pública, fazendo depender a prevalência do regime da contratação pública da concreta afetação concorrencial das prestações do contrato. Por conseguinte, são excluídos do âmbito de aplicação dos procedimentos de formação dos contratos, por desnecessários, os contratos cujo objeto não deva estar sujeito às regras de concorrência de mercado, ainda que sejam celebrados por entidades adjudicantes (artigo 5º nº 1 do CCP).

Para além destes, são também excluídos os contratos previstos no artigo 4º do CCP e os contratos da Administração em sede de contratação in house120, isto é, aqueles em que a

118 Cfr. ESTORNINHO, Maria João. Curso de Direito dos Contratos Públicos…, ob. cit., cit., p. 328. 119 Cfr. Ponto nº 2 do Preâmbulo e artigo 5º do CCP.

120 Para o estudo da matéria da contratação in house, cfr., entre outros, FERREIRA, Durval Tiago. Contratação in house – Análise e sistematização

do regime jurídico à luz da jurisprudência europeia e nacional. Coimbra: Almedina, 2013. ISBN 978-972-40-5403-2; VIANA, Cláudia. Contratos Públicos “in house”. Direito Regional e Local. 2007, Nº0, pp. 43-52. ISSN 1646-8392. e LEITÃO, Alexandra. Contratos de prestação de bens e

73

entidade adjudicante exerce sobre a atividade da entidade adjudicatária, isoladamente ou em conjunto com outras entidades adjudicantes, um controlo análogo ao que exerce sobre os seus próprios serviços e em que a entidade adjudicatária desenvolve o essencial da sua atividade em benefício de uma ou de várias entidades adjudicantes que exerçam sobre ela o referido controlo análogo (artigo 5º nº 2 do CCP).

Do leque de contratos públicos sujeitos aos procedimentos pré-contratuais à luz do CCP são também excluídos os contratos previstos nas alíneas a) a f) do nº 4 do artigo 5º, sendo, contudo, aplicáveis à sua formação, à semelhança dos demais contratos excluídos por força dos números 1 e 2 do artigo 5º, os princípios gerais da atividade administrativa e as normas que concretizem preceitos constitucionais constantes do Código do Procedimento Administrativo ou, quando estejam em causa contratos com objeto passível de ato administrativo e demais contratos sobre o exercício de poderes públicos, as normas constantes do Código do Procedimento Administrativo, com as necessárias adaptações.

Não obstante, caso estes contratos sejam celebrados por uma das entidades adjudicantes do artigo 2º nº 1, deverão também ser respeitadas as regras de formação previstas no capítulo VIII do título II da parte II do CCP.

O âmbito de aplicação das regras de formação de contratos é reduzido ainda mais pelo disposto no artigo 6º do CCP, que exclui todos os contratos públicos cujo objeto não abranja prestações típicas dos contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de serviços públicos, de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços.

Em suma, a noção de contrato público plasmada no CCP não é tão vasta quanto o artigo 2º nº 1 parece induzir, dependendo a sua qualificação enquanto tal da verificação, em concreto, de um critério subjetivo mitigado pelo fim de interesse público prosseguido ou afetado pelo contrato em causa.

Por outro lado, nem todos os contratos públicos carecem de subordinação ao regime da contratação pública, não estando sujeitos às regras de formação de contratos, nomeadamente, aqueles contratos públicos cujo objeto abranja prestações que não estão nem sejam suscetíveis de estar submetidas à concorrência de mercado, com objeto distinto das prestações típicas dos contratos de empreitada de obras públicas, de concessão de obras públicas, de concessão de

serviços celebrados entre o Estado e as empresas públicas e relações in house. Cadernos de Justiça Administrativa. 2007, Nº 65, p. 12-27. ISSN 0873-6294.

74

serviços públicos, de locação ou aquisição de bens móveis e de aquisição de serviços ou os contratos correspondentes a formas de contratação in house.

9.3 – A qualificação do contrato público e o âmbito de aplicação da Diretiva 2014/24/UE

À semelhança do que já previa a Diretiva 2004/18/CE que a precedeu, o âmbito de aplicação objetiva da Diretiva 2014/24/UE deverá ser considerado sob o ponto de vista da natureza dos contratos, assim como, dos seus montantes limiares.

