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2 Manual Etica Deontologia 5ªedição

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ORDEM DOS ENGENHEIROS

Região Norte

MANUAL DE

ÉTICA E DEONTOLOGIA PARA ENGENHEIROS

por

ANTÓNIO BARRETO ARCHER

Engenheiro e Advogado

5ª edição

2013

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ÍNDICE

1. INTRODUÇÃO ... 1

2. BREVE ABORDAGEM DE CONCEITOS FILOSÓFICOS ... 3

2.1.ÉTICA, MORAL E DIREITO ... 3

2.2.DEONTOLOGIA PROFISSIONAL: NOÇÃO E IMPORTÂNCIA ... 11

3. A DEONTOLOGIA PROFISSIONAL DOS ENGENHEIROS ... 13

3.1.O INTERESSE PÚBLICO SUBJACENTE AO EXERCÍCIO DA ENGENHARIA ... 13

3.2.AS ATRIBUIÇÕES DA ORDEM DOS ENGENHEIROS ... 14

3.3.O TÍTULO PROFISSIONAL DE ENGENHEIRO ... 15

3.4.A ÉTICA E DEONTOLOGIA NO ESTATUTO DA ORDEM DOS ENGENHEIROS ... 17

4. O CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS ENGENHEIROS ... 18

4.1.A INCLUSÃO DE UM CÓDIGO DEONTOLÓGICO NO ESTATUTO DA ORDEM DOS ENGENHEIROS ... 18

4.2.DEVERES PARA COM A ORDEM ... 20

4.3.DEVERES PARA COM A COMUNIDADE ... 21

4.4.DEVERES PARA COM O CLIENTE ... 21

4.5.DEVERES NO EXERCÍCIO DA PROFISSÃO ... 27

4.6.DEVERES RECÍPROCOS DOS ENGENHEIROS ... 31

5. OS ENGENHEIROS NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ... 34

5.1.A SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA ... 34

5.2.A NECESSIDADE ÉTICA ... 35

5.3.O PAPEL DA ENGENHARIA E DOS ENGENHEIROS ... 35

5.4.OS ENGENHEIROS E AS CIÊNCIAS HUMANAS ... 37

5.5.A REGULAMENTAÇÃO DA PROFISSÃO DE ENGENHEIRO ... 38

6. A ÉTICA PROFISSIONAL DO ENGENHEIRO EM CONTEXTO ORGANIZACIONAL ... 39

6.1.LIDERANÇA ÉTICA ... 39

6.2.RESPONSABILIDADE INDIVIDUAL ... 41

6.3.WHISTLEBLOWING ... 43

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1. INTRODUÇÃO

Desde 2002 que a Ordem dos Engenheiros tem realizado, nas suas três regiões, Cursos de Ética e Deontologia cuja frequência com aproveitamento é requisito obrigatório para os engenheiros estagiários serem admitidos como membros efetivos da Ordem. O presente texto, que se designa como Manual de Ética e Deontologia para Engenheiros, corresponde a uma edição revista e aumentada do anterior texto de apoio utilizado pelos engenheiros que têm frequentado os Cursos na Região Norte da Ordem dos Engenheiros. A revisão que agora foi operada no texto da quarta edição destinou-se a adaptar o programa do curso aos novos moldes em que este se irá realizar a partir de Janeiro de 2013, com uma carga horária total de 16 horas e um teste de avaliação no final.

O presente manual refere-se amiúde às normas do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, analisando-as e desenvolvendo-as, pelo que a sua leitura deverá ser acompanhada pela consulta do diploma legal que aprovou aquele Estatuto, na sua atual versão: o Decreto-Lei nº 119/92, de 30 de Junho.

Logo após a presente nota introdutória, o texto inicia-se com uma breve abordagem dos conceitos filosóficos de ética, moral e direito, pondo em evidência a sua evolução histórica e procurando relacioná-los entre si. Introduz-se, então, a noção de deontologia profissional, destacando a sua importância na sociedade numa perspetiva ética de responsabilidade, tomando o caso específico dos engenheiros.

Passa-se depois a um estudo mais concreto e normativo da deontologia profissional dos engenheiros, enfatizando o papel da Ordem dos Engenheiros na atribuição exclusiva do título profissional de engenheiro e na definição e controlo da aplicação das regras deontológicas, visto que é a necessidade de defender o interesse público associado ao exercício da engenharia que justifica a existência da Ordem dos Engenheiros. Refere-se, por isso, a sua génese histórica, natureza jurídica e finalidade, comuns às restantes ordens profissionais, enunciando-se ainda as suas atribuições enquanto pessoa coletiva pública de base associativa que é representativa dos licenciados em engenharia que exercem a profissão de engenheiro.

O quarto capítulo é dedicado ao estudo do código deontológico incluído no Estatuto da Ordem dos Engenheiros. Abordam-se sucessivamente os deveres para com a Ordem, os deveres para

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com a comunidade, os deveres para com o cliente, os deveres no exercício da profissão e os deveres recíprocos dos engenheiros. Apesar do texto incluir apenas uma enunciação sintética destes deveres, procurou-se pontuá-lo com a inclusão de um ou outro exemplo concreto de aplicação.

O quinto capítulo diz respeito ao papel dos engenheiros na sociedade contemporânea, abordando esta numa perspetiva sistémica e destacando a importância dos aspetos éticos num contexto de crise social e num ambiente de grande complexidade e pouca previsibilidade.

O capítulo seguinte aborda a problemática da ética profissional do engenheiro quando inserido em ambiente organizacional, incluindo temas candentes da literatura americana sobre ética empresarial como a liderança ética, a responsabilidade individual e o whistleblowing.

Finalmente, inclui-se uma pequena bibliografia sobre o assunto, abrangendo apenas as obras que foram diretamente consultadas para a elaboração do presente texto. Indicam-se ainda o endereço de correio eletrónico e o website do autor, para a receção de comentários ou o esclarecimento de eventuais dúvidas.

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2. BREVE ABORDAGEM DE CONCEITOS FILOSÓFICOS

2.1. Ética, Moral e Direito

Só um ser inteligente e livre é capaz de ver a realidade como terra fértil de possibilidades. No ramo da árvore não está escrita a flecha. Na uva não pressentimos o vinho. Na azeitona não vemos o azeite. A água e o vento não nos lembram a energia elétrica. Mas o homem é capaz de inventar essas e outras possibilidades, aparentemente inverosímeis. A liberdade inteligente converte-se assim num catalisador da realidade, e o mundo multiplica-se em mil mundos. É isto o progresso.

Mas se as possibilidades que escolhermos forem negativas? A história ensina-nos que, com frequência, o homem escolhe mal. Inventamos a música de câmara, mas também a câmara de gás. Descobrimos os raios X, mas também a bomba atómica. Por isso precisamos de uma bússola que nos oriente no oceano agitado da vida. É isso a ética. Enquanto disciplina filosófica, com origem na Grécia antiga, é bem possível que seja a mais alta criação da inteligência humana, pois salva-nos da selva e permite-nos construir um mundo habitável.

A palavra ética vem do étimo grego ethos e significa ação humana, carácter, conduta. A ética é, pois, a arte de construirmos a nossa própria vida. Mas como não vivemos isolados, somos “animais sociais”, conforme nos classificou Aristóteles, é com as nossas ações éticas que construímos a sociedade e com a nossa falta de ética que a destruímos. Por isso, nos encontramos, porventura, perante o mais útil dos conhecimentos humanos: aquele que nos permite viver como seres humanos, evitando a selva ou o caos.

