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Processo

90/19.2T8PRG.G1-A.S1

Data do documento 22 de junho de 2021

Relator

Luís Espírito Santo

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA | CÍVEL

Acórdão

SUMÁRIO

I- Tendo sido fixado à presente acção, através de despacho transitado em julgado, valor não superior ao da alçada do Tribunal de que recorre (o Tribunal da Relação de Guimarães), o acórdão recorrido não é impugnável, não admitindo por isso recurso de revista.

II- Trata-se de uma realidade objectiva e incontornável com a qual a reclamante insiste em não se conformar, mas que tem a sua resposta na imposição da lei processual civil em matéria de alçada (artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil).

III- Havendo a ora recorrente aceite implicitamente o valor da causa fixado, sem se preocupar em discutir, na altura, se mesmo se encontrava, ou não, de acordo com, os critérios legais aplicáveis (concretamente, a não tomada em consideração, para estes efeitos, do pedido de condenação da Ré nos juros vencidos), não poderá agora proceder a tal impugnação que no momento processualmente omitiu, em conformidade com os princípios do dispositivo e da auto-responsabilização das partes.

IV- A existência de limites à possibilidade de interposição de recurso de todas as decisões até à última instância é perfeitamente conforme à Constituição da República Portuguesa.

TEXTO INTEGRAL

Processo nº 90/12.2T8PRG.G1

Acordam, em Conferência, os Juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Sessão).

Apresentada a presente reclamação contra a não admissão do recurso de revista, ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, foi então proferida a competente decisão singular nos seguintes termos:

“Veio Sociedade Agrícola Quinta da Capela, S.A., apresentar recurso de revista contra o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 21 de Janeiro de 2021, confirmativo da decisão de 1ª instância que a havia condenado no pagamento à A. da quantia de € 20.100,00 (vinte mil e cem euros),

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bem como nos correspondentes juros moratórios, vencidos desde 24 de Julho de 2009 e vincendos, às taxas em cada momento em vigor, até integral pagamento.

À presente acção foi fixado, no âmbito do despacho saneador, o valor de € 20.100,00 (vinte mil e cem euros), que não foi objecto de qualquer impugnação.

Foi proferido o seguinte despacho de não admissão da revista pelo respectivo Juiz Desembargador relator:

“Requerimento referência …..: vem a R. em primeiro lugar apresentar recurso de revista para o STJ invocando os artºs. 627º, 629º, 631º, 637º, 638º, 639º, 671º, e 674º, nº. 1, a) e c), e nº. 3, do C.P.C., com subida nos autos e efeito devolutivo face aos artºs. 675º, nº. 1, e 676º, do C.P.C..

Dispõe o artº. 629º, nº. 1 do C.P.C. que “O recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, atendendo-se, em caso de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, somente ao valor da causa.“

A alçada é o limite de valor até ao qual o tribunal julga sem recurso ordinário, logo, e em princípio, a parte vencida na decisão apenas poderá recorrer da mesma se o valor do respectivo processo ou incidente em que se insere o recurso exceder a alçada do tribunal que proferiu a decisão recorrida (sendo €5.000,00, valor da alçada dos Tribunais de 1ª instância em matéria cível, e € 30.000,00 o valor da alçada dos Tribunais da Relação em matéria cível – cfr. artigo 44º, n.º 1 da LOSJ) sendo que, para se aferir a admissibilidade do recurso, a alçada é regulada pela lei em vigor ao tempo em que foi instaurada a acção;

e se, além disso, se verificar o seu decaimento/sucumbência em, pelo menos, metade dessa alçada.

Isto significa que estando em causa uma decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância é suposto para que seja admissível recurso ordinário da decisão recorrida que a causa ou incidente em que se insere o recurso tenha valor superior a € 5.000,00 e que a decisão seja desfavorável ao recorrente em, pelo menos, mais de metade daquele valor, ou seja, €2.500,01, sendo este o valor mínimo da sucumbência para efeito de recurso, de decisão proferida por tribunal de 1ª Processo: 90/19…….

No caso do acórdão da Relação, é suposto que a causa tenha valor superior a € 30.000,00 e que a decisão seja desfavorável ao recorrente em mais de metade daquele valor, ou seja, pelo menos em € 15.000,01.

A admissibilidade de recurso está por isso dependente da verificação cumulativa destes dois pressupostos jurídico-processuais:·o valor da causa tem de exceder a alçada do tribunal de que se recorre; e a decisão impugnada tem de ser desfavorável para o recorrente em valor também superior a metade da alçada do tribunal que decretou a decisão.

A alçada é o limite (definido em regra pelo valor da causa) dentro do qual um tribunal julga sem possibilidade de recurso ordinário. A sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte. Conforme Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, pag. 390/91 da 4ª edição) “Na Relação cumpre ao relator proceder tão só a uma primeira apreciação dos aspectos gerais referidos no art. 641.º, devendo rejeitar o recurso se acaso verificar a falta dos pressupostos gerais em torno da tempestividade, da legitimidade ou da recorribilidade em face dos arts.

629.º, n.º 1, e 671.º, n.º 1, se faltarem as alegações ou se nestas tiverem sido omitidas as respectivas conclusões (art. 641.º, n.º 2, b))”.

No caso dos autos, ao processo no âmbito do qual a decisão recorrida foi proferida, foi fixado o valor de €

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20.100,00 por despacho de 30/5/2019, transitado e que não foi alterado por despacho posterior, nem tal questão foi sequer suscitada. De referir ainda que o artº. 12º, nº. 2, do RCP respeita ao valor processual dos recursos, e aplica-se apenas para efeitos de valor de taxa de justiça a liquidar (-para que seja menor do que resultaria do valor da ação).

Não se verificando o primeiro pressuposto, e não estando em causa nenhuma das situações previstas no artº. 629º, nºs. 2 ou 3, do C.P.C. em que é sempre admissível recurso, o mesmo no caso concreto dos autos não é admissível.

Isto posto, não se admite o recurso de revista para o STJ –artº. 629º, nº. 1, do C.P.C.”

Reclamou Sociedade Agrícola Quinta da Capela, S.A., ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil.

Apresentou as seguintes conclusões:

1a A presente reclamação é deduzida do despacho de relator, proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães de indeferimento de recurso de revista interposto pela aqui Recorrente para o Supremo Tribunal de Justiça.

2a Do douto despacho consta que, como no caso dos presentes autos foi fixado o valor de 20.100,00€, por despacho de 30/05/2019, transitado e não alterado por despacho posterior, não se mostram verificados os pressupostos exigidos cumulativamente pelo art. 629°, n° 1 do CPC, bem como também não se mostram verificadas as situações previstas nos n°s 2 ou 3 do referido artigo, pelo que o recurso de revista não é admissível.

3a A Reclamante não se conformando com o Acórdão do Tribunal da Relação ….. que julgou o recurso improcedente e, em consequência, negou provimento à apelação, confirmando a sentença recorrido, dele interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça com fundamento na alínea a) e c) do n° 1, e do n° 3 do art. 674° do CPC, pois entende haver violação, por erro de aplicação e de interpretação, do disposto nos artigos 376° e 393° do Código Civil e o artigo 414° e 607°, n° 4 e 5 do Código de Processo Civil, bem como nulidade prevista na alínea d), do n° 1 do artigo 615° do CPC, e ainda erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa.

