O Método do Tubo de Trajetórias para a Equação de Convecção.
Parte I: Formulação
Luciana P. M. Pena
Laboratório de Ciências Matemáticas, (LCMAT/CCT), Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro - UENF
Campos dos Goytacazes-RJ, Brasil
Marcelo Sampaio
Eletronuclear – Eletrobrás Termonuclear S.A.
Nélio Henderson e Gustavo M. Platt Grupo de Termodinâmica e Otimização
Instituto Politécnico, Universidade do Estado do Rio de Janeiro 28601-970, Nova Friburgo-RJ, Brasil
Resumo. No presente trabalho apresentamos a formulação do método do Tubo de Trajetórias, um algoritmo semi-Lagrangiano, conservativo, explícito, simples, fisicamente intuitivo e destinado à equação de convecção.
1. INTRODUÇÃO
Muitos problemas práticos relacionados com o transporte de uma propriedade física são descritos por uma equação diferencial parcial hiperbólica denominada de equação de convecção ou de advecção. Um exemplo é o transporte de sal pelas correntes marinhas; outro exemplo importante é a advecção de frentes meteorológicas. Conseqüentemente, a modelagem computacional dos fenômenos de convecção é uma área de grande importância, onde a solução dessa equação tem um papel de destaque na predição de diversos problemas de interesse da engenharia e da ciência aplicada.
Durante as últimas décadas a busca por soluções numéricas fisicamente coerentes para a equação de convecção tem envolvido um grande esforço da comunidade científica. Vários algoritmos foram desenvolvidos em diversas áreas do conhecimento técnico e teórico. Uma vez que esses métodos são geralmente explícitos,
eles estão tipicamente sujeitos às condições de Courant-Friedrichs-Lewy (CFL), a qual impõe restrições ao passo de tempo usado na resolução numérica. Essa questão pode ser suplantada com o emprego de esquemas semi-Lagrangianos, os quais são populares na simulação de modelos atmosféricos, veja [6], [7], [10], [11], por exemplo. Os métodos semi-Lagrangianos têm sua origem na dinâmica de fluidos computacional dos anos 50 e 60, sendo um legado histórico decorrente das primeiras técnicas numéricas para a simulação de escoamentos, veja [3], [12] e [13]. A principal desvantagem da maioria dos esquemas semi-Lagrangianos é o fato deles formalmente não conservarem a massa. Assim, trabalhos recentes tentam contornar essa questão melhorando as propriedades conservativas de alguns esquemas semi-Lagrangianos, veja, por exemplo, [1].
Aqui formularemos o método do Tubo de Trajetórias, um algoritmo semi-Lagrangiano construído utilizando-se os princípios básicos da mecânica dos meios contínuos. Este método foi desenvolvido e inicialmente testado nas dissertações de doutorado de Sampaio, [8] e Pena, [4], onde também são apresentadas duas
extensões semi-Lagrangianas destinadas à equação de conveçcão-difusão.
2. DESCRIÇÃO DO MÉTODO
A nossa abordagem para o método do Tubo de Trajetórias é formulada com base na teoria da mecânica dos meios contínuos, à luz da metodologia Lagrangiana. Em vista disso, inicialmente iremos rever alguns conceitos físicos de interesse, os quais estão relacionados com aspectos cinemáticos da mecânica do contínuo, conforme [2] e [9], por exemplo.
Na mecânica dos meios contínuos, um corpo material é caracterizado pela possibilidade de ocupar diferentes regiões de um espaço Euclidiano em diferentes instantes de tempo. Em geral, dado t∈ , um corpo tridimensional Β
(ou uma parte de Β) é idealizado como sendo um conjunto conexo Ω ⊂ t 3, chamado de configuração do corpo no instante t. Assim, em instantes de tempo distintos t~e t, o mesmo corpo é representado por duas (possivelmente diferentes) configurações Ωt~ e Ωt. Essas
regiões, supostamente regulares, podem diferir não apenas pela forma geométrica mas também pelas posições ocupadas em 3. Durante o movimento do corpo, a localização no espaço de uma dada configuração, com relação a um sistema de coordenadas, é feita por meio de um vetor posição: ) , ( t X X =
ζ
, (1) ondeζ
denota uma partícula de Β. Na realidade, X(ζ
,t) representa a posição do ponto material arbitrárioζ
na configuração relacionada com o tempo t.O domínio espaço-tempo clássico é identificado com o produto Cartesiano 3×
do espaço Euclidiano 3 com o eixo de tempo
. Aqui, a curva no espaço-tempo ao longo da qual uma partícula material arbitrária se desloca será referida como a trajetória da partícula material
ζ
. No sentido da mecânica dos meioscontínuos, existe um outro conceito Lagrangiano que determina a localização (apenas) no espaço da partícula a partir da deformação do corpo. Este caminho em 3 é denominado na literatura em língua inglesa de “path line”. No presente trabalho, chamaremos um tal caminho no espaço de linha de trajetória. Enfatizamos que, neste contexto, existe uma diferença substancial entre trajetória e linha de trajetória: a primeira é uma curva no espaço (3) parametrizada pelo tempo e a segunda encontra-se efetivamente no espaço-tempo (4).