A ética, por definição, busca o bem. E o bem atinge-se quando se conhece e respeita o valor fundamental da verdade. O que faz bom o diagnóstico de um médico? O que faz boa a sentença de um juiz? A resposta é só uma: a verdade. Por conseguinte, fazer as coisas bem é fazê-las conforme a verdade. Mas como o conhecimento da verdade não é fácil nem imediato, temos de nos perguntar o que faz as ações realmente boas? As respostas são múltiplas. Os Gregos antigos diziam que o bem era o prazer, ou seja, a ausência de dor física ou de perturbação anímica. Mas também eles reconheciam que as coisas não eram assim tão simples. Muitas condutas profundamente boas não estão livres de dores e desassossegos. Pensemos no esforço do aluno para ter uma boa nota num exame, na paciente tarefa de educar os filhos ou no trabalho, tantas

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vezes árduo, com que se ganha a vida. O bem pode definir-se como o que convém a uma coisa, o que a torna perfeita ou completa, independentemente do prazer ou da dor que pode provocar. Como é lógico, nem tudo o que aperfeiçoa uma pessoa é adequado para aperfeiçoar outra. O exercício físico pode fazer muito bem a uma pessoa sã e muito mal a uma pessoa doente. Mas isto não significa que o bem seja subjetivo. Há valores éticos objetivos, como a paz ou a justiça, que são valiosos para todos, ainda que um louco os possa negar.

Aceitamos a teoria da universalidade de certos bens e por isso rejeitamos o relativismo. A realidade é uma extensa teia de relações e acontecimentos, objetos e pessoas, que se relacionam no espaço e no tempo. Neste sentido, é correto afirmar que tudo é relativo, porque dependente de uma cadeia perpétua de causas e efeitos. Mas “relativo” e “relativismo” são conceitos totalmente distintos. O relativo também é objetivo, pois materializa-se nas concretas relações dialéticas existentes entre as coisas, enquanto o relativismo, pelo contrário, tende a confundir a realidade com o desejo. Dizia D. Quixote de La Mancha: “Isso que a ti te parece uma bacia de barbeiro, a mim parece-me o elmo de Mambrino!” A conduta ética apela ao melhor, em liberdade e no respeito pelas diferentes formas de comportamento, mas o relativismo é perigoso, porque pretende a negação de qualquer supremacia real entre motivações. Abre assim a porta ao “vale tudo”. Entendido como conceção subjetivista do bem, o relativismo torna impossível a ética.

Se a ética aspira a ser critério para distinguir entre o bem e o mal, então deve ser objetiva. A ética pode ser relativa no acidental, mas não no essencial. Da natureza de um recém-nascido derivamos a obrigação que têm os seus pais de o alimentar e vestir. Eles são livres de escolher entre diferentes alimentos e roupas, mas a obrigação é intocável. Chegamos então à lei natural como critério ético. Que não é uma invenção da cultura humana. É uma descoberta que cada homem realiza dentro de si, de que há comportamentos naturalmente bons.

Da mesma maneira que a inteligência entende a importância de respirar para viver, é capaz de descobrir que há comportamentos naturalmente bons. Qualquer pessoa concordará que respeitar os outros, dizer a verdade e cumprir as promessas que se fazem são comportamentos desejáveis e bons, enquanto o ódio, a traição e a falsidade são condutas más e indesejáveis. A evidência não carece de demonstração. E é com base nesta evidência que a razão emite os seus juízos sobre os diferentes atos humanos, dizendo às nossas consciências que se deve fazer isto e evitar aquilo. Estes juízos são anteriores à ação e não se confundem com as nossas preferências. Pode argumentar-se que esta inclinação moral da natureza humana não é mais do que o instinto

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gregário orientado para a sobrevivência, mas a esta objeção também se pode responder que, se o desejo de ajudar o próximo é um exemplo do instinto gregário, esse desejo é diferente da convicção de que é nosso dever ajudar, porque esta convicção existirá, mesmo quando não desejarmos ajudar.

Já o dissemos, o relativismo constitui a grande objeção à validade universal de certos valores éticos. O argumento relativista por excelência é a discrepância que as diferentes culturas humanas mostram em questões fundamentais da moral. Sabemos que nalgumas mundividências culturais se admite o casamento poligâmico, a existência de castas sociais ou a redução do papel da mulher na sociedade a uma posição de subalternidade. Também a nossa civilização ocidental, de matriz greco-judaico-cristã, aceitou durante longos períodos históricos a subalternidade social da mulher ou a existência da escravatura. Esta objeção ignora, porém, que a discussão sobre a validade geral do bem se iniciou precisamente quando os gregos do século V antes de Cristo começaram a julgar admiráveis ou censuráveis os costumes dos povos vizinhos e os seus filósofos procuraram encontrar uma norma para “medir” os diferentes comportamentos humanos. A esta norma ou regra chamaram fisis, que significa natureza. Segundo este critério do natural chegaram, por exemplo, à conclusão que o costume das raparigas citas (antigo povo iraniano de pastores nómadas equestres) de cortar um seio para disparar melhor com o arco era pior do que o seu contrário.

Robert Spaemann é um filósofo alemão conhecido internacionalmente pelo seu trabalho nos domínios da ética cristã, da ecologia e dos direitos humanos, cujas opiniões são muito consideradas pelo Papa Bento XVI. Durante uma entrevista num programa de rádio na Alemanha, Spaemann explicou o modo de superar o relativismo por apelo ao critério do natural recorrendo a um exemplo simples de colisão dos direitos dos fumadores e dos não fumadores numa mesma casa: se o conflito se resolver a favor dos não fumadores, isso não ocorrerá porque estes sejam melhores pessoas do que os fumadores, mas sim porque a preservação da saúde prevalece sobre o prazer de fumar. O fumador que se submete a este juízo ético, ainda que ele lhe desagrade, fá-lo porque compreende que é, de facto, o melhor. Ser capaz de ter uma atitude ética é, por conseguinte, estar disposto a reconhecer e respeitar valores que se opõem aos nossos próprios gostos ou interesses. Este exemplo mostra-nos que a ética é o respeito pela verdade, ou seja, por uma leitura correta da realidade. De uma realidade que se nos apresenta organizada e regulada em função de necessidades sociais óbvias como as normas de trânsito, os hospitais, as universidades, as prisões, a proteção do ambiente, etc.

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Vemos, deste modo, que a condição humana é fonte de obrigações naturais de caráter moral. Logo que os antigos pensadores gregos e romanos começaram a estudar a natureza humana descobriram nela uma lei moral. E porque todos os homens têm uma natureza comum, que é independente da terra que pisam ou do céu que veem, essa lei moral rege-nos a todos. O caráter universal e objetivo desta lei natural não pode considerar-se prejudicado por acontecimentos históricos lamentáveis (como a escravatura), tal como um erro numa operação matemática não põe em causa o valor da matemática enquanto ciência exata.

Na antiguidade clássica, o filósofo grego Platão classificava o homem como um animal político, uma vez que este, apenas se inserido num Estado, enquanto comunidade organizada e dotada de poder político, e em plena convivência com os seus semelhantes, pode atingir o seu desenvolvimento completo.

Também o grande filósofo do cristianismo medieval, S. Tomás de Aquino, afirmava que a civitas, também chamada communitas civitatis ou respublica, é uma realidade tão natural como a família e as outras formas intermédias de convivência humana, derivadas dum instinto fundamental do homem: o instinto social. O homem é um “naturaliter sociale animal”. E sendo este o seu primeiro fundamento naturalístico, está aí também o seu fundamento ontológico-metafísico, na medida em que, para aquele Santo e Doutor da Igreja, a lex aeterna, que assim dispôs as coisas, é, ao mesmo tempo, expressão da inteligência e da vontade de Deus.

A necessidade de normas de conduta que assegurem a durabilidade de um projeto de vida comum entre os homens decorre, portanto, desta vocação humana primária e essencial que é a sociabilidade. Mesmo Aristóteles, que considerava que o fim do homem, implícito na sua atividade essencial, era a procura da felicidade e da sua autorrealização através do pensamento e de uma vida intelectual sempre em busca da sabedoria, visto ser aí que reside a sua essência especificamente humana, apontava a justiça, enquanto referencial supremo de todas as regras de conduta humana, sejam elas éticas ou jurídicas, como a mais intelectual das virtudes do homem.

