A RESOLUÇÃO CONAMA 20/86 E AS LEGISLAÇÕES ESTADUAIS
DE CLASSIFICAÇÃO DAS ÁGUAS E LANÇAMENTO DE
EFLUENTES
Marcos von Sperling(1)
Engenheiro Civil. Doutor em Engenharia Ambiental pelo Imperial College, Universidade de Londres. Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Sanitária e Ambiental da UFMG.
Luciana Vaz do Nascimento
Engenheira Química. Especialista em Engenharia Sanitária e Ambiental pela UFMG. Mestre em Saneamento, Meio Ambiente e Recursos Hídricos pela UFMG.
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RESUMO
O presente trabalho apresenta uma compilação e comparação da classificação das águas doces de 14 estados brasileiros com a classificação dada pela Resolução CONAMA 20/86. Posteriormente, comparam-se os limites de lançamento de efluentes das legislações estaduais que, a princípio, diferem da legislação nacional.
PALAVRAS-CHAVE: Legislação Ambiental, Usos da Água, Padrões de Qualidade,
Padrões de Emissão, Resolução CONAMA 20/86.
INTRODUÇÃO
A Resolução CONAMA no 20, de 18/06/86, foi criada com o objetivo de assegurar os usos preponderantes previstos para os corpos d’água e nortear o controle dos efluentes líquidos. Ela dividiu as águas do território brasileiro em águas doces (salinidade < 0,05%), salobras (salinidade entre 0,05% e 3%) e salinas (salinidade > 3%). Em função dos usos previstos, foram criadas nove classes de qualidade. As Classes Especial, 1, 2, 3 e 4 referem-se às águas doces, as Classes 5 e 6 são relativas às águas salinas e as Classes 7 e 8 às águas salobras. Os padrões de qualidade são expressos na forma dos padrões do corpo d’água (segundo sua classe) e dos padrões de lançamento (padrões de emissão, independentes da classe do corpo d’água receptor).
A Resolução CONAMA 20/86 especifica em seu art. 15 que “os órgãos de controle ambiental
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Dessa forma, o presente trabalho busca comparar as legislações estaduais de classificação das águas e de lançamento de efluentes com a legislação nacional, a Resolução CONAMA 20/86. Foram contatados todos os órgãos ambientais estaduais do Brasil, por meio postal e/ou telefônico, tendo sido obtidas 14 legislações estaduais, as quais são analisadas no presente trabalho.
AS LEGISLAÇÕES ESTADUAIS
Os estados brasileiros investigados e os respectivos instrumentos legais pertinentes à qualidade das águas e lançamento de efluentes que são objeto de avaliação no presente trabalho estão apresentados no Quadro 1.
Quadro 1: Legislações estaduais de qualidade das águas e lançamento de efluentes em corpos d’água.
Estado
Instrumento Legal
Classificação das águas Padrões de qualidade Padrões de lançamento
Alagoas Decreto Estadual 3.766 de 30/10/78
____ Decreto Estadual 6.200 de
01/03/85
Ceará Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86 Portaria SEMACE/CE
097 de 03/04/96 Espírito Santo Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86
Goiás Lei Estadual 8.544 de
17/10/78 Lei Estadual 8.544 de 17/10/78 Lei Estadual 8.544 de 17/10/78 Mato Grosso do Sul Deliberação CECA/MS 003 de 20/06/97 Deliberação CECA/MS 003 de 20/06/97 Deliberação CECA/MS 003 de 20/06/97
Minas Gerais Deliberação Normativa COPAM 010/86 Deliberação Normativa COPAM 010/86 Deliberação Normativa COPAM 010/86 Paraíba NT 201 de 09/03/88 ____ NT 301 de 24/02/88
Paraná Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86
Pernambuco Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86
Rio Grande do Norte
Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86
Rio Grande do Sul
Resol. CONAMA 20/86 Resol. CONAMA 20/86 Portaria 05/89 SSMA
Rondônia Decreto Estadual 7.903 de 01/07/1997
Decreto Estadual 7.903 de 01/07/1997
Decreto Estadual 7.903 de 01/07/1997
Santa Catarina Decreto Estadual 14.250 de 05/06/81
Decreto Estadual 14.250 de 05/06/81
Decreto Estadual 14.250 de 05/06/81
São Paulo Decreto Estadual 8.468 de 08/09/76
Decreto Estadual 8.468 de 08/09/76
Decreto Estadual 8.468 de 08/09/76
A CLASSIFICAÇÃO DAS ÁGUAS ESTADUAIS
No Quadro 2 são apresentadas as classificações das águas em função dos usos preponderantes dos estados brasileiros, listados no Quadro 1, que, a princípio, diferem da legislação nacional.
