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Vista do Corpo, Jornalismo e Mídia: A Cisão entre o Corpo Vivo e a Representação de Corpo na Mídia

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CORPO, JORNALISMO E MÍDIA: A

CISÃO ENTRE O CORPO VIVO E A

REPRESENTAÇÃO DE CORPO NA

MÍDIA.

RESUMO

Focalizamos a extrema preocupação de “cuidados com o corpo” acaba por evidenciar que temos uma cisão entre o corpo vivo e a representação de corpo na mídia. Nesta hegemonia do “corpo belo”, as crianças e os jovens, em sua rebeldia “em ser corpo”, podem consolidar um “ponto de fuga”, ou seja, a reconstrução do corpo como um livre território para o efetivo exercício da liberdade.

PALAVRAS-CHAVE:

Jornalismo; Educação; Filosofia do Corpo. ABSTRACT

The extreme concern with “body care” ends up making clear the scission of the living body with it’s representation in media. In an hegemony of the “beautiful body”, kids and youth in a revolt of the “being body” might consolidate an “escape point”, the reconstruction of the body as a free territory for the effective exercise of freedom.

KEYWORDS:

Rogério Rodrigues

Graduação em Educação Física pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - Unesp (1987), mestrado em Educação pela Faculdade de Educação - Unicamp (1997) e doutorado em Educação - Unicamp (2004). Realizou pós-doutorado na Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, FE (USP), Brasil (2016-2017). Docente Associado Nível III da Universidade Federal de Itajubá - UNIFEI. Coordenador pro tempore, Professor e Pesquisador do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento, Tecnologias e Sociedade (UNIFEI).

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Temos instaurado em nossa atualidade toda uma literatura e práticas sociais, principalmente, uma produção jornalística pautada numa mídia que se direciona para definir os diversos tipos de cuidados e as formas de embelezamentos que devemos estabelecer com o corpo. Como resultado disso, institui-se, no campo das práticas sociais, a produção de diversas técnicas de exercícios corporais, intervenções cirúrgicas e medicamentos que fomentam todo um mercado que tem o embelezamento do corpo como ponto central. Um exemplo disso é a técnica de “bronzeamento a jato sol pleno”, que consiste em jatear uma tinta no corpo, fazendo uma pintura que apresenta, no final do processo, a cor desejada de corpo pelo cliente1.

Tudo parece indicar que construímos um conjunto de representações e, principalmente, práticas corporais que circulam nas revistas de moda e nas conversas corriqueiras dos sujeitos importunados pelos corpos que possuem e que desejam remodelar os seus contornos com o objetivo de alcançar algum tipo de satisfação.

Esses modos operantes de cuidados no campo das práticas corporais parecem constituir certo distanciamento do corpo que somos. Isto se deve ao fato de que o corpo que possuímos não se modela tão facilmente aos ditames da moda, pois possui certa defasagem entre o corpo belo da mídia e o corpo feio que somos.

A extrema preocupação de cuidados com o corpo acaba por evidenciar que temos uma cisão entre o corpo vivo e a representação de corpo na mídia. Uma separação que pode ser supostamente superada a partir da crença de que seremos felizes após a reconstrução do corpo devidamente trabalhado por um programa de ginástica, dieta alimentar, cirurgia plástica, maquiagem, enfim, todo um conjunto de artifícios que possibilite a transformação do corpo vivo nos ditames do corpo belo.

Neste caso, em relação aos cuidados com o corpo no campo das práticas sociais, estes ficam regidos por uma concepção

hegemônica do que é representado na mídia. Essas preocupações dos cuidados com o corpo giram em torno das medidas de peso e altura; cores e tratamento para o cabelo; creme e bronzeamento para a pele. Enfim, estabelece-se toda uma teoria do embelezamento que é pertinente às práticas que devemos estabelecer para manter o corpo nas cores e medidas adequadas socialmente.

Essas teorias de embelezamento constituem-se em saberes que percorrem, inclusive, a formação cultural do sujeito em aspectos amplos e também as formações especializadas nos cursos universitários, como, por exemplo, os cursos de Educação Física que se direcionam para uma preocupação estética do corpo belo e eficiente, resultado da educação de corpo, que possui como centro principal as práticas corporais esportivas.