4a Contudo, não se pode conformar a Reclamante com tal despacho de indeferimento do recurso, visto que, e com o devido respeito, não assiste razão ao douto Tribunal da Relação de Guimarães que ao decidir da forma exposta, fez incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso em concreto, além do despacho padecer de nulidade por omissão de pronúncia, por ter deixado de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, nos termos do art. 615°, n° 1, ai. d) do CPC, ex vi art. 666° do mesmo diploma legal, como a seguir se vai demonstrar.

5ª É sabido que qualquer acto jurisdicional, nomeadamente uma sentença ou mesmo um despacho, pode atentar contra as regras próprias da sua elaboração e estruturação ou contra o conteúdo e limites do poderà sombra do qual é decretado e, então, torna-se passível de nulidade, nos termos do artigo 615°, n° 1 do Código de Processo Civil.

6a Nestes termos, a Reclamante visa imputar ao despacho de não admissão do recurso reclamado, a nulidade decorrente da alínea d) do citado normativo - a qual se reconduz a um vício de conteúdo, na enumeração de J. CASTRO MENDES, Direito Processual Civil, III, 1980, p. 302 a 306, ou seja, vício que

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enferma a própria decisão judicial em si, nos fundamentos, na decisão, ou nos raciocínios lógicos que os ligam - nulidade essa que terá de ser aferida tendo em consideração o disposto no artigo 608.°, n.° 2 do CPC.

7a Salvo o devido respeito, o despacho de não admissão do recurso de revista violou o disposto no art.°

608°, n.° 2 do CPC, o que é causa de nulidade do despacho, nos termos do art.° 615° n.° 1, alínea d), do CPC.

8a O dever de fundamentação das decisões e dos despachos que não sejam de mero expediente decorre do n.° 1 do art.° 205° da Constituição, e tem consagração na lei ordinária no art.° 154° do CPC.

9a Estamos, assim, perante os casos que Alberto dos Reis chama de omissão de pronúncia (cfr. obra supracitada, pág.142/143 e ainda o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 06/05/2004 (P° 04B1409), acessível na Internet, no sítio www.dgsi.pt) e que consiste no facto de a sentença não se pronunciar sobre questões de que o tribunal devia conhecer, atento o disposto no art.° 608°, n°2 do CPC.

10a Ora, no referido despacho, o Tribunal da Relação deixou de apreciar todas as questões suscitadas pela Reclamante, nomeadamente, quanto ao facto de, sem prescindir, e subsidiariamente, caso não fosse admitido o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, sempre se deduzia reclamação para a conferência.

11a Tal como anteriormente referido, foi a Reclamante notificada do despacho de não admissão de recurso de revista, porquanto entendeu o douto Tribunal que não se encontram verificados os pressupostos exigidos pelo art. 629°, n° 1, nomeadamente o valor da acção ser superior à alçada da Relação e o valor da sucumbência ser superior a metade dessa alçada.

12a No entanto, entende a Reclamante que não assiste razão no despacho de indeferimento de recurso, tendo o Tribunal incorrido, para além da nulidade anteriormente arguida, em errada interpretação e aplicação do direito ao caso em concreto.

13ª Decorre da sentença, como facto provado, que o Autor concluiu os trabalhos de construção de um armazém destinado a adega, no dia 24 de Julho de 2009, altura em que os entregou à Ré/Reclamante e esta os aceitou, sendo que o preço da empreitada foi pago, mas apenas parcialmente, tendo ficado por pagar o montante de € 20.100,00.

14a Neste seguimento, decidiu o Tribunal de 1ª Instância julgar a acção inteiramente procedente e, em consequência, condenou a Ré/Reclamante ao pagamento da referida importância de 20.100,00€, acrescida de juros moratórios, vencidos desde 24 de Julho de 2009 (data da realização da obra) e vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento.

15a Verifica-se que a Mma Juiz, e salvo o devido respeito, contabilizou erradamente os juros devidos desde a data da conclusão da obra, isto é, desde o dia 24/07/2009, quando, deveria contabilizar desde a data da citação da Ré/Reclamante, ou seja, desde o dia 13/03/2019, visto que apenas nessa data foi a Recorrente interpelada para o pagamento.

16a Sobre esta questão, veja-se o n° 2 do artigo 566° do CC, donde consta que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos.

17a E ainda o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n° 1770/03, de 04-11-2003, que é

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claro ao afirmar que, e passando a transcrever:

“O que a lei diz (...) é que «a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem os danos» (artigo 566", n. "2 do Código Civil). Logo, tudo está em saber que juízo foi feito na própria sentença, para se concluir que a indemnização por estes danos foi calculado de acordo com esta teoria da diferença.

III Assim, se o dano (patrimonial ou moral) foi, expressa e demonstrativamente, atualizado de acordo com a teoria da diferença, os juros moratórios são devidos desde a sentença.

IV. Se o não foram, então os juros são devidos desde a citação, ainda que o montante do dano seja atualizado com os índices de desvalorização monetária, porque, neste caso, o valor recente corresponde ao valor antigo".

18a Assim, do confronto com a sentença, claramente se verifica que a Mma Juiz contabilizou, erradamente, os juros devidos desde a data da conclusão da obra, ou seja, desde o dia 24/07/2009, quando deveria contabilizar desde a data da citação da Ré/Reclamante, isto é, desde o dia 13/03/2019, pois só aí foi a Reclamante interpelada.

19a Ainda assim, e caso dessa forma não se entenda, para aferição do cumprimento dos pressupostos exigidos para interposição do recurso, como sejam o valor da causa e da sucumbência - fundamentos de rejeição do recurso de revista, constantes do despacho que se reclama - cumpre analisar algumas questões.

20a Decorre do art. 296º do CPC, relativamente à atribuição de valor à causa e sua influência, que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica do pedido, logo, da leitura deste preceito legal constata-se que o valor da causa tem de corresponder à utilidade económica de todos os interesses que se discutem no processo, e que pela acção se pretende obter.

21a Ou seja, o valor da acção é o da utilidade económica do pedido a determinar tendo em conta, em conjunto, o pedido e a causa de pedir, tal significando que a fixação do valor da causa se deve reportar ao pedido, tal como foi, concretamente, formulado pelo autor.

22ª Nesse seguimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n°

2269/17.2T8BRG-A.G1, de 14/06/2018 que dispõe que para a determinação do valor da acção, que equivale à utilidade económica imediata do pedido, há que atender ao concreto pedido formulado e, não bastando a análise do pedido, tem de se atentar ao que resulta dos factos integrantes da respetiva causa de pedir.

23a E ainda Salvador da Costa, in Os Incidentes da Instância, 2013, 6a edição, p. 19, quando diz que no caso de não bastar para o efeito, a análise do pedido, deve ter-se em conta o que resulta do confronto dele com a respetiva causa de pedir e que para se determinar o valor da causa e se os pedidos são ou não distintos, deve atender-se à estrutura destes, aos interesses que os litigantes se propõem fazer valer e aos efeitos jurídicos que visam conseguir.

24a Ora, o Autor com a presente ação declarativa de condenação, veio peticionar a condenação da Ré/Reclamante no pagamento da quantia de 20.100,00€, bem como de juros vincendos à taxa legal, desde

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24/07/2009 até integral pagamento.

25ª Tendo sido fixado, nos presentes autos, o valor da acção de € 20.100,00, valor esse fixado tendo em conta o montante que, alegadamente, ficou em dívida face ao preço da empreitada para construção de armazém destinado a adega.