A distinção entre ética e moral não é pacífica, uma vez que os dois termos se referem ao mesmo conteúdo genérico: as regras de conduta dos homens numa sociedade. A palavra “ética” tem uma etimologia grega, enquanto a palavra “moral” tem origem no termo latino mos moris. Mesmo entre aqueles que propõem uma distinção, não existe acordo em relação aos critérios desta, o que

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obriga a que toda a reflexão ética e moral tenha de especificar o sentido conferido a estes termos, numa definição prévia que, em filosofia, nunca é neutra, uma vez que implica a assunção como válidos de determinados pressupostos.

No presente texto, que não tem aspirações doutrinárias e cujo objetivo é essencialmente prático, a resposta que propomos para esta distinção terminológica e filosófica, consiste em relacionar a ética com a dimensão interior que impulsiona os comportamentos exteriorizados pelos homens e a moral com a manifestação concreta desses comportamentos numa série de atos humanos que, no seu todo, constituem um padrão habitual numa determinada sociedade. Prolongando estas linhas de sentido, podemos definir a ética como a fundamentação do agir e a moral como a hierarquização e aplicação aos casos concretos dos valores éticos interiorizados, vazando-os em regras de conduta moral. A moral de que falamos aqui é a moral positiva, a que se dá muitas vezes o nome de moral dos costumes. É o conjunto de preceitos, conceções e regras, obrigatórias para a consciência, pelas quais se rege, antes e para além do direito, a conduta dos homens numa sociedade. Trata-se da moralidade reinante ou vigente e não de uma verdadeira ética dos valores absolutos, que seja parte duma axiologia filosófica.

A propósito das noções de ética e de moral, poderá ser interessante analisar o seguinte texto de Fernando Savater, em “As Perguntas da Vida”:

“Habitar o mundo é atuar no mundo. [...] Nós, humanos, não respondemos apenas ao mundo que habitamos mas vamo-lo também inventando e transformando de uma maneira não prevista por qualquer pauta genética. A nossa espécie não está fechada pelo determinismo biológico, mas permanece aberta e criando-se sem cessar a si própria, como referiu Pico della Mirandola”.

Este texto põe em evidência dois aspetos da natureza humana que influenciam fortemente as conceções éticas dominantes em cada momento histórico. O primeiro é a vocação de ação, que é característica do modus vivendi humano, uma vez que o homem é o único ser vivo capaz de pensar e concretizar as suas ideias num processo cultural. O segundo aspeto tem a ver com o permanente e imprevisível movimento que está associado à ação humana, sobretudo quando a entendemos como processo de criação e inovação. E aí é forçoso admitir que os engenheiros têm sido muitas vezes os motores dessa criação, que se desenvolve no mundo atual a uma velocidade vertiginosa e o influencia constantemente. No plano ético, estes dois aspetos da natureza humana exigem-nos, por um lado, uma ética que seja operativa, prática, orientada para a ação e, por outro

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lado, uma ética que, sem perda de rigor ou de exigência, seja passível de evolução. O homem transforma incessantemente o mundo em que vive e com isso vai-se também recriando a si próprio e às suas convicções. A noção de ética da responsabilidade é particularmente útil e operativa, na medida em que se baseia na avaliação, em cada momento de ação humana individual, das implicações que essa ação poderá ter no viver coletivo. Por outro lado, uma perspetiva que parta de uma espécie de mínimo ético e encare a ética como uma caminhada incessante rumo a uma meta ideal onde seja possível o pleno desenvolvimento e expressão das capacidades de realização individual e social do homem, transmite a necessária ideia de evolução e transformação.

Quanto à noção de Direito, pese embora as diferentes aceções em que a palavra pode ser utilizada e a grande controvérsia que sempre marcou a literatura jurídica sobre a possibilidade de uma definição sintética de Direito, pode-se entender o “direito positivo”, isto é, o direito vigente numa determinada sociedade, como o objeto da ciência jurídica, constituído unicamente por pensamentos que se encontram situados para além da consciência individual e da subjetividade de cada um de nós. São património de uma comunidade de homens na forma de valores, normas, critérios de valoração e de preferência de certos interesses sobre outros, que se encontram, por assim dizer, coagulados nas leis e nos costumes.

O direito positivo é a ideia de direito projetada na região da realidade não sensível a que damos o nome de espírito objetivo. São os valores jurídicos feitos “carne”, isto é, de simples ideias, tornam-se numa realidade histórica concreta, enchendo-se de conteúdos e transformando-se em cultura. O direito positivo é, por conseguinte, ao lado de muitos outros, um dos ramos ou manifestações dessa cultura e espírito objetivo. Nesse sentido é lícito dizer que a positividade é tanto da essência do direito como da religião, da arte e de todos os outros seres e objetos culturais. A sua ontologia é complexa. Não é fácil definir num juízo rigoroso o que é a positividade de um qualquer objeto cultural sem correspondência física. Isto poderá ser tentado através das categorias ou determinações ônticas mais gerais que esse objeto apresenta a uma análise descritiva, de tipo experimental. Se fixarmos por um momento a nossa atenção sobre o objeto “direito positivo”, logo aí se nos revelam as seguintes: temporalidade, historicidade, imperatividade normativa, validade, vigência e coercibilidade.

Tradicionalmente, as principais fontes do direito positivo foram sempre consideradas como sendo três: o costume, a lei e a jurisprudência. Talvez por isso se fale, também em relação às

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diferentes dimensões do jurídico, na chamada “teoria tridimensional do direito”. Pretende-se afirmar que o direito, na experiência que temos dele, se apresenta à nossa observação sob três diferentes formas: ora como facto, ora como norma, ora como valor. A primeira forma consistiria em certa conduta ou comportamento dos homens na vida social, nas suas relações entre si. A segunda forma significaria o pensamento de certo dever ser, definido e formulado pelo legislador numa norma ou conjunto de normas jurídicas. A terceira forma nada mais seria do que a aplicação prática e concreta dos numerosos critérios de valoração extraídos da lei ou do espírito objetivo de uma cultura à própria conduta ou costumes dos homens com vista à realização, entre eles, de uma ideia de justiça.

Do ponto de vista da relação entre o direito e a moral, não há dúvida que existe um núcleo forte de convergência entre as normas morais e as normas jurídicas, motivado pela necessidade de dotar determinadas normas morais de mecanismos de coação social e até judicial, capazes de assegurar a organização e a conservação da sociedade através da regulação efetiva das relações entre os homens com base num certo conceito de bem comum. Na verdade, qualquer destas ordens normativas tem de ser orientada por valores que lhe deem coerência, pelo que o carácter ontológico e sistemático não é privativo da ética. Não foi por acaso que o legislador teve o cuidado de estabelecer que a interpretação de uma norma jurídica não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada (artigo 9º, nº1, do Código Civil) e que na integração de lacunas legislativas, faltando caso análogo a que se possa recorrer, as situações concretas sejam resolvidas segundo a norma que o intérprete criaria, se houvesse de legislar dentro do espírito do sistema (artigo 10º, nº3, do Código Civil).

Acontece, porém, que há valores que não são do campo estrito da moral e, apesar disso, enformam o ordenamento jurídico. Estes valores podem traduzir-se em comportamentos amorais, isto é, substancialmente neutros no plano moral, ou mesmo em situações contrárias à moral ou imorais. É o caso dos valores da segurança e da certeza jurídicas, com base nos quais a lei permite ao devedor que tem uma dívida por si reconhecida em documento idóneo invocar a seu favor a prescrição para não pagar o que efetivamente “deve”, dado o decurso de um tempo determinado sem que a dívida seja exigida. O mesmo se passa com o invasor de propriedade alheia, que pode socorrer-se, em seu benefício, da usucapião, pelo facto de ter exercido sobre a propriedade em causa uma posse com determinadas características, por um

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prazo mínimo estabelecido na lei. Também o criminoso pode usufruir de amnistia, apesar do desejo da vítima do crime em que tenha efetivamente lugar uma justa reparação social. Por último, refira-se o caso em que, por força de normas processuais destinadas a disciplinar e organizar a resolução dos litígios nos tribunais com base no mesmo valor da segurança jurídica, o interessado vem a sofrer as consequências nefastas de não praticar o ato útil em determinado prazo, como seja o da contestação de uma ação cível.

