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1 Introdução. O autor fala em uma reabilitação aprimorada do princípio do bom senso, como conseqüência do

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Academic year: 2021

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Introdução

Esta dissertação pretende abordar dois temas possivelmente correlatos. São eles o paradigma retórico-argumentativo, no qual gira o debate jusfilosófico atual, e a perspectiva regulatória assumida pela Administração Pública em quase todos os países ocidentais. Mais particularmente, o que se pretende analisar é como a argumentação jurídica, inserida na teoria do discurso, pode auxiliar na consolidação de um modelo mais consensualista no campo do direito administrativo.

O tema guarda estreita conexidade com as questões atuais, tanto no plano internacional – em que a iminência de uma guerra deslegitimada pelos países de tradição democrática coloca em jogo a questão do diálogo e da tolerância, bem como de uma administração concertada de interesses globais –, como no plano interno, em que uma crescente discussão vem acirrando-se no tocante ao papel que deve caber às agências reguladoras e da recente e mais importante criação do governo de Luís Inácio Lula da Silva: o Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social. Deve-se reconhecer que raros foram os momentos de participação da opinião pública no cenário político brasileiro tal como o que vem prevalecendo. Essa ampliação do debate supõe uma conformação do dicurso político como público e cede lugar a uma participação sem precedentes na história do país. A importância desse momento para a consolidação de uma democracia participativa não deve ser descartada tampouco subestimada, mas fomentada através da ampla utilização dos canais abertos para a experiência de participação social.

Essa conjuntura permite colocar em pauta o papel que as teorias da argumentação jurídica podem exercer na consolidação de uma democracia mais participativa, mormente no campo da administração pública, onde semeiam-se os princípios da participação, da administração concertada e do bom senso1.

O desenvolvimento destas idéias é propósito desta dissertação, que será dividida em três capítulos. No primeiro, será analisado o desenvolvimento da

1 DIAS, Francisco Mauro. “As transformações da esfera administrativa e o poder público”, p. 19.

O autor fala em uma “reabilitação aprimorada do princípio do bom senso”, como conseqüência do

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argumentação jurídica no pós-guerra, e sua apropriação pelas mais diversas correntes, passando principalmente por Chaïm Perelman, responsável pelo resgate da retórica argumentativa; Robert Alexy, responsável por uma vertente que considera o direito como um caso especial do discurso prático geral, concedendo aos direitos fundamentais um lugar de primazia; e Jürgen Habermas, em seu mais amplo debate da teoria do discurso.

Embora de matrizes diversas, todos esses autores apontam para uma nova concepção do papel do Direito nas sociedade democráticas modernas: como ponto de interseção entre a sociedade e o Estado, cabe a ele a amalgamação de compromissos políticos, através de um discurso racionalmente motivado. Desenvolvem-se teorias da argumentação que se preocupam sobretudo em reabilitar a razão prática por intermédio do discurso2. Nesse sentido, Antônio Cavalcanti Maia ressalta que:

Podem ser elencados, na busca de um campo comum de preocupações compartilhadas pelas correntes teóricas supracitadas, dois elementos básicos: a proposta de uma nova grade de inteligibilidade à compreensão das relações entre direito, moral e política, e uma crítica às concepções positivistas no campo do direito(...) No tocante ao segundo aspecto apontado, subsumido ao campo da teoria do direito, três elementos capitais indicam os eixos em torno dos quais se desdobram esses desenvolvimentos recentes: a importância dos princípios gerais do direito; a reflexão aprofundada sobre o papel desempenhado pela hermenêutica jurídica; e a relevância crucial da dimensão argumentativa na compreensão do funcionamento do direito nas sociedades democráticas contemporâneas.3

Trata-se, em um espectro mais amplo, do que Maia chama de “virada hermenêutica”, observada na área das humanidades, pela assunção de importância de dois troncos de reflexão – a hermenêutica e a argumentação -, nos debates teóricos das últimas décadas. Esses temas abriram um caminho para a interrelação entre domínios de conhecimento preocupados sobretudo com a realidade complexa e cambiante caracterizadora das sociedades hodiernas4. Cabe frisar, “estágio pré-falimentar do Estado-providência” e do “fenômeno irrecusável da globalização da economia mundial”.

