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Concomitância de ceratocone e iridociclite heterocrômica de Fuchs

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Academic year: 2021

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Concomitância de ceratocone e iridociclite

heterocrômica de Fuchs

Keratoconus associated with Fuchs' heterochromic cyclitis

Jacó Lavinsky 111

Diane Marinho 121 Aliana Grimberg 131

' 1 ' Doutor em Oftalmologia. Professor Titular do Departa­ mento de Oftalmologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

'" Médica oftalmologista do Setor de Córnea e Patologia Externa do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e Mestranda em Oftalmologia da Escola Paulista de Me­ dicina.

" ' Médica Oftalmologista responsável pelo Setor de To­ pografia Corneana do Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre.

Serviço de Oftalmologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Hospital Banco de Olhos de Porto Alegre. Endereço para correspondência: Dra. Diane Marinho - Rua Mostardeiro 265/405 - CEP 90430-00 1 - Porto Alegre - RS.

ARQ. BRAS. OFT AL. 59(6), DEZEMBR0/1996

RESUMO

Descrevemos um caso de ceratocone associado a iridociclite heterocrômica de Fuchs (IHF). Após análise dos possíveis mecanismos etiopatogênicos das duas doenças não conseguimos formular uma hipótese para explicar sua ocorrência simultânea em nosso paciente. Segundo nosso conhecimento, trata­ se do primeiro relato da concomitância destas patologias.

Palavras-chave: Ceratocone; lridociclite heterocrômica de Fuchs; Ectasia corneana.

INTRODUÇÃO

O ceratocone é uma doença caracte­ rizada por uma degeneração ectásica corneana secundária a um afinamento estromal não relacionado a qualquer processo inflamatório óbvio. A doença tem incidência variável, encontrando­ se na literatura valores que vão de 4 à 600 por 1 00.000 habitantes 1 •

A iridociclite heterocrômica de Fuchs (IHF) é uma iridociclite não granulo­ matosa, branda com despigmentação da íris no olho afetado, principalmente em olhos claros e casos de doença prolon­ gada. A prevalência da IHF é igual a 1 à 8 por 1 00.000 habitantes 2 •

Tanto o ceratocone como a IHF têm etiopatogênese ainda não bem elucida­ dos. Nosso objetivo é relatar um caso de concomitância de lHF e degeneração ectásica corneana no mesmo olho. Após análise da literatura sobre os possíveis mecanismos etiopatogênicos de ambas doenças, tentamos estabelecer uma hi­ pótese de causa de efeito entre IHF e ceratocone. Este é o primeiro caso rela­ tado desta associação de patologias.

RELATO DO CASO

Trata-se de um paciente masculino de 50 anos, branco, que havia iniciado o uso de lentes de contato (LC) há 1 8 anos em ambos olhos (AO) e há 5 anos tinha diagnóstico de ceratocone. Porém, nos últimos anos o uso de LC no olho direito (OD) tornou-se intolerável. Conforme o paciente, a hipocromia da íris no OD estava presente desde sua infância. Sistemicamente o paciente apresentava hipertensão arterial. Ao exame, a acuidade visual (A V) no OD era de con­ ta dedos a 1 ,5 metros e não melhorava com correção; no olho esquerdo (OE) era de 20/50 com a melhor correção (lente de contato siliconada). A pressão intra-ocular era de 1 5 mmHg no OD e 1 6 mmHg no OE. À inspeção ocular, nota­ va-se uma heterocromia de íris, OD

hipocrômico em relação ao OE (OD =

azul e OE = verde). No exame biomi­ croscópico, observou-se, no OD, a pre­ sença de precipitados retroceráticos fi­ nos, difusos, brancos e estelares, ausên­ cia de sinéquias posteriores além de um afinamento na periferia inferior

cor-6 1 7

(2)

Fig. 1 - Aspecto biomicroscópico do olho direito.

neana (Figura 1 ). No OE (Figura 2), de­ tectou-se apenas um discreto afinamento comeano inferior. No 00 apresentava opacificação subcapsular posterior do cristalino. O exame fundoscópico foi normal em AO. A ceratometria foi de

Fig. 2 - Aspecto biomicroscópico do olho esquerdo.

618

Concomitância de ceratocone e iridociclite heterocrómica de Fuchs

48,50 x 55,00 à 65° no 00 e de 49,50 x

48,00 à 1 1 0° no OE, com miras irregula­

res em AO. A topografia corneana computadorizada (Eye Sis) realizada no 00 revelou aumento da curvatura cor­ neana na região inferior. A imagem

to-pográfica mostrava uma área mais curva englobando uma área mais plana o que poderia sugerir a presença de uma dege­ neração marginal pelúcida (figura 3). Contudo, posicionando-se o cursor na região central comeana encontrou-se um valor correspondente e uma grande cur­ vatura (52,2 O) sugerindo mais a presen­ ça de ceratocone. A topografia comeana computadorizada no OE apresentou achados compatíveis com o diagnóstico de ceratocone (figura 4).