A verdade é que, sendo ambas as ordens normativas, moral e jurídica, norteadas por valores, estes definem-se relacionalmente, isto é, tendo em conta o homem relacionado e não o homem isolado. Não é, contudo, a existência desses interesses conflituais que distingue a ordem jurídica da ordem ética. O que difere é a tutela do interesse ou do bem a prevalecer: enquanto no direito essa tutela leva à resolução do conflito, se necessário, por meios coativos, na moral ela confina-se à censurabilidade da consciência individual e, eventualmente, do conceito que os outros fazem do ato ou do agente. Não é pois de estranhar que, tanto a moral como o direito sejam mutáveis, uma vez que as respetivas normas se encontram muito ligadas a determinada cultura ou civilização.

Podemos, por conseguinte, afirmar que existe efetivamente uma profunda interligação entre direito e moral. E esta conclusão é tanto mais evidente quanto mais se desenvolve a consciência social do homem, que encontra o seu valor cimeiro nos hoje chamados direitos fundamentais, pela sua essência ligados à natureza intrínseca e integral do homem e por isso designados historicamente como “Direitos do Homem” ou “Direitos Humanos”. O ordenamento jurídico recebe então, com muito mais significado e transcendência, aquele valor, desde sempre afirmado como comum à ética e ao direito, que é a justiça. Esta, com efeito, só tem porto seguro quando respeita o homem como pessoa, não o sacrificando definitiva ou utilitariamente em nome de um certo bem comum, dissolvido nos interesses de uma sociedade utópica. Para além das Declarações Universais de Direitos, de inestimável efeito pedagógico junto dos Estados, é possível encontrar nas constituições dos estados hodiernos o tal núcleo duro de valores, que consubstanciam o chamado mínimo ético, no qual os dois ordenamentos normativos convergem. Assim, a constituição acolhe e consagra, de maneira progressiva, harmónica e coerente, os tais direitos fundamentais, conferindo-lhes a dignidade de um diploma que serve de referência jurídico-moral a todo o demais ordenamento jurídico, de modo a provocar a “morte”, por declaração de inconstitucionalidade, das normas menores que ofendam esses valores humanos fundamentais.

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2.2. Deontologia Profissional: Noção e Importância

A palavra Deontologia deriva da aglutinação de duas palavras Gregas: deontos, que significa dever ou dever ser e logos, que significa estudo ou ciência. Trata-se, portanto, do estudo ou da ciência dos deveres ou do dever ser, podendo entender-se como oposição a ontologia, que será o estudo ou ciência do ser. Na permanente tensão entre o “ser” e o “dever ser”, a deontologia profissional será pois o conjunto de regras ético-jurídicas pelas quais um membro de uma profissão deve pautar o seu comportamento profissional e cívico. A existência de uma deontologia profissional é absolutamente fundamental nas profissões que requerem confiança pública, como é o caso da engenharia. Esta noção de “confiança pública”, corresponde à crença, que se pretende socialmente generalizada, de que os membros de uma determinada profissão (médicos, engenheiros, advogados) estão capacitados para tomar as decisões técnicas corretas, no seu domínio profissional, sem descurarem os valores fundamentais da coletividade que neles confia. Trata-se de uma característica das chamadas profissões liberais e é essencial para garantir a paz social, a segurança dos cidadãos e um exercício profissional livre e responsável.

Tomando o caso específico dos engenheiros, existe um conjunto de deveres destes para com a comunidade cujo cumprimento é essencial para alcançar a tal confiança pública de que falamos acima. Vivemos numa sociedade de crise, complexa e tendencialmente desagregada, na qual as instituições estatais destinadas à regulação e ao controlo tendem a ser pouco eficazes, se não forem coadjuvadas por mecanismos internos de autorregulação, orientados por valores sociais. Fala-se hoje, por isso, da necessidade de uma ética de responsabilidade, capaz de orientar o comportamento dos cidadãos com especiais responsabilidades profissionais e cívicas. Trata-se de uma ética pessoal ou profissional que se fundamenta em valores coletivos de justiça social e de direito natural, e que parte do princípio de que as ações individuais têm sempre implicações no devir da coletividade social. Impõe-se, por isso, também ao engenheiro, que, no momento individual de decidir o sentido da sua ação, faça uma avaliação cuidadosa das implicações que a sua decisão terá para a comunidade.

Esta ideia de ética de responsabilidade está intimamente associada à noção de função social, inicialmente elaborada a propósito da propriedade na chamada doutrina social da Igreja, que se desenvolveu no século XIX, aquando do confronto do Evangelho com as novas estruturas de produção e as novas formas de trabalho e de propriedade na sociedade industrial moderna. Mas

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a doutrina da função social da propriedade encontra a sua inspiração mais remota em S. Tomás de Aquino, para quem “o proprietário é um procurador da comunidade para a gestão de bens destinados a servir todos, embora pertençam a um só”. Pegando, com todo o respeito, nesta frase de S. Tomás de Aquino, podemos formular o seguinte enunciado para traduzir a ideia da função social do engenheiro: o engenheiro é um procurador da comunidade incumbido de aplicar as ciências de engenharia com vista ao bem-estar coletivo, ao progresso e ao bem comum, embora a sua catividade ocorra no interesse primário do seu cliente ou entidade empregadora.

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3. A DEONTOLOGIA PROFISSIONAL DOS ENGENHEIROS

3.1 – O Interesse Público Subjacente ao Exercício da Engenharia

A engenharia é uma das profissões em que, para além dos interesses particulares de quem a exerce e de quem dela beneficia, no âmbito de uma relação contratual que pode assumir diversas roupagens, existe um interesse público a acautelar. Valores fundamentais para a comunidade como a segurança de pessoas e bens, a saúde pública e o ambiente estão na base deste interesse público que está subjacente ao exercício da engenharia.

É precisamente nesse interesse público, que a comunidade social pretende ver assegurado no exercício de determinadas profissões científicas e técnicas de inegável importância, que radica a razão de ser das ordens profissionais. Estas são associações públicas, formadas pelos membros de certas profissões de interesse público com o fim de, por devolução de poderes do Estado, regularem e disciplinarem o exercício da despectiva catividade profissional.

A Ordem dos Engenheiros foi a segunda das ordens profissionais a ser criada, logo a seguir à Ordem dos Advogados, através do Decreto-Lei nº 27228, de 24 de Novembro de 1936. Trata-se, portanto, de uma pessoa coletiva pública de base associativa, criada por lei e pertencente à administração autónoma do Estado. E não se argumente que a sua existência é uma reminiscência do corporativismo, porque, embora a Ordem defenda também interesses coletivos privados, a sua natureza dualista impõe-lhe o prosseguimento prioritário dos interesses públicos que lhe estão atribuídos pelo Estado. Na verdade, a maior parte dos Estados modernos, em obediência a um princípio de autonomia e descentralização administrativa, confia a certas classes de profissionais, particularmente qualificadas, o cumprimento da missão de regular e disciplinar o exercício da sua profissão, reconhecendo-lhes a indispensável capacidade de autogestão e autodisciplina. É o que se passa em Portugal com os engenheiros e daí decorre a obrigatoriedade destes profissionais estarem inscritos na sua Ordem, obrigatoriedade essa que resulta da própria lei, visto que esta confere à Ordem dos Engenheiros o direito de atribuir o despectivo título e veda o seu uso e o exercício da profissão a quem não seja membro da Ordem (artigos 1º e 3º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/92, de 30 de Junho).

Para merecer esta honrosa confiança que o Estado deposita na classe dos engenheiros, através da sua associação pública, é fundamental que a Ordem do Engenheiros desempenhe cabalmente a

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sua principal missão, que consiste em supervisionar o exercício da engenharia, nas suas várias especialidades, assegurando o cumprimento das legis artis e dos deveres deontológicos da profissão.

