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A Tributação da Economia Digital no Brasil e na União Europeia: Uma Análise do Processo de Agendamento e Formulação de Políticas Públicas

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A Tributação da Economia Digital

no Brasil e na União Europeia:

Uma Análise do Processo de

Agendamento e Formulação de

Políticas Públicas

Eder Eustáquio Alves

Orientador: Professor Doutor João Manuel Ricardo Catarino

Coorientador: Professor Doutor Pedro Gomes Rodrigues

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Administração Pública, Especialidade em Administração e Políticas Públicas

Lisboa

2021

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A Tributação da Economia Digital no Brasil e na

União Europeia: Uma Análise do Processo de

Agendamento e Formulação de Políticas Públicas

Eder Eustáquio Alves

Orientador: Professor Doutor João Manuel Ricardo Catarino

Coorientador: Professor Doutor Pedro Gomes Rodrigues

Tese especialmente elaborada para obtenção do grau de Doutor em Administração Pública, Especialidade em Administração e Políticas Públicas

Júri:

Presidente: Doutor Manuel Augusto Meirinho Martins, Professor Catedrático e membro do Conselho Científico do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa.

Vogais:

- Doutor João Manuel Ricardo Catarino, Professor Catedrático do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa, na qualidade de orientador; - Doutor Ricardo João Magro Ramos Pinto, Professor Associado com Agregação do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Lisboa;

- Doutor Marcus Abraham, Professor Associado da Faculdade de Direito da UERJ- Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Brasil;

- Doutor Gilson Wessler Michels, Professor Adjunto do Centro Jurídico da UFSC-Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil;

- Doutor Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, Professor Adjunto da FGV-EAESP-Escola de Administração de Empresas de São Paulo – Fundação Getúlio Vargas, Brasil.

Lisboa

2021

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i

Dedicatória

À minha esposa, Maria Abadia, que sempre me incentivou a sair da “zona de conforto”, e que me apoiou incondicionalmente ao longo do percurso deste doutoramento.

Aos meus filhos, Augusto e Cecília, que, durante o árduo esforço de elaboração desta tese, trouxeram-me alegria com os seus sorrisos e a sua presença.

À memória de meu pai, Orlando, que nos deixou enquanto eu cumpria esta jornada, e que viverá em nossos pensamentos e em nossas saudades.

(4)

ii

Agradecimentos

Agradeço, em primeiro lugar, ao Professor João Ricardo Catarino, que, em meio às suas inúmeras atribuições junto ao ISCSP, reservou um espaço para me orientar nesta tese de doutoramento, sempre com rigor e preocupação em relação à qualidade do trabalho realizado.

Sou grato também ao meu coorientador, o Professor Pedro Gomes Rodrigues, por seu esforço incansável de revisão deste trabalho e pelas valiosas contribuições feitas ao longo da sua elaboração.

Contribuíram para este trabalho os Professores Ana Maria Santos, Ricardo Ramos Pinto e Sandra Firmino, que, ao participarem da sessão da Comissão de Acompanhamento do Doutoramento (CAD), trouxeram críticas positivas e várias sugestões de melhoria. Da mesma forma, agradeço ao Professor José Luis Nascimento, que auxiliou na revisão da Metodologia de Investigação.

Além disso, o sucesso deste trabalho contou com a valiosa contribuição dos entrevistados. Todos eles deixaram de lado as suas agendas cheias e tiveram a generosidade de reservar um momento para compartilharem o seu conhecimento durante a realização das entrevistas.

Por fim, agradeço à toda a equipa do ISCSP, em especial aos membros da Área de Estudos Pós-Graduados – o Senhor João Conde, a Senhora Inês Calixto e o Senhor Tiago Gonçalves – por estarem sempre à disposição, de forma cordial e tempestiva, no apoio referente à minha vida académica no instituto.

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iii

Resumo

A economia digital, fruto da fusão das tecnologias de informação e de comunicação, tem sido responsável por grandes ganhos de produtividade na nossa sociedade, ao mesmo tempo que impõe desafios aos governos nacionais, em particular na esfera tributária.

Partindo do pressuposto de que a tributação é, em si mesma, uma importante política pública, este trabalho tem como objetivo central compreender o processo de agendamento e formulação das políticas públicas para a tributação da economia digital, através da aplicação de modelos de análise às iniciativas em curso no Brasil e na União Europeia (UE). Para que fosse possível o cumprimento do objetivo supramencionado, o esforço de pesquisa desdobrou-se em três frentes principais: (i) a caraterização da economia digital e dos seus impactos nas políticas fiscais; (ii) a análise das principais políticas públicas para a tributação digital em discussão e em implementação no Brasil e na União Europeia, bem como em alguns outros Estados selecionados, e (iii) a realização de dois estudos de caso, do Brasil e da União Europeia, procurando compreender os condicionantes do processo de formação de agenda para o tema, com o auxílio dos modelos teóricos dos Múltiplos Fluxos e do Equilíbrio Pontuado.

O estudo dos novos modelos de negócio da economia digital mostrou que as suas características específicas, tais como a geração de valor a partir dos dados dos utilizadores e a capacidade de operar em mercados com consumidores à distância, exigem uma verdadeira reformulação do arcabouço tributário internacional. Entretanto, as políticas públicas para o tema no âmbito internacional têm sido marcadas pela polarização entre os Estados que sediam as grandes empresas digitais e aqueles que possuem os mercados consumidores nos quais estas atuam. Neste sentido, a União Europeia tem tido uma posição paradigmática em defesa de uma maior tributação dos negócios digitais nos Estados onde se encontram os consumidores. Já no Brasil, dono de um sistema tributário complexo e descentralizado, as principais medidas para a tributação digital têm sido marcadas pelo incrementalismo e pela sedimentação institucional, na forma da interpretação da legislação tributária vigente e da sua aplicação aos negócios digitais, o que gera instabilidade jurídica e disputas federativas.

(6)

iv Por fim, o estudo do processo político de agendamento da tributação digital mostrou condicionantes diferentes para cada caso. Na Europa, a crise de 2008, que gerou políticas de austeridade e a necessidade de procura de novas bases tributárias, associada à frequente divulgação de escândalos fiscais por parte das grandes empresas digitais, criou o “humor nacional” de injustiça fiscal e permitiu o agendamento do tema na forma da proposta de imposto digital lançada pela Comissão Europeia em 2018. Neste caso, também contribuíram o processo de procura por arenas políticas dentro das instituições da UE, por parte dos Estados europeus com maiores mercados consumidores, e a falha na procura de consenso internacional, a cargo da OCDE, que criou uma “janela de políticas públicas” para a colocação da proposta europeia. Por outro lado, no Brasil, foi observado uma falta de diagnóstico para a problema que decorre, de entre outros fatores, do desfasamento dos efeitos da crise de 2008 no Estado e das crises político-económicas recentes, que impediram maiores debates sobre o tema, aliada a uma grande fragmentação institucional decorrente da própria estrutura federativa e da matriz tributária nacional. Além disso, o debate sobre uma reforma tributária geral no Estado, retomado em 2019 a partir de um novo mandato presidencial de cunho reformista, tem sido marcado pela “imagem política” da simplificação e diminuição da carga tributária, o que impede uma maior discussão sobre propostas de tributação específicas para o setor digital.

(7)

v

Abstract

The digital economy, the result of the fusion of information and communication technologies, has been responsible for important productivity gains in our society, while imposing challenges on national governments, particularly in the taxation field.

Based on the assumption that taxation is, in itself, an important public policy, this work has the central objective of understanding the agenda setting process and policy formulation for public policies for the taxation of the digital economy, through the application of analysis models to initiatives ongoing in Brazil and in the European Union (EU). In order to make it possible to achieve the aforementioned objective, the research effort unfolded on three main fronts: (i) the characterization of the digital economy and its impacts on fiscal policies; (ii) the analysis of the main public policies for digital taxation under discussion and being implemented in Brazil and in the European Union, as well as in some other selected States, and (iii) the realization of two case studies, with respect to Brazil and the European Union, seeking to understand the constraints of the agenda setting process for the theme, with the application of the theoretical models of Multiple Flows and Punctuated Equilibrium.

