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A PRÁTICA DA VAQUEJADA À LUZ DO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE [ver artigo online]

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http://dx.doi.org/10.35265/2236-6717-204-9084

FORTALEZA-CE. EDIÇÃO 204. V.9. ANO 2021.

A PRÁTICA DA VAQUEJADA À LUZ DO PRINCÍPIO DA UNIVERSALIDADE

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Kalinca Gonçalves Leite1

RESUMO

Com o presente trabalho, busca-se analisar a prática da Vaquejada à luz do Princípio da Universalidade, no sentido de analisar a conflituosidade entre a universalidade e o multiculturalismo. Com efeito, a liberdade e a dignidade da pessoa humana conduzem a sua universalidade, entendida no sentido de existência de um núcleo mínimo de proteção à dignidade, que deve estar presente em qualquer sociedade, independentemente de suas características sociais. Não importa a sociedade, cultura, etnia. Essa característica é muito polêmica e costuma ser criticada por parte da doutrina. Alguns dizem ser uma tentativa de imposição da cultura ocidental, pois nós somos os responsáveis por apontar quais direitos seriam fundamentais. Há um conflito, portanto, entre a universalidade e multiculturalismo. Partindo disto, o presente estudo busca descrever o que estabelece a doutrina, legislação e jurisprudência sobre a vaquejada, além de tecer considerações sócio-histórico-econômico-culturais sobre ela.

Palavras-chave: vaquejada, universalidade, multiculturalismo, direitos fundamentais.

THE PRACTICE OF VAQUEJADA IN THE LIGHT OF THE PRINCIPLE OF UNIVERSALITY

ABSTRACT

With this work, we seek to analyze the practice of Vaquejada in the light of the Principle of Universality, in the sense of analyzing the conflict between universality and multiculturalism. Indeed, the freedom and dignity of the human person leads to its universality, understood in the sense of the existence of a minimum nucleus for the protection of dignity, which must be present in any society, regardless of its social characteristics. It doesn't matter society, culture, ethnicity. This characteristic is very controversial and is often criticized by the doctrine. Some say it is an attempt to impose Western culture, as we are responsible for pointing out which rights would be fundamental. There is a conflict, therefore, between universality and multiculturalism. Based on this, the present study seeks to describe what establishes the doctrine, legislation and jurisprudence on vaquejada, in addition to making socio-historical-economic-cultural considerations about it.

Keywords: vaquejada, universality, multiculturalism, fundamental rights.

1 Assistente Administrativo na Universidade Federal do Rio Grande, Mestre em Direito e Justiça Social pela Universidade Federal do Rio Grande. E-mail: kalincaleite@gmail.com. ORCID https://orcid.org/0000-0001-5858-2187.

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INTRODUÇÃO

A vaquejada é uma prática cultural comum nos Estados do nordeste do Brasil, em espe-cial no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Alagoas e na Bahia. Na vaquejada, dois vaqueiros, cada um montado em seu cavalo, perseguem o boi na arena e, após emparelhá-lo com os cavalos, tentam conduzi-lo até uma região delimitada, onde deverão derrubar o boi puxando-o pelo rabo. Tal prática, muitas das vezes, leva-o ao desenluvamento – nome técnico dado ao arrancamento do rabo pela retirada violenta da pele e tecidos da cauda.

Há quem defenda à prática da vaquejada como exercício de ato cultural. Há quem en-tenda que tal prática revela somente maus tratos aos animais. Diante dessa divergência de opi-niões, foi proposta a ADI n. 4.983, cujo objeto é a Lei n. 15.299/2013, a qual regulamenta a prática da vaquejada como atividade desportiva e cultural no Estado do Ceará. Nesse ínterim, foi promulgada a EC 96/2017, que acrescentou o §7º ao mesmo dispositivo da CF, considerando não cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações cultu-rais, as quais deverão ser regulamentadas por lei específica que deverá assegurar o bem-estar dos animais envolvidos.

Em reflexo, houve a proposição das ADIs n. 5728 e 5772, cujo objeto de ambas é a EC 96/2017. Ainda, foi sancionada a Lei n. 13.364, a qual, dentre outras providências, elevou a vaquejada à condição de manifestação cultural nacional e de patrimônio cultural imaterial. Ade-mais, foi promulgada a lei n. 13.873/2019, a qual, dentre outros objetivos, reforçou que o Ro-deio, a Vaquejada e o Laço são manifestações culturais nacionais e suas atividades são bens de natureza imaterial integrantes do patrimônio cultural brasileiro.

Diante deste contexto, pode-se inferir a existência de uma dissonância no ordenamento jurídico quanto à proibição ou não da prática, o que acarretou numa contradição dentro da pró-pria Constituição Federal, dado que o mesmo dispositivo permite e proíbe a prática.

Ademais, assim como a briga de galo, sabe-se que a prática desportiva da vaquejada é extremamente lucrativa. Aliás, tudo aponta que escolheram os animais para ganharem dinheiro e se divertirem.

É nesse contexto que surge a relevância do presente trabalho, o qual buscará delinear, desde a conceituação do princípio da universalidade, passando pela multiculturalidade, a lei da vaquejada à luz do princípio da universalidade do multiculturalismo.

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1. UNIVERSALIDADE X MULTICULTURALISMO

A vinculação dos direitos fundamentais, a liberdade e a dignidade da pessoa humana conduzem a sua universalidade, entendida no sentido de existência de um núcleo mínimo de proteção à dignidade, que deve estar presente em qualquer sociedade, independentemente de suas características sociais. Não importa a sociedade, cultura, etnia. Essa característica é muito polêmica e costuma ser criticada por parte da doutrina. Alguns dizem ser uma tentativa de imposição da cultura ocidental, pois nós somos os responsáveis por apontar quais direitos seriam fundamentais. Há um conflito, portanto, entre a universalidade e multiculturalismo. Até que ponto devem ser respeitadas as características culturais de um grupo? Qual é o limite de intervenção?

1.1 O princípio da universalidade

Os direitos humanos podem ser entendidos como um conjunto de valores consagrados em instrumentos jurídicos internacionais ou nacionais destinados a fazer respeitar e concretizar as condições de vida que possibilitem a todo ser humano manter e desenvolver suas qualidades peculiares de inteligência, dignidade e consciência, e permitir a satisfação de suas necessidades materiais e espirituais.

