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Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 1390/05.4TDLSB.L1.S1

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Supremo Tribunal de Justiça

Processo nº 1390/05.4TDLSB.L1.S1 Relator: SANTOS CABRAL

Sessão: 04 Novembro 2015 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL

Decisão: ORDENADA A REMESSA DOS AUTOS AO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA PARA SUPRESSÃO DA NULIDADE

RECURSO PENAL PEDIDO DE INDEMNIZAÇÃO CIVIL

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

ADMISSIBILIDADE DE RECURSO FACTO CONCLUSIVO

OMISSÃO DE PRONÚNCIA NULIDADE DA SENTENÇA

Sumário

I - O momento em que se profere a decisão de que se pretende recorrer constitui o elemento essencial para aferir da admissibilidade do respectivo recurso. Datando a decisão recorrida de 14-02-2014, os pressupostos de

admissibilidade são encarados à face da actual redacção do art. 400.º, do CPP.

Pelo que, remetendo este preceito legal para o processo civil é linear que o regime de recursos aplicável é o que consta do Novo Código de Processo Civil, introduzido pelo DL 41/2013, de 26-06, designadamente no art. 7.º de tal

diploma.

II - Havendo dedução de pedido de indemnização civil em processo penal, o equivalente da petição inicial do processo civil não está na notícia do crime, na participação ou na queixa, figuras alheias à acção civil, mas sim no

requerimento em que é deduzido o pedido de indemnização. Tendo o processo ou acção cível iniciado com a dedução do respectivo pedido, em 2006 estava pendente na data da entrada em vigor da nova versão do n.º 3 do art. 721.º do CPC, que por isso não se lhe aplica, em face do disposto no art. 11.º, n.º 1, do DL 303/2007.

III - Face ao disposto no art. 678.º, do CPC, na redacção vigente ao tempo da dedução de pedido cível é admissível recurso ordinário nas causas de valor

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superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões

impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atender-se-á somente ao valor da causa, pelo que é admissível o recurso interposto.

IV - A responsabilidade dos titulares de órgãos, funcionários e agentes é sempre uma responsabilidade funcional – como tal, derivada de acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções ou por causa desse exercício. Nesse contexto, a circunstância de uma determinada acção ter

inscrito na sua génese um acto praticado sob a tutela do dever de obediência a uma ordem proferida no âmbito da disciplina militar que parametrizava a vida profissional do arguido e vítima, assume uma relevância fundamental. Não se pode ignorar que, paralelamente ao dever de disponibilidade permanente, que implica para o militar a apresentação com pontualidade no lugar a que for chamado, o dever de obediência está inscrito no catálogo de deveres que oneram o estatuto castrense.

V - Pelo que, a existência de uma ordem, ou de uma determinação que como tal foi entendida, assume uma importância relevante, sendo que, tal facto foi alegado no pedido cível, quando por remissão se alude à matéria da acusação, de onde consta factualidade relativa a tal aspecto, não tendo a decisão

recorrida considerado tais factos provados, ou não provados, limitando-se a um juízo conclusivo, o que constitui omissão de pronúncia. Pelo que, nos termos do art. 379.º, do CPP, a decisão recorrida incorre em nulidade.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

AA veio interpor recurso da decisão do Tribunal da Relação de Lisboa que confirmou a decisão de primeira instância que decidiu:

Condenar o arguido BB como autor material de um crime de ofensa à

integridade física por negligência p.p no artº 148º/1/3 do C.P com referência ao artº 144º al a) e b) do C.P na pena de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano subordinada ao cumprimento de pagar dentro desse prazo a quantia de 2.500,00 euros ao demandante AA, por conta de parte da indemnização que lhe foi atribuída.