The study of new business models in the digital economy has shown that their specific characteristics, such as the generation of value from user data and the ability to operate in markets with remote consumers, require a real reformulation of the international taxation framework. However, public policies for the topic at the international level have been marked by the polarization between States that host large digital companies and those that have the consumer markets in which they operate. In this sense, the European Union has taken a paradigmatic position in defense of greater taxation of digital businesses in States where consumers are located. In Brazil, which owns a complex and decentralized tax system, the main measures for digital taxation have been marked by incrementalism and institutional sedimentation, in the form of the interpretation of current tax legislation and its application to digital businesses, which creates legal instability and federative disputes.

(8)

vi Finally, the study of the agenda setting process for digital taxation showed different determinants for each case. In Europe, the 2008 crisis, which generated austerity policies and the need to search for new tax bases, associated with the frequent disclosure of tax scandals by large digital companies, created the “national mood” of tax injustice and allowed the agenda setting for the theme in the form of the digital tax proposal launched by the European Commission in 2018. In this case, other factors that contributed to the agenda setting were the process of venue shopping within the EU institutions, by European countries with larger consumer markets, and the failure in the pursuit of international consensus, in charge of the OECD, which created a “policy window” for the placement of the European proposal. On the other hand, in Brazil, there is a lack of diagnosis for the problem that relates, among other factors, from the lag of the effects of the 2008 crisis in the State and from the recent political-economic crises, which prevented further debates on the topic, combined with a great institutional fragmentation resulting from the federative structure and from the national tax matrix. In addition, the debate on general tax reform in the State, resumed in 2019 as result of a new reformist presidential mandate, has been marked by the “policy image” of simplifying and reducing the tax burden, which prevents further discussion on specific tax proposals for the digital sector.

(9)

vii

Índice

Introdução ... 1

Capítulo 1 – A Economia Digital ... 7

1.1 – Introdução ... 7

1.2 – As Várias Faces da Economia Digital ... 7

1.3 – Os Novos Modelos de Negócio da Era Digital ... 13

1.3.1 – Mercados e Plataformas Multilaterais ... 20

1.3.2 – Criação de Valor e Modelos de Negócio Digitais ... 23

1.3.3 – Novas Revoluções Digitais à Vista ... 27

1.4 – Alguns Aspetos Regulatórios da Economia Digital ... 33

1.4.1 – Economia Digital e Falhas de Mercado ... 34

1.4.2 – Economia Digital e Políticas Sociais ... 36

1.4.3 – Autorregulação e Captura Regulatória ... 39

1.4.4 – Regulação e Tributação ... 42

1.5 – Implicações da Economia Digital sobre a Condução da Política Fiscal ... 45

1.5.1 – Alguns Conceitos sobre Tributação Internacional ... 48

1.5.2 – Técnicas de Planeamento Fiscal ... 55

1.5.3 – Opções para Enfrentar o Problema ... 62

1.5.4 – A Procura de Consenso Internacional e o Risco de Fragmentação ... 67

1.6 – Comentários Finais do Capítulo ... 74

Capítulo 2 – As Políticas Públicas e a Tributação da Economia Digital ... 77

2.1 – Introdução ... 77

2.2 – A Tributação como Política Pública ... 77

2.3 – Políticas Públicas: Um Breve Histórico e Algumas Definições ... 78

2.3.1 – O que São Políticas Públicas? ... 80

2.3.2 – Modelos de Análise de Políticas Públicas ... 82

2.3.3 – Agenda Governamental ... 85

2.4 – Modelos de Análise para o Processo de Formação de Agenda ... 88

2.4.1 – Modelo dos Múltiplos Fluxos ... 89

2.4.2 – Teoria do Equilíbrio Pontuado ... 95

2.5 – Modelos de Formação de Agenda e a Tributação da Economia Digital ... 100

2.6 – Comentários Finais do Capítulo ... 104

(10)

viii

3.1 – Modelo de Análise ... 106

3.1.1 – Conceitos ... 106

3.1.2 – Questões de Investigação... 111

3.2 – Desenho de Pesquisa... 113

3.3 – Recolha e Análise de Dados... 121

Capítulo 4 – Análise das Políticas Públicas para a Tributação da Economia Digital no Brasil, na União Europeia e em Alguns Estados Selecionados ... 125

4.1 – Introdução ... 125

4.2 – Um Breve Histórico da Discussão Internacional sobre a Tributação da Economia Digital .... 126

4.3 – Experiências Relevantes na União Europeia ... 132

4.3.1 – O Caso do Bit Tax ... 133

4.3.2 – O Imposto sobre Transações Digitais na Itália ... 135

4.3.3 – O Imposto sobre Publicidade na Hungria ... 137

4.3.4 – O Imposto Francês sobre a Distribuição de Conteúdo Audiovisual ... 139

4.3.5 – O Imposto sobre Lucros Desviados no Reino Unido ... 141

4.3.6 – A Proposta de Tributação da União Europeia ... 145

4.4 – Algumas Experiências Internacionais na OCDE e em Estados em Desenvolvimento ... 151

4.4.1 – Movimentos para a Tributação da Economia Digital nos Estados Unidos ... 152

4.4.2 – O Teste de Presença Económica Significativa em Israel ... 157

4.4.3 – A Experiência da Índia ... 158

4.4.4 – Os Regimes Direcionados às Multinacionais na Austrália ... 161

4.4.5 – A Experiência Argentina na Tributação da Economia Digital ... 164

4.5 – Comentários sobre as Experiências Internacionais ... 166

4.6 – Principais Discussões e Experiências de Tributação da Economia Digital no Brasil ... 170

4.6.1 – Breve Introdução ao Sistema Tributário Brasileiro ... 171

4.6.2 – Impostos Diretos: o Conceito de Estabelecimento Permanente e o Sistema Tributário Brasileiro ... 175

4.6.3 – Impostos Indiretos: o Conflito de Competências Agravado pela Economia Digital ... 180

4.6.4 – Comentários sobre a Aplicação dos Impostos Diretos e Indiretos em Alguns Casos Selecionados ... 183

4.6.5 – Economia Digital e as Discussões para Reforma Tributária no Brasil ... 188

4.7 – O Debate Brasileiro à Luz das Experiências Internacionais ... 192

4.8 – Comentários Finais do Capítulo ... 194

Capítulo 5 – Estudo de Casos: Análise do Processo de Formação de Agenda para a Tributação da Economia Digital na União Europeia e no Brasil ... 198

(11)

ix 5.2 – Estudo de Caso: a Formação de Agenda para a Tributação da Economia Digital na União

Europeia ... 199

5.2.1 – Contexto: Crise Orçamental e a Emergência do Unilateralismo ... 201

5.2.2 – Cadeia de Eventos: Fase 1 - Escândalos Fiscais e o Reconhecimento do Problema ... 203

5.2.3 – Cadeia de Eventos: Fase 2 - Procura de Consenso Internacional ... 206

5.2.4 – Cadeia de Eventos: Fase 3 - Procura de Solução Unilateral ... 207

5.2.5 – Cadeia de Eventos: Fase 4 - Tentativa de Tomada de Decisão e Atuação dos Veto Players ... 210

5.2.6 – Cadeia de Eventos: Fase 5 – Novas Medidas Unilaterais e Risco de Guerra Comercial com os Estados Unidos ... 212

5.2.7 – Algumas Informações Resultantes da Codificação do Material das Entrevistas ... 213

5.2.8 – Análise pelo Modelo dos Múltiplos Fluxos ... 221

5.2.9 – Análise pela Teoria do Equilíbrio Pontuado ... 228

5.2.10 – Discussão dos Resultados ... 233

5.3 – Estudo de Caso: a Formação de Agenda para a Tributação da Economia Digital no Brasil ... 238