Os direitos fundamentais são universais porque inerentes à condição humana. Três fatores devem ser levados em conta para a aceitação de valores universais: a participação em sua definição, a reconfiguração e atualização e a adesão/rejeição plenamente consciente. Somente assim se obtém um conceito condizente com uma perspectiva multicultural.

Os direitos fundamentais devem zelar pelo respeito às entidades e diferenças, por razão disso, é preciso evitar que o caráter universal dos direitos fundamentais sirva como vetor de massificação e opressão, contra o reoconhecimento de grupos minoritários.

A universalidade tem um caráter abstrato que corre o risco de conter uma perspectiva presunçosa e impotente, como se houvesse certos direitos absolutos. Porém, precavidos desse risco, os direitos fundamentais podem trazer uma perspectiva emancipatória e igualitária, não necessariamente presa a padrões fixos, mas que lhes permita ser reconfigurados conforme o contexto cultural.

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Além disso, a universalidade é expressamente reconhecida como característica dos direitos fundamentais pela Declaração de Viena, adotada por ocasião da Conferência Mundial dos Direitos Humanos (ONU) de 1993.

Com efeito, tendo em vista que os direitos fundamentais vinculam-se ao princípio da liberdade, conduzido pela dignidade da pessoa humanam os mesmos devem possuir como sujeito ativo todos os indivíduos, independente da raça, credo, nacionalidade, convicção política, a coletividade jurídica em geral, podendo pleiteá-los em qualquer foro nacional ou internacional.

Conforme ressaltado por Manoel Gonçalves Fereira Filho (1999),

A ideia de se estabelecer por escrito um rol de direitos que seriam superiores ao próprio poder que os conedeu e reconheceu, não é nova. Os forais, as cartas de franquia, continham enumeração de direitos com esse caráter já na idade média.

Vale a pena esclarecer que nem todos os direitos fundamentais adequam-se permanente a estas caracterísitcas, o que pode nos ser lembrado por Gilmar Mendes (2008, p. 240)

Não é imprórpio afirmar que todas as pessoas são titulares de direitos fundamentais e que a qualidade do ser humano constitui condição suficiente para a titularidade de tantos desses direitos. Alguns direitos fundamentais específicos, porém, não se ligam a toda e qualquer pessoa. Na lista brasileira dos direitos fundamentais, há direitos de todos os homens – como o direito à vida – mas há também posições que não interessam a todos os indivíduos, referindo-se apenas a alguns – aos trabalhadores, por exemplo.

1.2 A conflituosidade entre a universalidade e o multiculturalismo

A Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão de 1789 traz uma vocação de uni-versalidade. De fato, os direitos humanos são para todos os cidadãos e por isso se fala na ideia de intercionalização, na qual direitos de agenda doméstica passam a dominar a agenda interna-cional.

A história dos direitos humanos é recente, com não mais de quatrocentos anos, o que nos induz a uma afirmação sobre os direitos humanos: são uma formulação da cultura ocidental, eurocêntrica.

Dessa forma, os direitos humanos são apresentados com a concepção individualista de sociedade, característica da cultura ocidental, em que se pode falar de individualismo religioso, político, moral, jurídico etc. Em culturas dominadas pelo caráter grupal, com preponderância à

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comunidade, a tribo, ao Estado, não seria possível o desenvolvimento de direitos considerados inerentes às pessoas, que podem ser opostos a coletividade (FERNANDEZ GARCIA, 1998).

Essa perspectiva ocidental de direitos independente de deveres não se aplica a comuni-dades em que direitos devem ser conquistados e são resultados de obrigações, como é o caso do povo hindu (PANDEYA, 1985, p. 299).

Sendo assim, como se falar em direitos universais? Os direitos humanos são universais sob qual ponto de vista? Claro que do ponto de vista ocidental. Mas como impor o ponto de vista ocidental a outras culturas? Quem deu à cultura ocidental procuração para estabelecer direitos em nome da humanidade?

No multiculturalismo existe a convivência em um país, região ou local de diferentes culturas ou tradições. Há uma mescla de culturas, de visões de vida e de valores. O multicultu-ralismo é pluralista, pois aceita diversos pensamentos sobre um mesmo tema, abolindo o pen-samento único. Há o diálogo entre culturas diversas para a convivência pacífica e com resulta-dos positivos a ambas.

Mas o multiculturalismo pode ser abordado de forma relativista e de forma universalista. A abordagem relativista ocorre quando não se estabelecem critérios mínimos para o diálogo entre culturas, ou seja, quando tudo é aceito, tudo é correto. Nessa concepção do multicultura-lismo, não se pode falar em direitos humanos universais – e só aqui há que se falar em uma conflituosidade entre a universalidade e o multiculturalismo.

O multiculturalismo também pode ser universalista, ou seja, permitir a propagação e convívio de diferentes ideias, desde que seja estabelecido um denominador mínimo, comum entre as partes para o início do diálogo (valores universais). Esse mínimo a ser respeitado são os direitos humanos.

No multiculturalismo universalista, pode-se defender o caráter geral da declaração Uni-versal de Direitos Humanos (para todos, em qualquer nação, a qualquer tempo). Esta seria a base para o convívio entre os povos.

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Assim, a defesa dos direitos humanos universais é compatível com o pluralismo e com o multiculturalismo universalista, mas é totalmente inviável em um ambiente de multicultura-lismo relativista.

2. A PRÁTICA DA VAQUEJADA

A vaquejada é uma prática cultural comum nos Estados do nordeste do Brasil, em especial no Ceará, no Rio Grande do Norte, na Paraíba, em Alagoas e na Bahia. Na vaquejada, dois vaqueiros, cada um montado em seu cavalo, perseguem o boi na arena e, após emparelhá-lo com os cavalos, tentam conduzi-lo até uma região delimitada, onde deverão derrubar o boi puxando-o pelo rabo. Tal prática, muitas das vezes, leva-o ao desenluvamento – nome técnico dado ao arrancamento do rabo pela retirada violenta da pele e tecidos da cauda

2.1 A vaquejada

A origem da vaquejada nos remonta ao sertão nordestino, por volta dos séculos XVII e XVIII (CASCUDO, 1976), quando o gado era criado, marcado e solto na mata, ou seja, sua origem encontra-se ligada às festas de apartação. Bezerra bem explica:

Na verdade, tudo começou aqui pelo Nordeste com o Ciclo dos Currais. É onde entram as apartações. Os campos de criar não eram cercados. O gado, criado em vastos campos abertos, distanciava-se em busca de alimentação mais abundante nos fundos dos pastos (BEZERRA, 1978, p. 7).