26a Atentando-se ao interesse que o Autor pretende fazer valer com esta acção e aos efeitos jurídicos que visa conseguir, facilmente se demonstra que, em caso de condenação da aqui Reclamante, ao valor peticionado de 20.100,00€, irão acrescer os juros devidos desde a data da conclusão da obra, que se reportam ao ano de 2009.

27a E assim, o valor da utilidade económica do pedido, e consequentemente o valor da causa, deixa de corresponder aos inicialmente peticionados 20.100,00€, passando, ao invés, a corresponder à soma desse montante e dos juros devidos.

28a Logo, será a esse valor apurado através da soma dos montantes supra mencionados a que se deverá atender para efeitos de admissibilidade de interposição de recurso.

29ª Nessa parte, dispõe o artigo 629°, n° 1 do CPC, que o recurso ordinário apenas é admissível quando, por um lado, a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e, por outro, a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (com exceção dos casos previstos no n° 2 do referido artigo).

30a Para verificarmos se a quantia final a pagar pela Reclamante ao Autor é ou não superior à alçada do Tribunal da Relação …. e, em caso afirmativo, se o presente recurso de revista deveria ou não ser admitido, ter-se-á de recorrer a um simples cálculo matemático, que se consubstancia no seguinte,

31a Adicionando a quantia de 17.100,43€, enquanto juros devidos desde a data de 24/07/2009, tal qual foi decidido e determinado na sentença, à quantia de 20.100,00€, tal como peticionado pelo Autor, a Reclamante terá de pagar, a final, a quantia de 37.200,436,

32a O que faz com que a quantia final a pagar pela Reclamante ao Autor seja superior ao valor da alçada do tribunal de que se recorre.

33a Resultando, assim, uma condenação em valor que lhe permite interpor recurso de revista.

34ª A presente ação é de valor superior a 30.000,00€, que é a alçada dos Tribunais da Relação, e o valor da sucumbência ou decaimento assume igual valor, visto que o recurso de apelação foi julgado totalmente improcedente.

35a Portanto, a Reclamante entende que ao valor da causa/ação, deverá ser tido em conta o valor dos juros, desde a data da conclusão da obra, tal como ficou decidido em sentença, até integral pagamento, visto que, a final, o pedido de condenação em juros constitui objeto próprio da ação declarativa, emergindo da controvérsia, logo, correspondente com o pedido principal, feito pelo Autor.

36a Reforça a Reclamante que, tal pedido de condenação em juros deve, efetivamente, revelar para a determinação da causa, bem como deve ser tido em conta para se achar o valor da acção e do decaimento do pedido, com vista a apurar se a decisão é recorrível ou não.

37ª Face aos critérios referidos e ao valor apurado da acção de 37.200,436, e ao valor da sucumbência/decaimento, verifica-se que estão preenchidos os requisitos de admissibilidade de interposição do recurso de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme prevêem os artigos 629°,

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n° 1 e 671°, n 1, ambos do CPC.

38a Pelo que, o valor da presente causa deveria, assim, determinar-se pelo somatório dos valores indicados pelo Autor (20,100,00€ + juros desde 24/07/2009) e, em consequência a reclamação terá de ser julgada procedente.

39a A Reclamante não compreende a não admissão do recurso interposto com sustento em não verificação do requisito do valor e da sucumbência, que se afigura manifestamente ilegal, violando os princípios da legalidade, da igualdade, da realização da justiça, da certeza e segurança jurídicas, plasmados na Constituição da República Portuguesa, como adiante se explanará.

40a Em último caso, sempre se dirá que, no entendimento da Reclamante, a interpretação feita no despacho reclamado, quanto ao valor da causa, veda o acesso aos graus de jurisdição superiores, violando assim os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva conjugado com o princípio da proporcionalidade, consagrados nos artigos 2.°, 18.°, n.° 2, 2.a parte, e 20.° da Constituição da República Portuguesa.

41a Ora, a Constituição da República Portuguesa consagra o direito a um duplo grau de decisão nas decisões condenatórias e daqueles casos em que a lesão dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos, é diretamente imputável, em primeira linha, a uma atuação ou decisão dos tribunais.

42a Nesta matéria, e como ensina José Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil Anotado, V, Coimbra Editora, 1984, p. 375 (que remonta a questão à Revolução Francesa que proclamou, entre outros princípios, o do duplo grau de jurisdição) para assegurar quanto possível a justiça da decisão, convém que, em regra, o pleito passe pelo exame sucessivo de dois tribunais de categoria diferente, sendo que depois de julgada a causa, por determinado tribunal, importa que ela seja submetida, ainda, à consideração e apreciação de outro tribunal de categoria superior.

43ª E, assim sendo, entende a Reclamante que há-de considerar-se constitucionalmente garantido - ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático - o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais, não podendo deixar de considerar-se necessária ao menos a garantia de um grau de recurso (e, portanto, de um duplo ou triplo grau de jurisdição) como componente inerente ao regime constitucional das garantias dos direitos fundamentais constitucionais.

44a Do confronto com o art. 20° da CRP e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n°

976/12.5TBALM-C.L1-6, de 10-10-2019, retiramos que este direito de acesso aos tribunais, para a defesa dos direitos e interesses legítimo, é um direito a uma solução jurídica dos conflitos, direito esse que se há- de exercer em condições de plena igualdade.

45a Mas terá este acesso aos tribunais que ser assegurado sempre em mais de um grau de jurisdição? Ora, entende a Reclamante que sim, pelas razões acima apontadas e ainda pelo facto de que, conforme continua o supra mencionado acórdão, achando-se constitucionalmente garantido o direito de acesso aos tribunais e prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso, daí há-de decorrer que o legislador, embora disponha de uma margem de liberdade no tocante à definição das decisões suscetíveis de serem impugnadas por via de recurso, não pode eliminar a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, nem inviabilizar na prática essa faculdade.

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46a Em suma, é do entendimento da Reclamante que no art. 20° da CRP está consagrada a garantia da via judiciária ou da tutela jurisdicional, que se desdobra em dois aspetos: por um lado, o legislador ordinário terá de assegurar a todos os cidadãos, sem qualquer discriminação, o acesso a um grau de jurisdição, considerado como tutela jurisdicional mínima; e, por outro, garante»se que, sempre que o legislador ordinário estabelecer graus de jurisdição, deverá igualmente garantir, sem discriminações, o acesso a todos esses graus.

47ª Estando previsto, nos artigos 671° e seguintes do CPC, a revista para o Supremo Tribunal de Justiça, do Acórdão da Relação, proferido sobre decisão da 1ª instância, entende a Reclamante que não lhe deverá ser vedado o acesso a esse grau superior de jurisdição, ainda para mais com os fundamentos invocados no despacho de rejeição do recurso, tudo porque, conforme previamente explanado, encontram-se reunidos os requisitos do art. 629° e 671° do CPC, pelo que o Tribunal da Relação ….. pecou por erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente pela violação do disposto nos artigos acima mencionados.

48a Entende a Reclamante que a garantia da via judiciária, traduzida no art. 20° da CRP, consiste no direito de recorrer a um tribunal para que o mesmo se pronuncie sobre a questão jurídica relevante que lhe seja colocada, de modo a ser solucionado o conflito, segundo a lei aplicável, e por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade, no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista.

49a Tal direito consiste em assegurar, a todos, o acesso aos tribunais para defender os seus direitos, em todas as instâncias ou graus de jurisdição que o legislador ordinário reconhecer, até se alcançar uma decisão definitiva, logo só poderá ser entendido como um direito efetivo à jurisdição, como um direito a um processo equitativo.