5.3.1 – Contexto: Crise Político-Económica e Descentralização Fiscal ... 240

5.3.2 – Cadeia de Eventos: Item 1 - A União, entre a Omissão e a Procura de Impostos Retidos na Fonte ... 243

5.3.3 – Cadeia de Eventos: Item 2 - Os Estados na Procura da Aplicação do ICMS ... 245

5.3.4 – Cadeia de Eventos: Item 3 - Os Municípios na Procura da Aplicação do ISS ... 247

5.3.5 – Cadeia de Eventos: Item 4 - Discussão sobre Reforma Tributária em 2019, uma Janela de Oportunidade? ... 249

5.3.6 – Algumas Informações Resultantes da Codificação do Material das Entrevistas ... 252

5.3.7 – Análise pelo Modelo dos Múltiplos Fluxos ... 260

5.3.8 – Análise pela Teoria do Equilíbrio Pontuado ... 266

5.3.9 – Discussão dos Resultados ... 271

5.4 – Comentários Finais do Capítulo ... 274

Conclusões Finais ... 279

Principais Resultados e Conclusões da Pesquisa ... 280

Notas e Proposições para as Políticas Públicas sobre o Tema ... 284

Balanço da Investigação: Cumprimento dos Objetivos e Limitações de Pesquisa ... 291

Sugestões de Temas para Pesquisas Futuras ... 293

Bibliografia ... 295

(12)

x

Índice de Figuras

Figura 1. "Double Irish Dutch Sandwich” ... 59

Figura 2. Modelo dos Múltiplos Fluxos ... 94

Figura 3. Quadro Conceptual ... 107

Figura 4. Desenho de Pesquisa... 115

Figura 5. Metodologia para a Realização dos Estudos de Caso ... 118

Figura 6. Modelo de Análise dos Estudos de Caso ... 119

Figura 7. Árvore de Problemas da Economia Digital para o Sistema Tributário da União Europeia .. 148

Figura 8. Carga Tributária Brasileira ... 174

Figura 9. Popularidade da Procura pelo Termo "Double Irish Dutch Sandwich" ... 204

Figura 10. Número de Medidas para a Tributação dos Negócios Digitais ... 208

Figura 11. Cobertura de Códigos Durante a Codificação das Entrevistas do Estudo de Caso da União Europeia ... 214

Figura 12. Mapa de Códigos Durante a Codificação das Entrevistas do Estudo de Caso da União Europeia ... 216

Figura 13. Segmentos Referentes à Crise de 2008 nas Entrevistas do Estudo de Caso da União Europeia ... 218

Figura 14. Segmentos Referentes aos Escândalos Fiscais nas Entrevistas do Estudo de Caso da União Europeia ... 219

Figura 15. Segmentos Referentes à Opinião Pública nas Entrevistas do Estudo de Caso da União Europeia ... 220

Figura 16. Segmentos Referentes à Unanimidade fiscal nas Entrevistas do Estudo de Caso da União Europeia ... 237

Figura 17. Variação Anual do PIB e Desemprego no Brasil ... 241

Figura 18. Cobertura de Códigos Durante a Codificação das Entrevistas do Estudo de Caso do Brasil ... 253

Figura 19. Mapa de Códigos Durante a Codificação das Entrevistas do Estudo de Caso do Brasil ... 254

Figura 20. Segmentos Referentes à Desfasagem da Crise de 2008 e Crises Políticas Recentes nas Entrevistas do Estudo de Caso do Brasil ... 255

(13)

xi Figura 21. Segmentos Referentes à Ausência de Diagnóstico nas Entrevistas do Estudo de Caso do

Brasil ... 256

Figura 22. Segmentos Referentes à Fragmentação Institucional nas Entrevistas do Estudo de Caso do Brasil ... 257

Figura 23. Segmentos Referentes à Matriz Tributária nas Entrevistas do Estudo de Caso do Brasil.. 258

Figura 24. Segmentos Referentes à Prevalência da Reforma Tributária Geral nas Entrevistas do Estudo de Caso do Brasil ... 259

Índice de Tabelas

Tabela 1. Lista de Entrevistados para o Estudo de Caso do Brasil ... 123

Tabela 2. Lista de Entrevistados para o Estudo de Caso da União Europeia ... 124

Tabela 3. Medidas para Tributação da Economia Digital em Diferentes Estados ... 166

Tabela 4. Lista de Questões para as Entrevistas do Estudo de Caso da União Europeia ... 314

(14)

1

Introdução

O termo Economia Digital foi criado por Tapscott (1997) para denominar o processo de convergência nos desenvolvimentos das tecnologias dos computadores, das redes de comunicação e dos conteúdos digitais. Tal processo gerou impactos em nossa sociedade comparáveis aos trazidos pelas invenções das tecnologias de propósito geral1 do passado,

tais como a máquina a vapor e o motor elétrico, responsáveis pelas revoluções industriais nos últimos séculos (Carlsson, 2004). Assim, dentro deste novo paradigma, foram afetadas um sem número de atividades económicas, desde os processos de produção industrial e logística até a oferta de bens e serviços, passando pela criação ou recriação de indústrias inteiras como, por exemplo, a comunicação pessoal e o entretenimento (Tapscott, 1997).

Para entender melhor este fenómeno e os seus efeitos na sociedade, um grande número de estudiosos de diferentes áreas de conhecimento têm se debruçado sobre o tema. Assim, economistas têm pesquisado sobre os ganhos de produtividade e os mecanismos de inovação criados (Brynjolfsson, 2011), estudiosos da administração têm debatido como incorporar as ferramentas e as novas possibilidades surgidas neste contexto no universo das empresas (Tapscott, 1997) e cientistas sociais têm discutido os impactos das novas tecnologias na vida das pessoas (Frey & Osborne, 2017).

Os governos são um elemento central neste processo, na medida em que podem aproveitar a tecnologia para um melhor funcionamento administrativo e oferta de serviços aos cidadãos, no âmbito do chamado Governo Eletrónico2, e para a criação de políticas

públicas que propiciem um ambiente favorável à inovação. No entanto, para estes, tão importante quanto aproveitar as oportunidades trazidas pela digitalização é enfrentar os seus desafios, de entre eles os apresentados na área tributária.

1 As tecnologias de propósito geral (general-purpose technologies) possuem como característica a capacidade

de impactar a sociedade de maneira sistémica através de ganhos de eficiência e produtividade (Carlsson, 2004).

2 O Governo Eletrónico pode ser caraterizado pelo uso de interações eletrónicas entre o governo, o seu público

(15)

2 A tributação, elemento fulcral para a soberania dos Estados3, tem se revelado

defasada dentro do contexto desta nova economia, na medida em que todo o seu arcabouço normativo, criado ao longo do século XX, para legislar sobre as organizações de “tijolo e argamassa” (brick-and-mortar) não pode ser aplicado de forma efetiva às empresas digitais (OECD, 2018a). De um lado, o movimento de globalização propiciou a integração de mercados financeiros internacionais e a criação de atividades geograficamente dispersas e móveis por parte das empresas multinacionais, o que deu origem à criação de técnicas de planeamento fiscal que têm como objetivo explorar as lacunas do sistema tributário internacional. De outro, os próprios modelos de negócio das empresas digitais diferem dos tradicionais, na medida em que é possível a exploração de mercados sem nenhuma presença física e que a geração de valor, comummente realizada a partir da apropriação dos dados dos utilizadores, se dá nos mercados consumidores por meio da utilização de aplicativos, plataformas de busca e redes sociais e não num processo industrial tradicional realizado nos estabelecimentos das empresas (Collin & Colin, 2013).