Passados alguns meses, geralmente no mês de junho, época em que finda o período chuvoso, os coronéis contratavam peões para entrar na mata e buscar o gado marcado, para fazer a separação do gado. É o que Bezerra explica:

Para juntar gado disperso pelas serras, caatingas e tabuleiros, foi que surgiu a apartação. Escolhia-se antecipadamente uma determinada fazenda e, no dia marcado para o início da apartação, numerosos fazendeiros e vaqueiros devidamente encourados partiam para o campo, guiados pelo fazendeiro anfitrião, divididos em grupos espalhados em todas as direções à procura da gadaria (BEZERRA, 1978, p. 7).

Isso permite entender que era algo bem elaborado, com estratégias bem definidas para garantir o sucesso da empreitada:

O gado encontrado era cercado em uma malhada ou rodeador, lugar mais ou menos aberto, comumente sombreado por algumas árvores, onde as reses costumavam proteger-se do sol, e nesse caso o grupo de vaqueiros se dividia. Habitualmente ficava um vaqueiro aboiador para dar o sinal do local aos companheiros ausentes. Um certo número de vaqueiros ficava dando o cerco, enquanto os outros continuavam a

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campear. Ao fim da tarde, cada grupo encaminhava o gado através de um vaquejador, estrada ou caminho aberto por onde conduzir o gado para os currais da fazenda. O gado era tangido na base do traquejo, como era chamada a prática ou jeito de conduzi-lo para os currais (BEZERRA, 1978, p. 7-8).

Ademais, o objetivo era a manutenção do gado do fazendeiro, a exemplo do beneficiamento, castração, ferra, tratamento das eventuais feridas, dentre outros.

Dentro deste contexto surge a figura do vaqueiro, tido como herói, pois enfrentava a mata fechada na procura dos bovinos, fazendo verdadeiras acrobacias com seus equinos para escaparem das eventuais lesões causadas pela mata cerrada, a exemplo das arranhaduras de espinhos e pontas de galhos secos (OLIVEIRA, 2016).

Por conseguinte, sua raiz encontra-se diretamente ligada à procura dos animais na caatinga nordestina para a reagrupação do rebanho. Andrade explica: “[…] o animal bravio selvagem, o ‘barbatão’ que logo ganhava fama, atraindo os vaqueiros mais em sua perseguição. Para a sua captura convocavam-se vaqueiros das várias ribeiras que em verdadeira festa iam perseguir o animal bravio” (ANDRADE, 1986, p. 122).

Mais do que o festejo “mais tradicional do ciclo do gado nordestino” (CASCUDO, 1976, p. 783), a vaquejada consiste em uma forma de viver de uma comunidade específica. Aires e Assunção asseveram:

Há estilos de ser e de viver que se conectam à sociedade, bem como há particularidades que são executadas cotidianamente em seus eventos. Na vaquejada promove-se estilos de vida que se configuram pela maneira como atuam e representam o mundo no evento, a saber: o tipo de vestimenta, o cavalo, as brincadeiras e as festas (AIRES; ASSUNÇÃO, 2018, p. 6).

Então, verifica-se que as vestimentas também são partes importantes para a figura do vaqueiro, pois se diferem das roupas comuns. Aires e Assunção explicam:

As vestimentas nas vaquejadas são compostas de acessórios que diferem desta paisagística comum, embora seja comum às pessoas usarem bonés, calças jeans e camisetas em seu cotidiano. As botas de couro, as perneiras, os chicotes dos vaqueiros e dos patrões são instrumentos que demarcam referências para dizer quem é quem na vaquejada (AIRES; ASSUNÇÃO, 2018, p. 6).

Em verdade, a gênese da vestimenta encontra-se ligada à gênese da prática. O traje era uma forma de proteger-se das espécies espinhentas da caatinga (FELIX; ALENCAR, 2011).

Além disso, há ainda o aspecto da performance. O ato performático, nas palavras de Paul Zumthor (2010, p. 166), “[…] implica competência. Além de um saber-fazer e de um saber dizer, a performance manifesta um saber no espaço e tempo […] que é emanada no corpo”.

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Para Aires e Assunção (2018), esse é o ato pelo qual fazem o próprio marketing, usando de quaisquer meios disponíveis, a exemplo: a tradição familiar, na qual demonstram a continuidade de campeões que sua família pode oferecer, a posição social, na qual o locutor do evento realça sua participação em determinado grupo empresarial, e a derrubada do boi, apresentando uma habilidade diferencial ao derrubar o boi.

A performance é tão importante, que caso o vaqueiro não faça um show apropriado, a plateia e os patrões começam a vaiar, como formar de demonstrar a falta de confiança e insatisfação em relação ao competidor (AIRES; ASSUNÇÃO, 2018).

Não obstante, os cowboys dessa comunidade conseguem, através da vaquejada, demonstrar que são verdadeiramente machos. O objetivo disto é demonstrar não somente ao patrão, como ao público em geral, inclusive as mulheres, que o vaqueiro é mais apto, tenaz que os demais (AIRES; ASSUNÇÃO, 2018, p. 9)

Portanto, vê-se a vaquejada como uma festa organizada pela população rural, de forma a contribuir economicamente para a comunidade, formando uma tradição cultural. Giddens (2000) assevera que as tradições consistem na repetição de rituais, os quais evoluem ao longo do tempo. Isto é o que ocorre com a vaquejada, ano após anos a prática vem sendo reiterada e torna-se parte da identidade daquele povo. Cascudo assim descreveu:

Os touros e novilhos se agitavam inquietos e famintos, tangiam, com grandes brados, um animal para fora da porteira. Arrancava este como um foguetão. Um par de vaqueiros corria lado a lado. Um seria o ‘esteira’ para manter o bicho numa determinada direção. O outro derrubaria. Ao pôr-do-sol acabava-se (CASCUDO, 1976, p. 34)

Já por volta da metade do século XX, alguns destes vaqueiros iniciaram a exposição de suas habilidades ao público, através da Corrida do Mourão, em Rio Grande do Norte (OLIVEIRA, 2016). Com a repercussão desse “grande espetáculo”, a organização destes eventos passou a ser organizada pelos senhores de engenho, os quais ofereciam aos vaqueiros apenas um agrado (OLIVEIRA, 2016), pois à época o espetáculo ainda não almejava o lucro.