Neste caso, não seria por acaso que muitas das propagandas televisivas têm como atores principais alguns praticantes de esportes em destaque pelo seu desempenho esportivo. O seu tipo de corpo serve de alavanca para o consumo de mercadorias adversas com uma mensagem não proferida: “seja como eu (corpo), consumindo”.

Esses processos identificatórios possuem uma diversidade de variáveis, e nem os produtores das propagandas televisivas sabem os motivos que criam o consumo por uma determinada mercadoria, pelo fato de o sujeito/corpo em destaque pela mídia pronunciar o seu uso, mas que a conexão uso do corpo/produto consumido gera uma relação de empatia e, portanto, é um elemento fundamental para escolha do produto no momento de sua compra.

No campo desses saberes sobre as coisas do corpo e suas motivações, outras graduações também ficam circunscritas pela concepção hegemônica do corpo na mídia, entre os quais o de Moda: modelagem e estilismo e o curso de Estética, que se caracterizam por serem cursos técnicos que têm apenas por objetivo o embelezamento através da manipulação do corpo e da

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JORNALISMO

aplicação de cremes. Esse campo de trabalho movimenta toda uma indústria de cosméticos, em que:

[...] o Brasil é o sexto maior mercado consumidor de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, com um mercado total avaliado em US$ 8,5 bilhões (dados de 2000). Tomando alguns produtos, vê-se que o Brasil é o terceiro maior mercado de fraldas descartáveis e absorventes e desodorantes; quarto em higiene oral, produtos para o cabelo, produtos infantis e perfumaria; sexto em produtos para banho; sétimo em produtos masculinos; oitavo em maquilagem e protetor solar; e nono em produtos para pele. (GAARCIA & FURTADO, 2002, p. 31).

Esse mercado de cosméticos é movimentado por aqueles que possuem no corpo um foco de preocupações, procurando mantê-lo belo e atraente. Diríamos que tais preocupações têm como base uma verdade, qual seja: somos, em grande parte, corpo, coisa, que é, portanto, passível de manipulação e transformação.

Para tanto, estabelecemos um conjunto de cuidados corporais, que têm o objetivo de nos manter em forma e, principalmente, que estão identificados com um tipo de corpo agradável aos sentidos do eu/outro.

No entanto, devemos levar em conta que tais cuidados com o corpo estão diretamente relacionados com o fato da separação entre corpo vivo e corpo representação (da mídia). Essas representações de corpo possuem também uma relação de como (re) apresentamos o corpo e o significamos em nossa rede simbólica.2 Portanto, o corpo em

si – significante – é parte da compreensão do real e síntese de múltiplas determinações (MARX, 1983).

Entretanto, qual seria a representação de um tipo de corpo agradável aos sentidos do eu/outro? Dir-se-ia que numa sociedade de mercado o corpo belo é aquele que potencializa o consumo. Assim sendo, o interesse dos sujeitos em cuidar de si é somente justificado se for para o consumo de um conjunto de coisas. Neste caso, podemos pensar que todo o interesse pelo corpo (ADORNO & MAX, 1986) e a atenção que se estabelece para os cuidados com o corpo são os resultados de uma sociedade que possui como centro das relações humanas o mercado.

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Queremos possuir o corpo belo e, agregados aos cuidados com o corpo, temos diversos tipos de tratamentos e cremes que são o caminho para se obter algum tipo de reconhecimento com o sujeito que acreditamos ser; mais propriamente, uma necessidade para o consumo que nos garanta o propósito de nos realizarmos enquanto sujeito/corpo, ou seja, “[...] não podemos nos livrar do corpo e nós o louvamos quando não podemos golpeá-lo”. (ADORNO & MAX, 1986, p. 219).

Nesta situação em que o corpo e as mercadorias interligam-se, favorecendo uma via de acesso possível e rápida na constituição da felicidade do sujeito, é que podemos estabelecer, basicamente, quatro fatos presentes na modernidade.