2 Habermas introduz o conceito de razão comunicativa como substituto da razão prática, uma vez

que o novo paradigma procedural do direito exige uma ação orientada ao entendimento mútuo, substituindo-se a antiga filosofia do sujeito, centrada neste, pela filosofia da razão comunicativa, calcada no entendimento intersubjetivo dos sujeitos integrantes do discurso.

3 MAIA, Antônio Cavalcanti. “Os Princípios Gerais de Direito e a Perspectiva de Perelman”. P. 2.

4 Antônio Cavalcanti Maia ressalta que a complexidade social, característica das sociedades

contemporâneas, demanda aparatos metodológicos mais sofisticados na vida dos operadores do direito, aparatos que, no entanto, ultrapassam o campo de possibilidades ofertado pelo positivismo metodológico. Essa constatação tem reflexos importantes na realidade brasileira, marcada por uma

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nesse aspecto, que a interdisciplinariedade é uma característica inegável desses autores, preocupados sobretudo em aliar teoria e prática para uma maior adequação dos institutos modernos aos moldes democráticos.

A riqueza do tema, trabalhado em diferentes nunances por autores diversos, fez imperativa a escolha de um deles como cerne para o presente estudo. Assim é que, embora se pretenda abordar, em alguma medida, as análises de Robert Alexy e de Jürgen Habermas5 sobre a importância da argumentação jurídica e seus entrelaçamentos com a realidade, sem dúvida é a perspectiva adotada por Chaïm Perelman que melhor se vislumbrará no decorrer desta abordagem.

A reabilitação da retórica operada por Perelman em seu Tratado da Argumentação6, possibilitou a compreensão de seu papel no campo jurídico, mais especificamente judicial. A observação da motivação das decisões dos tribunais explicita todo o processo argumentativo elaborado para se chegar à sentença, como em nenhum outro campo isso é possível. Decerto, a exigência de uma decisão que dê um ponto final na controvérsia coloca o Direito como um campo em que se exerce uma racionalidade específica, a que Perelman denominou de lógica jurídica7.

Perelman vê no deslinde do processo judicial um exemplo paradigmático de argumentação que estende para outros campos da razão prática, como a política, a ética etc. Através deste trabalho, pretende situar-se além da tradicional separação jusfilosófica – positivismo versus jusnaturalismo –, assumindo postura que se pode designar de pós-positivista. Este posicionameno traduz-se numa reflexão de ordem metodológica, como uma nova forma de pensar a racionalidade jurídica, assentada na união entre o Direito e a Moral por intermédio de um discurso racionalmente motivado. Com isso, o que se pretende é que o Direito

tradição jurídica de base kelseniana. Daí porque a análise de um autor que combata duramente as suas perspectivas pareça tão mais familiar ao ordenamento jurídico brasileiro que outros autores que se empenham em criticar teorias alheias ao espectro teórico brasileiro.

5 Sem olvidar da importância representada por tais autores para o estudo do tema, a escassez de

tempo e a demora na escolha do objeto tornaram inviável uma análise mais aprofundadas de autores como Jürgen Habermas e Robert Alexy, reconhecendo-se, não obstante, representarem as mais importantes vertentes atuais da teoria do discurso.

6 Nesta obra, que contou com a colaboração de Lucie Olbrechts-Tyteca, Perelman fez uma

empreitada em busca de uma lógica dos juízos de valor, expressa por excelência nas decisões judiciais, e que pudesse ser aplicada em outros campos eminentemente práticos.

7 Para saber mais sobre o assunto, ver PERELMAN, Chaïm. Lógica Jurídica-Nova Retórica.

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resgate sua dimensão valorativa, sem representar, contudo, um retorno ao jusnaturalismo.

Nessa empreitada embarcam outros autores que encontram terreno fértil para a discussão no paradigma pós-positivista. De uma forma original, Habermas entende a problemática da legitimidade dos sistemas jurídicos modernos solucionada em termos de um sistema de direito baseado numa relação de co-originalidade entre direitos humanos e soberania popular. Com isso, assim como Perelman e outros autores do novo paradigma, Habermas equaciona de uma forma nova a relação entre o direito e moral, ajudando a derrubar os alicerces positivistas baseados na separação absoluta entre os dois domínios.

