• Nenhum resultado encontrado

RELAÇÕES ENTRE MASCULINIDADE E FÉ NO TERÇO DOS HOMENS DA IGREJA NOSSA SENHORA APARECIDA E SÃO FIDÉLIS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "RELAÇÕES ENTRE MASCULINIDADE E FÉ NO TERÇO DOS HOMENS DA IGREJA NOSSA SENHORA APARECIDA E SÃO FIDÉLIS"

Copied!
33
0
0

Texto

(1)

(ESR)

CURSO DE CIÊNCIAS SOCIAIS - BACHARELADO

ANTHONY MATHEUS DOS SANTOS ARAUJO

RELAÇÕES ENTRE MASCULINIDADE E FÉ NO TERÇO DOS HOMENS DA IGREJA NOSSA SENHORA APARECIDA E SÃO

FIDÉLIS

CAMPOS DOS GOYTACAZES Maio/2021

(2)

ANTHONY MATHEUS DOS SANTOS ARAUJO

RELAÇÕES ENTRE MASCULINIDADE E FÉ NO TERÇO DOS HOMENS DA IGREJA NOSSA SENHORA APARECIDA E SÃO

FIDÉLIS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Bacharelado em Ciências Sociais da Universidade Federal Fluminense, como requisito parcial para obtenção do grau de graduação de Bacharel em Ciências Sociais. Gênero: Artigo.

Orientadora: Profª. Drª. Andréa Lúcia da Silva de Paiva

CAMPOS DOS GOYTACAZES Maio/2021

(3)
(4)
(5)

O presente artigo tem como finalidade propor um questionamento crítico sobre a relação entre a masculinidade e a fé. Para tal, foi realizado uma etnografia no ritual do Terço dos Homens que acontece na Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida e São Fidélis, pertencente à vertente tradicionalista, situada no município de São Fidélis, no interior do estado do Rio de Janeiro. O artigo visa também colocar em debate o questionamento sobre o papel do homem na sociedade, e se esta prática religiosa, na qual o homem consegue demonstrar seus sentimentos e sua condição de servo, refuta ou reafirma a masculinidade padrão imposta pela sociedade.

Palavras-chave: Terço dos Homens. Catolicismo. Masculinidade. São Fidélis (RJ).

ABSTRACT

The purpose of this article is to propose a critical question about the relationship between masculinity and faith. For this purpose, an ethnography was performed in the ritual of the Rosary of Men that takes place in the Mother Church of Nossa Senhora Aparecida and São Fidélis, belonging to the traditionalist side, located in the municipality of São Fidélis, in the interior of the state of Rio de Janeiro. The article also aims to debate the questioning about the role of man in society, and whether this religious practice, in which man can demonstrate his feelings and his condition as a servant, refutes or reaffirms the standard masculinity imposed by society.

Keywords: Third of Men. Catholicism. Masculinity. São Fidélis RJ).

(6)

INTRODUÇÃO ... 06

SOBRE A ORIGEM DO TERÇO ... 08

A HISTÓRIA DA CIDADE DE SÃO FIDÉLIS ... 10

DA DESCRIÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO DA IGREJA ... 12

DO RITUAL DO TERÇO OBSERVADO ... 17

DA OBSERVAÇÃO, PARTICIPAÇÃO E PERCEPÇÕES NO CAMPO ... 20

A RELIGIÃO E A SOCIEDADE ... 22

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 28

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 29

ANEXO A ... 31

ANEXO B ... 32

(7)

INTRODUÇÃO

A masculinidade não é uma essência inata que se revela em virtude de uma determinada condição biológica, mas, uma ideia socialmente construída, que se relaciona a aspectos espaço- temporais e culturais. O significado de ser homem em cada contexto depende também da classe, etnia, geração, sexualidade etc.

KIMMEL (1998, p 105).

Este artigo busca demonstrar a influência do papel do Terço dos Homens no combate ao paradigma social que separa as funções em papel de homem e de mulher, colocando o homem na condição de liderança e poder e a mulher como sendo emotiva e submissa. Visamos propor um questionamento crítico sobre a relação entre a masculinidade e a fé.

Pensando no conceito, a masculinidade não nasce com o homem e sim é construída ao longo de sua vida de acordo com imposições da sociedade (BOURDIEU, 1998). Embora atinja diretamente aos homens, a masculinidade também reflete impactos nas mulheres que vivem em ambientes comumente comandados por eles.

Na cultura brasileira, demonstrar sentimentos, incluindo a expressão de fé, sempre foi visto como um ato do universo feminino. Como descreve Clóvis Ecco:

“No seio de nossa cultura, as ideias religiosas permanecem com grande peso, e em todas as expressões religiosas oriundas da tradição cristã há muita ênfase na manutenção da supremacia masculina” (ECCO 2008, p.93). Contudo, devido à evolução da sociedade, muitas questões que eram consideradas tabus estão sendo revistas, inclusive no ambiente religioso.

A masculinidade foi construída de maneira a objetivar o homem como sendo o provedor e defensor da família. Para esta imagem proposta, o homem aparece como um ser que demonstra apenas o seu lado racional. Por este motivo, houve a necessidade de se questionar os impactos da religiosidade no papel masculino socialmente construído visando a comparação da fé como demonstração de sentimentos.

(8)

Na análise do autor Ecco (2008), observa-se que cargos de alto nível hierárquico no clero sempre são exercidos por líderes do gênero masculino — verificando a contradição referente à frequência dos seguidores — sendo que a grande maioria dos fiéis é composta pelo gênero feminino. Isso traz ao debate a questão social onde aponta para a mulher a condição de submissa, servil, fiel. Em contrapartida confere ao homem a posição de liderança, comando e chefia.

Porém, se a fé é algo pessoal, por que então o homem fica “impedido” de demonstrar sua fé, sua condição de servo, de fiel a Deus de maneira mais intensa?

Talvez este questionamento esteja atrelado à cultura de que o homem não deixa transparecer os seus sentimentos, sendo o provedor, o que possui o “dom” da razão, enquanto a mulher desempenha a função de acolhedora, intercessora, mediadora, descrita “naturalmente” pelo senso comum como mais sentimental.

No catolicismo, visando a necessidade de incluir a presença masculina no seio cristão enquanto fiéis leigos, surge o Terço dos Homens, por considerar de suma importância a presença destes homens na Igreja.

Na cidade de São Fidélis, interior do estado Rio de Janeiro, foi idealizado, no ano de 2015, pelo padre local, o Terço dos Homens na Igreja Nossa Senhora Aparecida e São Fidélis. O objetivo consistia em reunir homens para tratar de assuntos relacionados à religião, a fim de combater o senso comum: a visão de que a fé é uma característica feminina e de que os homens se reúnem apenas para futebol, churrasco e bebidas.

Este artigo traz como premissa a tentativa de entender como se dá essa relação entre masculinidade e fé, observando a dinâmica que ocorre neste rito religioso, organizado em São Fidélis pelo padre local. Além de tentar compreender se a ligação entre a fé e masculinidade pode impactar ou reafirmar o papel do homem na sociedade.