Primeiramente – a ambivalência em relação ao corpo –, o fato de que o corpo vivo é algo que, em si, pode proporcionar ao sujeito a ambivalência de prazer e desprazer. Como fonte de satisfação, fazemos do corpo a pura descarga. Entretanto, este é também uma fonte de sofrimento, pois se encontra “condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência”. (FREUD, 1990, p. 85).

Em segundo lugar – o corpo subordinado à representação –, no corpo vivo é exercitada toda uma educação física que aprisiona o sujeito numa estreita relação de espelhamento entre o sujeito/corpo e o corpo/representação.

Terceiro – o corpo enquanto falo –, podemos pensar que esse outro corpo/ representação é a plenitude e, enquanto o corpo/vivo, é o desamparo, e isso torna a vida como sendo a inconsistência da insuportável falta em ser corpo. A saída da insatisfação em ser corpo (falta) é o consumo aleatório de mercadorias, as quais, de certo modo, o aproximam da ilusória completude em ser corpo.

Por último – o corpo educado –, as crianças e os adolescentes tornam-se um alvo estrito da subordinação do corpo/ imagem, pois o seu próprio corpo

encontra-se em radical transformação, ou encontra-seja, há uma substancial alteração de suas medidas, o que lhes proporciona certo desconforto, para não dizer o grande transtorno em ser corpo.

Neste último caso, podemos encontrar nas formas educativas o ponto de opressão e da exigência, pois pais e educadores não perdem a oportunidade de serem incisivos de como devemos ser corpo. Temos no cotidiano e, principalmente, nas escolas uma educação física que estabelece uma doutrina de correções dos corpos – uma educação corretiva no uso técnico do corpo.

Em relação ao primeiro caso – a ambivalência em relação ao corpo – podemos considerar muito relevante o fato de que o corpo/representação na mídia está congelado num momento sublime de prazer. Diríamos que este representa o paradigma da felicidade. Temos como prática social que devemos apresentar perante uma máquina fotográfica o melhor de cada um de nós, pois, de certo modo, sabemos que isso resultará numa representação/corpo de um momento de satisfação. Com a ampliação do uso da máquina fotográfica digital, essa prática torna-se muito mais evidente, pois, nestes tipos de aparelhos, podemos apagar a imagem de corpo/representação que nos desagrada, basicamente pelo argumento: “a foto não ficou boa”.

Neste caso, podemos pensar que entre a imagem/representação de corpo e o corpo vivo estabelecemos uma cisão, que vem reforçar a ambivalência de amor/ódio, já que, de certo modo, “[...] somos possuídos por nossas imagens, sofremos as nossas próprias imagens” (MARCUSE, 1967, p. 229). Entretanto, o que seria isso na radicalidade?

Diríamos que temos poucas escolhas em ser corpo vivo e – por que não dizer? – sofremos com a tirania das imagens de corpo que sucumbem o que somos, principalmente, o que não somos. Isso atinge uma grande amplitude numa sociedade como a nossa, na qual acabamos por perder a criticidade daquilo que somos e, o pior de tudo, em que não sabemos ser diferentes.

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Em última análise, a questão sobre quais necessidades devam ser falsas ou verdadeiras só pode ser respondida pelos próprios indivíduos, mas apenas em última análise; isto é, se e quando eles estiverem livres para dar a sua própria resposta. Enquanto eles forem mantidos incapazes de ser autônomos, enquanto forem doutrinados e manipulados (até os seus próprios instintos), a resposta que derem a essa questão não poderá ser tomada por sua. E, por sinal, nenhum tribunal pode com justiça se arrogar o direito de decidir quais necessidades devam ser incrementadas e satisfeitas. Qualquer tribunal do gênero é repreensível, embora a nossa revulsão não elimine a questão: como podem as pessoas que tenham sido objeto de dominação eficaz e produtiva criar elas próprias as condições de liberdade? (MARCUSE, 1967, p. 27).

Em relação ao segundo caso – o corpo subordinado à representação –, diríamos que realizamos no corpo o árduo trabalho, pois é nele que enraizamos as nossas ilusões e esperamos encontrar as condições necessárias para que se possa estabelecer o processo identificatório em ser corpo e, principalmente, o de sermos felizes. O que seria do nosso corpo e daquilo que acreditamos ser, se, por algum momento, deixássemos de cuidar dele ou cultuar sua forma e beleza?