Porém, como é natural do ser humano almejar o lucro, o tempo foi passando e parte dos fazendeiros começou a transformar a prática em um verdadeiro show, na qual cobravam uma taxa de participação, com a reversão do monte em prêmio aos vencedores, retirada a parte da organização do evento (OLIVEIRA, 2016).

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Atualmente, a vaquejada é completamente diferente do que fora outrora. O show consiste em uma competição, com a figura de dois vaqueiros. Um deles, denominado batedor de esteira, irá levar o boi para o outro, denominado puxador. Quando os cowboys se aproximam um do outro, o boi ficará emparelhado até que seja derrubado, puxando-o pelo rabo, dentro das duas últimas faixas de cal. Ao final, a dupla, agora montada em cavalos de linhagem, que conseguir a maior quantidade de pontos recebe o prêmio (OLIVEIRA, 2016). De forma mais técnica, Silva Júnior define:

Os cavaleiros competem em duplas, montados seus cavalos belos e com arreios caprichados e bem cuidados, e disputam correndo em raia de aproximadamente 50,00 m a 80,00 m de comprimento, com terreno limpo e macio, onde procuram derrubar o garrote ou touro que parte celeremente da porteira de saída buscando escapar da perseguição dos cavalos. A derribada do boi é feita mediante puxada pelo rabo, a ser realizada até o limite final da pista. Ao lado da pista, acomodam-se os expectadores sentados em camarotes e nas bancos sobrepostas, onde ficam torcendo por seus cavaleiros favoritos (SILVA JÚNIOR, 2016).

Ademais, a festa que outrora somente acontecia no fim da época chuvosa, agora possui um calendário bem organizado, com os eventos marcados durante todo o ano, e, às vezes, até mais de um por local e/ou dia.

Outrossim, encontra-se dividida entre duas classificações, quais sejam: profissional e amador. São tidos como profissionais os contratados pelos parques dos respectivos eventos ou por algum fazendeiro de bois ou dono de haras (FELIX; ALENCAR, 2011). Em seu turno, são amadores aqueles que praticam apenas para matar o tempo livre, ou apenas por gostar, como bem define o próprio significado da palavra.

2.2 Vaquejada: a lei e a jurisprudência

Ao longo da evolução da sociedade humana, em geral, esta optou por regulamentar o uso dos animais. Para Lourenço:

O principal fator que motivou o surgimento de normas especificamente voltadas à tutela e proteção dos animais reside na percepção, pertencente tanto à comunidade científica como ao senso comum, a respeito da analogia dos processos anatômico-fisiológicos relacionados à manutenção da vida e do bem-estar experimental existente entre animais e homens (LOURENÇO, 2017, p. 4).

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No Brasil, a legislação somente se direcionou aos animais pela primeira vez em 10 de setembro de 1924, através do Decreto Federal n. 16.590, o qual vedava concessão de licenças para corridas de touros, garraios, novilhos, brigas de galo e canários e quaisquer outras diversões desse gênero que causassem sofrimento aos animais.

Feitas as considerações iniciais, a legislação e jurisprudência mais atuais serão analisadas de acordo com a ordem cronológica, como se segue.

Primeiramente, registre-se a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, de 27 de janeiro de 1978, a qual já parte da premissa de que todo animal possui direitos e que o respeito aos animais deve ser ensinado desde a infância. Logo em seu primeiro artigo já prega que todo animal nasce igual “diante da vida” e tem “o mesmo direito à existência” (ONU, 1978).

A declaração prossegue proibindo os maus-tratos e atos cruéis, conforme art. 3, alínea “a”(ONU, 1978), asseverando, em seu artigo 2, que o homem não deve explorar os animais, tendo “o dever de colocar a sua consciência a serviço dos outros animais” (ONU, 1978). Inclusive, se for necessário matar um animal, o ato deve ser imediato, “sem dor ou angústia” (ONU, 1978).

Em seu art. 10 estipula que, em hipótese alguma, qualquer que seja o animal, o homem poderá submetê-lo para o próprio entretenimento, pois tais atos não são compatíveis com a dignidade do animal (ONU, 1978).

Por fim, as cenas em que haja a violência contra os animais estão proibidas em qualquer meio audiovisual, salvo se o objetivo for expor uma afronta aos direitos dos animais, nos termos de seu art. 13, alínea “b” (ONU, 1978).

Ora, vê-se a vaquejada como um completo desrespeito à convenção em tela, ao qual o Brasil é signatário.

Mais adiante, a Lei n. 9.605, de 12 de fevereiro de 1998 (Lei de Crimes Ambientais – LCA) considera crime a prática de maus tratos contra “animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos”, conforme se extrai de seu art. 32 (BRASIL, 1998), cominando a pena de “detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa” (BRASIL, 1998).

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Ademais, pelo texto da lei, nem mesmo os fins didáticos ou científicos extinguem a tipicidade, desde que haja recursos alternativos, nos termos do §1º deste mesmo artigo (BRASIL, 1998). Outrossim, aumenta-se a pena de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço) se o animal vier a falecer, nos termos do §2º (BRASIL, 1998).

Vale ressaltar que a pena é muito branda e a efetividade acaba não sendo alcançada, tendo em vista que nas penas privativas de liberdade de até 4 (quatro) anos, pode haver a substituição pelas penas restritivas de direito, o que acaba não inibindo a prática da conduta.

Quanto aos maus tratos, o Decreto Federal n. 24.645, de 10 de julho de 1934, trazia um rol exemplificativo de maus-tratos, a exemplo: atos de abuso ou crueldade em qualquer animal; manutenção de animais em locais anti-higiênicos ou que impossibilite a respiração, movimento ou descanso, ou os privem de ar ou luz, dente outras, vejamos:

“Art. 3º Consideram-se maus tratos:

I – praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal;

II – manter animais em lugares anti-higiênicos ou que lhes impeçam a respiração, o movimento ou o descanso, ou os privem de ar ou luz;

III – obrigar animais a trabalhos excessívos ou superiores ás suas fôrças e a todo ato que resulte em sofrimento para deles obter esforços que, razoavelmente, não se lhes possam exigir senão com castigo;

IV – golpear, ferir ou mutilar, voluntariamente, qualquer órgão ou tecido de economia, exceto a castração, só para animais domésticos, ou operações outras praticadas em beneficio exclusivo do animal e as exigidas para defesa do homem, ou no interêsse da ciência […] (BRASIL, 1934).”

