Luís Felipe Gonçalves Carneiro Universidade Tecnológica Federal do Paraná – campus Cornélio Procópio
luiscarneiro@alunos.utfpr.edu.br Raphael Peres Correia dos Santos Universidade Tecnológica Federal do Paraná – campus Cornélio Procópio
rapha_1201@hotmail.com Jader Otávio Dalto Universidade Tecnológica Federal do Paraná – campus Cornélio Procópio
jaderdalto@utfpr.edu.br Eliane Maria de Oliveira Araman Universidade Tecnológica Federal do Paraná – campus Cornélio Procópio
elianearaman@utfpr.edu.br
Resumo:
Este artigo traz resultados iniciais de uma investigação em andamento realizada no âmbito de um programa de extensão. Esta pesquisa é de cunho qualitativo, sendo realizada por meio da análise documental bibliográfica, com o objetivo de refletir sobre as contribuições da Etnomatemática para a Educação do Campo no Brasil. Para isso, foram analisados os documentos oficiais de Educação do Campo e pesquisas realizadas com o uso da Etnomatemática na Educação do Campo. Os resultados iniciais desta análise permitem concluir que uma das maiores contribuições do programa Etnomatemática para a Educação do Campo é a conexão da realidade dos alunos da escola rural com o currículo da matemática que é propiciada por este programa.
Palavras-chave: Educação Matemática. Educação do campo. Etnomatemática. PNAIC.
Introdução
Este trabalho foi desenvolvido a partir de ações do Programa Observatório de Políticas Públicas, da Universidade Tecnológica Federal do Paraná - Câmpus Cornélio
Procópio. O objetivo do trabalho é refletir sobre a Etnomatemática como alternativa de ensino da Matemática a estudantes de zonas rurais.
Para tanto, foram analisadas as orientações para a Educação do Campo, presentes nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica (DCN). Foi utilizado, ainda, o caderno de alfabetização sobre Educação Matemática do Campo, do Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC).
As Diretrizes Curriculares Nacionais estabelecem uma base nacional comum para a educação. Além disso, buscam promover a ascensão e inclusão social de estudantes por meio da educação. Essas diretrizes estão organizadas nos níveis de Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Além desses, possuem orientações para temas como Educação do Campo e Educação Indígena.
Já o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa é um compromisso assumido pelos governos federal, estaduais e municipais, com objetivo de assegurar que todas as crianças estejam alfabetizadas até os oito anos de idade. É importante ressaltar que é prevista, também, a alfabetização na linguagem matemática. Dessa forma, por meio de iniciativas do PNAIC (BRASIL, 2014), foram disponibilizados cadernos de alfabetização em Matemática e em Língua Portuguesa.
A escolha pela Etnomatemática justifica-se pelo fato de esse programa considerar os saberes específicos de cada grupo. E, as populações do campo possuem saberes matemáticos específicos, que requerem um tratamento como o proporcionado pela Etnomatemática. Além disso, é histórica a dificuldade das populações do campo no que se refere à educação, já que o campo é visto, muitas vezes, como local atrasado em relação à zona urbana e de produção de alimentos.
Diante do exposto, a presente pesquisa qualitativa (BOGDAN; BIKLEN, 1994), ainda em andamento, procura estabelecer as relações entre a Etnomatemática e a Educação do Campo, evidenciando algumas contribuições. Para tal, foi realizado uma pesquisa documental e bibliográfica entre os documentos oficiais citados e alguns pesquisadores da Etnomatemática procurando estabelecer as relações e as contribuições do programa com a modalidade de ensino.
Um breve panorama da educação do campo segundo documentos oficiais
Segundo as DCN (BRASIL, 2013), a educação rural não foi citada em nenhuma das Constituições de 1824 e de 1891. Esse fato evidencia o descaso com a Educação do Campo, já que o Brasil era, nesse período, um país com produção eminentemente agrária. Somente a Constituição de 1934 passa a tratar da educação rural.
Na época, sob o ponto de vista da elite brasileira, o campo propiciava condições para o desenvolvimento da indústria e dos espaços urbanos, apesar de ser ultrapassado (OLIVEIRA, 2003 apud BRASIL, 2014). Desse modo, por muito tempo permaneceu a concepção de que as populações do campo não precisavam de instrução, já que sua função era subsidiar o desenvolvimento das cidades.
A atual Constituição Federal, no artigo 205, regulamenta que é dever do Estado garantir a educação a todos. Além disso, o artigo 5º da LDBEN (BRASIL, 1996) diz que o acesso à educação básica obrigatória é direito público. Portanto, os estudantes que se encontram em comunidades rurais devem ter acesso à educação básica obrigatória, garantida pelo Estado.