Aqueles que não são adeptos dos cuidados com o corpo podem ficar surpreendidos com a dedicação e o árduo trabalho que se estabelece por aqueles que decidem manter-se em forma, felizes e belos. A rotina de cuidado com o corpo é algo extremamente extenuante, pois se deve dedicar uma dose diária de cuidados com o corpo, que, em função do grau de exigência, pode variar de duas a seis horas de trabalho com o corpo. Este cuidado como o corpo vai desde a internação em clínicas especializadas em emagrecimento e embelezamento (spas) até as academias de ginásticas (musculação, dança,

corrida, bicicleta, natação etc.) e salões de cabeleireiros e manicures. O trabalho com o corpo possui uma infinidade de ofertas em serviços.

Todo esse trabalho em ser corpo acaba por alcançar algum tipo de satisfação, pois esse investimento libidinal acaba por encontrar no corpo uma fonte inesgotável de prazer. Não é de espantar que um sujeito que entra numa academia de ginástica pode entrar e sair sem estabelecer qualquer tipo de vínculo com outra pessoa que frequente esse local. A academia de ginástica é um lugar que possui diversos espelhos por todas as paredes, e estes servem somente para o sujeito ficar se admirando e observando a si próprio. O outro é um intruso na sua imagem de corpo belo e que desperta uma intolerância. Entretanto, o corpo cuidado trai o sujeito, ao envelhecer, e não mantêm aquilo que se tem combinado com a imagem refletida nos espelhos da academia, pois, no dia seguinte, é outro corpo. É justamente dessa outra pessoa que nada queremos saber e que acaba por invadir o espaço estritamente reservado, qual seja, o espelho.

Esse outro que novamente invade o espaço do espelho acaba por despertar o ódio. Podemos denominar esse mecanismo, a partir de Freud, como sendo o “narcisismo da pequena diferença” (FREUD, 1990, p. 119). Neste caso, o outro é aquele que distorce a minha própria imagem e desperta um desafeto, qual seja, o ódio por ser diferente. Nesse momento, podemos dizer que o corpo não é somente uma fonte de desprazer e frustração, mas, sim, de fúria. Contudo, para onde direcionarmos essa fúria para com o corpo?

A fúria para com o corpo pode ser reinvestida duplamente, seja por meio de cuidados mais ostensivos para com o corpo e/ou pela possibilidade de aniquilar o corpo. Nesta relação de ambivalência, o meu corpo/o corpo do outro é objeto que pode ser, basicamente, modelado ou resistir. Independentemente do resultado, o trabalho é cada vez mais árduo para que este se enquadre na forma e seja, por vez, sempre belo. Não devemos nos surpreender

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que a academia de ginástica seja um lugar de trabalho extremamente sério para com os cuidados com o corpo.

Todos os praticantes de ginástica sabem da seriedade com que devem trabalhar os seus corpos, mas não suportam uma jornada tão prolongada e solicitam que aquilo que é para ser extenuante seja também algo prazeroso. Portanto muitas academias de ginástica inovam em modalidades de trabalho com o corpo que sejam divertidas, como, por exemplo, associar ao exercício físico a música. Entretanto, uma música que dissocie o sujeito do corpo e o faça corpo sem consciência dos seus gestos, principalmente, da consciência de ser corpo.

Temos como base que as condições do mundo externo e do interno do próprio corpo constituem-se numa possível fonte de desprazer, ou seja, como já afirmamos anteriormente, vivemos em discordância e – por que não dizer? – na ambivalência do amor/ódio que estabelecemos com o corpo vivo. Consideramos que este possui certa plasticidade e acaba nos favorecendo (amor) ou traindo (ódio) em sua forma, que ora corresponde e ora não condiz com a nossa imagem/corpo que nos reconhecemos em ser corpo. Na relação que estabelecemos como corpo vivo, este se coloca como um elemento a ser eternamente trabalhado para alcançarmos e mantermos a satisfação. Uma parada provisória no árduo cuidado com o corpo pode significar a perda em ser corpo belo.