Para a realização e conclusão deste trabalho, foi realizada uma etnografia no ritual e uma entrevista com o religioso idealizador da proposta, além de consultas na literatura que aborda esta temática. Também foram feitas pesquisas na literatura publicada no meio acadêmico de alguns autores que abordam as questões relacionadas a este tema.

(9)

A escolha do tema surge de um interesse pessoal em entender mais sobre o assunto em questão. No segundo semestre de 2018 houve a oportunidade de iniciar a pesquisa de campo através de um trabalho para a disciplina de Metodologia de Pesquisa I com a professora Gisele Almeida. Nesta primeira etapa, foi realizada a observação participante e entrevista com o padre (dentre outras atividades para reconhecimento de campo). Em 2019, no segundo semestre, através da disciplina Oficina de Texto II, ministrada pela professora Jacqueline Deolindo, foi possível aprofundar a leitura nos autores que conversam com a temática de interesse inicial.

Em 2020, para a elaboração das disciplinas de monografia I e II, a pesquisa de campo não pode ser realizada conforme o planejamento por conta da Pandemia de Covid-19. Entretanto, houve o aprofundamento na literatura que aborda o tema, e adaptações da pesquisa de forma virtual.

No campo teórico, dentre os autores, podemos destacar as contribuições de Durkheim (1999), que na literatura analisada, tratou dos assuntos referentes às formas elementares da vida religiosa; Goffman (2012), que escreveu sobre os rituais de interação e comportamento humano em sociedade; Vale de Almeida (1995), que por sua vez, realizou pesquisas de cunho etnográfico e teórico no âmbito do estudo sobre a “masculinidade padrão” e Pierre Bourdieu (1998), que analisa o comportamento dominante masculino que sobrevive na sociedade atual pautado pelas dicotomias e oposições entre o homem e a mulher. A pesquisa também contou com busca em sites católicos como o “Opus Dei”, onde foi possível obter informações sobre o terço e em autores que escreveram sobre a história do município de São Fidélis.

SOBRE A ORIGEM DO TERÇO

O terço surge no século XV, após proposta feita pelo frade Alano de Rupe1 (1428 - 1475), à oração do Rosário que remete à citação dos 150 Salmos bíblicos, pois a maioria dos fiéis, inclusive o baixo clero, não era alfabetizada. Para substituir a leitura dos Salmos, o frade Alano de Rupe propôs que fossem realizadas 150

1 Beato e teólogo católico romano que ficou conhecido por expor seus pontos de vista sobre as orações. Fonte: www.opusdei.org. Acesso em: 15 de setembro de 2020.

(10)

orações do Pai-Nosso que na época eram contadas em pedrinhas numa bolsa de couro.

Com o passar do tempo, as pedrinhas foram substituídas por 150 nós em um cordão, e as 150 orações do Pai-Nosso, deram a vez para a reza da Ave-Maria, cuja primeira parte da oração surgiu no ano 600 e a segunda parte somente após o ano de 1480.

O rosário era dividido em 15 partes de 10 nós, onde eram feitas referências aos mistérios da vida de Jesus Cristo, considerado no catolicismo como o salvador da humanidade. Havia 15 mistérios que eram subdivididos em 5 mistérios gozosos, 5 gloriosos e 5 dolorosos. Após algumas modificações, o rosário dividiu-se em três partes.

Assim surge o terço, que representa a terça parte do rosário original, anterior à modificação feita no século XX, onde são distribuídas 5 partes de 10 orações da Ave-Maria. O número 5 também é referente à lembrança das 5 chagas de Cristo cravado na cruz.

Figura 1 – Ilustração autoexplicativa da reza do terço

Fonte: https://pt.aleteia.org/2018/06/18/como-rezar-o-terco-um-guia-ilustrado/

(11)

No século XIII, juntamente com o surgimento do terço, surge também a segunda parte da oração da Ave-Maria. A divulgação do terço, por sua vez, teve grande responsabilidade do São Domingos de Gusmão (1170-1221), santo espanhol que lutava contra heresias na França. Por um momento esta luta pareceu ser em vão e, segundo conta a tradição, por este motivo, Domingos teria ido a um bosque chorar e suplicar a Maria2 que lhe mostrasse uma arma espiritual eficaz.

Conta-se que Nossa Senhora, então, mostrou o terço para São Domingos, com as 50 Ave-Marias, passando a ser conhecido como Saltério da Bem-Aventurada Virgem Maria. A partir daí, São Domingos começou a espalhar esta devoção, encontrando eco nos fiéis católicos que não sabiam ler e queriam de alguma maneira imitar os monges que recitavam os 150 Salmos da Bíblia3.

A tradição também conta que Nossa Senhora teria aparecido ao beato, frade Alano de Rupe, que criou as agrupações dos Mistérios (gozosos, dolorosos e gloriosos) e acrescentou a oração do Pai-Nosso no início de cada dezena. O terço, ganha em 2002, um novo mistério: Os mistérios luminosos. Acrescido pelo então Papa João Paulo II.

Pode-se observar que no decorrer da trajetória, do rosário ao terço dos tempos atuais, todos os envolvidos citados como influência na implementação deste modo de rezar, são pessoas do gênero masculino. Porém, pode-se observar também que nas igrejas, o número de fiéis do gênero feminino é aparentemente maior que os de gênero masculino.

A HISTÓRIA DA CIDADE DE SÃO FIDÉLIS

Segundo Carneiro (1988), o território do Município de São Fidélis era habitado pelos índios Coroados e Puris. O primeiro relato da chegada dos colonizadores deu-se por volta de 1780.

Foi em 1781 que o vice-rei Marquês de Lavradio, tomou as primeiras providências para que fosse erguida uma grande aldeia para os indígenas. Foram incumbidos dessa missão os frades capuchinhos Frei Vitório de Cambiasca e Frei

2 Segundo o catecismo da Igreja Católica (1999), p. (294): "«Efectivamente, a Virgem Maria [...]

é reconhecida e honrada como verdadeira Mãe de Deus e do Redentor [...]. Ao mesmo tempo, porém, é verdadeiramente "Mãe dos membros (de Cristo) [...]".

3 Fonte: http://www.sitecatolico.com.br. Acesso em: 15 de setembro de 2020.

(12)

Ângelo de Lucca que chegaram às terras que até então pertenciam ao município que hoje é denominado Campos dos Goytacazes.

Os frades capuchinhos foram à procura de um local apropriado para o aldeamento, onde encontraram acolhimento por parte de alguns índios coroados, em um sítio conhecido por Gamboa. Neste local foi erguida a cidade de São Fidélis.

Os frades celebraram a primeira missa em oratório improvisado, depois transformado em capela, dedicada ao culto de São Fidélis de Sigmaringa. Com o passar dos anos e com o crescimento populacional, devido à chegada de imigrantes, houve a necessidade da construção de um templo.

