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A nova retórica na publicidade: a presença do discurso persuasivo masculino em anúncios publicitários na Revista Nova

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Academic year: 2021

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A nova retórica na publicidade: a presença do discurso persuasivo masculino em anúncios publicitários

na Revista

Nova

Márcia Acebedo Lois1

O que é retórica?

A retórica é multidisciplinar e pluralista, utilizada por vários especialistas diferentes no que concerne à comunicação. Obriga orador e público a repensarem nas crenças e valores de ambas as partes, já que a verdade resulta da sintonia comunicativa. Além disso, resolve e cria conflitos, reforça ou modifica normas sociais. Está presente em muito mais áreas do que apenas em suas origens clássicas.

Olivier Reboul (2004) entende retórica como a arte de persuadir pelo discurso, seja pela produção verbal, escrita ou oral, sem o uso de ameaça ou suborno. A aptidão para persuadir pode ser inata ou ensinada através de técnicas de comunicação e expressão, apesar da retórica ser considerada muito mais que simples técnicas.

Para Sócrates (470–399 a.C.), trata-se da arte de encontrar argumentos para persuadir em qualquer situação. Entendendo-se “arte” como “artifício”, esta consiste em organizar o texto, dispor de recursos e colocar as palavras de modo que a ideia principal do discurso possa ser exposta da forma como o autor

1 Graduada em Letras pela UFSCar e Especialista em Língua Portuguesa

pela PUC-SP. Cursa, atualmente, o Mestrado em Língua Portuguesa na PUC-SP e é integrante do Grupo de Estudos Retóricos e Argumentativos da mesma instituição (Grupo ERA – PUC-SP).

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ou orador do texto quer que o público a entenda e seja, assim, induzido, ou melhor, persuadido a acreditar no ideal proposto na determinada situação.

Breve história da retórica

Desde que o homem passou a utilizar a linguagem para a comunicação, pode-se afirmar que a arte retórica tem sido utilizada. Entre os séculos V e VI a.C., os gregos a inventaram como uma disciplina que ensinava técnicas para que qualquer causa ou tese fosse defendida – e depois, criaram-na como ciência, para que os mecanismos retóricos fossem compreendidos.

A retórica e a filosofia surgiram juntamente com o desenvolvimento das cidades. O “palco” foi o judiciário, que objetivava a aplicação dessas normas da sociedade e, também, facilitar o acesso aos benefícios judiciários através da linguagem. Podem ser considerados como representantes deste período Córax e Tísias, discípulos de Empédocles. Também surgiu uma retórica a serviço da beleza da linguagem, da literatura, ou seja, fora do âmbito judicial. Esta pode ser representada por Gorgias, também discípulo de Empédocles.

Um tempo depois, a função persuasiva da retórica em detrimento da verdade recebeu atenção nas mãos dos sofistas. A retórica era, então, vista como arte de persuadir pelo discurso e, também, como um instrumento utilizado através de um ensinamento sistemático e geral, fundamentado em uma determinada visão de mundo.

Isócrates uniu as duas linhas (persuasão e beleza). Ele acreditava que a retórica precisava de estilo, técnicas judiciárias e poéticas, ensino e filosofia, a partir, acima de tudo, de um objetivo claro, sendo que todas as técnicas deveriam ser

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aplicadas de acordo com esse objetivo. Pregava a moralidade no discurso, ou seja, este deveria estar a serviço de uma causa nobre. Platão reforçou esta linha ao definir retórica como verdade manipulada. Refletiu, também, sobre a dialética, que, para ele, era a comunicação a serviço da verdade, ao passo que a retórica visava apenas ao entretenimento.

A sistematização efetiva desta ciência foi feita, de fato, com Aristóteles, que a abordava como a habilidade de aplicar a persuasão, de acordo com o público a quem o discurso era direcionado. Os estudos retóricos, então, permaneceram estagnados por, aproximadamente, dois milênios e meio, considerados pelo senso comum como “coisa empolada, artificial, declamatória, falsa”.

No começo dos anos 60, foi retomada através da teoria da argumentação, com os estudos de C. Perelman e L. Olbrechts – Tyteca (que abordaram a retórica como “a arte de argumentar”, convencer), Morier, G. Genetti, J. Cohen e Grupo (retórica, para eles, seria o estudo do estilo e mais particularmente das figuras, ou seja, aquilo que torna um dado texto como literário). Perelman e Olbrechts-Tyteca, em

Traité de

L´argumentation: na nouvelle rhétorique

, propõem uma releitura da retórica clássica. Estudar a argumentação é, além da seleção de dados, analisar as suas possíveis interpretações, ou seja, o efeito que se pode causar no público. Interpretação de texto corresponde a uma interação a partir de seu conhecimento prévio, de suas paixões, necessidades.