Na tentativa de unir teoria e prática, o que aliás é uma preocupação constante desses autores, propõe-se, no segundo capítulo, analisar como o surgimento das agências reguladoras inseriu-se num modelo mais participativo da administração pública. Fruto de uma opção política desestatizadora, que transfere para os particulares, a título de concessão/permissão ou mediante outorga legal, o exercício da atividade pública, as agências reguladoras fazem surgir um novo paradigma no campo da Administração Pública: o paradigma regulatório. Sem abdicar por completo de suas atribuições, o Estado regulador pretendeu fugir do modelo de bem-estar social, marcado por um longo processo burocratizante, para um modelo transferidor dessas atividades a entes não estatais.

Como essas atividades não poderiam ficar ao alvedrio dos interesses privados e mercantis, a solução reguladora pretendeu representar uma conciliação entre os diversos interesses em questão: interesse público estatal, interesse da prestadora de bens e serviços e interesse da sociedade. A agência reguladora, autarquia especial, instituída por lei, tem por fim regular tais interesses, através de uma fiscalização e normatização que atenda ao programa projetado pela política pública. Dotada de poderes não antes conhecidos pelas autarquias, tais agências, nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz8, exercem funções “quase-legislativas”, “quase-judiciais” e “quase-regulamentares”, o que lhes permite uma atuação independente e eficaz.

Por outro lado, e, ao mesmo tempo, guardando íntima conexão com o modelo regulatório, uma nova concepção da administração pública, com a

8 JÚNIOR, Tércio Sampaio Ferraz. “Agências Reguladoras: Legalidade e Constitucionalidade”, p.

143.

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assunção da importância da motivação de suas decisões, refletiu a influência exercida pelas obras dos autores supra-mencionados em quase todos os países ocidentais. Deste assunto cuidará o terceiro capítulo, preocupado em estabelecer entrelaçamentos importantes para a consolidação de um modelo mais participativo na Administração Pública brasileira. Deve-se notar que a exigência de expressa motivação dos atos administrativos encontra-se prevista no artigo 50 da Lei n. 9784/99 (Lei do Procedimento Administrativo), nestes termos: Os atos

administrativos deverão ser motivados com indicação dos fatos e fundamentos jurídicos(... ). Ou seja, a Administração Pública insere-se, de uma forma ou de

outra, na tentativa de fundamentar racionalmente juízos de valor através de um discurso racionalmente motivado, e é nestes moldes que deverá agir. Ademais, acentua-se, com as agências reguladoras, uma nova maneira de conceber a relação público-privado, à qual corresponde uma necessária infiltração no modelo retórico-argumentativo, que pretende pensar de uma nova forma a relação entre esses domínios, através da inclusão do âmbito moral no Direito.

Decerto, inseridas num contexto mais consensualista9 do direito administrativo, as leis instituidoras das agências reguladoras prevêem diversos mecanismos de participação da sociedade nas decisões a serem tomadas, embora não concedam à tais manifestações da opinião pública um estatuto vinculante. Ou seja, embora remetam a um modelo mais participativo no campo da Administração Pública, carecem de efetivos mecanismos capazes de concretizar tal participação, o que deve ser remediado por uma mobilização da sociedade civil em prol de um espaço público politizado. Por outro lado, impõe à Administração Pública um profícuo trabalho de justificação de suas decisões, cuja motivação deve persuadir os atores envolvidos para que possa almejar efetividade. Nesse sentido é que resulta de especial valia analisar as possíveis ligações entre o desenvolvimento de teorias da argumentação, inseridas num mais amplo debate da Teoria do Discurso, e os procedimentos adotados pelas agências reguladoras no cenário político brasileiro, prevalecentemente privatizante.

Eis os temas que se pretende abordar nesta dissertação.

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O dinamismo, a independência, a especialização técnica e a valorização das soluções consensuais, característicos da elaboração teórica e legislativa das agências reguladoras, possibilitam uma intercomunicação do sistema jurídico com o subsistema econômico envolvente.

Referências

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