Quanto à natureza dos contratos, como já deixámos referido, a Diretiva 2014/24/UE é aplicável aos contratos públicos, definindo-os como, contratos a título oneroso, celebrados por escrito entre um ou mais operadores económicos e uma ou mais autoridades adjudicantes, que tenham por objeto a execução de obras, o fornecimento de produtos ou a prestação de serviços (artigo 2º nº 1, alínea 5)).

Para além do elemento de acordo de vontades subjacente à própria natureza do contrato, a qualificação do contrato público depende da sua onerosidade, da presença de uma ou mais autoridades adjudicantes e de um objeto específico.

No que respeita ao primeiro requisito, que não encontra previsão no CCP, apenas são considerados pela Diretiva 2014/24/UE os contratos celebrados por entidades adjudicantes que envolvam o pagamento de um preço, excluindo-se, por contraposição, os contratos públicos celebrados por entidades adjudicantes a título gratuito.

Já o segundo requisito é partilhado com a conceção atual de contrato público no CCP, na medida em que, relaciona a qualificação do contrato público com a natureza dos sujeitos e, neste caso, com a sua qualidade de autoridade adjudicante. Por este motivo, apenas serão considerados contratos públicos os contratos celebrados por autoridades estatais, regionais ou locais, organismos de direito público e associações formadas por uma ou mais dessas autoridades ou organismos de direito público (artigo 2º nº 1 alínea 1)).

Não basta que o primeiro e o segundo requisitos se mostrem cumpridos para que um determinado contrato possa ser qualificado como público, para efeitos da Diretiva 2014/24/UE.

Considerou o legislador europeu que a qualificação de um contrato como público dependeria do próprio objeto contratual, limitando os contratos públicos aos contratos de

75

empreitada de obras públicas, aos contratos públicos de fornecimento e aos contratos públicos de serviço

Verifica-se, portanto, que a noção de contrato público adotada pela Diretiva 2014/24/UE é mais restritiva do que aquela prevista no CCP, uma vez que, desde logo, não abrange os contratos concessão de obras públicas e concessão de serviços públicos e os contratos públicos dos setores especiais. Obviamente que é compreensível que assim o seja, uma vez que, aos contratos de concessão e aos contratos dos setores especiais são especificamente dedicadas as 2014/23/UE e 2014/25/UE, respetivamente.

Para além disso, só são aplicáveis as disposições da Diretiva 2014/24/UE, caso os contratos em causa excedam os limiares previstos no artigo 4º.

Este critério encontra-se parcialmente reproduzido no nº 3 do artigo 5º do CCP, estando porém limitado aos contratos a celebrar pelos hospitais E.P.E, pelas associações de direito privado, pelas instituições de ensino superior públicas e pelos laboratórios de Estado que prossigam finalidades ou exerçam atividades a título principal de natureza científica e tecnológica.

Cumpre, agora, deixar uma crítica ao legislador europeu quanto ao modo como configurou o objeto da Diretiva 2014/24/UE. Pese embora refira no nº 1 do artigo 1º que a Diretiva versa sobre as regras aplicáveis aos procedimentos de contratação adotados por autoridades adjudicantes relativamente a contratos públicos, certo é que, atendendo ao seu teor, a Diretiva 2014/24/UE vai muito mais além da regulamentação dos procedimentos pré- contratuais de formação dos contratos, invadindo a esfera da sua execução quando, no artigo 72º, trata da modificação dos contratos públicos, matéria essa que aprofundaremos mais adiante.

10 – O Contrato Administrativo 10.1 – Origem

Desde os seus primórdios que a figura do contrato administrativo revelou ser passível de diferentes aceções, configurações e discussões, sendo objeto constante de estudo por parte da doutrina, que vem lutando incessantemente por descobrir o seu local no seio da disciplina jurídica.

76

Em consequência, podemos distinguir, essencialmente, dois modelos de contrato administrativo: o modelo de origem francesa, o qual influenciou a noção portuguesa de contrato

Documentos relacionados