Todavia, o que mais interessa é o inciso XXIX, do art. 3º, do decreto retro, o qual delineia a realização ou promoção de “touradas e simulacro de touradas, ainda mesmo em lugar privado” como maus-tratos (BRASIL, 1934).

Já em 3 de junho de 1997, demonstrando uma linha condizente com o ordenamento jurídico brasileiro, o STF julgou como inconstitucional a farra do boi:

COSTUME – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ESTÍMULO – RAZOABILIDADE – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA – ANIMAIS – CRUELDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado ‘farra do boi’ (STF – RE: 153531 SC, Relator: FRANCISCO REZEK, j. 03/06/1997, 2ª Turma, DJe 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388).

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A primeira desvirtuação ocorre com a Lei n. 10.220, de 11 de abril de 2001, a qual estipula que os vaqueiros são atletas profissionais:

Art. 1o Considera-se atleta profissional o peão de rodeio cuja atividade consiste na

participação, mediante remuneração pactuada em contrato próprio, em provas de destreza no dorso de animais equinos ou bovinos, em torneios patrocinados por entidades públicas ou privadas (BRASIL, 2001).

Além disso, as entidades promotoras devem contratar um “seguro de vida e de acidentes em favor do peão de rodeio”:

Art. 2º […]

1o É obrigatória a contratação, pelas entidades promotoras, de seguro de vida e de

acidentes em favor do peão de rodeio, compreendendo indenizações por morte ou invalidez permanente no valor mínimo de cem mil reais, devendo este valor ser atualizado a cada período de doze meses contados da publicação desta Lei, com base na Taxa Referencial de Juros – TR (BRASIL, 2001).

Também estipula atualização anual do seguro, penalidades à entidade promotora que não o fizer, especificações sobre a apólice, 8 (oito) horas diárias de jornada de trabalho, “conforme os usos e costumes de cada região” (BRASIL, 2001). Igualmente, traz disposições quanto ao contrato com menor entre 16 e 21 anos, o qual deverá conter o consentimento de seu responsável legal (BRASIL, 2001).

Nesse intervalo, em 29 de junho de 2005, novamente o STF vem e declara inconstitucional outra forma de maus tratos aos animais:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 11.366/00 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ATO NORMATIVO QUE AUTORIZA E REGULAMENTA A CRIAÇÃO E A EXPOSIÇÃO DE AVES DE RAÇA E A REALIZAÇÃO DE ‘BRIGAS DE GALO’. A sujeição da vida animal a experiências de crueldade não é compatível com a Constituição do Brasil. Precedentes da Corte. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente (STF – ADI: 2514 SC, Relator: Min. EROS GRAU, j. 29/06/2005, Tribunal Pleno, DJe 09-12-2005 PP-00004 EMENT VOL-02217-01 PP-00163 LEXSTF v. 27, n. 324, 2005, 42-47).

Em seguida, em 14 de junho de 2007, reitera o mesmo posicionamento ao declarar inconstitucional as rinhas:

INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 7.380/98, do Estado do Rio Grande do Norte. Atividades esportivas com aves das raças combatentes. ‘Rinhas’ ou ‘Brigas de galo’. Regulamentação. Inadmissibilidade. Meio Ambiente. Animais. Submissão a tratamento cruel. Ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. É inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob título de práticas ou atividades esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas ‘rinhas’ ou ‘brigas de galo’ (STF – ADI: 3776 RN, Relator: CEZAR PELUSO, j. 14/06/2007, Tribunal Pleno, DJe DIVULG 28-06-2007 PUBLIC

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2007 DJ 29-06-2007 PP-00022 EMENT VOL-02282-04 PP-00716 LEXSTF v. 29, n. 343, 2007, p. 104-109 RT v. 96, n. 865, 2007, p. 118-121).

Notadamente, a Corte tem entendido que tais práticas são incompatíveis com o ideal adotado pelo ordenamento jurídico. É a mesma linha de pensamento de Steinmetz (2009), segundo o qual os maus tratos estão para os animais como a tortura está para os seres humanos, salientando que esta não pode ser ponderada e afastada por outro princípio. Em suma, o objetivo é garantir o bem-estar animal, entendido como:

[…] a garantia de atendimento às necessidades físicas, mentais e naturais do animal, a isenção de lesões, doenças, fome, sede, desconforto, dor, medo e estresse, a possibilidade de expressar seu comportamento natural, bem como a promoção e preservação da sua saúde […] (BRASIL, 2007).

Dentro deste contexto, encontra-se em fase de aprovação o Projeto de Lei n. 215 de 2007, o qual iria instituir o Código Federal de Bem-Estar Animal, de iniciativa do Deputado Federal Ricardo Tripoli. É nesse mesmo sentido que tramita o Projeto de Lei n. 3.676 de 2012, de iniciativa do ex-Ministro Eliseu Padilha, apensado ao projeto de lei retro, cominando penas e estipulando que:

Art. 4º. O valor de cada ser deve ser reconhecido pelo Estado como reflexo da ética, do respeito e da moral universal, da responsabilidade, do comprometimento e da valorização da dignidade e diversidade da vida, contribuindo para livra-los de ações violentas e cruéis (BRASIL, 2012).

Em continuação, o Deputado Federal deu iniciativa ao Projeto de Lei n. 6.799 de 2013, aguardando apreciação pelo Senado Federal, o qual dispõe que:

Art. 3º – Os animais domésticos e silvestres possuem natureza jurídica sui generis, sendo sujeitos de direitos despersonificados, dos quais podem gozar e obter a tutela jurisdicional em caso de violação, sendo vedado o seu tratamento como coisa (BRASIL, 2013).

Novamente em âmbito internacional, o Código Civil francês, em 1º de janeiro de 2013, incluiu o art. 515-14 com a seguinte redação: “Os animais são seres vivos dotados de sensibilidade. Sob a reserva das leis que os protegem, os animais estão submetidos ao regime de bens” (FRANÇA, 2013). Entretanto, o que se vê à frente é um verdadeiro retrocesso legislativo.

