Semana de Arte
Moderna
Há duas espécies de artistas. Uma composta dos que veem normalmente as coisas e em consequência disso fazem
arte pura, guardando os eternos ritmos da vida, e adotados para a concretização das emoções estéticas, os processos clássicos dos grandes mestres. (...) A outra espécie é
formada pelos que veem anormalmente a natureza, e
interpretam-na à luz de teorias efêmeras, sob a sugestão estrábica de escolas rebeldes, surgidas cá e lá como
furúnculos da cultura excessiva. São produtos do cansaço e do sadismo de todos os períodos de decadência: são
frutos de fins de estação, bichados ao nascedouro.
Sejamos sinceros: futurismo, cubismo, impressionismo e tutti quanti não passam de outros tantos ramos da arte caricatural.
(...)
Ode ao Burguês (Mário de Andrade) Eu insulto o burgês! O burguês-níquel, o burguês-burguês!
A digestão bem feita de São Paulo! O homem-curva! o homem-nádegas!
O homem que sendo francês, brasileiro, italiano, é sempre um cauteloso pouco-a-pouco!
Eu insulto as aristocracias cautelosas!
os barões lampiões! os condes Joões! os duques zurros! que vivem dentro de muros sem pulos,
e gemem sangues de alguns mil-réis fracos
para dizerem que as filhas da senhora falam o francês e tocam os "Printemps" com as unhas!
Eu insulto o burguês-funesto!
O indigesto feijão com toucinho, dono das tradições! Fora os que algarismam os amanhãs!
Olha a vida dos nossos setembros! Fará Sol? Choverá? Arlequinal!
Morte à gordura!
Morte às adiposidades cerebrais Morte ao burguês-mensal!
ao burguês-cinema! ao burguês-tílburi! Padaria Suissa! Morte viva ao Adriano! "_ Ai, filha, que te darei pelos teus anos? _ Um colar... _ Conto e quinhentos!!!
Mas nós morremos de fome!"
Come! Come-te a ti mesmo, oh! gelatina pasma! Oh! purée de batatas morais!
Oh! cabelos nas ventas! oh! carecas! Ódio aos temperamentos regulares!
Ódio aos relógios musculares! Morte à infâmia! Ódio à soma! Ódio aos secos e molhados!
Ódio aos sem desfalecimentos nem arrependimentos, sempiternamente as mesmices convencionais!
De mãos nas costas! Marco eu o compasso! Eia! Dois a dois! Primeira posição! Marcha!
Ódio e insulto! Ódio e raiva! Ódio e mais ódio! Morte ao burguês de giolhos,
cheirando religião e que não crê em Deus! Ódio vermelho! Ódio fecundo! Ódio cíclico! Ódio fundamento, sem perdão!
Poética (Manuel Bandeira)
Estou farto do lirismo comedido Do lirismo bem comportado
Do lirismo funcionário público com livro de ponto expediente
protocolo e manifestações de apreço ao Sr. diretor.
Estou farto do lirismo que pára e vai averiguar no dicionário
o cunho vernáculo de um vocábulo. Abaixo os puristas
Todas as palavras sobretudo os barbarismos universais Todas as construções sobretudo as sintaxes de
exceção
Estou farto do lirismo namorador Político
Raquítico Sifilítico
De todo lirismo que capitula ao que quer que seja fora de si mesmo
De resto não é lirismo
Será contabilidade tabela de co-senos secretário do amante
exemplar com cem modelos de cartas e as diferentes maneiras de agradar às mulheres, etc
Quero antes o lirismo dos loucos O lirismo dos bêbedos
O lirismo difícil e pungente dos bêbedos O lirismo dos clowns de Shakespeare
Pneumotórax
Febre, hemoptise, dispnéia e suores noturnos. A vida inteira que podia ter sido e que não foi. Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico: — Diga trinta e três.
— Trinta e três . . . trinta e três . . . trinta e três . . . — Respire.
... — O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
— Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax? — Não. A única coisa a fazer é tocar um tango
argentino.
INSPIRAÇÃO
São Paulo! comoção da minha vida...
Os meus amores são flores feitas de original... Arlequinal!... Traje de losangos... Cinza e Ouro... Luz e bruma... Forno e inverno morno...
Elegâncias sutis sem escândalos, sem ciúmes... Perfumes de Paria... Arys!
Bofetadas líricas no Trianon... Algodoal! São Paulo! comoção de minha vida...
Relicário
No baile da corte
Foi o conde d’Eu quem disse Pra Dona Benvinda
Que farinha de Suruí Pinga de Parati
Fumo de Baependi
É comê bebê pitá e caí
Oswald de Andrade
brasil
O Zé Pereira chegou de caravela
E perguntou pro guarani da mata virgem - Sois cristão?
- Não. Sou bravo, sou forte, sou filho da Morte Teterê tetê Quizá Quizá Quecê!
Lá longe a onça resmungava Uu! ua! uu! O negro zonzo saído da fornalha
Tomou a palavra e respondeu - Sim pela graça de Deus
Canhem Babá Canhem Babá Cum Cum! E fizeram o Carnaval
Ruptura com o academismo, com o passado tradicional Liberdade de criação
Versos livres (Versilibrismo)
Linguagem coloquial
Prosaísmo (valorização do cotidiano)
Rompimento com a sintaxe (desrespeito às regras gramaticais)
Humor, ironia, irreverência
Poema- pílula
Paródia