É neste contexto que se insere o atual debate sobre a tributação da economia digital, no qual se procura uma maior concertação internacional para a reforma dos sistemas tributários, visando o combate às lacunas para a evasão fiscal e uma divisão mais equilibrada das receitas fiscais entre os Estados sedes destas empresas digitais e os Estados que possuem os mercados onde estão os consumidores dos seus serviços. De entre as importantes iniciativas neste sentido, destaca-se o projeto BEPS (Base Erosion and Profit

Shifting) - erosão da base tributável e transferência de lucros - da Organização para

Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) que procurou, por meio de uma das suas linhas de ação (Ação 1 - Address the Tax Challenges of the Digital Economy) enfrentar os desafios fiscais da economia digital (OECD, 2015, 2018a).

Entretanto, ainda não há um amplo consenso internacional sobre quais seriam as medidas mais adequadas para tributar os negócios digitais devido a divergências entre os

3 Segundo Lukic (2014), a tributação é uma questão essencial da ação pública na medida em que, por um lado,

o Estado arrecada impostos que serão utilizados nas políticas públicas, e por outro lado a própria tributação é uma modalidade de política pública. Além disso, o poder de tributar deriva da própria soberania dos Estados para instituir e cobrar impostos. Desta forma, há uma relação de reciprocidade em que a tributação é legitimada pelo poder político soberano do Estado e ao mesmo tempo permite-lhe uma existência de facto.

(16)

3 Estados que sediam as empresas digitais e aqueles que possuem os mercados consumidores nos quais estas atuam. Há, em especial, uma polarização entre os Estados Unidos, Estado de origem de muitas das grandes plataformas digitais e que têm nelas representada uma parte importante de sua economia, e a Europa, que vive num contexto político-económico bastante específico após a crise de 2008, marcado por problemas orçamentais e fragmentação política.

As medidas mais recentes da União Europeia visando a tributação digital, nas quais se destaca a proposta de criação de um imposto para alguns tipos de serviços digitais (European Commission, 2018b), devem ser vistas justamente no contexto pós-2008, em que se conjugam várias questões importantes para o bloco, de entre elas a necessidade de reforço dos orçamentos públicos em tempos de crise orçamental e a preocupação com a manutenção de um mercado único, perante riscos de fragmentação política e económica.

Já no Brasil, assim como noutros Estados em desenvolvimento com grandes mercados consumidores de serviços digitais, há em tese o interesse pelo tratamento da questão, tendo em vista a escala e os potenciais benefícios envolvidos. No entanto, a trajetória recente do Estado, desde 2015, marcada por crises económicas e políticas, aliada ao caráter obsoleto e fragmentado do seu sistema tributário (Caliendo, 2018) tem dificultado o debate para uma reforma que inclua o equacionamento da tributação digital.

Mesmo sendo a tributação dos negócios digitais um recorte de uma área de estudo mais ampla, representada pela Economia Digital, há ainda a destacar a necessidade de uma abordagem multidisciplinar. Ao longo deste trabalho serão discutidas, por exemplo, pesquisas na área da Economia sobre as características e externalidades dos negócios digitais que dificultam a sua tributação, e abordagens das áreas da Contabilidade e do Direito Tributário sobre possíveis soluções para a reforma dos sistemas tributários internacionais. No entanto, nota-se uma escassez de estudos que tratem a tributação da economia digital como uma política pública, com toda a complexidade na sua formulação e os condicionantes gerados pelas interações dentro de uma intricada rede de atores e instituições.

(17)

4 Esse trabalho procura justamente dar um contributo da disciplina de Políticas Públicas ao debate supramencionado e tem como objetivo central compreender o processo de agendamento e formulação das políticas públicas para a tributação da economia digital através da aplicação de modelos de análise às iniciativas em curso no Brasil e na União Europeia.

Para tornar possível a realização do objetivo de pesquisa acima enunciado, foram definidos os seguintes objetivos específicos:

• Caraterizar a economia digital e os desafios que esta impõe para as políticas públicas de tributação;

• Analisar as políticas públicas de tributação da economia digital praticadas atualmente no Brasil, na União Europeia e também em alguns Estados selecionados; e ainda

• Compreender os condicionantes para o processo de tributação dos serviços digitais no Brasil e na União Europeia por meio da análise do ciclo de políticas públicas e da formação de agenda, aplicada por meio da metodologia de estudo de casos.

O cumprimento dos objetivos específicos supracitados contribuiu para a resposta à pergunta de partida desta pesquisa: Que fatores condicionam o agendamento e a

formulação da política pública para a tributação da economia digital no Brasil e na União Europeia?

O esforço despendido neste trabalho justifica-se basicamente em dois pilares. Por um lado, procura-se dar um contributo teórico ao debate sobre a tributação digital ao apresentar a perspetiva da utilização de modelos de análise de políticas públicas. De outro, vislumbra-se auxiliar na discussão, pelas administrações públicas, em especial no Brasil, sobre soluções de cunho prático para o problema.

Numa perspetiva teórica, para além de publicações de agências multilaterais como a OCDE, o FMI e a ONU, os trabalhos recentemente realizados sobre o assunto trazem, como já mencionado, um foco maioritariamente técnico, associando-o às áreas do Direito

(18)

5 Tributário, da Economia ou das Ciências Contábeis. Neste caso, é importante que a tributação possa ser discutida a partir da perspetiva das Políticas Públicas, tendo em vista que o debate sobre finanças públicas tem uma consequência direta nas relações entre o Estado e os atores públicos e privados envolvidos em torno do tema.

Além disso, há um aspeto bastante prático e relevante para as administrações públicas, no momento em que os novos negócios digitais tendem a causar erosão das bases tributárias. Tal erosão pode ocorrer seja pelas técnicas de planeamento fiscal, seja pela dificuldade em se caraterizar o facto gerador nestes serviços, seja, por fim, pela tendência para a redução da oferta de outros serviços tradicionais em vias de substituição e que já possuem estruturas de tributação bem definidas. Desta forma, do ponto de vista da Administração Pública, a omissão ou o insucesso na tributação desses novos serviços pode ocasionar, de um lado, erosão tributária e consequente impacto sobre o Orçamento Público, e de outro, a pressão por mais tributação em setores tradicionais da economia ou mesmo o agravamento da carga fiscal para os atuais contribuintes.

Desta forma, a fim de dar cumprimento aos objetivos enunciados e justificados nos parágrafos acima, este trabalho foi estruturado em cinco capítulos.

No Capítulo 1, realizou-se uma caraterização da economia digital, procurando entender, de uma perspectiva teórica, o que a define e como ela tem mudado o que hoje em dia se entende como boas práticas em termos de políticas regulatórias e fiscais. Procurou--se também, esclarecer as oportunidades e desafios que esta apresenta aos governos em termos de políticas públicas em geral, com ênfase nas questões relacionadas com a tributação dos serviços digitais.

Já no Capítulo 2 foi realizado um enquadramento teórico das Políticas Públicas como uma disciplina no âmbito da Administração Pública, com o seu corpo de pensamento e as suas ferramentas de análise específicas. Foi discutido como a tributação da economia digital pode ser entendida como uma política pública e quais são as principais “lentes” pelas quais o processo de políticas públicas pode ser analisado. Para isso, recorreu-se, de entre outros conceitos, aos modelos de ciclo de políticas públicas e ao estudo de suas fases, em especial àquela referente à formação de agenda.

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6 Na sequência, o Capítulo 3 foi dedicado à descrição da estratégia metodológica aplicada ao trabalho, por meio da apresentação do modelo de análise com os principais conceitos utilizados e questões de investigação, do desenho da pesquisa e das técnicas para a recolha, o tratamento e a análise de dados.