Contudo, apesar de a Educação do Campo receber maior atenção das legislações vigentes, há ainda distanciamento entre as zonas urbanas e rurais. Segundo as DCN (BRASIL, 2013), a maioria das escolas do campo existentes atualmente são somente escolas nos moldes urbanos no campo. Essas escolas não consideram as especificidades presentes nas populações rurais.
De acordo com as DCN (BRASIL, 2013), no ano de 2006 foi constatado que cerca de 90% dos alunos de zonas rurais matriculados no Ensino Médio eram transportados do campo para a cidade para poderem concluir a escolarização básica.
As DCN (BRASIL, 2013) indicam ainda que não há cooperação entre os governos federal, estaduais e municipais com relação à Educação do Campo. No documento é relatado que vários municípios se recusam a transportar estudantes do Ensino Fundamental e Médio, alegando serem de responsabilidade do governo estadual. De fato, segundo o artigo 11 da LDBEN (BRASIL, 1996), os municípios são responsáveis somente pelo transporte escolar da rede municipal de ensino.
A interface entre Etnomatemática e Educação do Campo
Como visto anteriormente, a falta histórica de políticas públicas é mais uma das dificuldades enfrentadas pelas escolas situadas em zonas rurais. Além disso, segundo Arroyo (2007), as políticas existentes são voltadas às escolas de áreas urbanas. E, quando se fala em Educação do Campo, são ressaltados pontos como adequação ou adaptação. Para esse autor, isso evidencia que o campo é visto como um local atrasado, onde os serviços são sempre realizados de forma secundária e precária.
Pode-se notar que as escolas do campo não possuem dos governantes atenção proporcional à importância dessas instituições. As DCN (BRASIL, 2013) pontuam que, ao trabalhar com alunos de escolas do campo, é fundamental reconhecer que tais estudantes possuem características distintas dos alunos de escolas urbanas.
Nesse sentido, cabe atenção à nucleação das escolas. O processo de nucleação ocorre quando são reunidos alunos de diferentes localidades em uma única escola, fazendo com que diversos alunos sejam deslocados por longas distâncias para estudarem. Arroyo (2007) diz que, ao deslocar alunos do campo para a cidade, comete-se um desrespeito com escomete-ses estudantes e com a cultura e identidade das comunidades as quais pertencem. Para esse autor, a ida alunos do campo às cidades, para terem aula com professores de escolas urbanas e colegas urbanos, acarreta na exclusão social desses estudantes.
Arroyo (2007) também destaca que há uma tradição de políticas e direitos iguais para todos. Porém, nessa perspectiva as populações do campo são deixadas de lado e não têm suas especificidades atendidas. No que compete à educação, a falta de políticas específicas resulta em baixos índices de escolarização nas escolas do campo.
Os alunos de zonas rurais, em contato com a comunidade local, produzem cultura e modos de pensar únicos e característicos do meio em que estão inseridos. Logo, é necessário que o professor adapte sua prática às singularidades de cada cultura local.
Como descrito por Barbosa, Carvalho e Elias (2014) é importante destacar que há uma desconexão entre o cotidiano camponês e o que está presente no currículo, o que ocorre em sala de aula e o que é discutido pelos professores, o que pode causa mais uma dificuldade nos estudos de alunos do campo.
No caderno de formação de Educação do Campo consta que, para ocorrer aprendizagem eficiente em relação à Matemática, essa não deve ser trabalhada em sala de aula desvinculada do modo de pensar matematicamente do sujeito. No caso da Educação do Campo, o ensino da Matemática deve levar em consideração as experiências matemáticas do homem do campo em suas relações sociais.
Dessa forma, segundo o caderno de formação de Educação do Campo do PNAIC (BRASIL, 2014), a Etnomatemática é uma ferramenta importante na articulação dos saberes cotidianos com os saberes escolares. A Etnomatemática procura analisar e valorizar o saber e fazer matemático de diferentes culturas. Segundo D’Ambrosio (2011), o principal motivador da Etnomatemática é procurar entender o fazer matemático em diferentes comunidades, povos e nações.
Para D’Ambrosio (2011), a Matemática se desenvolveu na Europa, recebeu contribuições indiana e islâmica, e chegou à forma atual, sendo imposta ao mundo todo. Além disso, a Matemática tem conotação de rigor e precisão, o que contribui para exclusão de outras formas de pensamento.
A Etnomatemática considera importante ao professor incorporar a cultura e vivência dos alunos à sua prática pedagógica, contribuindo para a construção de um currículo que inclua os saberes cotidianos dos alunos. Dessa forma, cabe ao professor a tarefa de apropriar-se da cultura da comunidade onde atua. Na perspectiva do PNAIC (BRASIL, 2014) o professor deve ouvir e aprender com os alunos e com a comunidade sobre os saberes cotidianos praticados.