Relativamente à acção cível:

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Condenar o arguido e demandado BB a pagar ao recorrente uma

indemnização cível, acrescida dos juros de mora vencidos e vincendos à taxa legal em vigor desde a notificação para contestar, até efectivo e integral pagamento, sendo que a indemnização foi repartida do seguinte modo:

- 100.000,00 € a título de danos não patrimoniais;

- o montante de 51,09 € por mês, a título de danos patrimoniais sofridos pelo demandante, contados desde 1.10.2004 e até que o demandante necessite de fazer tal despesa com a aquisição do medicamento “Testogel”;

- 250.000,00 € para compensar a perda de rendimentos e a perda de aptidão para os auferir, a que serão deduzidas todas aquelas quantias que o

demandante já recebeu ou venha a receber a título de pensão por invalidez, a concretizar mediante simples cálculo aritmético, ficando o demandando

obrigado a pagar apenas a diferença entre esses valores, os quais serão a liquidar em execução de sentença, nos termos do artº 609º/2 do C.P.

O Estado Português demandado foi absolvido do pedido de indemnização cível contra ele deduzido e acima referido.

O recorrente centra a razão da sua discordância na absolvição do Estado do pedido formulado oferecendo as seguintes conclusões:

a. O douto acórdão do Tribunal da Relação, quando considera que o pedido cível não faz referência ao posto militar da testemunha Paulo Alves ou à ordem dada por este ao assistente, incorre em erro, porquanto no art. 30 daquele requerimento (primeiro, do pedido cível), o assistente dá por reproduzido o que alegara quanto à acusação do assistente e, no art, 13 desta, faz expressa menção do posto de marinheiro consignado à testemunha Paulo Alves e, no art. 16 da mesma acusação, alega que se tratou de uma ordem a que não podia deixar de obedecer. Sendo ambos marinheiros, a referência ao dever de obediência de um grumete se aplica também testemunha, pois se trata de facto instrumental;

b. Naquele sentido, o douto acórdão recorrido, reconhece mesmo que o ofendido "foi chamado para ser confrontado com a arma de fogo pessoal do arguido", na sequência de uma conversas entre o arguido e a testemunha "por haver a suspeita de que o ofendido não gostava de armas" (itálico nosso). Mas não contempla a questão suscitadas no recurso por lapso na apreciação do pedido cível - lapso esse que afecta a decisão quanto à prova e ao direito

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c. Contrariamente ao expendido no douto acórdão, foi suscitada no pedido cível (art. 65) e na acusação do assistente (art. 14), como foi discutida em julgamento na primeira instância, conforme requerimento deduzido pelo

assistente a 25/10/2013, referência citius 3233365, pelo que o uso de munição derrubante, na linguagem popular, ou expansiva, na terminologia técnica, foi devidamente suscitado e deve ser objecto de decisão;

d. O douto acórdão considera, certamente por lapso, que aquelas menções e discussão não foram feitas pelo que não se pronunciou sobre a matéria -

omissão que inquina a decisão quanto aos factos provados e ao julgamento de direito;

e. O douto acórdão não se pronuncia sobre as restantes questões de facto, refugiando-se no entendimento conclusivo e carecente de factos de que não se tratou de uma situação de exercício das funções e por causa delas, brocardo que corresponde a uma concepção do direito administrativo clássico que restringia os actos de gestão pública, na prática, aos hoje inconsequentes actos definitivos e executórios, posta em crise por Marcelo Caetano, Direito Administrativo, I, § 190, o que constitui uma violação das regras da prova, que fere de nulidade o douto acórdão;

f. É apenas com a especificação dos factos e com os respectivo elenco devidamente provado e condensado que é possível fazer-se a subsunção ao direito aplicável, sobretudo numa área tão complexa como a da

responsabilidade do Estado, que pode sustentar-se numa variedade de institutos distintos;

g. Quanto ao direito, o douto acórdão está em contradição com os seus fundamentos, pois entende que não há responsabilidade do Estado por ter omitido a sua função de fiscalização, "quanto ao uso de armas de fogo por militares, já que foi por este criada legislação especifica para o efeito, cabendo depois às hierarquias militares, cuidar da sua aplicação prática e impor o

respeito da mesma às várias hierarquias militares" (itálico nosso, com a devida vénia);

h. A responsabilidade por falta de vigilância não se esgota na produção da lei (que autoriza a arma a militares) e do regulamento (que impede a sua entrada no quartel), pelo contrário deve traduzir-se na efectiva fiscalização e no fazer respeitar daquela lei e regulamento. A culpa in vigilando nasce precisamente da falta de vigilância impostas pela lei e pelo regulamento;