50a Assim, e conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n° 7444/18.0T8VNF-A.G1, de 13-06-2019, o recurso, constituindo uma forma de impugnação de uma decisão judicial desfavorável, pressupõe a possibilidade de reapreciação da questão jurídica ou de facto por um tribunal de nível superior ao que a proferiu.

51a De outra forma, entende a Reclamante que se estaria a reduzir as garantias de defesa, assim como os meios de reação de ambas as partes a uma eventual decisão que lhes seja desfavorável em violação das disposições legais supra referidas.

52a Pelo exposto, pretende a Reclamante reforçar a ideia de que a admissibilidade do recurso se encontra dependente do prejuízo económico que a decisão representa para a parte vencida, sendo que, para a Reclamante, o prejuízo decorrente da decisão de que se pretende recorrer, e que ora aqui se reclama, é o que resulta da soma de todos os pedidos formulados (em que veio a ser condenada), isto é, 20.100,00€ + juros de mora, contados desde a data da conclusão da obra - 24/07/2009.

53ª Deverá, assim, a presente reclamação ser aceite, porquanto, o Tribunal da Relação ….. incorreu em erro de interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente pela violação do disposto nos artigos 629°, n° 1 e 671°, do CPC,

54a E o recurso de revista por si interposto ser admitido, uma vez que se encontram reunidos os pressupostos do artigo 671°, n° 1 e 674°, n° 1, alíneas a) e c) e n° 3 do CPC, mormente o valor da causa e

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da sucumbência, que corresponde ao fundamento de rejeição do recurso.

55a Mais, a título subsidiário, aquando da interposição do Recurso de Revista para o STJ foi apresentada reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 616°, n° 2, alínea a) e b), e 615°, n° 1, alínea d), ex vi, art. 666° do Código de Processo Civil, pelo que, em caso de não admissão do recurso, o que não se concebe nem se concede e apenas por mera hipótese se admite, sempre será a final, apreciada a catada reclamação para a conferência.

Apreciando:

A presente reclamação, apresentada ao abrigo do disposto no artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, não poderá ser atendida face à ausência de fundamento legal.

Tendo sido fixado à presente acção (por despacho de 30 de Maio de 2019, transitado em julgado), o valor de € 20.100,00 (vinte mil e cem euros), tal significa que o mesmo não é superior ao da alçada do tribunal de que se recorre, ou seja da alçada do Tribunal da Relação, e que se encontra fixada em € 30.000,00 (trinta mil euros), nos termos gerais do artigo 44º, nº 1, da Lei de Organização do Sistema Judiciário, aprovado pela Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto, regulamentada através do Decreto-lei nº 49/2014, de 27 de Março e alterada pela Lei nº 40-A/2016, de 22 de Dezembro.

Logo, o recurso de revista não é admissível nos termos do artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil, onde resulta se prevê que “o recurso ordinário só é admissível quando a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre (...)”.

As prolixas conclusões apresentadas pelo reclamamante não colocam crise esta conclusão absolutamente irrefutável e incontornável.

Dir-se-á sintecticamente no que lhes respeita:

O valor da acção considera-se definitivamente fixado no despacho saneador oportunamente proferido pelo juiz de 1ª instância, em conformidade com o disposto no artigo 306º do Código de Processo Civil, não havendo a Ré, ora reclamante, impugnado, no momento oportuno, o dito valor de € 20.100,00 (vinte mil e cem euros), que passou assim, definitivamente, a ser o único que importa tomar em consideração, designadamente para efeitos da recorribilidade da decisão a proferir nos autos, não tendo cabimento a tentativa (desesperada) de o alterar, neste momento, para efeitos de interposição de recurso de revista.

Após ter sido fixado, no despacho saneador que teve lugar, o concreto valor da causa - € 20.100,00 -, não pode a Ré, que foi condenada na totalidade do pedido, pretender a respectiva (e extemporânea) alteração, visando permitir a recorribilidade da decisão para o Supremo Tribunal de Justiça.

Essa garantia de acesso à última instância deveria ter sido atempadamente perspectivada e acautelada pela parte, no momento processual próprio, caso nisso tivesse interesse e verificasse que o valor indicado pela parte contrária não respeitava os critérios legais aplicáveis, mormente os que se encontram definidos no artigo 297º do Código de Processo Civil.

Tal impugnação pelo interessado – neste caso a Ré – teria que ter tido necessariamente lugar nos termos do artigo 305º do Código de Processo Civil, ou através do recurso contra o despacho judicial que fixou o valor à acção.

A Ré não o fez, podendo tê-lo feito.

Ou seja, a Ré aceitou, pela sua inércia e conformismo, o valor da acção indicado pelo A., uma vez que

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contra o mesmo não deduziu a pertinente impugnação, nos termos do artigo 305º, nº 1, do Código de Processo Civil.

O que significa que a decisão judicial, proferido em sede de despacho saneador e quanto à fixação do valor da causa, transitou em julgado, não podendo voltar agora a ser discutida e eventualmente alterada.

(sobre o trânsito em julgado do despacho que fixa o valor à causa, vide o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2018 (relator Chambel Mourisco), proferido no processo nº 4255/15.8T8VCT- A.G1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Junho de 2015 (relator Melo Lima, proferido no processo nº 962/05.1TTLSB.L1.S1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de Janeiro de 2013 (relatora Albertina Pedroso), proferido no processo nº 12/11.9TBSBG-A.C1, publicado in www.dgsi.pt).

Encontra-se, por conseguinte, irremediavelmente precludida a faculdade de o modificar, o que a reclamante apenas tentou fazer quando foi confrontada com a inevitável inadmissibilidade do seu recurso de revista, desde logo dado o valor fixado à causa não ser superior à alçada do Tribunal da Relação de que recorreu.

Assim, a recorribilidade da decisão proferida em 1ª instância e confirmada pelo Tribunal da Relação deverá ser necessariamente aferida pelo concreto valor da causa que foi fixado no despacho saneador (que poderia, é certo, ter incluído (mas não incluiu) os juros vencidos e devidamente contabilizados – cfr. artigo 297º, nº 2, do Código de Processo Civil).

(sobre este ponto, vide Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume I, Almedina, Janeiro de 2021, 4ª edição, a página 616, quando referem: “A falta de fixação do valor da causa constitui nulidade, nos termos do artigo 195º, nº 1, na medida em que dele dependa a solução de questões processuais, sendo tal nulidade apenas arguível na 1ª instância, sem prejuízo do direito da parte recorrer da decisão que sobre ela seja proferida (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Março de 2018, Chambel Mourisca, www.dgsi.pt. processo 4255/15.

Tal como na vigência do CPC de 1961, o valor da causa não pode, fora desse condicionalismo de recurso, ser alterado pela Relação (...)”)

Pelo que a revista não é admissível por não ser impugnável em função do valor fixado à presente causa (não superior à alçada do Tribunal da Relação).

É ainda pacífico na doutrina e na jurisprudência que o poder conferido ao legislador ordinário de limitar o direito ao recurso em função, entre outros factores, do prévio estabelecimento da figura da alçada, não ofende de forma alguma qualquer preceito de natureza constitucional, designadamente os citados artigos 18º, nº 2, 2ª parte, e 20º da Constituição da República Portuguesa.

Com efeito, nenhum sistema comportaria em si, realisticamente, a possibilidade ilimitada de interposição de recurso em relação a toda e qualquer decisão judicial desfavorável, sem qualquer espécie de limite, controlo ou condição.