No dia 8 de setembro de 1799, foi lançada a pedra fundamental da igreja, edificada através da mão-de-obra indígena e escrava, tendo sido inaugurada em 23 de abril de 1809, a Igreja Matriz de São Fidélis.

Figura 2 – Igreja Matriz de São Fidélis

Fonte: Anthony Araujo (abril/2021)

A princípio, a até então denominada São Fidélis de Sigmaringa, foi considerada como Freguesia através da lei provincial n.º 177, de 02-04-1840, no município de Campos (atual Campos dos Goytacazes).

A Freguesia foi elevada à categoria de Vila, ainda com a denominação de São Fidélis de Sigmaringa, pela lei provincial n° 503 de 19-04-1850, desmembrando-a de Campos.

(13)

Foi no dia 03 de dezembro de 1870 que a vila de São Fidélis de Sigmaringa, foi elevada a condição de cidade e renomeada para apenas São Fidélis.

O Terço dos Homens no município de São Fidélis, interior do estado Rio de Janeiro, surgiu no dia 1° de março de 2015, após o padre idealizador deste movimento sentir a necessidade de trazer o homem para seio da Igreja, pois segundo o pároco, a forte presença masculina é imprescindível para a Igreja e para a formação cristã da sociedade e da família. Importante destacar que o município, segundo o último Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2010, conta com uma população de 37.543 distribuída, quanto à religiosidade, da seguinte forma: Católica Apostólica Romana (15.343), Evangélica (14.331) e Espírita (366)4.

O ritual da reza do terço é realizado semanalmente na Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida e São Fidélis, pertencente à administração apostólica São João Maria Vianney, circunscrição eclesiástica liderada pelo Bispo Dom Fernando Arêas Rifan, sediada na cidade de Campos dos Goytacazes, RJ.

A administração funciona de forma tradicionalista, mantendo padrões da Igreja Católica anteriores ao Concílio Vaticano II5: As missas são celebradas em latim, as mulheres usam saias com o comprimento abaixo do joelho. Homens e mulheres usam blusas de manga comprida.

DA DESCRIÇÃO DO ESPAÇO FÍSICO DA IGREJA

A Paróquia Nossa Senhora Aparecida e São Fidélis é situada no centro da cidade de São Fidélis, na região norte do estado do Rio de Janeiro, tendo como endereço a Rua Dom Antônio de Castro Mayer e localizada de frente para a Avenida Sete de Setembro. Por ser a matriz da vertente tradicionalista no município, a igreja é relativamente grande e bastante ampla. Edificada acima do nível da rua, ela é acessada através de duas escadarias (uma do lado direito e outra do lado esquerdo,

4 Fonte: https://cidades.ibge.gov.br/brasil/rj/sao-fidelis/panorama. Acesso em 27/04/2021.

5 Marco histórico, influenciado pelos teólogos modernistas, entre os anos de 1962 e 1965, que contrariou os ensinamentos deixados pelo Papa Pio X (MAYER, 1971, p. 23).

(14)

mas que se encontram ao centro, formando apenas uma que dá acesso direto à igreja) não muito altas.

Figura 3 – Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida e São Fidélis

Fonte: Anthony Araujo (abril/2021)

Existe rampa de acessibilidade para cadeirantes na escola ao lado (pertencente à paróquia da administração apostólica), mas que também dá acesso à igreja. Os portões principais ficam de frente para a rua, bem grandes e de madeira maciça. Ao pôr os pés no templo, já somos posicionados numa passarela de granito que leva diretamente ao altar.

Dentro da igreja existem quatro fileiras com dezesseis bancos um atrás do outro. Duas na parte mais central e uma do lado esquerdo e outra do lado direito, próximo às saídas de emergência (parecidas com compridas varandas verticais).

Na parede do lado esquerdo existem sete quadros, do lado direito, mais sete, totalizando quatorze quadros que representam as estações da Via Crúcis de Cristo (como é comum nas igrejas católicas), trajetória que representa os últimos momentos de vida de Jesus carregando a cruz desde Pretório até o Calvário onde faleceu.

(15)

Do lado direito, nos fundos da igreja e próximo à entrada/saída existe uma grande imagem de Nosso Senhor dos Passos6 (perto de onde eu fiquei sentado fazendo a observação) com a oração do referido título de Jesus impresso em papel amarelo e plastificada posta aos pés da escultura. Já no lado esquerdo, também aos fundos, é onde está localizada a pia batismal.

Figura 4 – Imagem de Nosso Senhor dos Passos

Fonte: Anthony Araujo (novembro/2018)

No centro do altar, situado na parte mais alta e de destaque da catedral, ficam o sacrário7 e mais algumas imagens. Dentre elas, a imagem de Nossa Senhora Aparecida (um pouco acima do centro da parede), envolta num aparelho metalizado de cor dourada e de formato oval, com a representação de feixes de luz com muitos raios sendo irradiados. Mais acima, próximo ao teto, existe a imagem de uma pomba branca (símbolo do Espírito Santo de Deus) esculpida em gesso, também como a representação de feixes de luz em cor dourada.

6 Também chamado de Senhor Bom Jesus dos Passos. Trata-se de uma devoção especial da Igreja Católica que faz referência ao trajeto percorrido por Jesus Cristo com a sua cruz.

7 Trata-se de uma espécie de compartimento onde fica guardada a hóstia que simboliza para os católicos, o corpo e sangue de Cristo (PAIVA, 2020). Para o fiel católico, a hóstia é o corpo e sangue de Cristo e não uma representação.

(16)

Na direção do altar, um pouco mais para o alto, há uma escultura de Jesus pregado na cruz, com imagens de dois anjos rezando ajoelhados. Um de cada lado.

Sobre o altar há seis castiçais na cor bronze, três do lado esquerdo e três do lado direito com o sacrário no meio. Entre os castiçais existem pequenos vasos com arranjos de margaridas brancas e amarelas, quatro ao todo. De volta ao centro da parede onde fica o altar, existem duas grandes imagens sacras: Do lado esquerdo há uma imagem de São Fidélis, do lado direito, uma imagem de São João Maria Vianney. Ainda do lado direito, fica a sacristia, mas antes de chegar a essa dependência da igreja, em cima de uma grande banqueta de mármore, fica uma imagem de Santa Terezinha8. Do lado oposto há uma imagem do Papa João Paulo II. A luz vermelha acesa, próxima ao sacrário, indica que Jesus estava presente no tabernáculo.

Seguindo do lado esquerdo, próximo à extremidade do templo, encontra-se uma grande imagem de Jesus pendurado e ensanguentado na cruz, abaixo, no que aparenta ser outro altar, existem seis castiçais prateados e enfileirados no sentido horizontal. Próximo a este altar, há um móvel de tamanho mediano que aparenta ser um local para rezar de joelhos, cabendo até duas pessoas lado a lado. Continuando do lado esquerdo, um pouco mais a frente, há no chão uma escultura simples de madeira, na cor branca, lembrando o formato de um pódio com sete níveis. Neste pódio estão cravadas cinco bandeiras azuis com uma foto impressa de Nossa Senhora Aparecida e os dizeres “Paróquia Nossa Senhora Aparecida” em cima, e embaixo, o nome do município e a sigla do estado da federação ao qual a igreja pertence.

