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O CONCEITO DE VETOR E SUAS POTENCIALIDADES NA ABORDAGEM DA
MATEMÁTICA NO ENSINO MÉDIO: RESENHA DE EXPERIÊNCIAS
ASSEMANY, DANIELLA1 ; COSTA, CECÍLIA2
1 Doutoranda da Universidade do Porto, UP, www.up.pt, Porto, Portugal 2 Universidade de Trás-‐os-‐Montes e Alto Douro, UTAD, www.utad.pt
5000-‐801 Vila Real, Portugal
CIDTFF – Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores (LabDCT da UTAD)
daniella.assemany@gmail.com e mcosta@utad.pt
Resumo:
Diante da dissociação entre os conteúdos de matemática das escolas brasileiras e da observação de que alguns conceitos não são amplamente compreendidos pelos alunos, propõe-‐se uma abordagem didática para estudantes do ensino médio em que o conceito de vetor é tomado como ponto de partida e elo de ligação entre os conteúdos posteriores.
Estudos realizados por Nasser (2009) e Rezende (2009) apontam dificuldades de estudantes egressos do ensino médio nos ciclos básicos das universidades acerca da disciplina de Cálculo. Azevedo (2013), Bittar (2013) e Assemany (2011), que justificam a abordagem vetorial na escola básica, são alguns dos exemplos de revisão literária que sustentam a hipótese. Acredita-‐se que a grandeza vetorial conecta os conteúdos da matemática escolar e a diferente construção de significados para um mesmo conceito, de acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasil, 1999). Esta comunicação
pretende apresentar uma resenha de experiências sobre investigações acerca da proposta de
interligação de conteúdos do ensino médio em matemática, a partir do conceito de vetor e suas potencialidades, nomeadamente Assemany e Azevedo (2011a), Assemany e Harab (2013a), Assemany et al (2013b; 2013c; 2014). Corroborando com as particularidades do que é ser um professor, espera-‐se contribuir para o ensino e a aprendizagem da matemática por meio da mudança de paradigmas que a abordagem vetorial promove.
Palavras-‐chave: Educação matemática, Vetor
Grupo de Discussão/poster: D) Formação de Professores que Ensinam Matemática na
Educação Básica e Secundária
Texto do resumo alargado: O ensino e a aprendizagem da matemática têm sido alvos de
pesquisas no campo da Educação Matemática. Queixas recorrentes por parte dos alunos e professores intensificam-‐se com respeito às dificuldades na compreensão de conteúdos e à aplicabilidade para resolução de problemas. Como afirma Fiorentini (2005), para ser professor de matemática é necessário (...) conhecer seus fundamentos epistemológicos, sua
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evolução histórica, a relação da Matemática com a realidade, seus usos sociais e as diferentes linguagens com as quais se pode representar ou expressar um conceito matemático (p. 110). Os estudos de Nasser (2009) e Rezende (2003) apontam as dificuldades de alunos nos ciclos básicos das universidades acerca da disciplina de Cálculo. Em um estudo feito com alunos egressos do ensino médio brasileiro, Nasser (2009) verificou lacunas na disposição dos conteúdos tradicionais da matemática escolar, destacando: Observamos que os alunos chegam à Universidade com muitas dificuldades, provenientes da falta de experiências prévias com o traçado e análise de gráficos nos ensinos fundamental e médio (p. 2). Bittar (2013) justifica a utilização dos vetores nos programas curriculares desde o ensino
fundamental, como ocorre, por exemplo, nas escolas francesas: (...) a noção de vetor
aparece nesse nível como um ente geométrico que deverá servir para resolver problemas de geometria: trata-‐se de introduzir uma nova ferramenta para resolver problemas por vezes já conhecidos dos alunos (p. 73).
A história da matemática evidencia a recorrência da representação vetorial para exprimir movimentos, representar forças, compreender fenômenos e reafirmar a existência de números negativos e imaginários. Conforme Dorier (1995), o desenvolvimento do conceito de vetor se deu na busca da compreensão de resultados algébricos, uma vez que essa grandeza proporciona contribuições para a geometria através da direção e do sentido, e não só do comprimento (grandeza escalar), permitindo assim a ideia de movimento. Devido aos fatores apresentados, foi elaborada uma proposta metodológica para o ensino de matemática do nível médio brasileiro, a qual buscou conectar os conteúdos para dar significado à matemática escolar. A abordagem didática teve o conceito de vetor como ponto de partida e proporcionou vários olhares para uma mesma situação-‐problema, gerando diferentes ferramentas de resolução. A ideia originou-‐se há dez anos como resultado de reflexões da primeira autora acerca do ensino fragmentado da matemática. A experiência profissional enquanto docente dos ensinos fundamental, médio e superior foi o elemento impulsionador para o desenvolvimento e a aplicação prática e experimental de uma metodologia de ensino em uma escola pública e federal do Rio de Janeiro, Brasil. O maior objetivo era reconfigurar os conteúdos de matemática dos três anos do ensino médio, partindo da grandeza vetorial e promovendo a inter-‐relação dos conceitos.