A retórica na publicidade: a Revista

Nova

Quando o assunto diz respeito ao movimento passional ligado à sedução em processos argumentativos, é aconselhável recorrer aos estudos de Michel Meyer, professor da

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Universidade Livre de Bruxelas, berço do Grupo . Seus estudos se pautam na relação retórica entre perguntas e respostas, o que ele determina como problematologia. Em seus livros

A problematologia, Questões de retórica: linguagem,

razão e sedução

e

A retórica

(dentre outras publicações não menos importantes), o autor expõe a influência da retórica nos mais variados campos de atuação, da literatura às ciências naturais. Aborda a persuasão promovida com o movimento passional despertado pelas palavras e imagens, de acordo com as figuras, emoção, sedução e subjetividade presentes no discurso e no público-alvo. Propõe análise retórica, levando em consideração a negociação entre as partes envolvidas, suas posições sociais, discursos proferidos, o éthos e, também a capacidade persuasiva inclusa no evento, ou seja, na cena persuasiva, dados por aspectos psicológicos, sociais, culturais que envolvem os participantes do processo discursivo-persuasivo. Assim, considera-se o fator emoção e sua utilização, para que o público possa ser persuadido. Para ele, perguntas suscitam respostas, que levam a novos questionamentos. Perguntar também pode significar a transmissão de uma mensagem específica, assim como a resposta também pode desempenhar esse papel. Ou seja, o ato de “interrogar” o questionamento nos direciona à sistematização dos princípios do pensamento na relação entre as partes envolvidas no discurso, o que promove a revelação da origem da ação persuasiva presente na situação dada.

O corpus de análise deste trabalho corresponde a anúncios publicitários extraídos da revista

NOVA

. Em circulação mensal há trinta e seis anos no mercado, é produzida para o público feminino e publicada, mensalmente, pela editora Abril. O periódico em questão prega a ideia de que, para a mulher, não existe vida sem homens – fato esse que a incentiva a produzir-se

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como produto para o “consumo” masculino. Apesar disso, a revista promove uma certa emancipação feminina, ao defender, por exemplo, a conquista do parceiro através do sexo e cuidados com a beleza ao invés de ser pelos “dotes” de dona de casa. O trabalho visual riquíssimo e linguagem atraente estão fortemente presentes em toda a publicação e constituem armas essenciais para convencer a leitora a seguir os ideais propostos.

De acordo com o site de divulgação dos produtos da Editora Abril (http://publicidade.abril.com.br/homes.php? MARCA= 32), a publicação tem o seguinte objetivo:

NOVA incentiva e orienta a mulher na busca pela realização pessoal e profissional. Estimula a ousadia e a coragem para enfrentar os desafios, a busca pelo prazer sem culpa e a construção da auto-estima e da autoconfiança.

A página de vendas na internet da empresa (http://www.assineabril.com.br/index.jsp?projeto=905)

também divulga a mesma informação, mas de forma diferente:

NOVA é uma revista completa, feita especialmente para a mulher que tem um sonho e deseja realizá-lo. Para quem quer ser cada vez mais bem-sucedida em seus relacionamentos, crescer num tempo de muitas mudanças e viver com mais prazer.

Assim, com base nos dados expostos, pode-se afirmar que o público-alvo da revista é a leitora que busca melhores condições de vida pessoal e profissional, ou seja, objetiva o prazer após um dia longo e duro de trabalho (seja através do sexo ou de algum hobby), a ascensão na carreira ou mudança no ramo de atuação, além de satisfação emocional ao lado da “pessoa amada”. O foco na “conquista do parceiro” está presente em toda a publicação, ou seja, é fácil constatar a presença de reportagens especiais,

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que buscam dar subsídios para que as leitoras satisfaçam o sexo oposto e sejam felizes por ter um parceiro.

E os objetivos dos anúncios publicitários publicados nesse periódico não poderiam ser diferentes. A seguir, temos dois anúncios, publicados na revista NOVA em novembro de 2009. O primeiro divulga a marca de amaciante de roupas Comfort e o segundo é responsável pela divulgação de um perfume da marca Versace:

Figura 1 Figura 2

Na figura 1, verifica-se que a publicidade de lançamento de um amaciante concentrado de roupas apela mais para o caráter resolutório do produto, ao passo que, na figura 2, constata-se o foco principal na sedução, no charme, enfim, na criação de uma necessidade para a aquisição do perfume. Nesse sentido,

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Quanto mais um problema está explícito em uma publicidade, mais a linguagem utilizada é literal, e mais esse mundo comum entre o éthos e o páthos apela a um éthos projetivo, próximo do éthos efetivo.

(...)