O sujeito corpo/representação tem que trabalhar muito para manter-se confortável com suas próprias medidas. Entretanto, o corpo é em última instância uma representação passível de ser modificada em função da construção subjetiva em que estamos inseridos e, portanto, somos sujeitos de corpos territorializados. Em relação à posição que este ocupa, podemos dizer que é algo que gira em torno do território que este ocupa no campo do social. Compreendemos que a territorialização do corpo acaba também por desencadear o

consumo desenfreado de coisas que, de certo modo, garante a consolidação no território.

A própria posição territorial que o corpo ocupa no espaço é algo que o define como este é representado, mais propriamente, simbolizado. O “amorodio” que estabelecemos com o corpo em si é resultante de como aprendemos a palavra/ representação, ou seja, a relação que estabelecemos entre significado e significante com as coisas do corpo que se encontram inseridas no campo de nossas subjetivações.

No terceiro caso – o corpo enquanto falo –, compreendemos que o corpo imagem é a plenitude que antecede a nossa própria representação que possuímos do corpo vivo – o desamparo. Na relação que se estabelece entre o corpo vivo e o corpo da mídia há uma disputa pela hegemonia da representação de corpo que devemos possuir para alcançarmos a plenitude em ser corpo. Neste caso, pensar a questão do corpo que temos para o corpo que queremos é algo que pode estar diretamente relacionado com o possível “mal estar” (FREUD, 1990), mais propriamente o mal estar em ser o corpo que somos, que não permite uma junção entre o corpo representação e o corpo vivo.

Pode-se dizer que, quanto à questão do corpo em nossa modernidade, vivemos um aprisionamento narcisista do investimento da libido em um corpo que nunca se realiza enquanto corpo vivo belo. Um aprisionamento pelo anseio e a conquista de um corpo imagem que se realize na plena satisfação, mais propriamente, na satisfação em ser corpo que institui ao sujeito a verdade em sermos mais felizes. No entanto, como esse corpo nunca se realiza resta somente a identificação com a mercadoria (produto) associada com essa imagem de corpo. Esse é o grande artifício da propaganda que produz a necessidade de consumo

Somos construtores das nossas próprias grades e prisioneiros da esperança de que possamos alcançar a plenitude em ser corpo,

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mais propriamente, fixados no fascínio por um corpo que, a cada momento, somos convidados a adorar, ou seja, um corpo que não possuímos e que se encontra anunciado pela mídia. Nas diversas maneiras de como a mídia representa o corpo é que podemos encontrar o consenso estabelecido de como devemos, unicamente, ser corpo.

Temos na publicidade a dignificação da imagem do corpo, que representa para o sujeito como é o verdadeiro corpo e que, de certo modo, entra em discordância com o seu próprio corpo vivo, ou seja, fica estabelecida e evidenciada uma diferenciação entre o corpo vivo e a representação de corpo. Diríamos que, de certo modo, para o sujeito o corpo é um elemento perturbador que se encontra na diferença permanente em relação ao outro. As diferenças são de diversas ordens, como, por exemplo, em relação propriamente à forma, ao peso e à altura, enfim, tantas peculiaridades que nos fazem pensar na totalidade em sermos corpo.

Por último – o corpo educado – potencialmente, criamos modos de aprendizagens que estabelecem uma junção/rompimento com a (re)apresentação de corpo que se estabelece na mídia. Assim sendo, teríamos a possibilidade de encontrarmos um ponto de fuga para a opressão que se estabelece na padronização do corpo imagem?

De certo modo, não temos muitas escolhas de fuga na estreita correspondência que se estabelece entre o corpo vivo e o corpo representado. Somos, de certo modo, prisioneiros de nosso tempo, mais propriamente prisioneiros do que se faz hegemônico em sermos corpos.

Temos no corpo vivo a presença de algo que nos uniformiza, e isso pode ser observado no modo como obrigamos as crianças e os jovens a utilizarem o corpo, no modo como a ensinamos o uso de determinadas “técnicas do corpo”. (MAUSS, 1974). Essa padronização em ser pode ser constatada também na nossa consistência em sentir e – por que não dizer? – na educação dos nossos sentidos em apreender

o mundo que nos cerca. Acabamos por consolidar no corpo e através do corpo uma sociedade da padronização e do consumo. Portanto, a representação de corpo presente na mídia tem um grande papel na educação física, ou seja, naquilo que, em grande parte, acreditamos ser corpo.