Observa-se do Quadro 2 que as legislações dos estados do Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e da Paraíba adotam a mesma classificação das águas da Resolução CONAMA 20/86. No entanto, os estados de Goiás, Santa Catarina e São Paulo adotam a mesma classificação da Portaria GM 013 de 15/01/1976, que foi o instrumento legal que estabeleceu pela primeira vez no âmbito federal a classificação das águas interiores. Esta Portaria foi substituída pela Resolução CONAMA 20/86. Os estados de Alagoas e Rondônia adotam classificações próprias diferentes das anteriores.
LIMITES DE LANÇAMENTO DE EFLUENTES SEGUNDO AS LEGISLAÇÕES ESTADUAIS
Conforme citado anteriormente, os órgãos ambientais estaduais podem adotar os mesmos padrões da Resolução CONAMA 20/86, complementá-los ou eventualmente aplicar padrões mais restritivos. Para efeito de comparação, apresentam-se no Quadro 3 os parâmetros cujos limites de lançamento são mais restritivos ou não são cobertos pela Resolução CONAMA 20/86.
Através do Quadro 3, observa-se que algumas legislações estaduais estabelecem limites para os parâmetros típicos de esgoto doméstico (DBO, DQO, sólidos em suspensão, coliformes fecais, fósforo total e nitrogênio total) diferentemente da legislação nacional, na qual estes parâmetros estão ausentes. Pode-se considerar este fato como um avanço, ao demonstrar preocupação em disciplinar o lançamento de esgoto doméstico, usualmente menos fiscalizado e controlado pela maioria dos órgãos ambientais estaduais, em comparação com os efluentes industriais.
Para os principais parâmetros de interesse nos esgotos domésticos (DBO, DQO, SS, nitrogênio, fósforo e coliformes fecais), pode-se tecer os comentários a seguir. Deve-se destacar que não há padrões de lançamento para estes parâmetros na Resolução CONAMA 20/86, e que os mesmos foram introduzidos nas legislações estaduais.
• DBO. A maior parte dos estados adotam o valor de 60 mg/l. Alguns estados incorporam também o conceito de eficiência de remoção mínima, nos casos em que o atendimento ao padrão de 60 mg/l não for atendido (ex: indústrias com elevadíssima concentração de DBO nas águas residuárias). Dos estados que utilizam o critério da eficiência, a maioria adota a eficiência de 80%, com exceção de Minas Gerais, que adota 85%. Como será visto posteriormente, o Rio Grande do Sul possui padrões variáveis em função da faixa de vazão, para DBO, DQO e SS.
tratado, o qual usualmente apresenta valores desta relação em torno de 3 a 4. No momento, MG está analisando a adoção de um padrão de eficiência de remoção mínima de 90%. RS apresenta um padrão variável em função da faixa de vazão. • Sólidos em suspensão. Minas Gerais adota o valor médio de 60 mg/l e máximo de 100
mg/l e o Rio Grande do Sul adota um padrão variável com a vazão. Os demais estados não possuem padrões de lançamento para SS.
• Nitrogênio total. A Resolução CONAMA 20/86 estabelece padrões de lançamento para amônia de 5 mg/l. A análise do presente item é para nitrogênio total. Três estados adotam padrões de emissão para nitrogênio total, a saber: Paraíba, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O valor adotado é de 10 mg/l. Os dois primeiros estados explicitam que o padrão deve ser aplicado no caso de lançamentos em trechos de corpos d’água contribuintes de lagos, lagoas e represas.
• Fósforo total. Os mesmos estados que adotam padrões de lançamento para nitrogênio total adotam também padrões de emissão para fósforo total, no valor de 1 mg/l. Os estados da Paraíba e Santa Catarina explicitam também que o padrão deve ser aplicado no caso de lançamentos em trechos de corpos d’água contribuintes de lagos, lagoas e represas.