Tal sistema não funcionaria, pura e simplesmente, não sendo sequer viável em termos práticos e logísticos.

É necessário e inevitável, portanto, estabelecer limites que funcionam como crivos ou filtros à possibilidade genérica de interposição do recurso, fixando critérios racionais para a limitação ao direito (tendencialmente pleno) à sua interposição.

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É exactamente o que sucede com a fixação de critérios respeitantes ao valor da causa (vide artigos 296º a 310º do Código de Processo Civil), definidores dos conceitos de alçada e sucumbência.

Não se verifica aqui, naturalmente e por isso mesmo, a violação de qualquer comando de natureza constitucional, em particular do artigo 20º da Constituição da República Portuguesa.

(Neste preciso sentido, vide, entre outros, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Maio de 2016 (relator Abrantes Geraldes), proferido no processo nº 122702/13.5YIPTR.P1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Janeiro de 2020 (relator Chambel Mourisco), proferido no processo nº 1369/15.8T8BCL-A.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 9 de Setembro de 2020 (relator Chambel Mourisco), proferido no processo nº 944/18.3T8CLD.C1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de Fevereiro de 2020 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 23178/09.3YYLSB.C1.S2; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8 de Outubro de 2020 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 8111/16.4T8PRT-B.P1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Outubro de 2020 (relator Lima Gonçalves), proferido no processo nº 19705/16.8T8SNT-A.L1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16 de Dezembro de 2020 (relatora Rosa Tching), proferido no processo nº 956/10.5TBSTS.P1.S1; acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18 de Fevereiro de 2021 (relator Oliveira Abreu), proferido no processo nº 2214/14.7T8LSB.L1.S1).

A decisão que não admitiu o recurso de revista encontra-se perfeita e minuciosamente fundamentada – não enfermando de qualquer vício de omissão de fundamentação, de pronúncia, ou outro – sendo naturalmente de manter.

DECISÃO:

Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada nos termos do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, mantendo-se o despacho reclamado que não admitiu o recurso de revista”.

Foi apresentada agora reclamação para a Conferência, nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 643º, nº 4, e 652º, nº 3, do Código de Processo Civil

Argumentou o reclamante:

1a A Recorrente/Reclamante foi notificada da decisão singular, proferida pelo Supremo Tribunal de Justiça, 6a Secção, sobre o recurso de revista interposto contra o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, que confirmou a decisão de 1ª instância, que havia condenado no pagamento à A. da quantia de 20.100,00€, bem como nos correspondentes juros moratórios, vencidos desde 24 de Julho de 2009.

2a Da referida decisão singular consta que, e passamos a transcrever: "A presente reclamação, apresentada ao abrigo cio disposto no artigo 643", n" l do Código de Processo Civil, não poderá ser atendida face à ausência de fundamento legal,

3ª - Visto que, à presente ação foi fixado o valor de €20.100,00, o que significa que o mesmo não é superior ao da alçada do tribunal de que se recorre, ou seja, da alçada do Tribunal da Relação, e por isso tal como referido na decisão singular, não é admissível o recurso de revista, nos termos do artigo 629°, n°

1 do CPC”.

4a No entanto, com o devido respeito e salvo melhor opinião, não assiste razão ao douto Tribunal, que ao decidir da forma exposta, fez incorreta interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, como a seguir se vai demonstrar.

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5a Conforme refere na douta decisão singular, a presente ação tem o valor de 20,100,00€, conforme fixado no âmbito do despacho saneador.

6a Pelo tribunal de 1ª instância foi proferida a decisão em que se decidiu condenar a aqui Reclamante no pagamento de € 20.100,00 e nos correspondentes juros moratórios, vencidos desde 24 de Julho de 2009 e vincendos, às taxas em cada momento em vigor, até integral pagamento. A Ré/Recorrente/Reclamante notificada da sentença, apresentou recurso para o Tribunal da Relação …., com reapreciação da prova gravada, atendendo a que teve decaimento total na ação.

7a De acordo com os princípios vigentes em matéria processual civil, no âmbito dos recursos, perante uma decisão judicial em que ambas as partes sejam vencidas, a cada uma delas é legítimo recorrer, na parte que lhe seja desfavorável, verificados que sejam os requisitos formais, entre os quais ressalta o atinente ao valor da sucumbência, em conjugação com o valor da alçada do Tribunal a quo - çfr. arts. 633", n ° 1, e 629°, n" 1, ambos do CPC (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.01.2017). Assim, sendo a Reclamante parte principal na causa, e tendo ficado vencida, assistiu-lhe o direito de recorrer de tal decisão que lhe foi assim, desfavorável.

8a Pelo Tribunal da Relação ….. foi proferido o acórdão recorrido em que decidiu julgar o recurso improcedente e, em consequência, negou provimento à apelação e confirmou a douta sentença recorrida.

Sendo que, deste acórdão da Relação, veio a Reclamante interpor Recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 627°, 629°, 631°, 637", 638°, 639° e 671°, e 674°, n° 1, alíneas a) e c) e n° 3 do CPC, bem como, caso assim não fosse admitido, reclamação para a conferência, nos termos do disposto no artigo 616°, n° 2, alínea a) e b) e 615°, n° 1, alínea d), ex vi art. 666° do CPC.

9a Nos termos do artigo 671°, n° 1 do CPC, cabe revista para o Supremo Tribunal de Justiça do acórdão da Relação, proferido sobre decisão da Ia instância, que conheça do mérito da causa, sendo sabido que a revista pode ter por fundamento, nos termos do art. 674°, n° 1 do CPC, a violação de lei substantiva, que pode consistir tanto em erro de interpretação como no erro de determinação da norma aplicável; a violação ou errada aplicação da lei de processo; e as nulidades previstas nos artigos 615º e 666º, às quais acrescem o fundamento previsto no n° 3 do referido preceito legal.

10a É certo que, com exceção dos casos previstos no art.° 629°, n° 2, do CPC, a interposição de recurso de revista pressupõe que o valor da ação seja superior à alçada da Relação e que o valor da sucumbência seja superior a metade dessa alçada. Ainda assim, emende a Reclamante que na presente adção, apesar de fixado o valor de 20,100,006, estão verificados os pressupostos para a admissibilidade do recurso de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, tal como adiante se irá demonstrar.

10ª Por despacho de 18/03/2021, foi pelo Tribunal da Relação …. proferido despacho de não admissão de recurso de revista, por entender que, como no caso dos presentes autos, foi fixado o valor de 20.100,006, por despacho de 30/05/2019, transitado e não alterado por despacho posterior, não se mostrando verificados os pressupostos exigidos cumulativamente pelo art. 629°, n° 1 do CPC, e assim não estando em causa nenhuma das situações previstas nos n°s 2 ou 3 do referido art. 629° o recurso de revista não é admissível.

12a Todavia, a Reclamante não se conformou com tal entendimento e apresentou reclamação nos termos

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do artigo 643°, n° 1 do CPC, sendo notificada da Decisão Singular proferida pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, de que ora se reclama para a conferência. Decidiu o Venerando Tribunal que a reclamação apresentada ao abrigo do disposto no artigo 643°, n° 1 do Código de Processo Civil não poderá ser atendida face à ausência de fundamento legal.