Os Capítulos 4 e 5 compreendem a parte empírica do trabalho. No Capítulo 4 foi realizada a primeira parte da investigação, com o objetivo de identificar os principais debates e analisar, pela ótica da investigação material das propostas em fase de formulação e implementação, as principais políticas públicas para a tributação da economia digital no Brasil e na União Europeia, bem como em alguns outros Estados que possuem experiências relevantes. Já o Capítulo 5 complementa a parte empírica do estudo com a análise do processo de políticas públicas que condiciona a formação de agenda em torno da tributação da economia digital, a partir dos estudos de caso do Brasil e da União Europeia.

Por fim, são retomados, durante as conclusões finais, os principais resultados do trabalho, as suas implicações para as políticas públicas sobre o tema e são ainda apontadas outras matérias correlacionadas que merecem investigações futuras.

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7

Capítulo 1 – A Economia Digital

1.1 – Introdução

Começamos por caraterizar a economia digital, procurando entender, de uma perspetiva teórica, o que a define e como esta mudará o que hoje em dia entendemos como boas práticas em termos de políticas regulatórias e fiscais. Desta forma, as principais questões a que procuraremos responder neste capítulo são:

• O que é a economia digital?

• Quais as oportunidades e desafios é que esta apresenta aos governos em termos de políticas públicas em geral, com ênfase nas questões relacionadas com a tributação dos serviços digitais?

Como veremos na próxima secção, a economia digital é um fenómeno multifacetado, com efeitos em diferentes áreas de estudo e pode ser caraterizada de várias maneiras, tais como, um fator de eficiência dos mercados, uma tecnologia de propósito geral que alavanca as inovações, uma parceira dos governos no provimento de serviços, um desafio regulatório ou um risco de erosão de bases tributárias e de concorrência fiscal internacional. Exploraremos, a seguir, algumas destas diferentes visões, para depois avançarmos no entendimento dos principais mecanismos e características intrínsecas dos novos negócios digitais e, por fim, nas secções finais, aprofundarmos a discussão das oportunidades e desafios apresentados nas áreas regulatória e tributária.

1.2 – As Várias Faces da Economia Digital

A Economia Digital é um conceito estudado no meio académico desde o fim dos anos 90 do século passado (Tapscott, 1997). Seu surgimento se deu a partir da convergência das tecnologias de informação (TI) com as tecnologias de comunicação e as plataformas de conteúdo. De um lado, computadores foram ficando cada vez mais portáteis e potentes até

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8 chegarem aos omnipresentes smartphones e outros dispositivos conectados. De outro, as plataformas de comunicação e conteúdo deram um salto com o surgimento da World Wide

Web (WWW) na década de 90 e continuam a evoluir para os grandes mecanismos de busca,

as redes sociais, os aplicativos de comércio eletrónico e os serviços ponto a ponto4. Já no

que diz respeito ao estudo de seus efeitos, há uma tendência para uma análise multifacetada das suas consequências para a economia, os governos e a sociedade em geral, onde cada investigador tende a dar enfoque nas consequências desta fusão de tecnologias na sua respetiva área de interesse. Desta forma, economistas, administradores (públicos e privados), reguladores e fiscalistas são alguns dos especialistas que se têm debruçado sobre o tema5.

Um dos primeiros autores a utilizar o termo economia digital, Tapscott (1997), escritor com interesse em estratégia empresarial, enfatiza justamente como a convergência de tecnologias - os computadores, as redes de comunicação e os conteúdos digitais – moldaram toda uma nova indústria que tem mudado progressivamente a estrutura das nossas economias. Segundo o autor, essa nova fase económica é caraterizada por um processo de digitalização da economia, no qual a agregação de valor se transfere da troca de mercadorias físicas (átomos) para a troca de informação (bits6). Pela ótica administrativa, as

promessas trazidas pela economia digital incluem: o ganho de eficiência em toda a cadeia produtiva, passando pelo desenho, fabricação e distribuição de produtos, bem como a e redução de custos causada pela “desintermediação” e a consequente “redução dos atritos” (reduced friction) na economia (Idem).

Já na visão de Carlsson (2004), as tecnologias que geraram a economia digital podem ser analisadas, pelo prisma da economia industrial, como uma nova forma de “tecnologia de propósito geral”, semelhante às invenções da máquina a vapor e do motor elétrico, que

4 Os serviços ponto a ponto (Peer-to-Peer ou P2P) são mercados virtuais que conectam utilizadores que

desejam comprar ou vender produtos ou serviços através de plataformas digitais (Aslam & Shah, 2017).

5 Para uma discussão alargada sobre as várias definições para o termo Economia Digital, ver Bukht e Heeks

(2017).

6 Um bit ou dígito binário (binary digit) é a unidade básica de informação que pode ser armazenada ou

transmitida, usada na Computação e na Teoria da Informação. Ele pode assumir apenas dois valores: 0 ou 1 (Farias & Medeiros, 2014).

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9 foram responsáveis por revoluções industriais nos séculos passados. Ao se debruçar sobre o estudo de um facto específico - o aumento da produtividade na economia norte-americana - a partir da segunda metade da década de 90, o autor mostra que parte desses efeitos podem ser atribuídos à criação e introdução das novas tecnologias digitais e salienta que os efeitos indiretos no longo prazo podem ser ainda maiores, embora de difícil mensuração. A perceção é de que, ainda mais importante que o aumento da produtividade e eficiência, como medidas estáticas, seria a criação de novos produtos e mercados. Essa visão é compartilhada por outros economistas, como por exemplo, Neef (1998), para o qual se estaria no limiar de uma nova forma de pensar o funcionamento da economia, onde a capacidade de inovar e criar novos mercados suplantaria o conceito de eficiência na produção, como impulsionador do crescimento. Na mesma linha, Brynjolfsson (2011), destaca um maior crescimento da produtividade nas empresas que produzem as tecnologias de informação e comunicação (TIC) frente às tradicionais, devido aos efeitos do uso das próprias tecnologias nos processos de inovação dessas empresas. Segundo Varian (2010), a forma pela qual essas empresas estão trabalhando na otimização do fluxo de ideias, informações e colaboração, pode ser comparada à forma pela qual as linhas de montagem aperfeiçoaram o fluxo de produtos físicos nas fábricas há um século atrás.

As oportunidades providenciadas pela economia digital têm sido também alvo de atenção de estudiosos da administração pública, seja pela possibilidade de utilização de suas ferramentas para o melhor funcionamento administrativo dos governos e oferta de serviços aos cidadãos, no âmbito do chamado Governo Eletrónico, seja para a aplicação de políticas públicas que criem infraestruturas e um ambiente favorável à inovação. Por exemplo, Ndou (2004) destaca, a partir de um estudo sobre avanços na implantação do governo eletrónico num grupo de Estados em desenvolvimento, a geração de vários benefícios comuns: a redução de custos, a melhoria na qualidade dos serviços oferecidos, o aumento da transparência e combate à corrupção, a melhoria na capacidade de governo, a criação e aproximação de redes e comunidades de atores relacionados com as políticas públicas, a melhoria nos processos de tomada de decisão e, por fim, a possibilidade de promover o uso das TIC noutros setores da sociedade. Por sua vez, Brynjolfsson (2011), estudando os efeitos das TIC nos processos de inovação na economia norte-americana, destaca algumas áreas que devem ser alvo de atenção dos formuladores de políticas públicas no fomento à

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10 inovação, como o investimento em infraestruturas (redes de comunicação, laboratórios, etc.), a utilização de incentivos a novos projetos de pesquisa e desenvolvimento, o investimento em educação e a criação de políticas de imigração flexíveis que possam ajudar na criação de clusters de tecnologia.

Se, por um lado, os benefícios da economia digital têm atraído a atenção de investigadores e governos, há igualmente desafios colocados por essa nova realidade e que têm sido endereçados principalmente às áreas da regulação e da tributação. Diferentemente dos autores citados anteriormente, que caraterizam a economia digital em termos das suas externalidades positivas, como o ganho de eficiência e o aumento da inovação, os autores que lidam com as questões regulatórias e tributárias frequentemente abordam-na pela ótica das escalas globais das empresas e negócios envolvidos e das externalidades negativas daí surgidas (ex: dependência tecnológica), bem como pelo enfraquecimento da capacidade de ação dos estados nacionais.