Caberá aqui, ainda, uma última referência à origem histórica das ordens profissionais, apenas para mencionar que é o facto destas entidades públicas terem nas ordens monásticas e, sobretudo, nas corporações medievais a sua génese primacial, onde cabia ao primus inter pares o transporte do bastão que segurava o estandarte com o escudo ou símbolo da corporação, que leva a que, tal como acontece em relação às restantes ordens, o Presidente do Conselho Diretivo Nacional da Ordem dos Engenheiros tenha direito a usar o título de Bastonário da Ordem dos Engenheiros.

3.2 – As Atribuições da Ordem dos Engenheiros

A Ordem dos Engenheiros é, por conseguinte, a associação pública representativa dos licenciados em Engenharia que exercem a profissão de engenheiro. É independente dos órgãos do Estado e goza de autonomia administrativa, financeira, científica, disciplinar e regulamentar.

Nos termos do disposto no nº1 do artigo 2° do seu Estatuto, a Ordem dos Engenheiros tem como escopo fundamental contribuir para o progresso da engenharia, estimulando os esforços dos seus associados nos domínios científico, profissional e social, bem como, o cumprimento das regras de ética profissional.

Numa enumeração mais concreta das suas atribuições feita pelo nº2 do mesmo artigo 2º do Estatuto, cabe à Ordem dos Engenheiros:

a) Assegurar o cumprimento das regras de ética profissional e o nível de qualificação profissional dos engenheiros;

b) Atribuir o título profissional de engenheiro e regulamentar o exercício da despectiva profissão;

c) Defender os interesses, direitos e prerrogativas dos seus membros;

d) Zelar pela função social, dignidade e prestígio da profissão de engenheiro; e) Fomentar o desenvolvimento do ensino da engenharia;

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g) Proteger o título e a profissão de engenheiro, promovendo o procedimento judicial contra quem o use ou a exerça ilegalmente;

h) Promover a cooperação e solidariedade entre os seus associados;

i) Valorizar a qualificação profissional dos engenheiros pela concessão dos respectivos níveis e títulos de especialista e pela participação ativa na formação de pós-graduação, emitindo os competentes certificados e cédulas profissionais;

j) Prestar a colaboração técnica e científica solicitada por quaisquer entidades, públicas ou privadas, quando exista interesse público;

I) Desenvolver relações com associações afins, nacionais e estrangeiras, podendo aderir a uniões e federações internacionais;

m) Exercer jurisdição disciplinar sobre os engenheiros;

n) Exercer as demais funções que resultam da lei e das disposições do Estatuto.

3.3 – O Título Profissional de Engenheiro

Estabelece o artigo 3º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo Decreto-Lei nº119/92, de 30 de Junho, que a atribuição do título, o seu uso e o exercício da profissão de engenheiro dependem de inscrição como membro efetivo da Ordem.

Na verdade, como é de lei mas nem sempre se verifica de facto, o exercício da profissão de engenheiro depende absolutamente da inscrição como membro efetivo da Ordem dos Engenheiros, o que significa que o exercício da engenharia se encontra legalmente vedado a quem não seja membro da Ordem dos Engenheiros, independentemente das suas qualificações académicas. Esta solução legal é consequência necessária da função que o Estado atribui à Ordem dos Engenheiros, enquanto pessoa coletiva pública por si criada para regular e disciplinar o exercício da profissão de engenheiro, assegurando a defesa do interesse público que está subjacente ao exercício desta profissão de tão grande relevância social. Não faria sentido que o Estado criasse uma associação pública para realizar esta importante tarefa, agrupando nela os engenheiros de modo a que estes fiquem sob a sua alçada regulatória e disciplinar, e, simultaneamente, permitisse que a profissão fosse legalmente exercida por quem não esteja inscrito naquela associação. Seria como tentar apanhar uvas com uma cesta rota.

Nos termos do disposto no artigo 4º do Estatuto, designa-se por engenheiro o titular de licenciatura, ou equivalente legal, em curso de Engenharia, inscrito na Ordem como membro

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efetivo, e que se ocupa da aplicação das ciências e técnicas respeitantes aos diferentes ramos de engenharia nas atividades de investigação, conceção, estudo, projeto, fabrico, construção, produção, fiscalização e controlo de qualidade, incluindo a coordenação e gestão dessas atividades e outras com elas relacionadas.

Sendo demasiado abrangente e genérica a definição de engenheiro constante do artigo 4º do Estatuto, parece-nos evidente que falta no nosso ordenamento jurídico uma norma que venha definir, para cada especialidade de engenharia, o núcleo de catos que se consideram próprios e exclusivos dos engenheiros. Tal regulamentação torna-se hoje ainda mais importante em face da implementação do sistema de graus académicos de Bolonha nas nossas Universidades e Institutos Politécnicos.

Subscrita em Junho de 1999 pelos ministros responsáveis pelo ensino superior de 29 países europeus, a Declaração de Bolonha teve como objetivo central a construção de um Espaço Europeu de Ensino Superior, capaz de assegurar os objetivos da mobilidade e da empregabilidade dos diplomados superiores e de competitividade real entre os sistemas europeus de ensino superior. Esta declaração define objetivos de harmonização dos graus académicos conferidos nos sistemas europeus de ensino superior, propondo uma estruturação em dois ciclos, de graduação e pós-graduação, sendo que o acesso ao 2° ciclo pressupõe a conclusão de um primeiro ciclo com uma duração mínima de três anos. Portugal foi um dos países subscritores da Declaração de Bolonha e na recente reforma do ensino superior adaptou o sistema de graus académicos em conformidade, abolindo o bacharelato e apelidando o 1º ciclo, com um número de ECTS’s mínimo de 180 (equivalente a três anos de ensino superior), de licenciatura; e o 2º ciclo, com um número de ECTS’s mínimo de 300 (equivalente a cinco anos de ensino superior), de mestrado.

Neste contexto, torna-se necessário proceder a uma revisão do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, adaptando-o à nova realidade e aproveitando para o aperfeiçoar, reforçando o papel da Ordem dos Engenheiros na qualificação profissional, o que me parece inevitável em face da redução de duração das licenciaturas em engenharia para três anos.

Na opinião do autor deste texto, deverá aproveitar-se a ocasião para agrupar todos os profissionais de engenharia na mesma associação pública profissional, assegurando a vigência efetiva do princípio legal de proibição do exercício da profissão a quem não possua a necessária

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habilitação profissional, subsequente à habilitação académica e que, como vimos acima, constitui uma exigência imperiosa do ponto de vista da defesa do interesse público que está subjacente ao exercício da engenharia. O novo Estatuto deverá assegurar as bases para uma regulamentação da profissão de engenheiro também nas especialidades industriais, a definir através de uma lei autónoma que estabeleça um núcleo de atos próprios e exclusivos dos engenheiros, para cada especialidade.

Finalmente, é importante referir que, independentemente do sistema de graus académicos e da sua adaptação à Declaração de Bolonha, já podem inscrever-se na Ordem dos Engenheiros, para efeito do exercício em Portugal da profissão de engenheiro e por força dos Tratados que instituíram a União Europeia, os nacionais de outros Estados Membros quando titulares das habilitações académicas e profissionais requeridas legalmente para o exercício desta profissão no respetivo Estado de origem (artigo 5º do atual Estatuto da Ordem dos Engenheiros).

3.4 – A Ética e Deontologia no Estatuto da Ordem dos Engenheiros

O atual Estatuto da Ordem dos Engenheiros foi, como já referimos, aprovado pelo Decreto-Lei nº 119/92, de 30 de Junho. No seu artigo 1º estipula que a Ordem dos Engenheiros é a associação pública representativa dos licenciados em engenharia que exercem a profissão de engenheiro, e no número 1 do artigo 2º consagra como escopo fundamental da Ordem a contribuição para o progresso da engenharia através do estímulo dos esforços dos seus associados nos domínios científico, profissional e social, bem como o cumprimento das regras da ética profissional.