13a Decorrendo ainda da decisão singular que: "Assim, a recorribilidade da decisão proferida em Ia instância e confirmada pelo Tribunal da Relação deverá ser necessariamente aferida pelo concreto valor da causa que foi fixado no despacho saneador (que poderia, ê certo, ter incluído (mas não inclui) os juros vencidos e devidamente contabilizados ~ cfr. artigo 297", n" 2 do Código de Processo Civil) (...) Pelo que a revista não é admissível por não ser impugnável em função do valor fixado à presente causa (não superior à alçada do Tribunal da Relação) ".

14a Ora, salvo o devido respeito, entende-se que na decisão singular incorreu-se em erro de interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente por erro de interpretação dos artigos 629°, n° 1 e 67 Io do CPC. Senão vejamos:

15a Decorre da sentença, como facto provado, que o Autor/Recorrido/Reclamado concluiu os trabalhos de construção de um armazém destinado a adega, no dia 24 de Julho de 2009, altura em que os entregou à Reclamante e esta os aceitou, tendo o preço da empreitada sido pago, mas apenas parcialmente, ficando por pagar o montante de 20.100,00€.

16a Neste seguimento, decidiu o Tribunal de Ia Instância julgar a ação inteiramente procedente e, em consequência, condenou a Reclamante ao pagamento da referida importância de 20.100,00€, acrescida de juros moratórios, vencidos desde 24 de Julho de 2009 (data da realização da obra) e vincendos, à taxa legal em vigor, até integral pagamento. Reitere-se o entendimento de que a Mm1 Juiz, e salvo o devido respeito, contabilizou erradamente os juros devidos desde a data da conclusão da obra, isto é, desde o dia 24/07/2009, quando, deveria contabilizar desde a data da citação da Reclamante, ou seja, desde o dia 13/03/2019.

17a Logo, os juros moratórios deveriam ser contabilizados desde a citação, tal como é regra, visto que apenas nessa data, a 13/03/2019, foi interpelada para o pagamento e não em período anterior. Aliás, esse mesmo entendimento vem partilhado na decisão singular de que se reclama, ao afirmar que na fixação do valor da causa, deveria ter-se incluído os juros vencidos e devidamente contabilizados, em conformidade com o disposto no artigo 297°, n° 2 do CPC.

18a Atente-se também ao artigo 566°, n° 2 do CC, donde consta que a indemnização em dinheiro tem como medida a diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal, e a que teria nessa data se não existissem danos. A par deste artigo, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo n° 1770/03, de 04-11-2003, que é claro ao afirmar que os juros são devidos desde a citação.

19a Ainda assim, e caso dessa forma não se entenda, para aferição do cumprimento dos pressupostos exigidos para interposição do recurso, como sejam o valor da causa e da sucumbência, cumpre analisar algumas questões. Atente-se no artigo 296° do CPC que dispõe que a toda a causa deve ser atribuído um valor certo, expresso em moeda legal, o qual representa a utilidade económica imediata do pedido, atendendo-se a esse valor para determinar a competência do tribunal, a forma do processo de execução

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comum e a relação da causa com a alçada do tribunal.

20a Portanto, da leitura do preceito supra referido verifica-se que o valor da causa tem de corresponder à utilidade económica de todos os interesses que se discutem no processo, e que pela ação se pretende obter. Ou seja, o valor da ação é o da utilidade económica do pedido a determinar tendo em conta, em conjunto, o pedido e a causa de pedir, tal significando que a fixação do valor da causa se deve reportar ao pedido, tal como foi, concretamente, formulado pelo autor.

21a Nesse seguimento, veja-se o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, processo n°

2269/17.2T8BRG-A.G1, de 14/06/2018 que dispõe que para a determinação do valor da ação, que equivale à utilidade económica imediata do pedido, há que atender ao concreto pedido formulado e, não bastando a análise do pedido, tem de se atentar ao que resulta dos factos integrantes da respetiva causa de pedir.

22a E ainda Salvador da Costaf in Os Incidentes da Instância, 2013, 6a edição, p. 19 quando diz que no caso de não bastar, para o efeito, a análise do pedido, deve ter-se em conta o que resulta do confronto dele com a respetiva causa de pedir e que para se determinar o valor da causa e se os pedidos são ou não distintos, deve atender-se à estrutura destes, aos interesses que os litigantes se propõem fazer valer e aos efeitos jurídicos que visam conseguir.

23a Ora, o Autor/Recorrido/Reclamado com a presente ação declarativa de condenação, veio peticionar a condenação da Reclamante no pagamento da quantia de 20.100,00€, bem como de juros vincendos à taxa legal, desde 24/07/2009 até integral pagamento.

24a Atentando-se ao interesse que o Autor pretende fazer valer com esta ação e aos efeitos jurídicos que visa conseguir, facilmente se demonstra que, em caso de condenação da aqui Reclamante, ao valor peticionado de 20.100,006, irão acrescer os juros devidos desde a data da conclusão da obra, que se reportam ao ano de 2009 e, assim, o valor da utilidade económica do pedido, e consequentemente o valor da causa, deixa de corresponder aos inicialmente peticionados 20.100,006, passando, ao invés, a corresponder à soma desse montante e dos juros devidos.

25a Logo, entende a Reclamante que será a esse valor apurado, através da soma dos montantes supra mencionados, a que se deverá atender para efeitos de admissibilidade de interposição de recurso.

26a Nessa parte dispõe o artigo 629°, n° 1 do CPC, que o recurso ordinário apenas é admissível quando, por um lado, a causa tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e, por outro, a decisão impugnada seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal (com exceção dos casos previstos no n° 2 do referido artigo).

27ª Para verificarmos se a quantia final a pagar pela Reclamante ao Autor/Recorrido/Reclamado é ou não superior à alçada do Tribunal da Relação …. e, em caso afirmativo, se o presente recurso de revista deveria ou não ser admitido, ter-se-á de recorrer a um simples cálculo matemático: adicionando a quantia de 17.100,43€, enquanto juros devidos desde a data de 24/07/2009, tal qual foi decidido e determinado na sentença, à quantia de 20.100,00€, tal como peticionado pelo Reclamado, a Reclamante terá de pagar, a final, a quantia de 37.200,436,

28a O que faz com que a quantia final a pagar pela Reclamante ao Reclamado seja superior ao valor da alçada do tribunal de que se recorre, resultando uma condenação em valor que lhe permite interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça.

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29a Assim, a presente ação é de valor superior a 30.000,00€, que é a alçada dos Tribunais da Relação, e o valor da sucumbência ou decaimento assume igual valor, visto que o recurso de apelação foi julgado totalmente improcedente.

30a Já quanto ao valor da sucumbência, o mesmo corresponde ao montante do prejuízo que a decisão recorrida importa para a Recorrente/Reclamante, aferido pelo teor da alegação do recurso e pela pretensão nele formulada, equivalendo, pois, ao valor do recurso, traduzido na utilidade económico que, através dele, se pretende obter. Sucumbência (ou decaimento) é o prejuízo ou desvantagem que a decisão implica para a parte e que, por isso, se designa parte vencida; esta é, portanto, aquela a quem a decisão prejudica ou a quem ela foi desfavorável, em suma, quem perdeu...

31a O interesse em recorrer é, pois, o interesse na remoção e eliminação (ou redução) desse dano em que consiste a sucumbência e o titular da respetiva legitimidade é, naturalmente, a parte que o sofreu (parte vencida). Ora, a sucumbência relevante para aferir a recorribilidade consiste, portanto, numa diferença entre as situações jurídicas delimitadas pela decisão de que se pretende recorrer (antes e depois dela), ou seja, numa modificação negativa (para pior...) da situação jurídica pré-existente à decisão que se pretende impugnar.