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i. Tais matérias são fundamentais para a boa decisão da causa, pelo que o douto acórdão incorre em omissão de pronúncia, por não se pronunciar em concreto sobre os factos que deveriam ter sido levados ao factos provados e que interessam à boa decisão da causa, em especial os constantes das

conclusões a), b), c), e), f) e g) das conclusões das alegações de recurso;

j. Igual nulidade decorre da contradição da fundamentação quando se

reconhece que a entrada e uso de armas na unidade deveria ter sido vigiada pelas chefias, o que não foi feito, mas se desresponsabiliza o Estado por ter aprovado as normas que tal comportamento exigiam - transferindo para funcionários não identificados a desorganização que o próprio Estado

instaurou ao permitir que simples praças usassem armas de extrema violência, sem assegurar que os seus agentes cumprissem e fizessem cumprir tais

disposições regulamentares;

k. Mostra-se violado o disposto no art. 369, nº 1, c) do CPC e no art.615, n° 1, c) e d), do NCPC, enquanto omissão de pronúncia, nulidade que deve ser suprida;

l. Em consequência devem declarar-se provados os factos constantes das alíneas a), b), c), e), f) e g) das conclusões das alegações de recurso;

m. Não tendo o STJ poderes para se pronunciar sobre a matéria de facto, deve o processo ser reenviado para o Tribunal da Relação, a fim de serem colhidos os factos necessários à boa decisão da causa;

n. A questão da responsabilidade do Estado ao tempo da lei 48051 de 1967, mostra-se devidamente debatida na doutrina e jurisprudência constitucional e administrativa, considerando-se, tal como alegado nas alegações de recurso, que é directamente aplicável o disposto na Constituição da República,

mormente no art. 22, sendo inconstitucionais as interpretações que ofendam a Constituição;

o. Da matéria de facto provada e a provar, conforme alegado, apura-se que o arguido introduziu no quartel a arma pessoal, que comprou pelo facto de a lei o autorizar a tanto, por duas vezes: uma para dar tiros, tendo pedido

autorização ao oficial de dia, e outra no dia do incidente dos autos. Daquela matéria consta também que o arguido não sabia que a arma deveria ter sido deixada na portaria ou casa de armas e que não a poderia levar para o cote ou caserna;

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p. Tal entendimento mostra-se suportado nos depoimentos de todos os marinheiros ouvidos e no depoimento de oficiais instrutores, que referiram que não era dada instrução sobre os cuidados a ter com as armas pessoais no quartel. É também certo que não havia vigilância alguma à entrada no quartel e que ninguém interrogava da presença de armas pessoais, nem informava da proibição de as deter no quartel;

q. Foi por tal motivo que o arguido a usou no cote e que o marinheiro CC a manuseou com ele, sem ter consciência daquela proibição, que desconhecia.

Por tal motivo chamou o ora ofendido à presença deles;

r. Aplica-se no caso o disposto no art. 10 do Código Penal, pelo que a omissão de vigilância por parte das chefias militares dos cuidados a ter com a entrada de armas no quartel constitui omissão relevante para efeitos da

responsabilidade do Estado;

s. Não se provou que o arguido aja agido por dolo ou com manobras dissimulatórias, antes estava na ignorância dos deveres, por falta de

informação e de formação sobre as normas regulamentares, tendo incorrido numa falta de cuidado grave. Num juízo de prognose negativo, se a proibição fosse conhecida do arguido ou do marinheiro Paulo Alves, a arma não estaria no quartel, o ofendido não teria sido chamado à proximidade dela e o acidente não teria ocorrido;

t. Donde, se compreende a causalidade entre o crime, os danos e a omissão de vigilância do Estado, cometida através dos seus agentes. Pois se o Estado não é sujeito penal, é sujeito de responsabilidade cível.

