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Narrativas sobre o imaginário social brasileiro: os pretos-velhos na umbanda carioca

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Academic year: 2021

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Narrativas sobre o imaginário social brasileiro: os

pretos-velhos na umbanda carioca

Sergio Henrique Nunes Pereira1 Monique Augras2

Este ensaio sugere um estudo de caráter exploratório que recai sobre o campo do imaginário social brasileiro, focalizando a umbanda e os “pretos-velhos”, que são personagens centrais na constituição e formatação dessa religião. Tem como objetivo traçar um esboço da identidade dos “pretos-velhos”; demarcar seus papéis no campo religioso e assinalar o tipo de relação entre esses e os “crentes”. O trabalho ora proposto refere-se a um recorte de uma pesquisa de mestrado realizada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, sob a orientação da prof.ª Dr.ª Monique Augras, no ano de 2006.

Toma-se como marco inicial dessa reflexão a Psicologia da Cultura. Essa, não consiste em uma escola academicamente instituída, mas reúne, sob esta chancela, os esforços de alguns autores em pensar a psicologia, lançando olhares sobre aspectos sociais e históricos específicos para a compreensão do indivíduo. Augras (1995) demarca que foi Marcel Mauss que, questionando os postulados, teóricos e metodológicos, universais das escolas clássicas da psicologia, introduziu as bases da Psicologia da Cultura. Contudo, o termo Psicologia da Cultura, como explica essa autora, foi criado por Melville Herskovits. Para o cientista social, o fenômeno de enculturação informa ao indivíduo o habitus da sociedade, criando condições de sua adaptação à sociedade da qual é membro, ou seja, a troca com a cultura lhe dá formas de estar na sociedade, formas de ser, de individualidade. A partir disso, ancora-se essa discussão em autores das ciências sociais, e, em contribuições do psicanalista britânico Donald Woods Winnicott.

1

Doutorando em Psicologia. Universidade Católica de Brasília.

2

Docente e pesquisadora aposentada. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

Português

(2)

A partir das produções acadêmicas revisitadas, percebe-se o lugar secundário atribuído à umbanda no campo religioso afro-brasileiro. Por um lado, tal posição se apoia, no mito de pureza dos candomblés de tradição “gêge-nagô” engendrado pelos estudos pioneiros de Nina Rodrigues (1977), Arthur Ramos (1988), Edison Carneiro (1981), e, mais tarde, os de Roger Bastide (1971). Para esses autores, as demais tradições religiosas, especialmente as dos negros bantos, eram apresentadas como “degradadas”, de uma “ritualística empobrecida”, produtos de um sincretismo no qual as culturas mais adiantadas eram absorvidas pelas mais atrasadas. Observa-se que essa busca de legitimação no campo religioso, remete a disputa no mercado de “bens simbólicos” discutida por Bordieu (2004). Por outro lado, nas comunidades umbandistas, que muitas vezes coincidem com as populações subalternas, essas parcelas rejeitadas de nossa população ganham voz e vez e denunciam a injustiça social, sendo assim, relegar a umbanda a um lugar secundário pode ser pensado como uma estratégia para calar a voz dos oprimidos, um jogo de combate entre “fortes” e “fracos” tal como Certeau (1994) sugere.

Aponta-se para a multiplicidade de fatores na constituição e formatação da umbanda no campo religioso brasileiro, tais como as condições socioeconômicas surgidas com o término da escravidão e na ascensão da indústria na região Sudeste indicadas por Bastide (1971) e Ortiz (1975). E ainda os interesses políticos que refletem a busca de poder tanto por parte dos umbandistas quanto do Estado revelados por Brown (1985) e Negrão (1993). Sendo assim, destaca-se que a umbanda se caracteriza no entrecruzamento de complexas redes de relações endógenas e exógenas ao interior desse campo.

Os “pretos-velhos” figuram como ancestrais, espíritos familiares, identificados pelos crentes como “avós”, personagens amorosos e cuidadosos. A partir disso, propõe-se a umbanda como um ambiente sóciocultural “suficientemente bom”, que favorece aos indivíduos afro-brasileiros um espaço potencial criativo; os “pretos-velhos”, por sua vez, são tomados como figuras de cuidado, que reeditam o manejo (handling) e a sustentação (holding) próprias do cuidado da mãe para com o seu bebê, nos termos de Winnicott (1983; 1990; 1997; 2000), e tal como discutem Guimarães (2001; 2005) e Campos (2005). Quanto à metodologia utilizada na pesquisa, deu-se da seguinte forma: a pesquisa constituiu-se de dois momentos. No primeiro, realizou-se uma breve revisão histórica dos

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estudos produzidos no Brasil sobre as religiões afro-brasileiras, nesse último século. Fez-se recortes no Fez-sentido de apreFez-sentar as diferentes e principais categorias de explicação dessa temática atentos, sobretudo, às páginas dedicadas à umbanda, que foi o campo de pesquisa elegido. O segundo se marcou pela entrada no campo: esteve-se em uma dezena de casas de umbanda e candomblés com atividades de umbanda, onde sabíamos da presença dos “pretos-velhos”. As casas foram eleitas circunstancialmente; acompanhamos três casas, em subúrbios da cidade do Rio de Janeiro: sendo uma, congregação espiritualista de inspiração oriental; a outra, uma casa de candomblé de nação Angola, e a última, identificada como uma casa de umbanda africanizada, foi onde realmente desenvolvemos maior parte da pesquisa.