Por outro lado,

Quanto mais a retórica publicitária oculta o problema que o produto deve resolver, mais o discurso utilizado é figurativo e mais o éthos efetivo e o éthos projetivo são dissociados, em uma diferença que é aquela que a mensagem publicitária quer ressaltar. (MEYER 2007:122)

Sob o ponto de vista da retórica, éthos e pathos correspondem, respectivamente, à relação entre intenção do autor ao elaborar o discurso e à aceitação do exposto por seu público-alvo. Assim, éthos projetivo é a imagem do anúncio a ser passada ao público e éthos efetivo significa a identidade real do produto. “Expressar o éthos efetivo seria um modo por demais direto de vender, de propor ao outro, e o publicitário joga então com o éthos projetivo” (MEYER 2007:121). As duas subdivisões de éthos estão presentes nos anúncios publicitários em geral, de modo que se pode verificar a maior presença de uma ou outra subdivisão de acordo com os objetivos dos anunciantes.

Assim, na figura 1, os anunciantes apelam para uma boneca de pano, inspirada na apresentadora Ana Maria Braga, famosa entre as mulheres brasileiras devido a seu programa matinal de variedades exibido na Rede Globo de Televisão. Verifica-se que, na mensagem, o foco está na utilidade do produto e a única necessidade projetada ao consumidor trabalhada no anúncio é o fator econômico, supostamente atribuído ao lançamento. O foco está na “mulher que precisa lavar roupas com economia”, ou seja, há uma maior presença do éthos efetivo, associada à forte presença do discurso masculino cristalizado na sociedade de que “mulheres lavam roupas”.

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Por outro lado, na figura 2, verifica-se um maior uso do éthos projetivo, no que diz respeito à atmosfera de sedução, charme e magia que envolve o anúncio do perfume. A necessidade do público-alvo de adquirir o produto está associada à persuasão através da imagem e da atmosfera mágica prometida, ainda que o público-alvo, conscientemente, saiba que se trata de um plano imaginário. A retórica, neste caso, ultrapassa os limites da realidade, de modo que os anunciantes conseguem atingir os seus objetivos comerciais. Não está nítida a questão da “necessidade da mulher de se produzir para o sexo oposto”, porém, subentende-se que o clima de sedução que transparece no anúncio tenha esse objetivo.

Conclusão

O foco principal das editoras é o lucro obtido com venda de publicações e merchandising. Para que a vendagem tenha um percentual satisfatório, o público-alvo deve ser conquistado através de apelos visuais e linguísticos, que façam com que o leitor se identifique com o que lê. E boas vendas atraem patrocinadores, que trazem influências variadas ao conteúdo geral das revistas ou jornais.

Assim, a partir do momento em que o fator venda influencia a forma como as reportagens são publicadas, é evidente a presença de artifícios utilizados para que o consumidor se interesse tanto pelas publicações quanto pelos produtos anunciados. Se os assuntos “produzir-se para o sexo oposto” e “ter um parceiro” fazem parte das ideias expostas pela publicação analisada, naturalmente, os anúncios publicados deverão atender às necessidades do público-alvo. A breve análise exposta neste trabalho busca demonstrar, no campo da retórica,

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os mecanismos utilizados pelos anunciantes para que as “vontades” das leitoras sejam atendidas ou despertadas.

Sem dúvida, os estudos retóricos associados ao desenvolvimento de uma leitura crítica tornam-se cada vez mais essenciais, dado que vivemos em uma sociedade capitalista e artifícios persuasivos com objetivos comerciais são elementos essenciais para qualquer produto que tenha como foco atingir grandes percentuais de consumo. À medida que os estudos retóricos forem mais intensificados, novas constatações em trabalhos serão realidade.

Referências

DUBOIS, J. Retórica geral. São Paulo: Cultrix: 1974

HALLIDAY, T. L. O que é retórica. São Paulo: Brasiliense, 1990.

MOSCA, L. L. S. (org.). Retóricas de ontem e de hoje. 3ª ed, São Paulo: Associação Editorial Humanitas, 2004

REBOUL, O. Introdução à retórica. São Paulo: Martins Fontes, 2004

Revista NOVA, edição 434, ano 37, nº 11. São Paulo: Editora Abril, novembro de 2009.

SILVA, S. L. O movimento passional na construção de uma “verdade” jurídica. São Paulo: PUC-SP, 2006

MEYER, M. A retórica. São Paulo: Ática, 2007

______. Questões de retórica: linguagem, razão e sedução. Lisboa: Edições 70, 1998

Sites consultados em 14 de março de 2010:

http://publicidade.abril.com.br/homes.php?MARCA=32 http://www.assineabril.com.br/index.jsp?projeto=905 http://nova.abril.com.br

Referências

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