u, Tal facto é agravado pela circunstância de a lei, permitir que simples

marinheiros, praças, pudessem comprar e usar, transportar e manusear armas de fogo, ainda por cima de calibre não autorizado aos civis, municiadas com projecteis expansivos. A extensão e gravidade dos danos deve-se tão só à natureza e calibre da arma, como às características da munição. Donde, o Estado deve responder pelos danos a que a sua conduta deu directamente causa;

v. Tal responsabilidade é tanto pelo risco, atenta a perigosidade do meio empregue, como pelo contrato militar que sujeitou ofendido e arguido à falta de vigilância, como pela falta de vigilância em si própria, corno o é por actos de gestão, na medida em que o Estado, no âmbito dos seus poderes

legislativos e regulamentares, concedeu uma arma a um privado em atenção à

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sua qualidade de praça militar e na medida em que não fiscalizou e se desinteressou do perigo e dos cuidados que ele próprio previu, através de regulamento, para efeitos de vigilância;

w. A imposição de vigilância resulta do regulamento e a falta de vigilância é um acto omissivo imputável à administração, no âmbito da gestão pública;

x. Atento o disposto no art. 10 do CP, no art. 8 da lei de 1967 e no art. 491 do Código Civil, há evidente e ostensiva responsabilidade do Estado.

Termina pedindo que o Estado Português seja condenado solidariamente no pagamento ao aqui recorrente da indemnização arbitrada na douta sentença.

Foi produzida resposta referindo-se, nomeadamente, que:

1ª) Na data em que o requerente liquidou o pedido cível, 18 de Março de 2013, e considerando a data da decisão da 1ª instância, 14-02-2014, já se aplica o disposto no artigo 671º, n° 3, do Código de Processo Civil, ou seja, a dupla conforme e, por conseguinte, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça não é admissível, devendo ser rejeitado;

2ª) O Tribunal da Relação de Lisboa e bem assim o Tribunal de 1ª instância apuraram e apreciaram correcta e criticamente a matéria de facto, efectuando uma correcta interpretação jurídica;

3ª) O Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito - Cfr. Artigo 674º do Código de Processo Civil e os factos provados não permitem

demonstrar o direito que o demandante invoca, responsabilidade solidária do Estado Português com o arguido demandado pelo pagamento da indemnização devida ao ofendido;

4ª) É entendimento deste Supremo Tribunal de Justiça que o recurso restrito ao pedido cível não pode, em nenhuma circunstância, ferir o caso julgado que se formou em relação à responsabilidade criminal. Cfr. Ac. Do STJ de 11 de Fevereiro de 2015;

5ª) Os factos foram cometidos pelo arguido, (a sua acção danosa), não no exercício das suas funções ou por causa delas.

6ª) Bem pelo contrário, utilizou um revólver pessoal, o qual não participou nem pediu ao Comandante para o usar nem o colocou no local destinado a guardar armas e mais municiou-o e brincou com ele, violando o Regulamento Geral do Serviço Naval em Terra, junto a fls 1168. Provado em 2.25 e 2.26.

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Regulamento que tinha a obrigação de conhecer tal como relatado pela testemunha o Comandante DD, que disse serem transmitidas instruções permanentes aos militares concretamente o regulamento examinado na audiência de julgamento.

7ª) E ainda que não existisse, até por uma questão de bom senso um militar sabe que não deve levar para o serviço uma arma pessoal, muito menos municiá-la e "brincar com ela";

8ª) Não tendo os factos sido praticados pelo arguido no exercício das suas funções, ou por causa delas, e tendo o arguido violado o Regulamento Geral do Serviço Naval em Terra, junto a fls 1168, por violação dos deveres de Obediência e Zelo, está excluída a responsabilidade do Estado Português, ainda que a título subsidiário e, por isso, bem andou a douta decisão posta em crise pelo demandante ao absolver o Estado Português;

9ª) O Tribunal da Relação de Lisboa e bem assim do Tribunal de 1ª instância não violaram qualquer preceito legal, efectuando uma correcta interpretação dos factos e aplicando também correctamente o direito.

Termina pedindo que seja julgado improcedente o recurso interposto.