Como consequência da prática docente da primeira autora, realizaram-‐se estudos sobre o ensino da matemática a partir dos vetores, segundo as orientações destacadas pelos Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (Brasil, 1999) e pautados em experiências próprias, a saber: classe de estudantes do ensino médio, orientandos de monografias de final de curso universitário e grupos de discussão acerca do tema. Em síntese, o objetivo desta comunicação é apresentar uma resenha de experiências sobre investigações da primeira autora, não somente individuais, acerca da integração de conteúdos do ensino médio em matemática, a partir do conceito de vetor e suas potencialidades. As pesquisas pontuais serão apresentadas de forma breve, evidenciando-‐ se os dados recolhidos e os resultados obtidos.
Em sua monografia, Azevedo (2013) defende a posição de que a grandeza vetorial na estrutura curricular do ensino médio é um diferencial, com destaque positivo, para
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estudantes na transição para o ensino superior. Essa investigação baseou-‐se na experiência de utilização da abordagem vetorial nos três anos do ensino médio, aplicada a alunos do colégio público federal do Rio de Janeiro, referido anteriormente como sítio para o desenvolvimento e aplicação da proposta metodológica aqui apontada.
Sob orientação da primeira autora, a pesquisa de Azevedo (2013) apoiou-‐se em (Brasil, 1999) como referencial e o trabalho de campo deu-‐se através de métodos qualitativo e quantitativo em quatro etapas: i) acompanhamento semanal das aulas de matemática em uma turma de cada série do ensino médio, durante dois anos letivos consecutivos; ii) participação na elaboração de atividades e avaliações para as turmas acompanhadas; iii) aplicação de questionários a grupos de alunos e ex-‐alunos do colégio; iv) análise dos dados coletados. Os objetos de recolha de dados apresentavam-‐se em forma de questionários a dois grupos: os concluintes do ensino médio e os que ingressaram no ensino superior em cursos de ciências exatas. Os tópicos dos questionários foram diferentes para cada grupo. Aos alunos do ensino médio, o questionário continha onze itens sobre as particularidades do ensino da matemática e as consequências observadas com base nos vetores para a compreensão de outros temas (em matemática ou não). Para o grupo dos ex-‐alunos matriculados no ensino superior, o questionário buscava analisar a estrutura interligada dos conteúdos a partir de nove perguntas.
O estudo quantitativo indicou, dentre outros, que 85% dos alunos utiliza os conceitos de vetor em alguma outra área do conhecimento. Com relação à avaliação de seu próprio ensino, 77% atribuiu o valor “ótimo” ou “muito bom”, 18% considerou “bom”, 5% indicou “regular” e ninguém optou por “ruim”. A investigação qualitativa sobressaltou o destaque positivo dos alunos para o método de ensino, pois permitiu adquirir um olhar amplo sobre a matemática e obter diversas ferramentas de resolução para o mesmo problema. Conforme Azevedo (2013), a pesquisa mostrou que os alunos de ambos os grupos se tornaram mais ávidos a deduzir fórmulas, ao invés de memorizá-‐las, e a representar de diversos modos os mesmos objetos, através de vários olhares em diferentes momentos do ensino médio. Como consequência desse estudo monográfico, os autores Assemany, Nasser, Alves, Azevedo e Torraca (2013b) apresentaram algumas resoluções inovadoras de alunos submetidos à abordagem vetorial para questões de matemática. As ferramentas utilizadas pelos estudantes para determinar, por exemplo, as coordenadas de dois vértices opostos de um quadrado, sendo dados os outros dois, recorreram à rotação dos afixos de números complexos no plano, rotação de vetores no IR2, trigonometria no triângulo retângulo etc. Assemany e Azevedo (2011a) também apontaram as contribuições do ensino de vetores como ferramenta para a aprendizagem de números complexos. A proposta de ensino que elas sugeriram baseou-‐se na rotação de vetores e motivou outra investigação direcionada às vias geométrica, trigonométrica e vetorial, tidas como objetos de interação para a compreensão dos números complexos, corroborando com Assemany (2011): A organização dos conteúdos estruturados e baseados nos Vetores pretende conduzir o aluno a interpretações geométricas de fatos algébricos (p. 5).