O paciente foi submetido a um proce­ dimento tríplice de transplante penetran­ te de córnea, facectomia e implante de lente intra-ocular no 00 com evolução favorável. Atualmente encontra-se com 1 2 meses de seguimento e A V de 20/30 com correção. 1 .00 0'.).00 .00 '3.00 5'JJ)

"'·'°

.00 0<.00 03.00

"·"'

01.()) "'"' <a.OO .. oo ,,m "---'-�---=Ll-""rad = 5.39 mm pwr = 62.66 O deg = 280 o dis = 2.51 mm 57.490 @ H7" 46 .. 1 00 @ 57º

Fig. 3 - Mapa topográfico do olho direito.

53.00 S2.CO t �1 .0J OJ.00 "'-00 .. oo 47.00 .. oo " 00 H OO <3.00 '"" rad = 6. 1 4 mm pwr = 55.0 1 D deg = 280 o dis = 2.51 mm 50.590 @ 20º 48.21 0 @ 1 1 0º

Fig. 4 - Mapa topográfico do olho esquerdo.

(3)

DISCUSSÃO

O diagnóstico da IHF foi feito com base nos achados clínicos característi­ cos. Uma degeneração ectásica comeana foi diagnosticada bilateralmente pelos achados biomicroscópicos e topográfi­ cos. O processo degenerativo comeano era mais avançado no olho com uveíte. Neste olho, a degeneração ectásica corneana assemelhava-se, biomicros­ copicamente, a um ceratocone. Todavia, a topografia computadorizada comeana demonstrou que poderia-se tratar de uma degeneração marginal pelúcia. Preferi­ mos ficar com o diagnóstico de ceratocone pois à lampada de fenda não havia uma protusão comeana acima do local do afinamento, característica da degeneração pelúcida. No olho contra­ lateral, foi feito o diagnóstico de cerato­ cone pela aparência topográfica típica.

O ceratocone é classificado como uma degeneração ectásica comeana se­ cundária a um afinamento estromal de origem não inflamatória assim como a degeneração marginal pelúcida que pa­ rece tratar-se de uma variante do cera­

tocone 3· 4• Achados sugerem que tais

doenças representem diferentes manifes­ tações de um único processo patológico. Os mecanismos patogênicos primários envolvidos neste processo degenerativo ainda não foram precisamente elu­ cidados. Já foram evidenciadas altera­ ções histopatológicas como redução do

número de lamelas estromais 5, altera­

ções na substância amorfa com menor

adesão interlamelar 6 e alterações bio­

químicas culminando com menor síntese

de colágeno e proteínas 1 •

Várias teorias tentam explicar a pato­ génese da IHF, incluindo: a teoria neuro­

gênica (deficiente inervação simpática) 7,

a teoria vascular (vasculite por imu­

nocomplexos locais ou sistémicos) 8 e as

teorias imunológicas (auto-imunidade celular e/ou humoral contra antígenos

uveais comeanos e/ou retinianos) 9· 1 0 •

Tanto o ceratocone como a IHF têm sido associados a diversas condições oculares e sistémicas. A retinose

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mentar é a unica doença, até então, asso­ ciada isoladamente ao ceratocone e a IHF 1.1 1.1 2.

Um número significativo de casos de ceratocone tem padrão familiar, com he­ rança autossômica dominante ou reces­ siva, entretanto a maioria são esporádi­ cos 13 • O papel dos fatores genéticos li­ gados ao HLA na IHF precisam ser mais estudados.

Considerando a inexistência de ou­ tros relatos de casos semelhantes a este e a ausência de história familiar de doença ocular no presente caso, parece bastante improvável que um padrão de herança genética único tenha sido o responsável pela concomitância de ambas patologias em nosso caso. Desconhece-se a distri­ buição de antígenos do HLA nos pacien­ tes com ceratocone. Caso houvesse um mesmo tipo de HLA peculiar a ambas patologias, a chance da ocorrência s_i­ multânea de IHF e ceratocone sena maior que a esperada ao acaso.

Utilizando-se as maiores freqüencias reportadas para as duas doenças na lite­ ratura 1• 12 • 14, a chance ao acaso de encon­ trar-se IHF e ceratocone num mesmo paciente pode ser estimada em 67,72 ca­ sos ao ano no Brasil. Porém, com as menores freqüencias relatadas para as patologias 1· 1 2• 14, ambas não poderiam ocorrer ao acaso concomitantemente num paciente no Brasil. Infelizmente, a prevalência e/ou incidência de IHF e ceratocone é desconhecida em nosso meio.

A concomitância de ceratocone e IHF neste paciente pode ter ocorrido somente ao acaso. Ambas doenças tem patogé­ nese desconhecida, dificultando a for­ mulação de uma única hipótese para ex­ plicar a ocorrência simultânea das mes­ mas em nosso paciente. Com este relato de caso, documentamos, pela primeira vez, uma associação entre IHF e degene­ ração ectásica comeana.

SUMMARY

The authors report a case of keratoconus and Fuchs '

heterochromic cyclitis (FHC) in the sarne patient. After a review of the literature, we could not find any pathogenetic mechanisms common to both diseases. According to our knowlegde, this is the first time that such an association is described in the literature.

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