Diversas fitas coloridas como as do Senhor do Bonfim (típicas da cidade Salvador, na Bahia) estão amarradas às bandeiras, todas contendo os escritos

“Lembrança de Nossa Senhora Aparecida”. À frente dessas bandeiras existe uma mesa de material metálico na cor bronze e um tampão de mármore bege com manchas rosas distribuídas por todas as partes. E em cima da mesa há uma imagem de tamanho mediano de São José segurando o menino Jesus em um dos braços, e um lírio branco no outro.

8 Santa considerada padroeira dos missionários. Fonte: www.vaticannews.va. Acesso em: 26 de abril de 2021.

(17)

No lado esquerdo da igreja fica também o local onde o padre realiza a homilia9, há um suporte de madeira onde são colocados folhetos e o microfone, e abaixo, numa pequena escada de três degraus, fica localizada uma caixa de som no canto direito do segundo degrau.

Logo abaixo, pegando toda e extensão do altar, de fora a fora (com apenas uma abertura no meio do trajeto que dá acesso ao altar), fica a parte na qual os fiéis se ajoelham para receber a comunhão. Os confessionários estão relativamente próximos a este local, cada um de um lado.

Retornando ao lado direito, na parte da frente da igreja, há uma cátedra e dois assentos vermelhos, acredito eu, reservado aos coroinhas. Há também uma outra imagem de Cristo, desta vez representada pelo Sagrado Coração de Jesus.

Já na parte direita aos fundos da catedral, próximo ao portão, está localizada uma escada que dá acesso à parte superior do templo, onde fica o teclado no qual são tocados os hinos.

Próximo aos bancos de ambas as laterais, existem três portões de madeira com vidros coloridos na cores amarelo, azul, verde e vermelho, subdivididos por entre as cinco pilastras que dão sustentação ao saguão. No teto da igreja estão instalados quatro longos lustres dourados com doze lâmpadas brancas cada um.

Os lustres estão distribuídos verticalmente por toda a cúpula da catedral.

De volta à entrada da igreja, existe um imenso vitraux, daqueles que são abertos quando a noiva adentra pelo santuário em direção ao noivo, feito em madeira maciça e contendo quatro vitrais com imagens de Nossa Senhora Aparecida, pescadores (em alusão ao aparecimento da santa) e o coração chagado de Jesus.

A igreja não possui aparelhos de ar-condicionado, mas há ventiladores por toda a parte, mesmo não havendo necessidade, pois o templo foi arquitetado de

9 Trata-se de um dos elementos do ritual da missa, onde após leitura do evangelho, texto bíblico, o celebrante se dirige a comunidade, de forma oral, em geral, e conduz o processo de explicações bíblicas relacionando ou exemplificando com a realidade social buscando reflexões sobre os ensinamentos cristãos do catolicismo (PAIVA, 2020).

(18)

modo que fosse bastante arejado, sendo, portanto, quase que dispensáveis esses recursos de ventilação artificial.

DO RITUAL DO TERÇO OBSERVADO

O Terço dos Homens realizado no dia 20 de novembro de 2018, estava marcado para iniciar às 20h, mas começou com quinze minutos de atraso. Apesar de eu ter chegado mais cedo, o local já estava completamente limpo e arrumado.

Por volta das 19h30min o padre, muito simpático, já estava a postos na frente da igreja para receber e dar boas-vindas aos fiéis. Aos poucos eles vão chegando e enchendo o local. A grande maioria usava uma camiseta azul escuro com a imagem do menino Jesus no colo de São José envolta em um terço na parte da frente, na parte de trás havia uma hashtag com os dizeres “terça tem terço”, e logo abaixo, o nome da paróquia. Um fiel distribuía terços aos outros membros, inclusive entregou um para o autor deste artigo.

Figura 5 – Terço distribuído aos membros

Fonte: Anthony Araujo (novembro/2018)

Às 20h15min é dado o início da cerimônia com o padre chamando a imagem de Nossa Senhora Aparecida ao som do hino do terço dos homens (Anexo A). Dois membros participantes do terço caminham rumo ao altar para entregar a imagem ao padre, que a recebe e a levanta. Neste momento todos aplaudem. O padre

(19)

começa pela Oração do Credo, depois reza o Pai Nosso10 e a Ave Maria11 (Anexo B). O sacerdote inicia e os fiéis dão continuidade às orações.

Enquanto isso, um dos fiéis sem o uniforme, distribuía o que aparentemente seriam senhas, eram números escritos manualmente em pequenos pedaços de papel ofício que variavam entre os números 01 e 50012. Neste momento, todos os demais estavam ajoelhados rezando em voz alta as orações do terço.

Figura 6 – Senha distribuída no local da realização do terço

Fonte: Anthony Araujo (novembro/2018)

O primeiro mistério foi rezado em intenção à agonia de Jesus. No segundo mistério, a flagelação de Cristo. Ainda no segundo mistério, é colocado nas orações um pedido de melhora de saúde de um dos fiéis que não estava presente. O terceiro mistério foi rezado em intenção à coroação de espinhos de Jesus. No quarto mistério, o intento foi por Jesus carregando a cruz no calvário.

No quinto e último mistério, contempla-se a crucifixão e morte de Jesus em expiação dos pecados de toda a humanidade. Foram meditados os mistérios dolorosos.

O terço é um objeto de cunho religioso, especificamente do catolicismo, que se assemelha a um cordão, contendo cinquenta e nove contas, uma medalha e um crucifixo.

10 Oração mais conhecida do cristianismo, considerada pelos fiéis, um modelo de oração dada pelo próprio Jesus Cristo.

11 Oração que saúda a Virgem Maria, baseada nos episódios bíblicos que são: a anunciação da sua concepção revelada pelo anjo Gabriel; e sobre sua visitação à sua prima Isabel.

12 Já ocorreu deste número ser superior a 500 como pude observar em campo no ano de 2019.

(20)

Durante as idas no campo em 2018 e 2019, o ritual do terço contava com o momento no qual o padre “puxava” as rezas e os homens respondiam em seguida diante da imagem de Nossa Senhora Aparecida. A ação de “puxar o terço” consiste em iniciar a reza do terço. Os fiéis mostravam-se concentrados, posicionados de joelhos com o terço entre as mãos buscando realizarem suas preces.

Para Marcel Mauss, a prece não é algo individual. Ela segue um princípio de coletividade:

Ora, o que qualifica o religioso para Durkheim é a referência ao sagrado e tal tem necessariamente de ser coletivo. Por isso Mauss se sente obrigado a insistir sobre a natureza coletiva da prece e a natureza individual da magia – nada disso muito fácil de comprovar à luz do material histórico e etnográfico que possuía (CABRAL, 2009, p.16.)