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Essa proposta de ensino reapresentou-‐se mais tarde sob a forma de outro artigo, de autoria de Assemany e Harab (2013a): Deseja-‐se abdicar do algebrismo típico no ensino deste conteúdo na escola básica e fazer um paralelo com a sua representação geométrica, usufruindo das potencialidades da visualização no plano proporcionadas por este recurso (p. 624). As autoras apresentaram uma atividade que foi resolvida de formas diferenciadas por alunos do colégio federal citado anteriormente. Como resultado, verificou-‐se que a grandeza vetorial utilizada como base para o ensino de números complexos ofereceu subsídios para conceituações diferentes, válidas e corretas, através do dinamismo dos vetores.
Os estudos de Assemany et al (2013c) mostraram que os alunos os quais tiveram uma abordagem de ensino através dos vetores encontravam-‐se bem preparados para a disciplina de Cálculo I do ensino superior. Através da metodologia da Análise de Erros, os autores investigaram os principais tipos de erros cometidos por dois grupos de alunos através da aplicação de duas atividades idênticas a ambos: turma de Cálculo I (ensino superior público) e turma da 3a série do colégio federal referido (ensino médio público). A análise quantitativa mostrou que, na primeira atividade, com relação especificamente aos erros relacionados à educação básica, o percentual dos alunos do ensino médio e superior foi, respectivamente, 64% e 71%. No âmbito da segunda atividade, a discrepância foi ainda maior, sendo 50% de erros da educação básica para o ensino médio e 69% para o ensino superior.
Esse resultado indica que é preciso conscientizar professores do Ensino Médio da possibilidade de adotar uma abordagem diferenciada para a Matemática, que amenize a transição para o Ensino Superior, promovendo uma prontidão para o Cálculo. Uma tentativa tem sido feita no CAp UFRJ [colégio federal
referido], que adota uma abordagem baseada em vetores desde o 1o ano do Ensino Médio, refletindo num aprimoramento no domínio do trato algébrico e na compreensão dos problemas (Assemany et al, 2013c, p.1933).
Como consequência dos estudos apresentados por Assemany (2011), Assemany e Azevedo (2011a), Azevedo (2013), Assemany e Harab (2013a), Assemany et al (2013b; 2013c), iniciou-‐se outra investigação acerca da estrutura curricular do ensino médio através do registro das representações semióticas em educação matemática (Assemany, Silva, Arquieres, Marques, & Barino, 2014). Apoiados na metodologia dos obstáculos epistemológicos, os autores realizaram uma pesquisa na qual buscaram evidenciar os ‘entraves à aprendizagem’ através da resolução de questões. Os sujeitos da pesquisa foram alunos de duas instituições: do colégio federal referido e de uma universidade pública -‐ cursos de Matemática e Física. Os resultados mostraram que os alunos do ensino médio acertavam imediatamente, ou expunham vários recursos diferenciados para a resolução, aumentando assim o número de obstáculos epistemológicos (p. 9). Já os alunos do ensino superior, tentavam algo que lhes fosse o tradicional, o conhecido, como uma fórmula, uma figura convencional, uma representação habitual (p. 10). Esses dados apontaram para a escassa utilização de fórmulas e priorização do raciocínio dos alunos do colégio citado em comparação com os estudantes da universidade.
A dissociação de vários conteúdos estudados na educação básica, junto à observação de que alguns conceitos não são amplamente compreendidos pelos alunos, foram elementos disparadores para o desenvolvimento de uma proposta metodológica para o ensino de
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matemática do nível médio, e sua consequente aplicação em uma escola pública brasileira. Após algumas investigações sobre a abordagem didática desenvolvida e submetida, destacadas anteriormente, pretende-‐se suscitar uma reflexão sobre estes estudos na comunicação a que se propõe este resumo. Corroborando com as particularidades do que é ser um professor, espera-‐se contribuir para o ensino e a aprendizagem da matemática por meio da mudanças de paradigmas que a abordagem vetorial promove.
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