Segundo os cadernos de formação de Educação do Campo (BRASIL, 2014), é preciso que o professor observe o aluno e sua singularidade, desenvolvendo práticas pedagógicas que levem em consideração os saberes do estudante e também o motivem a estudar.
Em estudo da autora Gelsa Knijnik (2003), foi realizada uma atividade em um assentamento do Movimento Sem-Terra do Rio Grande do Sul. Nessa atividade, um assentado produtor de alface é entrevistado, e faz relatos informais sobre seu trabalho. Nessa conversa, o produtor conta detalhes de sua produção, como gastos e lucros obtidos com cada lavoura.
Com os relatos do produtor, os alunos de uma turma passaram a levantar questões pertinentes, juntamente com o produtor. Segundo a autora da pesquisa
(KNIJNIK, 2003) foi possível perceber que os alunos ficaram bastante entusiasmados com o fato de estarem colaborando com o produtor e envolveram-se bastante no projeto. Pode-se notar que a atividade realizada levava em consideração a realidade vivenciada pelos estudantes. Além disso, a atividade considerava também os saberes da comunidade, já que contava com a participação de um produtor local.
Considerações finais
Por se tratar de um trabalho ainda em desenvolvimento, não é possível chegar a uma conclusão final, porém de acordo com o já desenvolvido, é perceptível de imediato que, mesmo a Educação do Campo sempre ter existido, o reconhecimento de sua tem ocorrido apenas nos últimos quinze anos, já que os principais documentos federais e as pesquisas realizadas datam do ano 2000 em diante, salvo poucas exceções.
Contudo, a partir do momento que os documentos oficiais que regem a educação brasileira, por mais tardio que seja, começam a apresentar diretrizes para essa modalidade de ensino, isso abre um “leque” de possibilidade de contribuir para que a Educação do Campo melhore cada vez mais.
Através da análise dos artigos estudados, pode-se perceber a principal contribuição do Programa Etnomatemática na Educação do Campo é, sem dúvida, a volta da conexão da realidade dos alunos da escola rural com o currículo da matemática, problema descrito por Barbosa, Carvalho e Elias (2014).
O programa estar presente nas escolas rurais possibilita que os alunos, que por muitas vezes não compreendem a matemática acadêmica, comecem a perceber a matemática no seu dia a dia, identificando a importância no aprendizado dessa disciplina, podendo com isso aplicar o que aprendem da sua casa e nas atividades realizadas pela sua família, contribuindo então não só com o aprendizado do aluno, mas também para todos em volta do mesmo.
Assim, concluímos nosso objetivo inicial, que seria a identificação da contribuição do programa Etnomatemática e da modalidade de ensino Educação no Campo, sendo realizada através da análise dos documentos oficiais e dos trabalhos já concluídos nesse tema, possibilitando assim a continuação da pesquisa aqui iniciada.
Agradecimentos
O Programa de Extensão “Observatório de Políticas e Legislação Educacional” é realizado com o apoio do PROEXT - MEC/SESu.
Referências
ARROYO, M. G. Políticas de formação de educadores(as) do campo. Caderno Cedes, Campinas: v. 27, n. 72, p. 157 – 176, maio/ago. 2007. Disponível em: <http://www.cedes.unicamp.br> Acesso em: 23 de jun. 2015
BARBOSA, L. N. S. C., CARVALHO, D. F., ELIAS, H. R. As relações estabelecidas entre o cotidiano camponês e a aula de matemática: análise da produção científica em 10 edições do Encontro Nacional de Educação Matemática, Revista de Educação
Matemática e Tecnológica Iberoamericana, v. 5, n. 1, 2014. Disponível em: <
http://www.gente.eti.br/revistas/index.php/emteia/article/view/174> Acesso em: 26 de jun. 2015.
BOGDAN, R.; BIKLEN, S. - Características da investigação qualitativa. In:
Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Porto,
Porto Editora, 1994
BRASIL, Ministério da Educação, Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação
Básica, Brasília: MEC, 2013.
BRASIL, Ministério da Educação, Programa Nacional da Alfabetização na Idade
Certa – Educação Matemática do Campo, Brasília: MEC, 2014.
BRASIL. Lei nº. 9.394/96 – Diretrizes e Base da Educação Nacional – LDB, de 20
de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 1996.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988. Organização do texto: Juarez de Oliveira.
4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990. 168 p. (Série Legislação Brasileira).
D’AMBRÓSIO, U. Etnomatemática - Elo entre as tradições e a modernidade. 4 ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
KNIJNIK, G. Currículo, Etnomatemática e educação popular: um estudo em um assentamento do movimento sem terra. Currículo sem fronteiras. v. 3 n. 1, p. 96 –
110, 1º sem. 2003. Disponível em
<http://www.curriculosemfronteiras.org/vol3iss1articles/gelsa.pdf> Acesso em: 19 jun. 2015