A partir da análise de Mauss podemos pensar que a celebração do ritual do terço dos homens apresenta a prece como algo coletivo. Um grupo de homens que se junta em oração visando obter, em coletividade, as suas necessidades específicas. Cada um irá suplicar suas preces aos seres superiores nos quais eles creem: Deus, Nossa Senhora, os santos e os Anjos da Guarda.

Ao fim do terço no campo realizado no dia 20 de novembro de 2018, o padre inicia a reflexão sobre o “homem da bíblia”. Ele cita o final do capítulo 7 do Evangelho segundo São Mateus, que fala sobre ouvir e pôr em prática a palavra de Deus. Após a reza o padre narrava um grito de guerra junto aos homens do terço:

“Viva Cristo!”. E os homens respondiam em seguida: “Rei”. O padre novamente aclamava em voz alta: “Viva Nossa Senhora”! Os homens do terço respondiam em coro: “Rainha!”, categoria associada a Maria, mãe de Jesus.

Após este momento, o padre, em sua pregação, afirma que só a palavra de Deus não basta: “Temos - se referindo aos homens do terço - que vivenciar de fato o que foi proposto por Cristo”. Ao final da homilia o sacerdote pede que todos se levantem para rezarem juntos a oração da Salve Rainha13 (Anexo B).

Após essa oração todos se sentam e o padre pergunta se os fiéis estão com a senha do sorteio dos brindes. O sorteio é realizado e depois deste momento de

13 É uma oração em homenagem à Maria, mãe de Jesus Cristo. O contexto envolve o reconhecimento dos fiéis como filhos do Salvador.

(21)

descontração o sacerdote anuncia que naquele dia estiveram presentes 230 homens e finaliza o rito dando a bênção final ao som do hino “Dai-nos a bênção”, entoado no teclado por um dos membros do terço lá de cima do saguão.

Enquanto a música da bênção era tocada, alguns desciam as escadas em direção ao estacionamento rumo às suas casas, outros preferiram continuar na paróquia conversando à espera do lanche que foi servido no pátio da igreja. O clima era de fraternidade. Porém, a reunião em si, foi oficialmente encerrada às 21h junto aos badalos do sino.

DA OBSERVAÇÃO, PARTICIPAÇÃO E PERCEPÇÕES NO CAMPO

Ao longo do terço, enquanto pesquisador, minha atuação ocorreu como participante direto, mesmo que de maneira reservada, intervindo, fazendo perguntas e em relacionamento com os envolvidos. Procurava agir de maneira reservada, como citado, por não querer exercer muita influência no campo, além de estar preocupado em realizar anotações e registrar os acontecimentos em fotos.

Quando as pessoas aplaudiam, também aplaudia. Quando diziam amém, também dizia amém. Atuei sentado durante quase toda a cerimônia.

Por ser um movimento organizado pela igreja tradicionalista, as formalidades e protocolos do ritual soavam para mim como sendo uma prática

“dura”, “sisuda”, conferindo à celebração um tom mais soturno. Os hinos possuíam melodias mais melancólicas, por serem mais introspectivas, diferentes dos cânticos cantados nas igrejas renovadas, que em geral adotam uma verve mais

“pentecostal”.

A pregação do padre atingiu os objetivos propostos pela reunião: os homens em comunhão, rezando, aclamando e confraternizando entre eles. Uma reunião entre os homens do terço, algo considerado “saudável” para a igreja, mas não houve espaço para que os frequentadores pudessem expor seus testemunhos de vida e de fé. Ao longo das idas no campo percebia alguns homens emocionados e alguns chorando de forma mais comedida e introspectiva.

(22)

Na entrada da igreja tinha uma espécie de cofre grande, feito de madeira, contendo escritos pedindo ajuda financeira para a realização do lanche que é servido após o terço, mas em momento nenhum da celebração a temática do dinheiro foi posta em evidência. O lanche era um caldo verde servido por mulheres, entretanto é interessante observar que no dia do terço das mulheres, a lógica se inverte e quem serve são os homens.

Sobre os homens que estavam no terço, não havia um padrão homogêneo, a não ser pelo uso dos uniformes (camiseta azul com motivo religioso e calça jeans ou preta). Mas no que tange à idade, raça e estado civil eram bastante variados.

Figura 7 – Fiéis reunidos utilizando o uniforme:

Fonte: Anthony Araujo (novembro/2018)

A postura dos fiéis que estavam distribuindo os terços antes da cerimônia, distribuindo as senhas para a realização dos sorteios e realizando outras atividades enquanto o ritual acontecia, foi muito acolhedora, apesar de aparentarem certa curiosidade sobre o que o autor do artigo estava fazendo naquele local.

Ao final da celebração, o padre – que havia explicado que seria realizado um trabalho de campo durante o ritual do terço naquele dia – me apresentou para a assembleia. Permaneci no mesmo local onde estava fazendo a observação, tendo em vista que o sacerdote não me chamou para ir à frente da igreja. Todos os membros do terço então olharam para trás e pude notar uma expressão de esclarecimento da dúvida e até de admiração.

(23)

Um detalhe que chamou atenção foi que a única mulher presente na igreja chegou após o término do terço para desempenhar a função de arrumar o local, vale salientar que neste caso a mulher é funcionária contratada há muitos pela igreja para desempenhar esta função.

Experimentar o campo estando em um ritual relativamente conhecido é um exercício para a formação, enquanto cientista social, de transformar o familiar em exótico e o exótico em familiar (Gilberto Velho, 1987).

A RELIGIÃO E A SOCIEDADE

Segundo Durkheim (1999), a religião é uma forma de representação social, porque equivale essencialmente a um conjunto de crenças e símbolos que são comuns a todos os membros de uma dada comunidade religiosa, e essas crenças, símbolos e ritos são uma forma de manter a coesão desse conjunto de pessoas.

Para ele, o ser humano possui natureza religiosa desde o início de sua existência, e busca maneiras de interpretar a vida. Essa explicação também pode vir por intermédio da religião, e a Sociologia deve buscar assimilar todas as formas de representação nos atravessam enquanto seres sociais.

A religião, quando ultrapassa as práticas puramente religiosas e interfere em outros aspectos da vida social, é parte essencial para a formação da moralidade individual e coletiva.

Émile Durkheim (1999) ressalta que não existe religião falsa, todas tem sua verdade, cada uma à sua maneira. O autor também aborda que a religiosidade em si não é falsa, pois se trata de uma instituição humana que tem sobrevivido ao tempo e à história e segundo ele não existe algo falso que resista desse modo.

Já Erving Goffman (2012) faz uma análise dos fatores que influenciam o comportamento humano e formam a identidade quando se está em contato com outras pessoas, evidenciando como se constrói o complexo emaranhado das relações sociais num espaço-tempo em que os atores sociais se encontram em copresença, face a face.