Vivemos na época em que nos apegamos ao paradigma de que somos sujeitos identificados com o corpo. Somos aqueles que possuímos uma forma alta ou baixa; um corpo curvo ou reto; pesado ou leve; liso ou áspero; um ser produtivo ou desocupado; enfim, assumimos, na modernidade, que temos como referência a instituição de um corpo máquina. O nosso olhar para o corpo encontra-se centrado nessa referência produtiva e o observamos

Como um mecanismo móvel, em suas articulações as diferentes peças desse mecanismo, e na carne o simples revestimento do esqueleto. Eles lidam com o corpo, manejam seus membros como se estes já estivessem separados. A tradição judia conservou a aversão de medir as pessoas com um metro, porque é do morto que se tomam as medidas – para o caixão. É nisso que encontram prazer os manipuladores do corpo. Eles medem o outro, sem saber, com o olhar do fabricante de caixões, e se traem quando anunciam o resultado, dizendo, por exemplo, que a pessoa é comprida, pequena, gorda, pesada. Eles estão interessados na doença; à mesa, já estão à espreita da morte do comensal, e seu interesse por tudo isso é só muito superficialmente racionalizado como interesse pela saúde. A linguagem acerta o passo com eles. Ela transformou o passeio em movimento e os alimentos em calorias (...). (ADORNO & MAX, 1986, p. 219).

Acabamos por desenvolver determinadas práticas corporais que resultam num conjunto de saberes que se apresentam como algo alheio ao nosso próprio corpo

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vivo. Não é pouco comum que as crianças e os jovens estabeleçam certo estranhamento como as tarefas que são propostas aos seus próprios corpos. Estes educados manifestam um duplo movimento que oscilam entre a subordinação e a revolta do uso “técnico do corpo”, ou seja, recebem as “técnicas de corpo” como sendo o exercício de aprendizagem que os modela em ser ou como a aplicação de uma força estranha que promove certo “mal-estar”.

Entretanto, poderíamos chegar num momento em que se estabeleceria um grau de criticidade sobre a “educação do corpo” ao invés de somente racionalizarmos os seus prósperos resultados? Em certos momentos, podemos observar entre as crianças e os jovens a insubordinação dos corpos, uma atitude aleatória e desorganizada, mas uma resposta que possui a mensagem: “não aplique em nossos corpos essas formas de adestramentos”. Portanto, uma contraposição direta ao fato de que:

[...] os processos que aplicamos aos animais foram aplicados pelos homens voluntariamente a si mesmos e a seus filhos. Estes foram provavelmente os primeiros seres que foram assim treinados, que foi preciso primeiro domesticar, antes de todos os animais. (MAUSS, 1974, p. 220).

Entretanto, os adultos – pais e educadores respondem a essa rebeldia com a aplicação de mais educação, baseados nos argumentos de que temos que obrigá-los em ser corpo para inseri-los na cultura. Neste caso, podemos analisar outra leitura possível sobre a educação do corpo, qual seja: o de inseri-lo na cultura. O uso do corpo é o resultado de um processo de formação que depende da educação dos sentidos, ou seja,

[...] a riqueza da sensibilidade humana subjetiva é, em parte cultivada, e é, em parte, criada, que o ouvido torna-se pxhere.com

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musical, que o olho percebe a beleza da forma, em resumo, que os sentidos tornam-se capazes de gozo humano, tornam-se sentidos que se confirmam como forças essenciais humanas. Pois não só os cinco sentidos, como também os chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor, etc.), em uma palavra, o sentido humano, a humanidade dos sentidos, constituem-se unicamente mediante o modo de existência de seu objeto, mediante a natureza humanizada. A formação dos cincos sentidos é um trabalho de toda a história universal até nossos dias. (MARX, 1974, p. 18).