O papel da Ética e da Deontologia no Estatuto da Ordem dos Engenheiros é, portanto, absolutamente fundamental. A ética profissional está mesmo, como já se viu anteriormente, na base da própria existência da Ordem dos Engenheiros enquanto associação pública. O número 2 do mesmo artigo 2º, que estabelece uma lista das concretas atribuições da Ordem dos Engenheiros, começa mesmo, logo na alínea a), por referir que cabe à Ordem “assegurar o cumprimento das regras da ética profissional e o nível de qualificação profissional dos engenheiros”. É, a nosso ver, significativo, que o legislador coloque na mesma alínea o cumprimento das regras da ética profissional e o nível de qualificação profissional, mostrando que estas duas exigências fundamentais são como as duas faces de uma mesma moeda, de cujo valor real dependerá o grau de confiança pública nos engenheiros.

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4. O CÓDIGO DEONTOLÓGICO DOS ENGENHEIROS

4.1 – A Inclusão de um Código Deontológico no Estatuto da Ordem dos Engenheiros

Correlacionada intimamente com a atribuição estipulada na alínea a) do nº2 do artigo 2º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros está a que vem referida na alínea m) do mesmo número e artigo: o exercício da jurisdição disciplinar sobre os engenheiros, ou seja, o direito de punir disciplinarmente os engenheiros que cometerem uma infração disciplinar, infração que o artigo 67º do Estatuto define como “a violação culposa, por qualquer membro da Ordem, dos deveres consignados no Estatuto, no código deontológico ou nos regulamentos”. Não é de estranhar, portanto, que o Estatuto consagre todo o seu Título II, dos três que o constituem, à deontologia profissional. É este Título II do Estatuto da Ordem dos Engenheiros que podemos designar como Código Deontológico do Engenheiro.

Um código deontológico é uma compilação de regras de conduta ética aplicáveis ao exercício de determinada profissão que são aceites pela maioria dos membros dessa profissão como tendo carácter obrigatório. Embora a profissão de engenheiro possa, pela sua própria essência, ser exercida em qualquer país do mundo e em cada país existam distintos códigos deontológicos de engenheiros, estando a ministrar lições de ética e deontologia profissional a alunos da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, estranho seria que não baseássemos o nosso estudo no código deontológico aplicável aos engenheiros portugueses. Ao contrário do que se passa noutros países, designadamente do mundo anglo-saxónico, em Portugal os engenheiros das várias especialidades estão agrupados na mesma associação profissional, a Ordem dos Engenheiros, existindo, por conseguinte, incluído no próprio Estatuto da Ordem, um só código deontológico, cujas regras de conduta ética são genericamente aplicáveis a todos os engenheiros portugueses.

O Código Deontológico incluído no Estatuto da Ordem dos Engenheiros contempla, como é natural, direitos e deveres. São o cumprimento escrupuloso dos deveres e o exercício correto dos direitos que farão o bom engenheiro. Entre os direitos, relacionados com a inscrição na Ordem dos Engenheiros, não podemos deixar de referir os seguintes, dada a sua importância: o direito de participar nas atividades da Ordem; o direito de eleger e ser eleito para o desempenho de funções na Ordem; e o direito de utilizar a cédula profissional emitida pela Ordem como

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documento comprovativo da atribuição do título de engenheiro, único que permite o uso da designação e habilita para o exercício da profissão.

Mas é o cumprimento dos deveres deontológicos, estabelecidos no Estatuto da Ordem dos Engenheiros, que assegura o exercício da função social do engenheiro. Esses deveres deontológicos, que desenham o perfil ético-social da profissão, são passíveis de interpretações subjetivas, dependentes das convicções éticas próprias de cada engenheiro e da avaliação que ele fizer das circunstâncias concretas que determinam o seu comportamento. Existe contudo uma espécie de mínimo ético, passível de determinação objetiva, pelo que, o artigo 67º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, aprovado pelo Decreto-Lei nº119/92, de 30 de Junho, classifica como infração disciplinar a violação culposa, por qualquer membro da Ordem, dos deveres consignados no código deontológico.

A aplicação de sanções disciplinares, que podem ir até à suspensão do exercício da atividade profissional por longos períodos, destina-se a punir o incumprimento desse mínimo ético, quando se prove a violação culposa dos deveres deontológicos. Como sempre acontece no Direito sancionatório, terá aqui também que se distinguir entre as duas formas que a culpa pode revestir: o dolo, em que o agente teve intenção de violar a norma, e a negligência, em que o agente, consciente ou inconscientemente, omitiu deveres de cuidado essenciais que levaram, numa sucessão abstratamente provável de acontecimentos, à violação da norma.

Em termos disciplinares, a negligência só será punível na medida em que, pela sua gravidade, se distinga claramente do erro desculpável. Esta distinção terá de ser aferida pela diligência esperada de um profissional médio, visto que, pese embora o estímulo que a Ordem deve dar ao aperfeiçoamento profissional dos seus membros, a nenhum engenheiro poderá ser aplicada uma sanção disciplinar simplesmente pelo facto de não ser um profissional de excelência.

Para mais fácil estudo e sistematização dos deveres deontológicos, estes encontram-se agrupados em cinco classes, definidas em função do sujeito em relação ao qual o dever se manifesta, isto é, o sujeito ativo da relação jurídica que se estabelece entre ele e o engenheiro. Este sujeito ativo da relação jurídica ou da obrigação é aquele que tem o direito correspondente ao dever deontológico que o engenheiro está obrigado a respeitar. Estas cinco classes, que correspondem a outros tantos artigos do Estatuto, são as seguintes: a dos deveres para com a Ordem; a dos deveres para com a

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comunidade; a dos deveres para com a entidade empregadora ou o cliente; a dos deveres respeitantes ao concreto exercício da profissão; e a dos deveres para com os colegas.

4.2. Deveres para com a Ordem

Começando pelos deveres para com a Ordem, que se encontram no artigo 83º do Estatuto e são um verdadeiro pressuposto de aplicação dos restantes deveres, uma vez que só os membros da Ordem dos Engenheiros estão legalmente obrigados ao cumprimento dos deveres consagrados no seu Estatuto, eles incluem:

- um dever geral de cumprimento do Estatuto e dos regulamentos emanados pela Ordem; - a participação na prossecução dos objetivos da Ordem;

- o desempenho de funções para as quais sejam eleitos ou escolhidos;

- a prestação a comissões e grupos de trabalho da colaboração especializada que lhes seja solicitada;

- a contribuição para a boa reputação da Ordem e o alargamento do seu âmbito de influência;

- a satisfação pontual dos encargos estabelecidos pela Ordem;

- e a resposta a inquéritos dos Conselhos Disciplinares, que são os órgãos que, dentro de cada Região, exercem a jurisdição disciplinar em primeira instância.

Relativamente à obrigação de satisfazer pontualmente os encargos estabelecidos pela Ordem, caberá tecer algumas considerações, visto tratar-se de um aspeto que, apesar de menos simpático, é de extrema importância para a Ordem dos Engenheiros, uma vez que a lei, através do nº 2 do artigo 1º do seu Estatuto, lhe confere autonomia financeira, mas a instituição não beneficia de qualquer dotação orçamental própria destinada a garantir a realização dos fins de interesse público que lhe estão atribuídos pelo Estado. Na verdade, o Estado não acompanha a sua devolução de poderes com a transferência de quaisquer meios financeiros provenientes do seu Orçamento, pelo que permite à Ordem dos Engenheiros que esta se financie através de quotas cobradas aos seus membros, não com qualquer intuito lucrativo, mas apenas para poder concretizar as suas atribuições. A quota mensal cobrada aos engenheiros destina-se, portanto, a cobrir os custos de funcionamento da Ordem dos Engenheiros, a sua catividade em prol da engenharia e todos os serviços que ela disponibiliza aos seus associados (publicações, instalações, congressos, etc.).