(24)

Na obra de Miguel Vale de Almeida (1995), o antropólogo indica que a relação entre os gêneros (homem e mulher) seria assimétrica e contextualmente hierarquizada, ou seja, se a diferença de gênero pode ser entendida como um princípio classificatório capaz de dar sentido aos seres é também suscetível de ser apropriada politicamente como instrumento ideológico para a legitimação da dominação de um gênero sobre o outro.

Para Pierre Bourdieu (1998), a estrutura objetiva da divisão sexual das

"tarefas" ou dos encargos, que se estende a todos os domínios da prática e, principalmente, às trocas (com a diferença entre as trocas masculinas, públicas, descontínuas, extraordinárias e as trocas femininas, privadas, ou até secretas, contínuas e rotineiras) e às atividades religiosas ou rituais, em que se observam oposições do mesmo princípio.

Visando compreender a religião e a sociedade, pelo ponto de vista do padre idealizador do terço dos homens na cidade de São Fidélis, foi realizada uma entrevista, cujas perguntas foram extraídas das leituras prévias dos referidos autores. Para direcionar a entrevista, foi traçado o seguinte roteiro: 1- Como se observa o papel do homem para a família e sociedade; 2- Como é o papel da mulher para a família e sociedade; 3- O que é ser um “homem de Deus”; 4- O que é ser uma “mulher de Deus”; 5- Homens e mulheres são iguais? Sim ou não?; 6- É possível um homem de Deus, que não seja ordenado, seja honrado sem ter uma mulher e filhos?

O entrevistado foi o padre local, natural de Varre-Sai, tem 42 anos de idade e é pároco da Igreja Nossa Senhora Aparecida e São Fidélis, no município de São Fidélis.

A entrevista foi feita na sacristia da paróquia, cômodo onde fica o sacrário.

Este espaço também é o local onde o padre se arruma para celebrar os cultos.

Trata-se de um local tranquilo, onde não houve a interrupção de nenhuma outra pessoa. A referida entrevista aconteceu na terça-feira, dia 20 de novembro de 2018, durou cerca de meia hora e foi realizada uma hora antes do início da reunião do terço dos homens.

(25)

Foi utilizado um gravador como ferramenta de trabalho. Após um bate-papo inicial com o padre para falar sobre a temática da entrevista, o autor foi direto à primeira pergunta: “Na sua opinião, qual é o papel do homem para a família e sociedade?” A resposta do padre foi:

Então, é... o homem tem esse papel de ser o sustentáculo da família, o amparo, né? É claro que não no sentido de menosprezar o papel da mulher, mas o homem tem essa missão de ser o amparo da família, a proteção. O homem tem essa missão de levar consigo a responsabilidade da casa, da família, não é? (Entrevista em 20 de novembro de 2018).

Após esta primeira resposta do padre, foi feita uma segunda pergunta, baseada na necessidade de compreender qual era o seu ponto de vista sobre o papel da mulher para a família e a sociedade. Obtendo a seguinte resposta:

Então, a mulher tem o seu papel importante, não é? A coragem de enfrentar desafios, né (sic), a capacidade que a mulher tem da perseverança, de lidar com situações difíceis, não é? E a mulher traz também para a casa aquele lado do carinho e da ternura, pois isso complementa também o lado família, claro, né (sic)? Sendo que muitas vezes há lugares onde a mulher faz o papel do pai e da mãe, o homem faz o papel do pai e da mãe, né (sic)? (Entrevista em 20 de novembro de 2018).

Segundo o padre entrevistado, a mulher é a auxiliadora do homem junto ao lar, e ambos têm também a sua função na sociedade enquanto cristãos e cidadãos, cada um com suas características únicas, mas que ao final se completam, o que me lembrou muito a análise Vale de Almeida (1995), ao apontar que a relação entre os gêneros seria assimétrica e contextualmente hierarquizada, pois apesar de reforçar a ideia de igualdade entre o homem e a mulher, fica explícita na fala do padre essa diferenciação dos papéis nos contextos religioso, familiar e social.

Acerca da pergunta “O que é ser um ‘homem de Deus’?”, ele responde que acha que podemos nos basear um pouco no que está na própria palavra de Deus14:

“O homem de Deus é o homem que procura pautar a sua vida segundo a lei do criador. Deus espera de nós, não só aquelas qualidades espirituais que nós chamamos de virtudes, mas também qualidades humanas”. A respeito do “homem de Deus”, o pároco completa:

O homem de Deus é aquele que vive a sua fé de uma maneira coerente, e essa coerência da fé o leva a ser honesto, a ser uma pessoa boa, a ser um bom cidadão, a ser um bom profissional, um

14 Expressão usualmente utilizada por religiosos para se referir à Bíblia Sagrada.

(26)

bom patrão, um bom empregado, porque a fé é uma luz que nos ilumina no nosso dia a dia, então o homem de Deus é aquele que procura, por estar iluminado pela fé, ser um bom cristão e um bom cidadão (Entrevista em 20 de novembro de 2018).

Após ouvir o padre a respeito de sua descrição sobre o que é ser um

“homem de Deus”, procuro extrair dele, como ele descreveria a “mulher de Deus”

com a pergunta: “E sobre ser uma ‘mulher de Deus’, qual a sua opinião?”

A mesma coisa, aqui quando a gente fala “o homem”, poderia falar o ser humano, né (sic)? O princípio é o mesmo. Tanto o homem como a mulher, né (sic), uma vez que eles procuram pautar a sua vida pelas leis de Deus, pela palavra de Deus, ele vai ser uma pessoa de Deus. (Entrevista em 20 de novembro de 2018).

Para o sacerdote homens e mulheres podem seguir o mesmo propósito para se tornarem pessoas de Deus, pois na visão dele ambos são chamados à eternidade, independente das diferenças de gênero, e que a igreja não deve ser considerada um ambiente apenas feminino, a santidade é para todos.

Independentemente de qualquer coisa.

Pierre Bourdieu (1998) traz uma análise que contribui para problematizar a visão do padre entrevistado sobre a relação da mulher e do homem na sociedade.

Segundo o autor:

A pesquisa histórica não pode se limitar a descrever as transformações da condição das mulheres no decurso dos tempos, nem mesmo a relação entre os gêneros nas diferentes épocas; ela deve empenhar-se em estabelecer, para cada período, o estado do sistema de agentes e das instituições, Família, Igreja, Estado, Escola etc., que, com pesos e medidas diversas em diferentes momentos, contribuíram para arrancar da História, mais ou menos completamente, as relações de dominação masculina (BOURDIEU, 1998, p. 101).

Quando questionado se homens e mulheres são iguais, o padre é enfático:

“Acho que dizer sim ou não é sempre complicado porque as respostas são complexas. Enquanto filhos de Deus, nós somos iguais, mas por outro lado somos diferentes, né?”. E complementa: “São dois sexos diferentes com suas características, mas não uma desigualdade que leva um a ser inferior ao outro.

Cada um tem aquilo que é próprio”. Para o padre é nessa diferença entre o homem e mulher, que eles se completam.