No âmbito regulatório, há um destaque para o debate em torno da necessidade e critérios para uma regulação que seja capaz de garantir critérios mínimos de qualidade e de segurança para os serviços oferecidos, em especial aqueles no âmbito da chamada economia compartilhada, como os aplicativos de transporte (ex: Uber) e hospedagem (ex: Airbnb). Também há discussão em torno do devido tratamento das questões trabalhistas e previdenciárias oriundas nos novos tipos de vínculos criados com os prestadores de serviço dessas plataformas (Hill, 2016; Scholz, 2016).

Hill (2016), ao analisar as recentes tentativas de regulação dos aplicativos da economia compartilhada no estado da Califórnia (EUA), reconhece algumas das vantagens destes serviços, em especial quanto aos preços, porém alerta para a resistência das plataformas à regulação governamental. Segundo o autor, esse conjunto de tecnologias supera barreiras geográficas na prestação de serviços, e muda as relações vigentes de mercado de trabalho em diversos segmentos, como o transporte, a hotelaria e restantes prestações de serviços por profissionais liberais. Nesses novos modelos de negócio, a tecnologia permite oferecer soluções atrativas e mais baratas do que as vigentes. Porém, estas caraterizam-se pela resistência à regulamentação governamental e defesa de mecanismos de autorregulação, pela alteração das relações de mercado de trabalho

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11 mediante o estabelecimento de contratos de curta duração, flexíveis, ou baseados em trabalhos freelance, e pela existência de um emaranhado de subsidiárias estrangeiras que resultam em benefícios fiscais indiretos.

Na mesma linha de pensamento, Scholz (2016), no seu livro “Uberworked and

Underpaid”, aprofunda a discussão sobre os efeitos das novas plataformas digitais sobre o

mercado de trabalho, em especial a precarização dos vínculos trabalhistas por meio de um “empreendedorismo forçado” e os impactos na qualidade de vida dos trabalhadores, sujeitos a uma sucessão de trabalhos instáveis, mal remunerados e de pequena duração. O autor termina a discutir a possibilidade de criação de cooperativas de trabalhadores que seriam donas das suas próprias plataformas de serviços e mitigariam alguns dos problemas presentes na prestação de serviços diretamente para as plataformas de mercado.

Ainda na esfera regulatória, há autores que destacam os fatores positivos das plataformas digitais, como o baixo custo de transação, a possibilidade de alocação flexível de recursos subutilizados e características intrínsecas que podem ajudar no provimento de mecanismos de autorregulação. Na visão de Aslam e Shah (2017), os mecanismos de reputação e feedback, históricos de transações e oportunidades de publicidade e marketing presentes nas plataformas on-line, contribuem para melhorar a qualidade da informação. À medida que a informação se torna mais simétrica, a confiança entre consumidores e vendedores aumenta, mesmo que eles não se tenham encontrado anteriormente. Além disso, os consumidores podem aceder a uma gama mais ampla de bens e serviços (por meio de propriedade ou aluguer) personalizados de acordo com seus gostos. A tecnologia, portanto, fornece controle de qualidade por meio de revisões e sistemas de classificação baseados no utilizador, cumprindo papéis que regulamentos rigorosos poderiam desempenhar. Os autores também destacam a possibilidade de ganhos por parte das administrações fiscais, por meio de uma maior troca de informações sobre as transações, a serem fornecidas pelas plataformas, em serviços que eram anteriormente realizados pelo mercado informal, e até mesmo o potencial papel das plataformas como agente de arrecadação de impostos, tendo em vista que elas já realizam, em grande medida, a intermediação dos pagamentos eletrónicos dos serviços. Na mesma linha de pensamento, Cohen e Sundararajan (2015) defendem que deve haver um equilíbrio regulatório nestes

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12 mercados, incluindo mecanismos de autorregulação, de forma a minimizar os impactos no potencial de inovação que eles oferecem.

Trazendo a discussão para a área tributária, Bacache et al. (2015) caraterizam a economia digital por meio de quatro propriedades: (i) um embaçamento (blurring) das fronteiras geográficas, o que torna a atribuição de atividades às respetivas jurisdições uma tarefa mais complexa; (ii) grandes externalidades de rede7 que acabam resultando em poder

de monopólio para as grandes plataformas; (iii) a existência de mercados multilaterais, onde as plataformas são usadas para conectar diferentes atores, com interdependência nas estratégias de preços em diferentes lados e (iv) a coleta intensiva de dados e interações dos utilizadores, que são utilizados como insumos na geração de receitas das plataformas.

De forma análoga, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), por meio do relatório da Ação 1 (Address the Tax Challenges of the Digital Economy) – “Enfrentar os Desafios Fiscais da Economia Digital”, no contexto da já célebre iniciativa BEPS (Base Erosion and Profit Shifting) – erosão da base tributável e transferência de lucros – ressalta que a economia digital seria caraterizada por uma dependência inédita em ativos intangíveis, o uso massivo de dados, especialmente os dados pessoais, a larga adoção de modelos de negócio multilaterais que capturam externalidades geradas pela utilização de serviços gratuitos, e a dificuldade na determinação da jurisdição onde ocorre a agregação de valor (OECD, 2018a).

O fenómeno da erosão da base tributável pode ser visto não apenas como uma consequência da dificuldade inerente da tributação dos novos modelos de negócios digitais por parte das autoridades nacionais tomadas de forma isolada, mas também no contexto de uma concorrência fiscal (tax competition) agressiva a nível internacional. Collin e Colin (2013), num trabalho realizado no âmbito do Ministério das Finanças da França, destacam alguns modos pelos quais as empresas digitais tiram proveito da concorrência fiscal entre Estados, de uma forma ainda mais fácil que as empresas tradicionais. Em primeiro lugar, como essas empresas possuem muitos ativos intangíveis, de difícil mensuração, elas

7 A externalidade de rede, também chamada de efeito de rede, ocorre quando a utilidade de um determinado

produto ou serviço é dependente do número de utilizadores consumindo este mesmo produto ou serviço (Evans & Schmalensee, 2016).

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13 costumam redirecionar os seus lucros para pagamentos desses ativos, registados em subsidiárias localizadas em paraísos fiscais. Desta forma, deixam de pagar dividendos, bem como a tributação sobre os lucros. Além disso, os negócios digitais, de natureza multilateral, permitem que estas alcancem os seus utilizadores em qualquer parte do mundo, porém deixando os seus negócios geradores de rendimento em Estados onde fique mais fácil transferir os lucros para paraísos fiscais. Por fim, ao contrário das empresas tradicionais, que tiveram que passar por reestruturações para adotar técnicas de planeamento fiscal, as empresas digitais já nasceram num ambiente em que podem explorar as diferenças entre os sistemas de tributação dos diversos Estados, em especial no que diz respeito a onde localizar os escritórios centrais. Ou seja, de forma análoga ao “voto com os pés”, preconizado por Tiebout (1956), no qual as pessoas migrariam em procura de condições económicas mais favoráveis, as empresas da economia digital são “leves” e flexíveis o suficiente para procurar vantagens na concorrência fiscal em nível internacional.

Após esta breve discussão de diversos aspectos gerais da economia digital e dos seus efeitos na sociedade e nas políticas públicas, bem como a existência de diferentes caraterizações e posicionamentos entre os estudiosos do tema, torna-se importante entender melhor os mecanismos intrínsecos nos seus negócios e que geram esses efeitos. Desta forma, seguiremos, na próxima secção, com a análise desses mecanismos e características específicas dos negócios digitais, para depois aprofundarmos a discussão dos desafios apresentados nas áreas regulatória e tributária.