Os autos seguiram os termos adequados *

Cumpre decidir

Em sede de decisão recorrida encontra-se provada a seguinte factualidade:

2. Factos provados:

2.1. Arguido e AA, ora assistente, eram à data dos factos Militares da Marinha Portuguesa, adstritos ao....Pelotão da .... Companhia de ...., na Base Naval do ...., sendo o primeiro .... Marinheiro e o segundo .... Grumete.

2.2. No dia 7 de Maio de 2004, cerca das 12 horas, no interior do cote

(caserna) adstrito ao Pelotão em apreço, no local acima referido, o ora arguido encontrava-se sentado na cama a falar com CC, manuseando o seu revólver marca" Rossi ", calibre 357 " MAGNUM ", com o nº WG 137286, que tinha acabado de carregar com munições, quando constou em conversa que o ora assistente não gostava de armas

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2.3. Nesse momento, o CC chamou o ora assistente para perto de si e do arguido, o que este fez

.4. O CC perguntou então ao assistente, " Então o escola vem para a tropa e não gosta de armas? "

2.5. Nessa altura, o arguido que continuava a manusear a arma de fogo, fez a seguinte pergunta ao assistente, " O que é que acontecia se eu agora puxasse o cão? "

2.6. Acto contínuo, puxou o cão do revólver à retaguarda e inadvertidamente, deixou-o bater no percursor, assim fazendo deflagrar a arma de fogo,

verificando-se o disparo de uma munição de calibre 357, que foi alojar-se no corpo do assistente, atingindo-o nos testículos e na perna esquerda

---

2.7. De imediato, o ora arguido solicitou ajuda médica para o ora assistente, o que veio a suceder ---

2.8. Como consequência directa e necessária do comportamento do arguido resultaram para o assistente fractura exposta do fémur esquerdo e lesão do escroto direito e esquerdo, lesões que foram directa e necessariamente determinantes de doença por 700 (setecentos) dias, com igual tempo de incapacidade para o trabalho (actividade profissional específica

)---

2.9. Sofreu ainda como sequela orquidectomi bilateral, encurtamento do fémur, compensado com cunha externa, sendo necessária terapêutica hormonal de substituição diária, devido à lesão testicular sofrida, com a finalidade de poder procriar ---

2.10. Ao agir da forma descrita ao manusear o sobredito revólver, que sabia estar carregado e cujo mecanismo de utilização conhecia por completo, como fuzileiro detentor de arma de defesa pessoal, sabendo que bastava o libertar do cão puxado à retaguarda contra o percursor para deflagrar a arma, o arguido violou o dever de cuidado adstrito ao manuseamento de tal arma de fogo, não procedendo com o cuidado a que estava obrigado e era capaz ---

2.11. O arguido sabia que a conduta por si empreendida era proibida e punida pela lei pena1---

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2.12. A Marinha Portuguesa concedeu ao arguido o " Louvor" que consta fls.

615, cujo teor aqui damos por integralmente

reproduzido---

2.13. O arguido é considerado pelos seus colegas e superiores hierárquicos como sendo um excelente profissional e um militar cumpridor, tendo sido escolhido para uma missão em Timor ---

2.14. Após os factos e por causa destes foi-lhe prestado apoio psicológico na Base do ...., uma a duas vezes por semana---

2.15. Antes dos factos o arguido nunca se informou junto de superiores

hierárquicos se podia ou não levar a sua arma pessoal para o interior da Base do ....---

2.16. O arguido tinha adquirido a arma há cerca de dois meses e, antes dos acontecimentos, tinha-a testado uma única vez, no interior da Base do ...., tendo nessa ocasião pedido autorização verbal a um oficial, tendo disparado dessa vez cerca de 8 a 10 munições---

2.17. Depois dos acontecimentos o arguido visitou o assistente no hospital e pediu-lhe desculpa pelo sucedido---

2.18. O arguido é casado, vive com a esposa e três filhos, respectivamente, com 10, 5 e 3 anos de i d a d e---

2.19 É .... Marinheiro auferindo € 890,00 mensais.