Queremos educar o corpo vivo com o objetivo de torna-lo apto e, principalmente, como objeto de uso, com a finalidade de livrarmos do nosso sofrimento o fato de sermos corpo que resiste em parte aos processos de torna-lo coisa – aqui podemos encontrar o ponto crucial para o surgimento de diversas doenças, as quais podem ser

interpretadas como uma tentativa de resistencia do corpo em ser manipulado como objeto. Portanto, não podemos nos esquecer que, por mais que buscamos a sua transformação em coisa, não conseguimos nos livrar do corpo como uma fonte de sofrimento.

Como podemos, através dos cuidados com o corpo, nos livrar do nosso sentimento de desprazer e da angústia em não sabermos ser corpo? Qual a felicidade que se pode esperar dos sujeitos, principalmente, das crianças e dos adolescentes que possuem uma velocidade de alteração do corpo e que o posicionam numa relação de desconforto em ser corpo?

O corpo é uma fonte de prazer e sofrimento e é nessa ambivalência que percorremos as nossas vidas em sermos corpos. Tentamos por diversas táticas nos livrar da dor em ser e queremos viver a felicidade maníaca. Lutamos tiranicamente para a construção de práticas de embelezamento que, de certo modo, nos distraem das nossas próprias misérias da vida inseridas no

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desamparo. Entretanto, já não chegou a hora de buscarmos restabelecer as pazes com aquilo que pouco sabemos em ser corpo? Partimos do pressuposto de que seria muito apropriado deixarmo-nos livres para sermos corpos desengonçados e, principalmente, embaraçados com os percalços de nossas próprias vidas.

Tudo parece indicar que, em relação ao corpo, estão para se consolidarem as pazes, e, até mesmo, receamos que isso nunca se realize. Neste caso, um ponto de fuga seria o fato de ficarmos mais atentos às revoltas do corpo presentes entre as crianças e os jovens no sentido de significá-las como um ponto de fuga – uma ruptura com os rígidos e educados corpos dos adultos. Podemos pensar no impossível: a construção de um modo em ser corpo que amplie a tolerância e amenize os nossos conflitos.

Portanto, a esperança de consolidarmos no campo da educação do corpo a indicação de um caminho que, ao menos, possamos escolher com qual tipo de corpo que devemos aprisionar toda a nossa existência e nossa mania em sermos belos e felizes. Essa esperança pode consolidar-se no momento em que forem efetivadas as pazes com o corpo, ou seja, a cisão entre o corpo vivo e o corpo representado unificar-se, em favor da própria vida. Um momento no qual poderemos educar as crianças e jovens para uma sociedade em que o corpo possa realmente consolidar-se como um livre território para o efetivo exercício da liberdade. Para tanto, a representação de corpo na mídia tem um papel fundamental na educação para emancipação, pois deveríamos reconhecer os processos identificatórios dos quais nos tornamos sujeitos.

O processo emancipatório na questão dos cuidados com o corpo poderá consolidar uma educação física que associe a representação de corpo e o corpo vivo, ou seja, em última instância, a difícil tarefa de lidar com o provisório sujeito que somos perante o corpo, pois, por mais que estabeleçamos uma verdade do sujeito - não sabemos ser sujeito/corpo.

NOTAS

1. Técnica apresentada pela empresa “Sol Pleno” na 16ª Feira Internacional da Beleza, realizada em São Paulo (Anhembi), no período de 23 a 26 de setembro de 2006.

2. Pensar e falar sobre o corpo constitui um campo para investigação, como, por exemplo, os casos de anorexia, nos quais o corpo extremamente magro (significante) é representado como se fosse corpo obeso (significado).

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. & MAX, Horkheimer. Dialética do esclarecimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1986.

FREUD, Sigmund. O Mal-Estar na Civilização. In: S. Freud, Obras Completas. v. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

GARCIA, Renato. & FURTADO, João. Cadeia: Cosmético. Campinas: Universidade Estadual de Campinas/Instituto de Economia, 2002 MARCUSE, Herbert. Ideologia da sociedade industrial. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1967. MARX, Karl. Contribuições à crítica da economia política. São Paulo: Martins Fontes, 1983.

M AR X, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Editora Abril, 1974.

MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo, EPU/EDUSP, 1974.

Referências

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