32a E neste caso, a decisão do tribunal a quo foi desfavorável para a Recorrente/Reclamante, pois obteve decaimento total, veríficando-se os requisitos de recorribilidade (alçada e sucumbência) pelo que assistiu legitimidade à aqui Reclamante de interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça. Portanto, a mesma entende que ao valor da causa/ação, deverá ser tido em conta o valor dos juros, desde a data da conclusão da obra, tal como ficou decidido em sentença, até integral pagamento,

33a Visto que, a final, o pedido de condenação em juros constitui objeto próprio da ação declarativa, emergindo da controvérsia, logo, correspondente com o pedido principal, feito pelo Autor/Recorrido/Reclamado.

34a Tal pedido de condenação em juros deve, efetivamente, revelar para a determinação da causa, bem como deve ser tido em conta para se achar o valor da ação e do decaimento do pedido, com vistj se a decisão é recorrível ou não.

35a Face aos critérios referidos e ao valor apurado da ação de 37.200,43€, e ao valor da sucumbência/decaimento, verifica-se que estão preenchidos os requisitos de admissibilidade de interposição do recurso de revista, para o Supremo Tribunal de Justiça, conforme prevêem os artigos 629°, n° 1 e 671°, n 1, ambos do CPC, pelo que, o valor da presente causa deveria, assim, determinar-se pelo somatório dos valores indicados pelo Autor (20,100,00€ + juros desde 24/07/2009) e, em consequência a reclamação terá de ser julgada procedente.

36a Não se compreende assim a não admissão do recurso interposto com fundamento em não verificação do requisito do valor e da sucumbência, que se afigura manifestamente ilegal, violando os princípios da legalidade, da igualdade, da realização da justiça, da certeza e segurança jurídicas, plasmados na Constituição da República Portuguesa,

37a Não se compreendendo, igualmente, a decisão singular que foi proferida, ao considerar não existir fundamento legal para a reclamação apresentada.

38a Mais, a exigência de uma sucumbência mínima ou decaimento mínimo, como pressuposto de

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admissibilidade do recurso, mais não é do que uma "intervenção cirúrgicano regime dos recursos, com vista a restringir e filtrar as questões que devem ser merecedoras de serem submetidas à apreciação de tribunais superiores.

39a Portanto, e tal como afirma Abrantes Geraldes, in "Recursos no Novo Código de Processo Civil", Almedina, 2013, pág. 37, a atividade dos tribunais superiores convergiu no sentido de fazer depender a recorribilidade também da proporção do decaimento.

40a Logo, e a contrario do estabelecido no 629°, n° 1 do CPC, já se demonstrou não existirem fundadas dúvidas acerca do valor da sucumbência, pelo que se deverá ter em consideração este requisito que se encontra devidamente preenchido para efeitos de admissibilidade de recurso.

41a Acresce que "Parafraseando Carnelutti (cf. "Instituciones dei Proceso Civil", vol II, Buenos Aires, 1959, pág. 193), poderemos dizer que a limitação da recorribilidade da decisão em função do valor da sucumbência equivalente a metade da alçada do tribunal que a proferiu é o limite máximo da

"tolerabilidade da injustiça" da decisão que não justifica os custos do recurso que a reparação de tal injustiça exigiria" - vide Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n" 10/2015, de 26/06/2015.

42a Já a redação do artigo 678.°, n.° 1, do CPC, na Reforma projetada no Decreto-Lei n.° 224/82, de 8 de Junho (que nunca chegou a entrar em vigor), previa o requisito da sucumbência mínima, quando excluía da recorribilidade ordinária as decisões - proferidas em causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre - que forem desfavoráveis para o vencido ou prejudicado em valor manifestamente igual ou inferior à alçada desse tribunal.

43a "Sendo a decisão desfavorável, logo implicando perda ou prejuízo para uma das partes (ou para ambas), abre-se a via da respetiva impugnação perante o tribunal superior, desde que a medida desse desfavor seja superior a metade da alçada do tribunal que a proferiu (e também desde que, obviamente, o valor da acção exceda o da alçada de tal tribunal). " - cfr. Acórdão supra mencionado.

44a Assim sendo, o valor da sucumbência relevante para a admissibilidade de recurso - superior a metade da alçada do tribunal que proferiu a decisão recorrida - deve ser aferido, em caso de recurso do acórdão da Relação para o Supremo, pela diferença entre o valor fixado no acórdão recorrido (da Relação) e o fixado na sentença de 1 .a instância - que se manteve igual nos dois momentos.

45a Daí que, para efeitos de admissibilidade de recurso, o valor da sucumbência seja sempre aferido pelo valor dos interesses não atendidos na decisão ou acórdão de que se recon-e (parte desfavorável da decisão).

46a Tendo sido esse o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, nos Acórdãos de 27-02-1996 (Proc.

086893, relatado pelo Cons. Aragão Seia), 28-03-2006 (Revista n.° 4086/05 - l.a Secção, relatado pelo Cons. Pinto Monteiro) e de 22-31-2006 (Revista n.° 06S2332 - 4.a Secção, relatado pelo Cons. Sousa Grandao, todos acessíveis através de http://www.dgsi.pt).

47a Aliás, não só tem sido entendimento do Supremo, como são vários os acórdãos proferidos pela Relação no sentido de atribuírem relevância ao requisito da sucumbência para aferição da admissibilidade do recurso. E, deste modo, e pelo demais exposto, entende a Reclamante que, em cumprimento dos princípios de adequação, proporcionalidade e justiça, deverá ser aplicada, in casu, ainda que por analogia, o entendimento que tem vindo a ser partilhado nesses acórdãos,

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48a Considerando o critério da sucumbência, como requisito essencial a ser atendível para determinação da possibilidade de recurso.

49a Em último caso, sempre se dirá que, no entendimento da Reclamante, a interpretação feita na decisão singular, veda o acesso aos graus de jurisdição superiores, violando assim os princípios do acesso ao direito e da tutela jurisdicional efetiva conjugado com o princípio da proporcionalidade, consagrados nos artigos 2.

°, 18.°, n.° 2, 2.a parte, e 20.° da Constituição da República Portuguesa.

50íl Ora, a Constituição da República Portuguesa consagra o direito a um duplo grau de decisão nas decisões condenatórias e daqueles casos em que a lesão dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente previstos, é diretamente imputável, em primeira linha, a uma atuação ou decisão dos tribunais.

51a Mesta matéria, e como ensina José Alberto dos Reis, in "Código de Processo Civil Anotado", V, Coimbra Editora, 1984, p. 375, que remonta a questão à Revolução Francesa que proclamou, entre outros princípios, o do duplo grau de jurisdição, para assegurar quanto possível a justiça da decisão, convém que, em regra, o pleito passe pelo exame sucessivo de dois tribunais de categoria diferente; depois de julgada a causa por determinado tribunal importa que ela seja submetida, ainda, à consideração e apreciação de outro tribunal de categoria superior.

52a E, assim sendo, entende a Reclamante que há-de considerar-se constitucionalmente garantido - ao menos por decurso do princípio do Estado de direito democrático - o direito à reapreciação judicial das decisões judiciais, não podendo deixar de considerar-se necessária ao menos a garantia de um grau de recurso (e, portanto, de um duplo ou triplo grau de jurisdição) como componente inerente ao regime constitucional das garantias dos direitos fundamentais constitucionais.