O movimento retrógrado ganha força em 8 de janeiro de 2013, com a Lei n. 15.299 de 8 de janeiro de 2013, a qual regulamentou a vaquejada como “atividade desportiva e cultural do Estado do Ceará” (CEARÁ, 2013). Outrossim, conceituou a vaquejada como uma

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competição na qual “uma dupla de vaqueiro a cavalo persegue o animal bovino, objetivando dominá-lo” (grifei). Os critérios de avaliação são a destreza e perícia, in verbis:

Art. 2º. Para efeitos desta Lei, considera-se vaquejada todo evento de natureza competitiva, no qual uma dupla de vaqueiro a cavalo persegue animal bovino, objetivando dominá-lo.

1º Os competidores são julgados na competição pela destreza e perícia, denominados vaqueiros ou peões de vaquejada, no dominar animal […] (CEARÁ, 2013).

Dentre suas medidas, estabelece que os apetrechos necessários à prática do esporte devem ser adequados para não prejudicar a saúde dos animais, excluindo, ainda, o vaqueiro que ferir o animal de maneira injustificada e intencional. Já quanto ao local, ela estabelece os seguintes requisitos: a) dimensões e formatos apropriados à segurança de todos os envolvidos; b) isolamento da pista por alambrado (não farpado) e; c) sinalização indicando o local adequado para o público acomodar-se.

Ainda dentro da ótica desta lei, a vaquejada qualificar-se-á em amadora e profissional, através da inscrição patrocinada dos vaqueiros. Continuando, estabelece que os organizadores do evento deverão adotaras medidas necessárias para proteger a saúde e integridade física de todos os envolvidos. Inclusive, é obrigatória a presença de uma equipe de paramédicos de plantão durante a realização das provas, mas nada diz sobre veterinários de plantão.

Em reflexo, em 17 de junho de 2013, o Ministério Público Federal (MPF) entrou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.983, cujo objeto é a Lei n. 15.299/13. Aliás, seu julgamento ocorreu em 6 de outubro de 2016. No acórdão, o relator Min. Marco Aurélio ressaltou os precedentes supracitados, aduzindo que no Supremo Tribunal Federal (2016) vem “predominando o entendimento a favor de afastar as práticas de tratamento inadequado a animais, mesmo dentro de contexto culturais e esportivos”.

Ocorre que, mesmo tendo em vista os precedentes do tribunal, houve divergência entre os votos, estando no palco o direito à manifestação cultural contra a o direito à proteção ao meio ambiente. Em suma, 5 (cinco) votos foram favoráveis à vaquejada e 6 (seis) votos foram contra. Segue a ementa:

VAQUEJADA – MANIFESTAÇÃO CULTURAL – ANIMAIS – CRUELDADE

MANIFESTA – PRESERVAÇÃO DA FAUNA E DA FLORA –

INCONSTITUCIONALIDADE. A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das

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manifestações, não prescinde da observância do disposto no inciso VII do artigo 225 da Carta Federal, o qual veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Discrepa da norma constitucional a denominada vaquejada (ADI 153531, Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 03/06/1997, DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388).

Em seu voto, o Relator Ministro Marco Aurélio conclui que:

[…] a crueldade intrínseca à vaquejada não permite a prevalência do valor cultural como resultado desejado pelo sistema de direitos fundamentais da Carta de 1988. O sentido da expressão “crueldade” constante da parte final do inciso VII do § 1º do artigo 225 do Diploma Maior alcança, sem sombra de dúvida, a tortura e os maus-tratos infringidos aos bovinos durante a prática impugnada, revelando-se intolerável, a mais não poder, a conduta humana autorizada pela norma estadual atacada. No âmbito de composição dos interesses fundamentais envolvidos neste processo, há de sobressair a pretensão de proteção ao meio ambiente. (ADI 153531, Relator(a): Min. FRANCISCO REZEK, Relator(a) p/ Acórdão: Min. MARCO AURÉLIO, Segunda Turma, julgado em 03/06/1997, DJ 13-03-1998 PP-00013 EMENT VOL-01902-02 PP-00388).

Contudo, mesmo diante da reiteração do entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, o Congresso Nacional aprovou a Lei n. 13.364, de 29 de novembro de 2016, a qual “eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial” (BRASIL, 2016).

A lei, como reflexo dos princípios basilares do nosso Estado Democrático de Direito não deveria ir contra os direitos dos animais, reconhecidos até universalmente.

3. VAQUEJADA: O DIREITO DOS ANIMAIS E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

A Constituição, se não chegou a atribuir direitos aos animais, pelo menos impôs ao Estado e à sociedade o dever de não praticar atos cruéis contra eles. Nessa linha de ideias, a visão civilista que reputa aos animais a concepção de meros objetos do direito de propriedade já está ultrapassada.

3.1 Entre a cultura e a crueldade

Como apontado, a vaquejada não é mais o que fora outrora. De prática necessária à manutenção do gado, passou a um espetáculo cujo escopo é a exaltação do falso-herói vaqueiro, desprezando o sofrimento do bovino.

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Hodiernamente, a vaquejada é vista como um grande empreendimento. O pesquisador Cascudo (1976) aponta que a vaquejada deixou de ser uma prática cultural, para ser um verdadeiro esporte da aristocracia rural, uma “festa pública, nas cidades com publicidade e alto-falante, fotografias e aplausos citadinos” (CASCUDO, 1976, p. 29).

Ademais, segundo qualquer site especializado em vaquejadas, a exemplo do Portal Vaquejada (c2014), a vaquejada é um evento milionário, atraindo grandes empresários. Assim, levando em consideração o montante movimentado por ano, ou mesmo por evento, é inegável a quantidade inumerável de pessoas que sobrevivem deste esporte. A parte mais absurda é ver esses mesmos sujeitos ganhando dinheiro à custa do sofrimento alheio.

Portanto, de tradição só resta a atrocidade cometida contra o gado, qual seja: puxá-lo pelo rabo para que caia no chão. Conforme Figueireiro e Gordilho (2016, p. 6), “os animais são açoitados e violentados físico-psicologicamente, objetivando-se – deliberadamente – alcançar seu desequilíbrio emocional e consequente arremesso desabalado no palco em que sofrerá a inevitável queda”. Os autores asseveram que, embora não exposto ao público, durante o confinamento, os bois são açoitados e insultados, levando choque e até mesmo sofrendo a humilhação da inserção de pimenta e mostarda pelo ânus, dentre outras formas de maus tratos. Mais uma prova da lucratividade da prática é demonstrada após a impetração da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.983, pelo Ministério Público Federal (MPF) em 17 de junho de 2013, o qual almejava a inconstitucionalidade da Lei n. 15.299/2013, quando o Governo do Ceará salientou os proveitos econômicos que dela viriam.