Entretanto, Bourdieu (1998), relata que existem três instâncias principais (Família; Igreja e Escola) que legitimam a dominação masculina:

(27)

Uma verdadeira compreensão das mudanças sobrevindas, não só na condição das mulheres, como também nas relações entre os sexos, não pode ser esperada, paradoxalmente, a não ser de uma análise das transformações dos mecanismos e das instituições encarregadas de garantir a perpetuação da ordem dos gêneros.

(BOURDIEU, 1998, p. 102).

Na pergunta anterior, a resposta do padre enfatiza que o homem e a mulher se completam, mas para a visão social, um homem que não tem uma mulher para complementá-lo e que não seja ordenado como um padre ou religioso celibatário recebe o mesmo respeito da sociedade que um homem que se enquadra nas características da masculinidade padrão? Baseado nesta dúvida, foi feita a última pergunta desta entrevista: “É possível um homem de Deus, que não seja ordenado, seja honrado sem ter uma mulher e filhos?”.

O padre responde a referida pergunta seguindo os aprendizados, ensinamentos e conhecimentos adquiridos ao longo da sua vida enquanto religioso e que vão de acordo com os preceitos da fé do campo em que ele atua.

Digamos assim que a vocação ao matrimônio, a condição de se casar, é o mais comum, por isso pode gerar na nossa cabeça que é uma necessidade, mas não é. Há várias maneiras de se viver.

Existem várias pessoas na igreja que nem são monges, nem são padres e nem se casam, mas são pessoas consagradas, são pessoas que fizeram essa opção, não é? Elas querem viver nesse mundo, como diz o Evangelho, como nós vamos viver na eternidade, como os anjos de Deus, como Jesus fala que não se casam (Entrevista em 20 de novembro de 2018).

Ele finalizou dizendo que é possível ser um homem de Deus mesmo sem contrair matrimônio e constituir família, e reiterou a fala de que Deus pode chamar o homem a viver uma vida consagrada mesmo não sendo padre e nem estando casado15.

No ano de 2019 foram feitas leituras na literatura referente à pesquisa, visitas esporádicas ao local e alguns escritos para a disciplina de Oficina de Texto II na universidade. Entretanto, estava programado para o ano de 2020 o retorno no campo visando a etnografia da fé do terço e entrevistas com os fiéis da reza do

15Em 2018 entrei em contato com o padre para a realização da pesquisa. No ano de 2019 o encontrei algumas vezes e falei sobre a possibilidade de realizar a pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) tendo como base o Terço dos Homens. Ele gostou da temática e aceitou a proposta. Marquei de realizar o “combinado” no ano de seguinte, mas devido à Pandemia de Covid-19 os planos foram alterados.

(28)

terço. Estas ações não foram possíveis, pois foi necessário fazer um isolamento social por medidas de combate necessárias à pandemia de Covid-19. Entretanto, houve a tentativa de acompanhar o terço de forma remota, através das redes sociais da igreja. Nesta procura observou-se a transmissão do terço, mas não havia especificação de que era um ritual destinado somente aos homens da paróquia sendo, inclusive, acessado majoritariamente por mulheres. Diante desta questão, houve a dificuldade de continuar observando o comportamento do homem durante a reza do terço. Observando o ritual pelas redes sociais ao vivo, o padre fazia convite para que os fiéis assistissem à transmissão ao vivo do terço, não delimitava a questão de gênero, apenas convidava para a reza.

A reza do terço permaneceu on-line, todas terças-feiras, às 19h. Pelo chat, verifiquei haver apenas a participação do público feminino que apresentava saudações de “Boa noite”, evocações como “Nossa Senhora interceda por nós”, pedidos pela alma do purgatório16, intenções aos padres, pela cidade, pelos mortos em decorrência da Covid-19, pela cura das almas, recuperação de familiares são alguns dos registros. A partir do dia 16 de abril de 2021 reza do terço on-line foi interrompido, devido ao início da novena do santo padroeiro do município e que leva o nome da igreja juntamente com Nossa Senhora Aparecida.

Como não houve a possibilidade de continuar no campo conforme o planejado para 2020, o artigo foi centrado, em grande parte, na observação participante e entrevista nos anos de 2018 e 2019. Em 2020 foi aprofundada as leituras e, através do diário de campo, a escrita etnográfica além do acompanhamento do terço na página do facebook da paróquia.

Vale salientar que o trabalho se embasava em observar a masculinidade do homem e sua fé quando ele estava em um ciclo de convívio que havia somente outros homens. O que ficaria inviável de perceber mesmo com o acompanhamento no terço on-line devido ao grande acesso por parte das mulheres, ao menos pelas observações nos chats.

16 O purgatório representa no Catolicismo um local intermediário entre o Céu e o Inferno. É onde a alma fica aguardando ser purificada. Há a figura do fogo que simboliza uma purificação. A reza, segundo os fiéis, ajuda fazer com que a alma siga para o céu mais rapidamente.

(29)

CONSIDERAÇÕES FINAIS:

Este artigo propôs colocar em questão a relação que se dá entre a masculinidade e a fé dos fiéis do sexo masculino que se propõem a frequentar o grupo do Terço dos Homens que é realizado pela Igreja Matriz de Nossa Senhora Aparecida e São Fidélis. Visto que a demonstração da fé é algo relacionado às características femininas de demonstração de sentimentos.

Para tal análise, foi necessário avaliar a história da origem do terço em seus primórdios, desde a criação do Rosário, chegando até o atual modelo de como a reza do terço está instituída nos dias de hoje, fazendo uma correlação desta prática de fé com a origem do município que foi fundado por frades católicos.

Também para este artigo, foi realizada uma observação participante da prática deste rito de fé, onde um grupo de apenas homens se reúne para realizar a reza do terço em um dia específico da semana (toda terça-feira), pondo em prática a sua expressão de fé.

Por fim, faço uma análise referente a minha participação e percepção durante a prática religiosa com embasamentos teóricos para a realização da entrevista.

Pode-se considerar que o tema é de fundamental importância para colocar em debate a construção social da masculinidade.

Buscando entender o real impacto da religião acerca da masculinidade, foi feita a observação do ritual em questão e uma entrevista com o padre que foi de extrema importância para compreender o ponto de vista do idealizador do movimento do Terço dos Homens na cidade de São Fidélis somados à reflexão epistemológica oriundas do ato de escrever a pesquisa.

A pesquisa não se encerra por aqui. Há um campo como o das entrevistas com os homens do terço que foi suspenso em decorrência da Pandemia de Covid- 19. Há interrogações a serem feitas e problematizadas sobre a temática, como o aprofundamento da antropologia do corpo, frente a reza e como os fiéis da igreja observam a questão do gênero e religiosidade.

(30)

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOURDIEU, Pierre. A dominação masculina. 11ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2012. 160p.

CABRAL, João Pina. A Prece revisitada: comemorando a obra inacabada de Marcel Mauss. Religião e Sociedade, Rio de Janeiro, 29(2): 13-28, 2009.