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4.3. Deveres para com a comunidade

Os deveres do engenheiro para com a comunidade encontram-se previstos no artigo 86º do Estatuto e são os seguintes:

1 – É dever fundamental do engenheiro possuir uma boa preparação, de modo a desempenhar com competência as suas funções e contribuir para o progresso da engenharia e da sua melhor aplicação ao serviço da Humanidade.

2 – O engenheiro deve defender o ambiente e os recursos naturais.

3 – O engenheiro deve garantir a segurança do pessoal executante, dos utentes e do público em geral.

4 – O engenheiro deve opor-se à utilização fraudulenta, ou contrária ao bem comum, do seu trabalho.

5 – O engenheiro deve procurar as melhores soluções técnicas, ponderando a economia e a qualidade da produção ou das obras que projetar, dirigir ou organizar.

É precisamente esta classe de deveres que se encontra mais intimamente ligada ao interesse público subjacente ao exercício da profissão de engenheiro. A importância que tem o cumprimento destes deveres na sociedade atual é muito grande, sobretudo com vista ao alcance de um estado de confiança pública nos engenheiros.

Falamos já, no presente texto, da necessidade de uma ética de responsabilidade, capaz de orientar o comportamento dos cidadãos com especiais responsabilidades profissionais e cívicas. Trata-se de uma ética pessoal, que se fundamenta em valores coletivos de justiça social e parte do princípio que as ações individuais têm sempre implicações coletivas. Esta ética de responsabilidade faz-se sentir com particular acuidade nas áreas da segurança e do ambiente. No domínio da proteção do ambiente, e numa perspetiva de desenvolvimento sustentável, é dever do engenheiro ponderar as consequências para a coletividade social, presente e futura, da produção ou das obras que projetar, dirigir ou organizar. Isto mesmo nos diz o Código Deontológico ao estipular que todos os engenheiros devem defender o ambiente e os recursos naturais, concretizando assim um dos princípios fundamentais do direito do ambiente: o princípio da integração, isto é, a incorporação das preocupações de proteção ambiental em todos os sectores da atividade humana.

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Relativamente aos aspetos relacionados com a segurança, muito associados à especialidade de engenharia civil face à maior visibilidade pública de acidentes ocorridos recentemente em estruturas de construção civil que tiveram, infelizmente, graves consequências humanas e materiais, é dever deontológico do engenheiro, expressamente consagrado no artigo 86º do Estatuto, garanti-la para o pessoal executante, para os utentes e para o público em geral. Tal como o dever de proteger o ambiente e os recurso naturais, este dever enquadra-se também numa perspetiva de integração dos aspetos técnicos de segurança na atividade dos engenheiros das diferentes especialidades. Isto é, não é deontologicamente admissível que um engenheiro descure os problemas de segurança na sua atividade pelo facto de existir na obra, na fábrica ou no serviço onde trabalha um responsável técnico de segurança. A segurança deve ser considerada por todos os engenheiros e em todas as fases da sua intervenção, desde o projeto até ao controlo de qualidade do produto final. Neste contexto, não podem deixar de se referir as preocupações da sociedade em relação ao problema da segurança alimentar, domínio onde muitos engenheiros, sobretudo das especialidades de química e de agronómica, têm importantes responsabilidades.

Questão 1

A empresa têxtil onde o engenheiro químico António trabalha há quinze anos, passou, desde há dois meses a esta parte, a efetuar descargas de reagentes que se encontram no seu armazém e estão fora do prazo de validade para as águas de um ribeiro próximo. O engenheiro António tem conhecimento desta situação através da consulta de documentos da empresa nos quais se encontra aposto o carimbo: CONFIDENCIAL. Se fosse o engenheiro António, que atitude adotaria?

Dentro desta classe de deveres para com a comunidade, encontramos também no Código Deontológico o dever fundamental do engenheiro em possuir uma boa preparação, que lhe permita desempenhar com competência as suas funções, contribuindo, na medida das suas capacidades, para o progresso da engenharia e a sua melhor aplicação ao serviço da Humanidade. Trata-se de uma exigência que apenas será cumprida se o engenheiro procurar preparar-se nas várias áreas do saber que sejam necessárias para atingir os objetivos que lhe são propostos no exercício das suas funções, o que significa, muitas vezes, não se circunscrever ao domínio científico e técnico. Num contexto global e competitivo, onde o conhecimento duplica de quatro em quatro anos, a incorporação de saberes multidisciplinares e a capacidade de mudança organizacional assumem-se como o principal desafio colocado à gestão das empresas. Este novo contexto requer novas abordagens, novas conceções de gestão e novos tipos de

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engenheiros, visto que, no futuro, as principais fontes de competição não serão apenas os produtos, os mercados e a tecnologia, mas também o talento e a capacidade de antecipar, aprender e mudar de forma sustentada. Daí que, numa perspetiva de ética dos máximos a exigência expressa nesta norma deontológica de que o engenheiro contribua, na medida das suas capacidades, para o progresso da engenharia e da sua melhor aplicação ao serviço da Humanidade, obriga-o a uma preparação formativa e informativa contínua na área onde exerce funções.

Uma outra norma deontológica que está claramente marcada por uma preocupação ética de responsabilidade social é a que prescreve que o engenheiro se deve opor à utilização fraudulenta, ou contrária ao bem comum, do seu trabalho. Trata-se aqui de recusar a colaboração em projetos ilícitos ou criminosos, mas também de avaliar, em cada caso concreto, as exigências do bem comum. O conceito de bem comum dependerá, evidentemente, da conceção ética inscrita na consciência de cada um, mas o seu preenchimento não pode deixar de ter em conta a existência de um mínimo denominador comum em termos éticos.

Questão 2

Um Engenheiro Químico português é contactado por um emissário do Ministério da Indústria de um país do médio oriente, que lhe propõe um contrato muito bem remunerado para chefiar uma equipa de projeto de uma fábrica petroquímica. O engenheiro aceita a proposta e subscreve o contrato, mas durante a primeira reunião técnica ocorrida, já na sede do Ministério que o contratou, apercebe-se que a fábrica a instalar se destina a produzir, de forma camuflada, armas químicas proibidas internacionalmente. Qual deverá ser a atitude do engenheiro em face desta situação?

A última norma deontológica desta classe de deveres do engenheiro para com a comunidade estipula que o engenheiro deve procurar as melhores soluções técnicas, ponderando a economia e a qualidade da produção ou das obras que projetar, dirigir ou organizar. O que está aqui subjacente é a obrigação do engenheiro pugnar pela aplicação das melhores tecnologias disponíveis, dentro dos condicionalismos económicos e sociais de cada situação concreta em que trabalhar.

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Questão 3

Alfredo é engenheiro químico e foi o autor do projeto de uma fábrica de glicerina de alta pureza. Na fase de separação e purificação da glicerina existem diversas colunas de destilação com enchimento estruturado, cujos condensadores funcionam sob vácuo. Para a manutenção deste vácuo em contínuo, o engenheiro Alfredo escolheu, por razões de contenção de custos, bombas de pistão e membrana, em vez da solução de duplo parafuso helicoidal, que é o padrão tecnológico atual da indústria química nestes processos de separação. Em resultado desta escolha de projeto, a fábrica está sujeita a frequentes paragens de processo, para reparação das bombas de vácuo, que diminuem significativamente a produtividade e aumentam os custos de produção. Aprecie o comportamento deontológico do engenheiro Alfredo, enquanto projetista da fábrica.

4.4. Deveres para com o cliente

No artigo 87º do Estatuto encontramos a terceira classe de deveres deontológicos: os deveres do engenheiro para com a entidade empregadora ou o cliente:

1 – O engenheiro deve contribuir para a realização dos objetivos económico-sociais das organizações em que se integre, promovendo o aumento da produtividade, a melhoria da qualidade dos produtos e das condições de trabalho, com o justo tratamento das pessoas.

2 – O engenheiro deve prestar os seus serviços com diligência e pontualidade, de modo a não prejudicar o cliente nem terceiros, nunca abandonando, sem justificação, os trabalhos que lhe forem confiados ou os cargos que desempenhar.