É sabido que os animais possuem sensibilidade e, por isso, devem ter sua integridade física resguardada. Mesmo com isso, Dias afirma:

Os animais usados em vaquejadas sofrem luxações e hemorragias internas, devido ao tombo. E não é só o sertanejo que participa da derrubada do boi. Hoje em dia, já vêm entrando em cena empresários, profissionais liberais e outras categorias profissionais, como se essa prática fosse um esporte. Todo esse tormento que sofrem os animais é para ganhar prêmios oriundos de rateio das inscrições pagas pelo vaqueiro (DIAS, 2000, p. 201).

Machado vai mais longe, enfatizando que tais atos devem ser punidos, inclusive em coautoria:

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Atos praticados ainda que com caráter folclórico ou até histórico, como a ‘farra do boi’ estão abrangidos pelo art. 32 da Lei 9.605/98, e devem ser punidos não só quem os praticam, mas também, em co-autoria [sic.], os que os incitam, de qualquer forma. A utilização de instrumentos nos animais, quando da realização de festas ou dos chamados ‘rodeios’ ou ‘vaquejadas’, tipifica o crime comentado, pois concretiza maus-tratos contra os animais (MACHADO, 2011, p. 885).

Trata-se de crueldade. A crueldade é sempre crueldade e isso independe da forma pela qual é praticada, ou de quem é a vítima. O seu sujeito ativo poderá praticá-la de maneira sádica, brutal, ou mesmo de forma passiva. Porém, independe disto, o sujeito ativado sempre interpretará a situação diferente de quem a sofre. Isto quer dizer que o sujeito passivo definitivamente irá fazer um juízo de valor completamente diferente de quem pratica. Por isso, o próprio ato de perseguir o animal para derrubá-lo a fim de satisfazer o público já é, por si, um ato extremamente cruel com o bovino.

Nesse ínterim, é oportuno esclarecer que a vítima não é somente o bovino, entrando nessa posição também os cavalos utilizados pelos vaqueiros. Assim, não somente o boi poderá sofrer uma lesão irreversível, o que acarreta no seu sacrifício, como também o cavalo está sujeito a lesões como tendinites, miopatias focal, fratura e outras.

Não obstante, segundo o estudo publicado na Brazilian Journal of Veterinary Research

and Animal Science (2004), os equinos podem sofrer úlcera gástrica, refluxo gastresofágico e

desordens no intestino. Ademais, “a presença de gastrite quase sempre reflete um desajuste no equilíbrio da fisiologia gástrica em decorrência de alguma inconveniência ligada às práticas de manejo” (BUONORA, et al., 2004).

Nesse sentido, segundo uma pesquisa realizada por pós-graduados da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (LOPES, BATISTA, et al., 2009), as condições dos parques de vaquejada são horríveis, e isso leva os equinos a apresentarem diversas alterações nos exames físicos, bioquímicos e hematológicos.

Isto posto, Lourenço (2017) aponta em seu estudo que o objetivo deste esporte consiste na submissão dos animais envolvidos a um estresse intenso, tanto em relação ao ambiente de confinamento, quanto da angustiosa perseguição, finalizando com a brutal derrubada puxando um de seus membros mais sensíveis.

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[…] a cauda dos animais é composta, em sua estrutura óssea, por uma sequência de vértebras, chamadas coccígenas ou caudais, que se articulam umas com as outras. Nesse gesto brusco de tracionar violentamente o animal pelo rabo, é muito provável que disto resulte luxação das vértebras, ou seja, perda da condição anatômica de contato de uma com a outra. Com essa ocorrência existe a ruptura de ligamentos e de vasos sanguíneos, portanto, estabelecendo-se lesões traumáticas. Não deve ser rara a desinserção (arrancamento) da cauda, de sua conexão com o tronco (LEITÃO, 2002, p. 23).

A pesquisadora continua explicando que as lesões na cauda podem repercutir em lesões ao longo da coluna:

Como a porção caudal da coluna vertebral representa a continuação dos outros segmentos da coluna vertebral, particularmente da região sacral, afecções que ocorrem primeiramente nas vértebras caudais podem repercutir mais para frente, comprometendo inclusive a medula espinhal que se acha contida dentro do canal vertebral. Esses processos patológicos são muito dolorosos, dada a conexão da medula espinhal com as raízes dos nervos espinhais, por onde trafegam inclusive os estímulos nociceptivos (causadores de dor). Volto a repetir que além de dor física, os animais submetidos a esses procedimentos vivenciam sofrimento mental (LEITÃO, 2002, p. 23).

Todavia, engana-se quem acha que o problema está só na puxada. Dependendo do jeito que um animal de grande porte cair ao chão, em alta velocidade, suas patas e pescoço podem ser seriamente comprometidos, isso sem levar em consideração as feridas externas e outras sérias lesões de ordem ortopédicas (LOURENÇO, 2017).

Em continuação, Lourenço (2017) afirma que existe uma regra de ouro para curar essa hipermetropia existente nessa multidão que defende. Para o autor, basta trocar a figura do boi por um humano e toda crueldade seria revelada. Ele assevera que a repugnância moral equivalente que passará a existir após a substituição é a mesma que deve ser aplicada quando é o animal que está sofrendo.

Voltando-se aos cavalos, também vítimas, um estudo realizado pela Universidade Federal de Campina Grande concluiu que:

[…] nas condições da pesquisa, tendinite, tenossinovite, exostose, miopatias focal e por esforço, fraturas, osteoartrite társica são afecções locomotoras traumáticas prevalentes em equinos de vaquejadas; tendinite e tenossinovite são afecções locomotoras traumáticas de maior ocorrência em equinos de vaquejadas; osteoratrite társica primárias e secundárias, são mais ocorrentes em equinos adultos de maior idade, explorados em vaquejadas e, conforme as evidências referenciadas; o percentual das ocorrências de afecções locomotoras traumáticas em equinos de vaquejada constitui-se um dano de conotação clínica relevante (OLIVEIRA, 2008, p. 51).

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Nesse diapasão, fica nítido os maus-tratos praticados contra os animais envolvidos tão somente para o movimento deste negócio.