• Coliformes fecais. Apenas o Rio Grande do Sul possui padrões de emissão para coliformes fecais, no valor de 3000 NMP/100 ml.
É interessante detalhar os limites adotados pelo estado do Rio Grande do Sul para efluentes que contêm carga orgânica e sólidos em suspensão. A legislação gaúcha incorporou o princípio de lançamento por carga, ou seja, quem descarta menores volumes de efluentes tem a prerrogativa de lançar o efluente com uma concentração de matéria orgânica e sólidos em suspensão maior, e quem lança maiores volumes de efluentes tem que descartá-los com uma menor concentração de matéria orgânica e sólidos em suspensão. No Quadro 4 são apresentados os limites para os efluentes contendo matéria orgânica e sólidos em suspensão, segundo a legislação do Rio Grande do Sul.
Quadro 4: Limites de lançamento para os parâmetros DBO5, DQO e Sólidos em
Suspensão para o estado do Rio Grande do Sul.
Vazão (m3/dia) DBO5 (mg/l) DQO (mg/l) Sólidos Suspensão (mg/l)
Fontes Poluidoras Existentes
Q < 20 ≤ 200 ≤ 450 ≤ 200 20 ≤ Q < 200 ≤ 150 ≤ 450 ≤ 150 200≤ Q < 1000 ≤ 120 ≤ 360 ≤ 120 1000 ≤ Q <2000 ≤ 80 ≤ 240 ≤ 80 2000 ≤ Q < 10000 ≤ 60 ≤ 200 ≤ 70 Q ≥ 10000 ≤ 40 ≤ 160 ≤ 50
Fontes Poluidoras a Serem Implantadas
Q < 200 ≤ 120 ≤ 360 ≤ 120 200≤ Q < 1000 ≤ 80 ≤ 240 ≤ 80 1000 ≤ Q <2000 ≤ 60 ≤ 200 ≤ 70 2000 ≤ Q < 10000 ≤ 40 ≤ 160 ≤ 50 Q ≥ 10000 ≤ 20 ≤ 100 ≤40 CONCLUSÕES
Foram levantadas as legislações de classificação das águas e de lançamento de efluentes de 14 estados brasileiros (AL, CE, ES, GO, MS, MG, PB, PR, PE, RN, RS, RO, SC e SP). Destes estados, somente 5 (AL, GO, RO, SC e SP) adotam uma classificação das águas doces diferente da Resolução CONAMA 20/86.
Com relação aos parâmetros e limites de lançamento de efluentes estaduais, verificou-se que a maioria dos parâmetros caracterizados como substâncias potencialmente prejudiciais possuem limites iguais ou mais restritivos que a Resolução CONAMA 20/86. Constatou-se ainda que algumas legislações estaduais estabelecem limites para parâmetros típicos de esgoto doméstico e que a legislação gaúcha adota o princípio de lançamento por carga poluidora para os parâmetros DBO5, DQO e sólidos em suspensão.
o
2418
Quadro 2: Classificação das águas estaduais.