3 – O engenheiro não deve divulgar nem utilizar segredos profissionais ou informações, em especial as científicas e técnicas obtidas confidencialmente no exercício das suas funções, salvo se, em consciência, considerar poderem estar em sério risco exigências de bem comum.

4 – O engenheiro só deve pagar-se pelos serviços que tenha efetivamente prestado e tendo em atenção o seu justo valor.

5 – O engenheiro deve recusar a sua colaboração em trabalhos cujo pagamento esteja subordinado à confirmação de uma conclusão predeterminada, embora esta circunstância possa influir na fixação da remuneração.

6 – O engenheiro deve recusar compensações de mais de um interessado no seu trabalho quando possa haver conflitos de interesses ou não haja o consentimento de qualquer das partes.

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Tratam-se de deveres para com o cliente em sentido amplo, entendendo-se este de modo diverso consoante os três tipos de situações possíveis de enquadramento da catividade profissional dos engenheiros.

Nos casos em que o engenheiro exerça a sua catividade profissional com base num contrato de trabalho, inserido numa organização empresarial, situação que é hoje a mais frequente, o cliente será a entidade empregadora. Para os engenheiros que exerçam a sua catividade como funcionários públicos, o cliente será o ente público onde trabalham ou, em último caso e daí a diferença com a situação anteriormente descrita, o próprio Estado. Para os engenheiros que exerçam a catividade por conta própria, como profissionais liberais ou através de sociedades que tenham por objeto o exercício da engenharia, ainda que constituídas sob a forma comercial, o cliente será a pessoa, singular ou coletiva, que adquire os serviços de engenharia que são prestados.

Nesta classe de deveres, e correspondendo ao primeiro e segundo tipos de enquadramento acima referidos, inclui-se o dever de contribuir para a realização dos objetivos económico-sociais das organizações em que o engenheiro se integre, promovendo o aumento da produtividade, a melhoria da qualidade dos produtos e das condições de trabalho, salvaguardando o justo tratamento das pessoas. Trata-se de uma obrigação genérica de fidelidade à entidade empregadora, que incentiva o engenheiro a “vestir a camisola” da empresa onde trabalha, absorvendo a despectiva cultura empresarial e de gestão. É interessante notar que esta norma se refere explicitamente ao papel fundamental dos engenheiros na promoção do aumento da produtividade, tão necessário à competitividade da economia portuguesa e que constitui um assunto de grande atualidade política, em cuja discussão se impõe uma participação mais intensa dos engenheiros. Deve, contudo, assinalar-se que é também exigência deontológica não procurar o aumento da produtividade ou a melhoria da qualidade a qualquer custo social e humano. A melhoria das condições de trabalho e o justo tratamento das pessoas são também imperativos éticos que se colocam ao engenheiro que tenha sob a sua direção quaisquer trabalhadores.

Outro dever que se enquadra nesta classe é o da prestação dos serviços com diligência e pontualidade, de modo a não prejudicar o cliente nem terceiros, nunca abandonando sem justificação os trabalhos confiados ou os cargos desempenhados. É claro que, nesta norma, já estão em jogo valores morais de natureza pessoal, relacionados com a seriedade e o esforço que cada um emprega para honrar os seus compromissos.

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A obrigação de segredo profissional, cuja discussão tem estado na ordem do dia em relação a outras profissões, aparece também no Código Deontológico do engenheiro, o qual dispõe que este não deve divulgar nem utilizar segredos profissionais ou informações, em especial as científicas e técnicas, desde que estas tenham sido obtidas confidencialmente no exercício das suas funções. A obrigação de segredo cederá apenas se o engenheiro considerar, em consciência, que estão em sério risco exigências do bem comum. Novamente se impõe, aqui, o preenchimento do conceito indeterminado de “bem comum”, no âmbito de um caso concreto cujos contornos apenas o engenheiro obrigado ao sigilo conhecerá, mas que poderá revelar ao Bastonário da sua Ordem ou a outro colega de referência, se achar necessário obter uma ajuda especial, para melhor apreciar a situação

Questão 4 (resolvida)

O engenheiro Carlos pertence ao quadro efetivo de uma empresa, exercendo funções e trabalhando em local que lhe possibilita ter acesso ao conhecimento pleno de uma técnica inovadora, ainda não patenteada, que, nos últimos meses, aí foi desenvolvida por uma equipa de especialistas. Decidiu, agora, aceitar o pedido de prestação de serviços de consultoria, insistentemente solicitado, desde há cerca de mês e meio, por uma empresa concorrente da sua, sem conhecimento da sua entidade profissional. Comente esta atitude do engenheiro Carlos.

Proposta de Resposta:

Em primeiro lugar, o engenheiro Carlos, ao aceitar o pedido de prestação de serviços de consultoria de uma empresa concorrente da sua sem o conhecimento desta, está a atuar em prejuízo da sua entidade empregadora, violando a norma prevista no nº 1 do artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros, na medida em que não está a contribuir para a realização dos objetivos económicos da organização em que se insere. Por outro lado, viola também a norma prevista no nº 6 do mesmo artigo 87º, uma vez que irá receber compensações de duas entidades entre as quais existe um claro conflito de interesses (são concorrentes). Ainda no plano dos deveres para com o cliente, considerando o facto, referido no enunciado do caso, do engenheiro Carlos ter tido acesso ao conhecimento pleno de uma técnica inovadora, ainda não patenteada, que, nos últimos meses, foi desenvolvida na sua entidade patronal por uma equipa de especialistas, facto que não será alheio às razões que levaram a empresa concorrente a solicitar os seus serviços de consultoria, estaremos provavelmente em presença de uma iminente violação da obrigação de sigilo profissional por parte do engenheiro Carlos, prevista no nº 3 do mesmo

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artigo 87º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros. Numa perspetiva mais geral, relacionada com o exercício, em concreto, da sua profissão, o engenheiro Carlos comporta-se de um modo desleal, pelo que viola o preceituado no nº 1 do artigo 88º do Estatuto da Ordem dos Engenheiros. Para além disso, viola também a norma prevista no nº 2 do mesmo artigo 88º, na medida em que não se opõe, antes pelo contrário contribui, para a concorrência desleal que a empresa que o contrata como consultor pretende fazer à sua entidade patronal atual, uma vez que deseja obter o conhecimento da tal técnica inovadora, ainda não patenteada, aproveitando-se da violação do segredo profissional.

Relativamente a honorários, o engenheiro só deve pagar-se pelos serviços que tenha efetivamente prestado e tendo em atenção o seu justo valor, mas deve recusar a sua colaboração em trabalhos cujo pagamento esteja subordinado à confirmação de uma conclusão pré-determinada, embora esta circunstância possa influir na fixação da remuneração. Trata-se aqui, tão só, de dignificar a remuneração do trabalho do engenheiro, que deve refletir o justo valor desse mesmo trabalho, evitando situações de excesso, mas também de exploração dos próprios engenheiros. A este respeito, não podemos deixar de referir a situação de muitos jovens engenheiros, que, nos dias de hoje, são contratados para auferirem salários demasiadamente baixos, face ao seu nível de qualificação e de responsabilidade. Estas situações devem ser denunciadas e combatidas pela Ordem dos Engenheiros, que apesar de não poder (nem dever) assumir funções sindicais, está obrigada a zelar pela dignidade e prestígio da profissão.

Finalmente, encontramos neste artigo 87º a norma deontológica que obriga o engenheiro a recusar compensações de mais de um interessado no seu trabalho, quando possa haver conflitos de interesses ou não haja o consentimento de ambas as partes.

4.5. Deveres no exercício da profissão

A quarta classe de deveres corresponde ao artigo 88º do Estatuto e diz respeito aos deveres do engenheiro no exercício da profissão:

1 – O engenheiro, na sua catividade profissional, deve pugnar pelo prestígio da profissão e impor-se pelo valor da sua colaboração e por uma conduta irrepreensível, usando sempre de boa-fé, lealdade e isenção, quer atuando individualmente, quer co lectivamente.

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