Além da questão da crueldade, propriamente dita, há também a questão ética, indagando-se sobre a moralidade de divertir-se com o sofrimento alheio, o que, inevitavelmente, leva ao questionamento do valor inserido na culturalidade da prática. A esse passo, certo é o posicionamento de Cunha Filho:

Deste modo, as coisas do passado jamais podem ser consideradas como integrantes do patrimônio cultural, apenas pelo critério de serem antigas; por tal razão isolada, não adquirirem o direito serem reproduzidas como um encargo da tradição, sem que sejam considerados os impactos que provocam nos projetos desenhados para o futuro, previsto na Constituição Federal, esta que nos determina construir uma sociedade livre, justa e solidária, em que se respeite a dignidade humana, dos outros seres e da própria natureza (CUNHA FILHO, 2013).

Ao fim, a vaquejada ser ou não uma manifestação cultural, não impede seu julgamento pelo viés ético, ou mesmo a responsabilização de quem a financia, inclusive de quem compra os ingressos. Sua qualificação como manifestação cultural não a impede de ser caracterizada como algo bom à sociedade, não garante sua preservação, ou mesmo a imunidade moral ou legal.

3.2 A vaquejada à luz do princípio da universalidade

Quando se reconhece que a prática da vaquejada é uma prática cruel, está-se afirmando que a vaquejada fere um direito fundamental, qual seja, ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, a proteção dos animais e a vedação da crueldade.

O Brasil é signatário da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, editada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), e como tal, assumiu o compromisso de proteger os animais em seu território. Esse diplima preconiza que:

Art. 1

Todos os animais nascem iguais perante à vida e têm os mesmos direitos à existência; Art. 2

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2. O homem, como espécie de animal, não pode exterminar os outros animais ou explorá-los violando esse direito, têm o dever de por os seus conhecimentos a serviço dos animais;

3. Todo animal tem direito à atenção, aos cuidados e a proteção do homem. Art. 3

1. Nenhum animal será submetido nem a maustratos, nem a atos cruéis. (UNESCO, 2013).

No que tange ao ordenamento jurídico interno, os animais sejam eles silvestres, nativos, exóticos ou domesticados, ganharam expressa proteção jurídica no artigo 225, parágrafo primeiro, inciso VII, da Constituição Federal, que dispõe:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: [...]

VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. (BRASIL, 1988)

Nesse sentido, é inegável que se impõe ao Estado e à sociedade o dever de não praticar atos cruéis para com os animais. Em suma, a Constituição Federal prescinde da associação entre crueldade e sofrimento ao proibir práticas e comportamentos cruéis contra os animais. Pode-se afirmar que tal concepção ajusta-se a concepção ecológica da dignidade humana.

Defende-se a concepção ecológica da dignidade humana, pois

Não se pode conceber a vida – com dignidade e saúde – sem um ambiente natutal sauável e equilibrado. A vida e a saúde humana (ou como refere o caput do artigo 225 da CF/88, conjugando tais valores, a sadia qualidade de vida) só estão asseguradas no âmbito de determinados padrões ecológicos (SARLET, 2011, p. 39)

Nesse sentido, conforme assinala Regan, a ideia de direitos humanos (e fundamentais) ecológicos tem por objetivo,

[...] reconciliar a base filosófica dos direitos humanos com os princípios ecológicos, conectando o valor intrínseco do ser humano com o valor intrínseco de outras espécies e do ambiente como um todo. A partir de tal compreensão, os direitos humanos (como, por exemplo, a dignidade humana, a liberdade, a propriedade e o desenvolvimento) precisam corresponder ao fato de que o indivíduo não opera somente num ambiente

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social, mas também num ambiente natural. Assim como o indivíduo também deve respeitar o valor intrínseco dos seres humanos, o indivíduo também deve respeitar o valor intrínseco de outros seres, como animais, plantas, ecossistemas, etc., (sic) consubstanciando a ideia de deveres ecológicos do ser humano para com as demais manifestações existenciais (Regan, 2006 apud Fensterseifer, 2008, p. 40).

Com isso, o que se pretende afirmar é que a prática da vaquejad fere o direito a um meio ambiente equilibrado e por mais que seja inegavelmente uma manifestação cultural, tal manifestação viola a característica da universalidade dos direitos humanos e, sobretudo, a perspectiva multiculturalista universalista, uma vez que extrapola padrões de conduta mínimas que vedam a submissão de animais a crueldade.

Assim, em que pese a Emenda Constitucional 96/2017 ter acrescentado o parágrago sétimo ao artigo 225 da CF, na tentativa de supressão legislativa da jurisprudência, ou seja, como típico exemplo de efeito “blacklash” – reação conservadora de parcela da sociedade ou das forças políticas diante de uma decisão liberal do Poder Judiciário em um tema polêmico - , a prática da vaquejada continuará sendo vista, sob o ponto de vista universalista, como uma prática que afronta um mínimo razoável de dignidade humana, sob a perspectiva ecológica e biocentrista.

Ademais, não há como negar que o parágrafo sétimo do artigo 225 da CF é inconstitucional, uma vez que ofende cláusula pétral, ou seja, o núcleo inatingível da constituição, pois, conforme explicitado, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental de terceira geração, que não pode ser abolido, nem restringido, ainda que por emenda consitucional.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo teve como objetivo analisar a Lei da Vaquejada à luz do Princípio da Universalidade, no sentido de analisar a conflituosidade entre a universalidade e o multiculturalismo. Com efeito, a liberdade e a dignidade da pessoa humana conduzem a sua universalidade, entendida no sentido de existência de um núcleo mínimo de proteção à dignidade, que deve estar presente em qualquer sociedade, independentemente de suas características sociais. Não importa a sociedade, cultura, etnia.

Essa característica é muito polêmica e costuma ser criticada por parte da doutrina. Alguns dizem ser uma tentativa de imposição da cultura ocidental, pois nós somos os responsáveis por apontar quais direitos seriam fundamentais. Há um conflito, portanto, entre a universalidade e multiculturalismo. Partindo disto, o presente estudo buscou descrever o que estabelece a doutrina, legislação e jurisprudência sobre a vaquejada, além de tecer considerações sócio-histórico-econômico-culturais sobre ela.

Nesse sentido, chegou-se a concussão de que a prática da vaquejada fere o direito ao meio ambiente equilibrado, e por mais que seja inegavelmente uma manifestação cultural, tal manifestação viola a característica da universalidade dos direitos humanos e, sobretudo, a perspectiva multiculturalista universalista, uma vez que extrapola padrões de conduta mínimos que vedam a submissão de animais a crueldades.

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