Assim, de acordo com a definição dada na página 59 do texto clássico de Gurtin, [2], a trajetória de
ζ
será definida aqui matematicamente como sendo o seguinte conjunto em 3×:{
3}
( , )X t ; X X( , )t ,t
ζ ζ
ℑ = ∈ × = ∈ Ω ∈ .(2)
Visto que o tempo t é o parâmetro ao longo da linha de trajetória que corresponde às posições ocupadas por
ζ
, então a equação paramétrica da linha de trajetória de uma partícula que se move com velocidade V é uma solução particular do seguinte sistema de equações diferenciais ordinárias:V dt dX
= , (3)
A condição adicional necessária para determinar uma solução particular do sistema na Eq. (3) é obtida pela escolha de uma determinada configuração de referência, a qual informa a posição da partícula material
ζ
em um determinado tempo ~t :X t
X(
ζ
,~)= ~ (4) Dado um intervalo I =[ , ]t t1 2 , é claro que a determinação de X( , )ζ
t , para todo t∈I , define não apenas a linha de trajetória como também a própria trajetória deζ
ao longo do intervalo de tempo considerado. Por esta razãoalgumas vezes chamaremos de trajetória o conjunto solução de Eq. (3) em um certo intervalo I =[ , ]t t1 2 .
Um tubo de trajetórias Σ é uma região no espaço-tempo formada pela união das trajetórias relativas às partículas
ζ
de um dado corpo material Β, veja Figura 1.Figura 1. Tubo de trajetórias.
Assim, podemos escrever o conjunto Σ na seguinte forma:
∪
Β ∈ℑ
=
Σ
ζ ζ . (5) Aequação de convecção de interesse neste trabalho é uma EDP linear que pode ser escrita na forma .( ) 0 C CV t ∂ + ∇ = ∂ , (6)onde a função incógnita C=C X t( , ) é um escalar representando a concentração de uma substância, essencialmente um traçador, por exemplo.
Integrando a equação de convecção, Eq. (6), ao longo do tubo de trajetórias
Σ
t mostradona Figura 1 obtemos: 0 )] .( [
+
∇
=
∂
∂
∫
Σ dt dX CV t C t , (7) ou seja, 0 )] .( [+
∇
=
∂
∂
∫ ∫
∆ + Ω dt dX CV t C t t t t , (8) onde o domínio materialΩ
t representa uma configuração do fluido em um instante arbitrário t. Por outro lado, o teorema do transporte de Reynolds nos fornece a identidadeintegral dada por
[ .( )] t t d C C dX CV dX dtΩ Ω t
∂
=
+ ∇
∂
∫
∫
, [9]. Essaidentidade permite-nos escrever a expressão em Eq. (8) como segue:
0 ) (
∫
=
∫
Ω ∆ + t dt dX C dt d t t t . (9) Como por definição∫
∫
∫
Ω ∆ + → ∆ ∆
−
=
t t CdX CdX dX C dt d t t t t 0 lim ,(10)então, pelo teorema fundamental do cálculo, obtemos
∫
∫
∫
∫
∆ + Ω Ω ∆ + Ω−
=
t t t t CdX CdX dt CdX dt d t t t ) ( . (11)Assim, em vista da Eq. (11), podemos expressar a relação em Eq. (9) na seguinte forma equivalente:
(
)
∫
(
)
∫
Ω Ω = ∆ + ∆ + t t t dX t X C dX t t X C , , . (12)A igualdade na Eq. (12) mostra que formalmente a massa é conservada ao longo do tubo de trajetórias
Σ
t.Para gerarmos um esquema de discretização a partir da expressão integral (e conservativa) mostrada na Eq (12),
consideraremos uma malha num instante t+∆t como indicada na Figura 2.
Figura 2. Tubo de trajetória no domínio
discretizado.
Aqui, deve-se entender que
Ω
t+∆trepresenta um elemento retangular arbitrário da malha, sendo Dt a sua imagem mapeada para o
instante anterior t. Enfatizamos que na presente metodologia esse mapeamento é feito seguindo-se as trajetórias do traçador no seguindo-sentido reverso do tempo. Assim, o elemento Dt não é
necessariamente um quadrilátero e também encontra-se, possivelmente, deformado com relação à
Ω
t+∆t.Os processos de discretização e o mapeamento reverso de cada célula da grade ao longo das trajetórias determinam tubos de trajetórias, semelhantes aquele mostrado na Figura 2. Assim, podemos escrever a formulação Lagrangiana em Eq. (12), para cada um desses tubos, como segue:
(
)
∫
(
)
∫
+∆ = ∆ + Ωt t Dt dX t X C dX t t X C , , . (13)Seja C(n+1) o valor médio da concentração C na célula arbitrária
Ω
t+∆t, definido por:(
)
∫
∆ + Ω ∆ + +∆
+
Ω
≡
t t dX t t X C C t t n , 1 ) 1 ( , (14) onde∫
∆ + Ω ∆ + ≡ Ω t t dX t t é a medida de t t+∆Ω
. Combinando as relações em Eq. (13) e (14), obtemos: ( ) t t D n t dX t X C C ∆ + + Ω =∫
( , ) 1 . (15)A dedução acima fornece um esquema Lagrangiano para a equação de convecção.