1.3 – Os Novos Modelos de Negócio da Era Digital

Como descrito na secção anterior, os novos modelos de negócios digitais levaram a uma transformação estrutural na economia, por meio do aumento da produtividade e inovação, ao mesmo tempo em que trazem desafios regulatórios aos governos nacionais. Nesta secção, vamos analisar em mais detalhe as principais características comuns desses novos negócios, as suas externalidades, e como estas acabam por representar uma rutura

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14 em relação aos negócios tradicionais, em áreas chave, como por exemplo, o papel do utilizador das plataformas na cadeia de geração de valor.

Ao analisar e categorizar diferentes tipos de negócios surgidos no âmbito da economia digital, a OCDE reconheceu a existência de um grupo de características específicas das empresas da economia digital, que incluem: (i) escala em jurisdições múltiplas sem presença física, (ii) dependência de ativos intangíveis e (iii) uso intensivo de dados e interações dos utilizadores (OECD, 2018a).

Embora o próprio fenómeno da globalização das economias tenha sido responsável pelo movimento de dispersão dos processos produtivos das grandes empresas em vários Estados, visando atingir mercados consumidores específicos ao mesmo tempo em que garantem custos competitivos de matérias primas e mão de obra, é inegável que esse desenvolvimento se acelerou com a digitalização das empresas. Neste novo modelo digital, não há relação direta entre a localização dos mercados consumidores e as sedes de negócio das empresas. Por meio de tecnologias que permitem a gestão remota dos negócios, empresas digitais podem ter uma participação importante na economia de vários Estados sem qualquer presença física significativa, resultando no que é geralmente designado como “escala sem massa” (Brynjolfsson et al., 2008), onde massa se refere à presença física no mercado consumidor. Essa tendência torna-se ainda mais forte no momento em que ainda estamos em uma fase inicial deste processo de digitalização, e que a popularização e a baixa de preço dos serviços de armazenagem e processamento em nuvem (cloud computing) de grandes empresas, tais como Amazon e Microsoft, permitirão que até mesmo pequenas e médias empresas tenham presença digital fora de suas jurisdições domésticas.

A análise também mostra que as empresas digitais são caraterizadas por um investimento crescente em intangíveis, incluindo patentes e outros tipos de propriedade intelectual. Para algumas delas, ativos intangíveis como software e algoritmos que suportam a operação das suas plataformas são peças centrais dos seus modelos de negócio. Porém, para além da utilidade destes ativos como parte do próprio modelo de negócio, a alocação e propriedade destes ativos dentro do mesmo grupo económico tem um papel fundamental em como os lucros da empresa estarão sujeitos à tributação. Algumas técnicas de planeamento fiscal das empresas digitais usam o pagamento de royalties destes ativos

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15 intangíveis entre subsidiárias do mesmo grupo, como forma de diminuir o lucro apurado e o consequente pagamento de impostos. Dischinger e Riedel (2011) descrevem o principal mecanismo utilizado, onde os ativos intangíveis (ex: patentes) da empresa são registados em subsidiárias localizadas em Estados com baixa tributação ou mesmo em paraísos fiscais. A partir daí, essas subsidiárias “vendem” os direitos de uso dessa propriedade intelectual às unidades de negócio da empresa situadas em Estados com tributação maior e recebem pagamentos pelos serviços na forma de royalties. Desta forma, a base tributária da empresa é movida para Estados de baixa (ou nenhuma) tributação por meio do aumento de custos dos ativos intangíveis. O combate a esse tipo de transação é ainda dificultado pelo facto de que esses ativos são de difícil valorização, tendo em vista que eles em geral não possuem equivalentes exatos no mercado, o que impede o estabelecimento de preços de transferência8 adequados.

O uso intensivo de dados e informações de navegação e participação dos utilizadores é outra característica comum nas empresas digitais. Isso traz, em princípio, efeitos positivos para as empresas e os próprios utilizadores na medida em que o uso dos dados recolhidos permite que essas mesmas empresas possam melhorar a sua oferta de produtos e serviços. É interessante notar que há um efeito de escala nesse caso: na medida em que a empresa consegue recolher mais informações sobre um utilizador ou consumidor, há uma maior geração de valor para esta. Ou seja, na medida em que os bancos de dados das empresas sejam capazes de recolher e processar mais dados dos utilizadores, usando, por exemplo, técnicas de Big Data, elas serão capazes de “vender” de uma forma mais eficaz anúncios personalizados. No caso das plataformas multilaterais, que serão descritas adiante neste trabalho, o aumento do número de utilizadores de um lado da plataforma, permite uma melhor coleta de dados e informações sobre as suas interações, que podem gerar maior valor aos anunciantes, do outro lado da plataforma. No entanto, esse processo de coleta intensiva de informações dos utilizadores por parte das plataformas digitais aumenta o seu

8 O preço de transferência é o preço a ser considerado entre pessoas vinculadas, e, em particular, entre

pessoas dentro de uma mesma empresa multinacional para as transações realizadas entre os seus membros (Tavolaro, 1999).

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16 poder de mercado, o que resulta em menor concorrência e em potenciais perdas de eficiência económica.

Ainda em relação à coleta de dados, pode-se notar também uma tendência a utilização crescente dos dados gerados de forma ativa pelo próprio utilizador, tendo em vista que os recolhidos de forma passiva, tais como o registo de cookies9, análise de

conteúdo de e-mails e históricos de navegação e localização do utilizador já são usados há bastante tempo. Entre as várias formas pelas quais os utilizadores compartilham dados ativamente, pode-se destacar a classificação de serviços recebidos, o envio de conteúdo como fotos e vídeos e os comentários e apreciações (ex: “likes” no Facebook) em redes sociais e fóruns de discussão. Embora o grau de utilização e dependência das empresas digitais em relação aos dados dos utilizadores para a viabilização de seus modelos de negócio varie, todas dependem em maior ou menor grau dessas informações. De um lado, temos as empresas que atuam como retalhistas digitais (ex: Amazon) que utilizam os dados coletados no seu site para a melhoria de sua operação e da oferta de serviços aos clientes; no outro extremo temos as redes sociais, para as quais os dados e interações do utilizador são o elemento central nos seus modelos de negócio, sem os quais elas provavelmente não sobreviveriam.

Na visão de Collin e Colin (2013), os dados compartilhados pelos utilizadores de forma ativa nas redes sociais e outras plataformas semelhantes configuram um “trabalho gratuito” (free labour), na medida em que os utilizadores despendem tempo e recursos na geração dessas informações para que sejam depois capturadas gratuitamente como insumo na cadeia de valor das empresas. Os autores vão ainda mais longe ao caraterizar um possível dilema ético por parte destas empresas, quando elas evitam pagar impostos nos Estados onde estão suas as bases de utilizadores, que “trabalham gratuitamente” para elas, principalmente quando se leva em conta a necessidade de gastos públicos (ex: provimento das redes de comunicação) para habilitar o uso das plataformas por parte destes utilizadores.

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17 Descritas as três características mais comummente associadas aos negócios digitais, sendo estas, a escala em jurisdições múltiplas sem presença física, a dependência de ativos intangíveis e uso intensivo de dados e interações dos utilizadores, é importante ressaltar que parte destas características, em especial, as duas primeiras são também observadas nos negócios tradicionais como parte do movimento geral de globalização das economias, embora estas tenham sido exacerbadas pela proliferação das empresas com negócios digitais. Já a última característica citada, o uso massivo de dados dos utilizadores, tem sido reconhecida como uma inovação característica das empresas digitais. Embora ainda não exista consenso internacional sobre em que medida os dados coletados representam um insumo na cadeia de valor das empresas ou uma mera transação de troca (barter

transaction) e, em que medida eles devam ser tributados, há o reconhecimento de que eles

moldam os modelos de negócio das empresas e impactam os mecanismos de agregação de valor (OECD, 2018a).