A coleta de dados se deu em forma de entrevistas semiestruturadas, observações gerais do campo, e, registros fotográficos, oblíquos a uma postura fenomenológica. Realizou-se um total de dez entrevistas. A atenção em campo recaiu sobre três aspectos. Primeiro: marcar uma identidade dos pretos-velhos, na verdade, uma caracterização de quais elementos os individualizam (nome, história, atribuições, desdobramentos); segundo: localizar o papel religioso que os “pretos-velhos” estão desenvolvendo no campo das religiões afro-brasileiras e terceiro: que tipo de relação se estabelece entre os “pretos-velhos” e os “crentes”.

Conclui-se que a umbanda com suas entidades negras e mestiças, suas crenças católicas, espíritas e mágicas diversas, seus sabores, cores, cantos, danças etc. revela a riqueza componente do imaginário social brasileiro. No seio umbandista, os “pretos-velhos” gozam de grande prestígio, e, são extensos e diversos os seus domínios. Eles são presentes na vida dos seus “descendentes”, seja onde estiverem, seja em qual situação for. Os seus nomes também são comuns, nomes iguais aos tantos que os procuram, o que não deixa de suscitar um clima de “familiaridade”, entre as “entidades” e os “crentes”. Na atuação da comunidade religiosa e, especialmente, na atuação dos “pretos-velhos”, pode-se identificar a reedição do “espaço potencial” que, através da dinâmica suporte-limite, permite aos indivíduos afro-brasileiros a reconstrução continuada de um Eu criativo e inovador. Estabelece-se que a umbanda retrata a nossa sociedade global, enquanto sua negação reporta ao desejo de dissimular os aspectos de desigualdade social que traz em seu bojo. Contudo, a umbanda não é uma religião essencialmente de pobres, vê-se grande parcela de umbandistas saídos dos estratos

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médios de nossa sociedade. Sendo assim, a demanda que chega aos “pretos-velhos” não é só de caráter social, mas afetivo e também existencial, o que permite que a religião dos “pretos-velhos” apareça em estratos tão diferenciados. Por fim, observa-se que o caráter multifacetado da umbanda assinala a força do imaginário construído e reconstruído continuamente para dar conta dessas demandas, não só pelos aparatos simbólicos que oferece, mas especialmente pela sustentação afetiva encontrada na figura dos “pretos-velhos”.

Teve-se como objetivo realizar um estudo exploratório sobre os pretos-velhos, sobretudo, circunscrito ao campo umbandista, e assinalar elementos que compõem a identidade social dessas personagens, e, como isso, na dinâmica religiosa, repercute na construção da subjetividade dos crentes.

Palavras-Chave: Psicologia da Cultura, Umbanda, pretos-velhos, imaginário social,

manejo social

Agência Financiadora: CAPES-PROSUP.

REFERÊNCIAS

AUGRAS, Monique. Psicologia e Cultura- Alteridade e Dominação. Rio de Janeiro: Nau, 1995.

_________________. “Mil Janelas”: Teóricos do Imaginário. In: Psicologia Clínica. Rio de Janeiro, v.12, n.1, p.107-131, 2000.

_________________. A segunda-feira é das almas. In: Brasilis - Revista de Filosofia e Ciências Humanas. Rio de Janeiro, v. 2, n. 1, p. 49-60, 2005

BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil - Contribuição a uma sociologia das interpenetrações de civilizações. São Paulo: Pioneira, 1971.

BERGER, Peter Ludwig; LUCKMAN, Thomas. A construção social da realidade. Petrópolis, Vozes, 1985.

BERGER, Peter Ludwig. O dossel sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião. São Paulo: Paulus, 1985.

BOURDIEU, Pierre. A economia das trocas simbólicas. São Paulo: Perspectiva, 2004. BROWN, Diana. Uma História da Umbanda no Rio. In: BROWN, Diana, NEGRÃO, Lísias et al (orgs.). Umbanda e política. Rio de Janeiro: Marco Zero, 1985.

CARNEIRO, Edison. Religiões Negras-Negros Bantos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981.

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CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1-artes de fazer. Petrópolis: Rio de Janeiro, 1994.

DANTAS, Beatriz Góis. Vovó Nagô e papai branco - Usos e abusos da África. Rio de Janeiro: Graal Ltda., 1988.

GEERTZ, Clifford. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: LTC, 1989.

NEGRÃO, Nogueira Lísias. Umbanda e questão moral: formação e atualidade do campo umbandista em São Paulo. 1993. 235 f. Tese apresentada à faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, São Paulo.

RAMOS, Arthur. O negro brasileiro. Recife: Massangana, 1988.

WINNICOTT, Donald. A família e o desenvolvimento individual. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

__________________. Da pediatria à psicanálise – Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Imago, 2000.

__________________. Natureza humana. Rio de Janeiro: Imago, 1990.

__________________. O ambiente e os processos de maturação. Porto Alegre: Artmed, 1983.

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