Note que o esquema em Eq. (15) é totalmente explícito, uma vez que determina valores médios de concentração no nível de tempo t+∆t em função de valores de C no nível de tempo t. Além disso, esse esquema é conservativo, pois é uma conseqüência imediata da relação conservativa descrita em Eq. (12).
Para escoamentos de fluidos incompressíveis (∇.V =0), podemos mostrar
que
∫
=∫
∆ +
Ωt t Dt
dX
dX , para todo t, ou seja,
t t t D dX +∆ Ω =
∫
. (16)Assim, se ∇.V =0, das Eqs. (15) e (16), obtemos:
∫
=
+ t D t n dX t X C D C( 1) 1 ( , ) , (17) onde =∫
t D t dX D . Portanto, a expressão em Eq. (17) mostra que, sempre que o fluido for incompressível, o presente esquema define C(n+1) como sendo igual ao valor médio da concentração no domínio mapeado Dt, o qual não é necessariamente uma célula da grade no nível de tempo t.valor de C no nível de tempo
(
n
+
1
)
, o esquema em Eq. (15) necessita do valor da integraldX t X C t D ) , (
∫
e demanda o cálculo deΩ
t+∆t . Se a malha no instante t+∆t é retangular, a medida do elementoΩ
t+∆t é facilmente calculada. Defato, na malha considerada na Figura 2,
Ω
t+∆t é a área de um retângulo.Para finalizar, enfatizamos que a metodologia destinada ao cálculo de
dX t X C t D ) , (
∫
determinará algumascaracterísticas práticas do método proposto, e conseqüentemente diferentes algoritmos para o método do tubo de trajetórias.
Algumas implementações eficientes podem ser encontradas em [8] e [4], veja também a Parte II referente a este artigo em [5].
3. CONCLUSÕES
Neste trabalho lidamos com a formulação do método do Tubo de Trajetórias, uma abordagem semi-Lagrangiana conservativa para a resolução da equação de convecção, formulada à luz da mecânica dos meios contínuos, onde os aspectos básicos da cinemática do contínuo são as ferramentas essencialmente usadas para a concepção da formulação proposta.
O método do Tubo de Trajetórias é explícito e tem, entre outros aspectos, o mérito se ser simples e fisicamente intuitivo.
4. REFERÊNCIAS
[1] Chilakapati. A., A Characteristic-Conservative Model for Darcian Advection, Advances in Water Resources, 22, 597 (1999).
[2] Gurtin, M. E., An Introduction to Continuun
Mechanics, Academic Press, New York,
(1981).
[3] Hirt, C. W., Cook, J. L.; Butler, T. D., A Lagrangian Method for Calculation the Dynamics of an Incompressible Fluid With Free Surface, J. Comput. Phys. 5, 103 (1970). [4] Pena, L. P. M., Análise de um Método para a Equação de Convecção Formulado à Luz da Mecânica dos Meios Contínuos com Aplicações a Advecção de Anomalias Oceânicas e Meteorológicas, Tese de Doutorado, IPRJ-UERJ, (2006).
[5] Pena, L., Henderson, N. e Flores, E: “O Método do Tubo de Trajetórias para a Equação de Convecção. Parte II: Implementação Numérica”, Artigo a ser submetido ao SBMAC, (2007).
[6] Robert, A., A semi-Lagrangian Semi-Implicit Numerical Integration Scheme for the Primitive Meteorological Equations, J. Meteorolog. Soc. Japan 60, 319 (1982). [7] Robert, A., A Stable Numerical Integration
Scheme For The Primitive Meteorological Equations, Atmos. Ocean. 19, 35 (1981). [8] Sampaio, M., O Método do Tubo de
Trajetórias: Uma Abordagem Semi– Lagrangiana para as Equações de Convecção-Difusão, Tese de Doutorado, IPRJ-UERJ, (2006).
[9] Slattery, J. C, Advanced Transport Phenomena, Cambridge Series in Chemical Engineering, Cambridge University Press, (1999).
[10] Smolarkiewicz, P. K. ; Pudykiewicz, J. A., A Class Of Semi-Lagrangian Approximations For Fluids, J. Atmos. Sci. 49, 2082 (1992).
[11] Staniforth, A. e Côté, J., Semi-Lagrangian Integration Schemes for Atmospheric Models – A Review, Monthly Weather Rev. 119, 2206 (1991).
[12] Trulio, J. G., Report AFWL-TR-66-19, Air Force Weapons Laboratory, Kirtland Air
Force, USA, (1965).
[13] Wiin-Nielsen, A., On The Applications of Trajectory Methods in Numerical Forecasting, Tellus 11, 180 (1959).