Enquanto a maioria dos académicos converge, em maior ou menor grau, para as características acima, há outras que são descritas por autores específicos. Destacamos a análise de Collin e Colin (2013) sobre o modelo de financiamento das empresas digitais, que é feito basicamente por meio de capitais de risco (venture capital) e molda algumas características destas empresas. Ao contrário dos investidores tradicionais, que esperam que a empresa tenha lucro operacional e que haja uma distribuição de dividendos, os capitalistas de risco não esperam pagamento de dividendos, mas sim mais valias, por vezes exponenciais, das ações destas empresas, em especial as que ainda se encontram na fase de

startups. Isso permite que as empresas montem modelos de negócio agressivos, procurando

a atração de um maior número possível de utilizadores, que em última instância é variável importante no valor dado às suas ações, sem se preocupar com eventuais prejuízos temporários, que serão futuramente revertidos numa oferta pública de ações (IPOs), aquisição por outras empresas ou mesmo um equilíbrio operacional quando a empresa já possuir uma base de utilizadores suficientemente grande e puder aplicar um modelo de negócio que melhor rentabilize os dados coletados destes. Os autores citam, a título de exemplo, o caso da Amazon, que obteve prejuízo operacional acumulado de US$ 3 mil milhões entre os anos 1995 e 2003, antes de passar a operar com lucro. Conclui-se, portanto, que o financiamento das empresas digitais por capitais de risco permite que estas

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18 operem de forma diferente das empresas tradicionais, que procuram lucro e minimização de riscos. Ao contrário, montam estratégias de negócio arriscadas e ambiciosas, procurando impacto significativo no setor onde operam e penetração rápida entre os utilizadores, mesmo que para isso tenham que operar com prejuízo no curto prazo.

Outra perspetiva útil na análise dos negócios digitais é o entendimento do ambiente em que essas empresas operam e a quais tipos de efeitos económicos e externalidades elas estão submetidas. Vários autores já se debruçaram nos últimos anos no estudo dos efeitos económicos da digitalização, de entre eles Goldfarb, Greenstein e Tucker (2015), para os quais as características dos mercados digitais não chegam a representar um ramo de estudo da Economia inteiramente novo, mas alertam que não basta simplesmente aplicar resultados teóricos e empíricos de outros mercados e esperar que as implicações sejam as mesmas, e Peitz e Waldfogel (2012), que fazem um estudo detalhado dos diferentes modelos de plataformas digitais e dos mecanismos económicos subjacentes. Num trabalho recente da OCDE (OECD, 2018a) são analisados alguns destes fenómenos comummente citados na literatura: os efeitos de rede diretos e indiretos, as economias de escala, os custos de troca e a complementaridade.

Os efeitos de rede diretos nos mercados digitais estão relacionados com o facto de que a utilidade de um produto ou serviço é geralmente dependente do número de utilizadores consumindo este mesmo produto ou serviço. Este efeito também é chamado às vezes de externalidade de rede ou externalidade de consumo. De entre as plataformas digitais que estão suscetíveis a esse efeito, podemos mencionar as redes sociais, para as quais a sua utilidade e valor crescem na medida em que aumentam a sua base de utilizadores. Pode-se notar que o contrário também é válido, ou seja, quanto menor a base de utilizadores, menor a utilidade para eles e mais difícil atrair novos utilizadores. Evans e Schmalensee (2016), descrevem esse interessante paradoxo do ovo e da galinha por meio do caso concreto da rede social de vídeos YouTube, que enfrentou dificuldades, no seu início, para convencer os seus utilizadores e fazerem upload dos vídeos, tendo em vista que não havia quase ninguém para assisti-los e também para atrair espetadores para os vídeos, já que havia um conjunto muito pequeno de vídeos para assistir.

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19 Já os efeitos de rede indiretos surgem quando há diferentes grupos de utilizadores numa plataforma e um (ou ambos) grupo beneficia da interação com o outro. Por exemplo, uma rede social, como o Facebook, que conecta utilizadores de um lado e anunciantes de outro, ou uma plataforma como o Uber, que conecta motoristas e passageiros. Esses efeitos estão por trás de uma imensa gama de serviços oferecidos por novas plataformas, desde as redes sociais até os aplicativos da chamada economia compartilhada. Eles são também um conceito chave para o entendimento do funcionamento das plataformas multilaterais (Rochet & Tirole, 2003), que serão analisadas mais à frente.

Os serviços digitais estão também sujeitos à presença de fortes economias de escala, devido ao caráter imaterial dos elementos envolvidos na geração desses serviços, em especial o software. Para o desenvolvimento dos softwares que compõem as plataformas digitais há um custo fixo relativamente alto em infraestrutura e trabalho humano, que se converte num custo marginal pequeno, ou às vezes nulo, assim que o trabalho de desenvolvimento é terminado e se inicia o trabalho de distribuição e/ou venda.

Outra característica importante das plataformas digitais, no que diz respeito ao relacionamento com os seus clientes e utilizadores, é a presença comum de custos de troca relevantes. O utilizador que já utiliza um determinado tipo de equipamento e sistema operacional específico para utilizar uma plataforma, pode por questões psicológicas e de aprendizagem, ou mesmo financeiras, evitar a troca por um novo equipamento e/ou sistema operacional diferente. O mesmo se dá em relação ao uso de serviços como e-mail e redes sociais, que são de difícil alteração devido a todo um histórico de dados pessoais e informações de contato já guardadas pelo serviço atual. Desta forma, há uma tendência dos utilizadores a se manterem fiéis a um dado tipo de equipamento e/ou serviço na medida em que seu uso inicial se mostrou satisfatório.

A complementaridade dos produtos e serviços é outra característica dos negócios digitais, na medida em que o consumidor consegue extrair mais utilidade no uso de dois ou mais produtos complementares de maneira simultânea. A título de exemplo, um utilizador de redes sociais, tais como o Facebook, consegue mais utilidade ao realizar o seu acesso por meio de um smartphone, onde ele poderá tirar fotos e gravar vídeos que serão compartilhados na própria rede social.

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20 A combinação dos efeitos acima descritos ajuda a entender algumas das dinâmicas dos mercados digitais, em especial o surgimento de várias plataformas. Estas crescem rapidamente e ganham uma escala global devido aos baixos custos marginais, atraem muitos utilizadores em virtude do efeito de rede e conseguem mantê-los na medida em que esses utilizadores querem evitar os custos de troca de aparelhos, sistemas operacionais ou aplicativos. Além disso, a complementaridade entre diferentes linhas de negócio, por exemplo, smartphones, sistemas operacionais e aplicativos, gera economias de escopo10 e

permite que as empresas possam expandir seu leque de atividades (Wu, 2010).

Antes de avançarmos na análise de como as características acima mencionadas impactam os modelos de negócio e a geração de valor das empresas digitais, vamos nos deter um pouco na discussão sobre as plataformas multilaterais.

1.3.1 – Mercados e Plataformas Multilaterais

Como visto na secção anterior, a existência dos mercados multilaterais está relacionada com os chamados efeitos de rede indiretos, verificados quando há uma plataforma que une diferentes tipos de utilizadores e um grupo se beneficia da interação com outro.

Um dado importante é que a economia digital, per si, não inventou as plataformas multilaterais, que têm sido um modelo de negócio existente há séculos. No seu livro “Matchmakers: The New Economics of Multisided Platforms”, Evans e Schmalensee (2016), remontam a origem desses mercados à organização de feiras de comércio na antiga Grécia e depois pela Idade Média. Neste caso, havia um casamento entre os feirantes e os compradores e a necessidade de cuidado, por parte dos organizadores da feira, na cobrança de alugueres e/ou taxas aos feirantes para que pudessem gerar um equilíbrio entre a oferta e variedade de produtos e a atração de clientes. Outros exemplos de mercados multilaterais tradicionais incluem os centros comerciais, sucessores das antigas feiras, os cartões de

10 As economias de escopo são caraterizadas pela diminuição dos custos comuns na oferta de produtos ou

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