Disponível: https://www.scielo.br/pdf/rs/v29n2/v29n2a02.pdf. Acesso em 26/04/2021

CARNEIRO, Aurênio Pereira. História de São Fidélis. Imprensa Oficial, Niterói, 1988.

DURKHEIM, Émile. As Formas Elementares de Vida Religiosa: o sistema totêmico na Austrália. Tradução Joaquim Pereira Neto. São Paulo: Paulinas, 1999.

ECCO, Clóvis. A função da religião na construção social da masculinidade.

Revista da abordagem Gestáltica, 01 de junho de 2008, Volume 14, p. 93-97.

GOFFMAN, Erving. Ritual de Interação: ensaios sobre o comportamento face a face. 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 2012.

VALE DE ALMEIDA, Miguel. Senhores de Si. Uma Interpretação Antropológica da Masculinidade. Lisboa: Fim de Século, 1995.

KIMMEL, M.S. A produção simultânea de masculinidades hegemônicas e subalternas. In: Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 4, n.9, Outubro 1998.

MAYER, Antônio de Castro. Por um cristianismo autêntico. São Paulo: editora Vera Cruz, 1971.

PAIVA, Andréa Lúcia da Silva de. Trançado: memória e devoção aos santos de cor nas festividades a Nossa Senhora do Rosário e São Benedito. In. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e Religião, Campinas, v.22, e020027, p. 1-

21,2020. Disponível em

https://econtents.bc.unicamp.br/inpec/index.php/csr/article/view/13378/9354.

Acesso em 25/04/2021.

(31)

PALAZZOLO, Jacinto de. A história de São Fidélis: 1781 – 1963: Fundada pelos missionários capuchinhos Frei Ângelo de Lucca e Frei Vitório de Cambiasca.

Convento dos Padres Capuchinhos, Rio de Janeiro, 1963.

VELHO, Gilberto. Individualismo e cultura: notas para uma antropologia da sociedade contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1987.

Outras fontes

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL CNBB. Catecismo da Igreja Católica - Ed. Típica Vaticana. 19. ed. Brasil: Editora Loyola, 1999. 944 p.

OPUS DEI. A história do Santo Rosário. Disponível em: https://opusdei.org/pt- br/article/a-historia-do-santo-rosario/. 2017

OPUS DEI. O que é terço? Como se reza? Disponível em: https://opusdei.org/pt- pt/article/nossa-senhora-terco-rosario/. 2019

(32)

ANEXOS A – HINO DO TERÇO DOS HOMENS

Hino do Terço dos Homens Padre Antônio Maria

Ó Mãe e Rainha do Santo Rosário, Mãe Admirável, Mãe do Santuário O mundo sem fé na dor se consome Ajuda esse mundo com o Terço dos Homens

No Teu Santuário, que é fonte e berço

Nasceu a missão dos Homens do Terço

O primeiro homem, um santo varão Como o bem-amado, se chama João

Ó Mãe e Rainha do Santo Rosário, Mãe Admirável, Mãe do Santuário O mundo sem fé na dor se consome Ajuda esse mundo com o Terço dos Homens

O Terço é presente de Tua ternura As mãos que o levam são nossas são duras

O homem rezando se torna menino Que pode mudar do mundo o destino

Ó Mãe e Rainha do Santo Rosário, Mãe Admirável, Mãe do Santuário O mundo sem fé na dor se consome Ajuda esse mundo com o Terço dos Homens

O Terço tem contas e é meditado Mas Tu, Mãe, não contas o nosso pecado

Convidas a todos, o Terço é do povo

Só queres que o homem seja Homem novo

Ó Mãe e Rainha do Santo Rosário, Mãe Admirável, Mãe do Santuário O mundo sem fé na dor se consome Ajuda esse mundo com o Terço dos Homens

É Tua escola o Terço, ele é luz Ninguém como Tu sabe mais de Jesus

O Santo Evangelho ensina de novo Teu Terço é Bíblia que Deus deu ao povo

Ó Mãe e Rainha do Santo Rosário, Mãe Admirável, Mãe do Santuário O mundo sem fé na dor se consome Ajuda esse mundo com o Terço dos Homens

Nas Ave Marias que aqui repetimos Falamos do amor que por Ti

sentimos

Com o Terço na mão em santas vigílias

Rezamos unidos às nossas famílias

(33)

ANEXO B – ORAÇÕES CITADAS NO ARTIGO

Oração do Pai Nosso

Pai Nosso que estais nos Céus,

santificado seja o vosso Nome,

venha a nós o vosso Reino,

seja feita a vossa vontade

assim na terra como no Céu.

O pão nosso de cada dia nos dai hoje, perdoai-nos as nossas ofensas assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido,

e não nos deixeis cair em tentação,

mas livrai-nos do Mal.

Oração da Ave Maria

Ave Maria, cheia de graça,

o Senhor é convosco,

bendita sois vós entre as mulheres

e bendito é o fruto do vosso ventre, Jesus.

Santa Maria, Mãe de Deus,

rogai por nós pecadores,

agora e na hora da nossa morte. Amém

Oração da Salve Rainha

Salve, Rainha, mãe de misericórdia, vida, doçura,

esperança nossa, salve!

A Vós bradamos, os degredados filhos de Eva.

A Vós suspiramos, gemendo e chorando neste vale de

lágrimas.

Eia, pois, advogada nossa,

esses Vossos olhos misericordiosos a nós volvei.

E, depois deste desterro,

nos mostrai Jesus, bendito fruto do Vosso ventre.

Ó clemente, ó piedosa,

ó doce Virgem Maria.

Rogai por nós, Santa Mãe de Deus,

para que sejamos dignos das

promessas de Cristo.

Referências

Documentos relacionados

Sendo assim, o presente estudo visa quantificar a atividade das proteases alcalinas totais do trato digestório do neon gobi Elacatinus figaro em diferentes idades e dietas que compõem

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator

O enfermeiro, como integrante da equipe multidisciplinar em saúde, possui respaldo ético legal e técnico cientifico para atuar junto ao paciente portador de feridas, da avaliação

Considerando que, no Brasil, o teste de FC é realizado com antígenos importados c.c.pro - Alemanha e USDA - USA e que recentemente foi desenvolvido um antígeno nacional

By interpreting equations of Table 1, it is possible to see that the EM radiation process involves a periodic chain reaction where originally a time variant conduction

O desenvolvimento desta pesquisa está alicerçado ao método Dialético Crítico fundamentado no Materialismo Histórico, que segundo Triviños (1987)permite que se aproxime de

Assim procedemos a fim de clarear certas reflexões e buscar possíveis respostas ou, quem sabe, novas pistas que poderão configurar outros objetos de estudo, a exemplo de: *

4 Este processo foi discutido de maneira mais detalhada no subtópico 4.2.2... o desvio estequiométrico de lítio provoca mudanças na intensidade, assim como, um pequeno deslocamento