53a Do confronto com o art. 20° da CRP e do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n°

976/12.5TBALM-C.L1-Ó, de 10-10-2019, retiramos que este direito de acesso aos tribunais, para a defesa dos direitos e interesses legítimo, é um direito a uma solução jurídica dos conflitos, direito esse que se há- de exercer em condições de plena igualdade.

54a Mas terá este acesso aos tribunais que ser assegurado sempre em mais de um grau de jurisdição?

Entende a Reclamante que sim, pelas razões acima apontadas e ainda pelo facto de que, conforme continua o supra mencionado acórdão achando~se constitucionalmente garantido o direito de acesso aos tribunais e prevendo a Constituição a existência de tribunais de recurso, daí há-de decorrer que o legislador, embora disponha de uma margem de liberdade no tocante à definição das decisões suscetíveis de serem impugnadas por via de recurso, não pode eliminar a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, nem inviabilizar na prática essa faculdade.

55a Resumidamente, é do entendimento da Reclamante que se consagra no art. 20° da CRP a garantia da via judiciária ou da tutela jurisdicional, que se desdobra em dois aspetos; por um lado, o legislador ordinário terá de assegurar a todos os cidadãos, sem qualquer discriminação, o acesso a um grau de jurisdição, considerado como tutela jurisdicional mínima; e, por outro, garante-se que, sempre que o legislador ordinário estabelecer graus de jurisdição, deverá igualmente garantir, sem discriminações, o acesso a todos esses graus.

56a Estando previsto, nos artigos 671 ° e seguintes do CPC, a revista para o Supremo Tribunal de Justiça,

(18)

do Acórdão da Relação, proferido sobre decisão da Ia instancia, entende a Reclamante que não lhe deverá ser vedado o acesso a esse grau superior de jurisdição, visto que, conforme previamente explanado, encontram-se reunidos os requisitos do art. 629° e 671 ° do CPC, de admissibilidade do recurso, pelo que a decisão singular pecou por erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente pela violação do disposto nos artigos acima mencionados.

57a Entende a Reclamante que a garantia da via judiciária, traduzida no art. 20° da CRP, consiste no direito de recorrer a um tribunal para que o mesmo se pronuncie sobre a questão jurídica relevante que lhe seja colocada, de modo a ser solucionado o conflito, segundo a lei aplicável, e por um órgão que ofereça garantias de imparcialidade e independência, e face ao qual as partes se encontrem em condições de plena igualdade, no que diz respeito à defesa dos respetivos pontos de vista.

58a Tal direito consiste em assegurar, a todos, o acesso aos tribunais para defender os seus direitos, em todas as instâncias ou graus de jurisdição que o legislador ordinário reconhecer, até se alcançar uma decisão definitiva, logo só poderá ser entendido como um direito efetivo à jurisdição, como um direito a um processo equitativo.

59a Assim, e conforme Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n° 7444/18.0T8VNF-A.G1, de 13-06-2019, o recurso, constituindo uma forma de impugnação de uma decisão judicial desfavorável, pressupõe a possibilidade de reapreciação da questão jurídica ou de facto por um tribunal de nível superior ao que a proferiu.

60a De outra forma, entende a Reclamante que se estaria a reduzir as garantias de defesa* assim como os meios de reação de ambas as partes a uma eventual decisão que lhes seja desfavorável em violação das disposições legais supra referidas.

61a Pelo exposto, pretende a Reclamante reiterar a ideia de que a admissibilidade do recurso se encontra dependente do prejuízo económico que a decisão representa para a parte vencida, sendo que, para a Reclamante, o prejuízo decorrente da decisão de que se pretende recorrer é o que resulta da soma de todos os pedidos formulados (em que veio a ser condenada), isto é, 20.100,00€ + juros de mora, contados desde a data da conclusão da obra - 24/07/2009.

62a Tal como, nesta parte, parece o douto tribunal ser do entendimento que tais juros deveriam ter sido atendidos e incluídos na fixação do valor da causa, em cumprimento do preceituado no art. 297°, n° 2 do CPC.

63a Ora, salvo o devido respeito, entende-se que na decisão singular, ao decidir como decidiu, incorreu-se, em erro de interpretação e aplicação da lei de processo, mormente, na interpretação dada aos artigos 629°, n°l e 671° do CPC.

64a Deverá, assim, a presente reclamação a ser decidida em conferência ser aceite, porquanto, na decisão singular, o Tribunal pecou por erro na interpretação e aplicação do direito ao caso em apreço, nomeadamente por violação do disposto nos artigos 629°, n° 1 e 671° do CPC.

65a Atento ao supra exposto, deve ser admitida a presente reclamação e, consequentemente, ser admitido o recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, ao abrigo do disposto nos artigos 671°, n° 1 e 674°, n° 1, alíneas a) e c) e n° 3, todos do CPC.

Apreciando:

(19)

Não assiste razão à reclamante.

Tendo sido fixado à presente acção, através de despacho transitado em julgado, valor não superior ao da alçada do Tribunal de que recorre (o Tribunal da Relação …..), o acórdão recorrido não é impugnável, não admitindo por isso recurso de revista.

Trata-se de uma realidade objectiva e incontornável com a qual a reclamante insiste em não se conformar, mas que tem a sua resposta na imposição da lei processual civil em matéria de alçada (artigo 629º, nº 1, do Código de Processo Civil).

É certo que poderia a reclamante ter recorrido, no momento processual próprio, do despacho que fixou o valor da causa, o qual sempre seria impugnável nos precisos termos do artigo 629º, nº 2, alínea b), do Código de Processo Civil.

Porém, não o fez, aceitando implicitamente o valor da causa fixado, sem se preocupar em discutir, na altura, se mesmo se encontrava, ou não, de acordo com, os critérios legais aplicáveis (concretamente, a não tomada em consideração, para estes efeitos, do pedido de condenação da Ré nos juros vencidos).

Por isso mesmo, não poderá agora proceder a tal impugnação que no momento processualmente omitiu, encontrando-se precludido o direito a fazê-lo, em conformidade com os princípios do dispositivo e da auto- responsabilização das partes.

A existência de limites à possibilidade de interposição de recurso de todas as decisões até à última instância é perfeitamente conforme à Constituição da República Portuguesa, como é óbvio, e encontra-se aceite pacificamente há muito, tal como se demonstra na decisão reclamada.

Logo, a reclamação da decisão singular proferida pelo relator carece totalmente de fundamento, nos precisos termos e com os exactos fundamentos constantes do despacho reclamado, para os quais se remete.

DECISÃO:

Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em desatender a reclamação apresentada ao abrigo do artigo 643º, nº 1, do Código de Processo Civil, não se admitindo o recurso de revista interposto, tal como havia sido feito na decisão singular ora reclamada.

Mantém a condenação em custas já fixada no despacho reclamado.

Lisboa, 22 de Junho de 2021.

Luís Espírito Santo (Relator)

Ana Paula Boularot

Pinto de Almeida

(Tem o voto de conformidade dos Exmºs Adjuntos Conselheiros Ana Paula Boularot e Fernando

(20)

Pinto de Almeida, que compõem este colectivo, nos termos do artigo 15º A, aditado ao Decreto- lei nº 10-A/2020, de 13 de Março, pelo Decreto-lei nº 20/2020, de 14 de Março).

Sumário (art. 663º, nº 7, do CPC).

Fonte: http://www.dgsi.pt

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