Uso Preponderante
Resolução
CONAMA
Estado
20/86 AL GO MS MG PB RO SC SP
Abastecimento doméstico, sem prévia ou com simples desinfecção
Classe Especial
Classe 1 Classe 1 Classe
Especial Classe Especial Classe Especial Classe Especial Classe 1 Classe 1
Abastecimento doméstico após tratamento simplificado Classe 1 Classe 1 Classe 1 Classe 1 Classe 1
Abastecimento doméstico após tratamento convencional Classe 2, 3 Classe 2 Classe 2, 3 Classe 2, 3 Classe 2, 3 Classe 2, 3
Classe 2 Classe 2, 3 Classe 2,
3
Abastecimento doméstico após tratamento avançado Classe 4 Classe 4 Classe 4
Preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas Classe Especial Classe Especial Classe Especial Classe Especial
Proteção das comunidades aquáticas Classe 1, 2 Classe 3 Classe 1,
2 Classe 1, 2 Classe 1, 2 Classe Especial, Classe 3 Classe 3
Recreação de contato primário Classe 1, 2 Classe 2 Classe 2 Classe 1,
2
Classe 1, 2
Classe 1, 2
Classe1, 2 Classe 2 Classe 2
Irrigação de hortaliças e frutas rentes ao solo e que sejam ingeridas cruas
Classe 1 Classe 1 Classe 1 Classe 1 Classe
Especial,
Irrigação de hortaliças ou plantas frutíferas Classe 2 Classe 2 Classe 2 Classe 2 Classe 2 Classe 2 Classe2 Classe 2 Classe 2
Irrigação de culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras Classe 3 Classe 3 Classe 3 Classe 3 Classe 3
Criação de espécies natural e/ou intensiva (aquicultura) destinadas à alimentação humana
Classe 1, 2 Classe 1, 2 Classe 1, 2 Classe 1, 2 Classe Especial
Dessedentação de animais Classe 3 Classe 3 Classe 3 Classe 3 Classe 3 Classe 3 Classe 3 Classe 3
Navegação Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4
Harmonia paisagística Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4 Classe 4
Quadro 3: Parâmetros cujos limites de lançamento são mais restritivos ou não são cobertos pela Resolução CONAMA 20/86.
Parâmetro Unidade Brasil Alagoas Ceará Goiás Mato Minas Paraíba Rio Grande Rondônia Santa São
CONAMA Grosso do
Sul
Gerais do Sul Catarina Paulo
Óleos e graxas (minerais) mg/l 20 20 20 - 20 20 20 10 20 20
-Óleos e graxas (veg/anim) mg/l 50 20 50 - 50 50 30 30 50 30
-pH - 5 a 9 5 a 9 5 a 9 5 a 9 5 a 9 6 a 9 5 a 9 6 a 8,5 5,8 a 9,7 6 a 9 5 a 9
DBO5 (efic. mín de remoção) mg/l - 60 - 60 (80%) 60 60 (85%) 60 (80%) Variável - 60 (80%) 60 (80%)
DQO mg/l - 150 - - - 90 - Variável - -
-Coliformes fecais NMP/100ml - - - - 3.000 - -
-Sólidos em suspensão mg/l - - - - - 100 - Variável - -
-Substâncias potencialmente prejudiciais
Alumínio mg Al/l - - - - 10 - - -Arsênio mg As/l 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,2 0,1 0,1 0,5 0,1 0,2 Cádmio mg Cd/l 0,2 0,2 0,2 0,2 0,2 0,1 0,1 0,1 0,2 0,1 0,2 Chumbo mg Pb/l 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,1 0,1 0,5 0,5 0,5 0,5 Cobalto mg Co/l - - - - 0,5 - - -Cobre mg Cu/l 1 1 1 1 1 0,5 0,5 0,5 1 0,5 1 Cromo VI mg Cr/l 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,1 0,5 0,1 0,1 Cromo III mg Cr/l 2 2 2 2 2 1 1 - 2 - -Cromo total mg Cr/l - - - - 5 5 Fenóis mg /l 0,5 0,5 0,5 0,5 0,5 0,2 0,2 0,1 0,5 0,2 0,5
Ferro solúvel mg Fe/l 15 15 15 15 15 10 15 10 15 15 15
Fósforo total mg P/l - - - - 1(1) 1 - 1(1)
-Mercúrio mg Hg/l 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,01 0,005 0,01
Metais tóxicos totais mg/l - - - - - 3 - - - -
-Molibdênio mg Mo/l - - - - 0,5 - - -Níquel mg Ni/l 2 2 2 2 2 1 2 1 2 1 2 Nitrogênio total mg N/l - - - - 10(1) 10 - 10(1) -Prata mg Ag/l 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,1 0,02 0,02 Selênio mg Se/l 0,05 0,05 0,05 0,05 0,05 0,02 0,05 0,05 0,05 0,02 0,02 Sulfetos mg S/l 1 1 1 1 1 0,5 1 0,2 1 1 -Surfactantes mg/l - - - - - 2 2 2 - 2 -Vanádio mg V/l - - - - 1 - - -Zinco mg Zn/l 5 5 5 5 5 5 1 1 5 1 5