2.20. A esposa encontra-se desempregada ---

2.21. Vivem em casa própria que adquiriram com recurso a empréstimo bancário, pagando todos os meses ao banco a quantia de €

3OO,OO---

2.22. Contraiu créditos pessoais pelos quais paga € 600,00 me n s a i s---

2.23. Recebe ajuda económica por parte dos seus pais--- 2.24. Nada consta no seu Certificado de Registo Crimina1---

2.25. Há data dos factos não existiam normas locais sobre a utilização de armas particulares pelos militares, no interior das instalações ou em actos de serviço, aplicando-se nesse sentido a legislação geral sobre o assunto,

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nomeadamente o disposto no artigo 5.91 do Regulamento Geral do Serviço Naval em Terra, cujo teor é o seguinte: " 1 - A entrada ou introdução na unidade por qualquer forma de animais e todo o tipo de armas, materiais explosivos ou inflamáveis, substâncias de natureza psicotrópica e artigos sujeitos a taxas ou impostos, só é permitida mediante autorização do

comandante. 2 - Sempre que autorizados, os géneros mencionados no número anterior são arrecadados em locais específicos, para tal designados--- 2.26. As normas da Marinha impunham que o arguido depositasse a sua arma particular na escudaria (entrada) da Base Naval do ....--

2.27. Como consequência directa e necessária do comportamento do arguido, AA perdeu os dois testículos, fractura exposta do fémur esquerdo e lesão do escroto direito esquerdo, que determinaram um período de doença, com incapacidade para o trabalho, tendo em 12 de Dezembro de 2011 sido

declarado incapaz para todo o serviço, pela Junta de Saúde Naval, tendo-lhe sido atribuída a desvalorização global de 65 39 %

---

2.28. Uma vez que se colheu tecido testicular para criopreservação, o demandante tem a possibilidade, ainda que remota, de procriar

artificialmente---

2.29. O chumbo da munição ficou definitivamente alojado e pulverizado no osso---

2.30. Foi socorrido de imediato pelos camaradas, foi transportado de ambulância para o Hospital Garcia da Horta, onde esteve internado até 11/05/2004, data em que foi transferido para o Hospital da Marinha, ficando internado até 1/10/2OO4---

2.31. Continua a ser seguido, tratado e medicado em várias consultas de especialidade---

2.32. Tem de ser medicado com" testogel ", gel de aplicação na pele para administração de testosterona, necessária para a manutenção de caracteres sexuais secundários e vida sexua1---

2.33. Esse medicamento pode causar os efeitos secundários melhor descritos no folheto informativo de fls. 345, cujo teor aqui se dá por inteiramente

reproduzido---

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2.34. Pode ainda ser submetido a intervenções cirúrgicas para colocação de pelo menos prótese testicular ---

2.35. Em consequência da conduta do arguido AA perdeu sangue e sentiu dores nos ossos e órgãos atingidos---

2.36. Foi submetido a intervenção cirúrgica, tendo-se realizado a exploração dos dois hemiscrotos, tendo-se constatado a destruição da camada albugínea e do parênquima testicular, com perda de substância e testículo sem viabilidade, pelo que se efectuou orquidectomia direita, tendo ainda sido tratada a fractura exposta do fémur ---

2.37. No período de internamento hospitalar esteve acamado---

2.38. Foi reformado por invalidez, auferindo uma pensão desde Maio ou Junho de 2013 no valor de duzentos e " tal " euros mensais---

2.39. Tem de despender a quantia mensal de € 51,09 mensais, por toda a vida, com a compra do medicamento " Testogel" ---

2.40. Foi-lhe coarctada a possibilidade de continuar a carreira militar a que se votara de corpo e alma, tendo obtido um louvo r ---

2.41. art. 39º do PIC, provado apenas que uma vez que se colheu tecido

testicular para crioperservação, o demandante tem a possibilidade, ainda que remota, de procriar artificialmente---

2.42. Teve as consultas e fez os tratamentos melhor descritos nos documentos de fls. 349 a 362, cujo teor aqui se dá por i n t e i r a m e n t e

reproduzido---

2.43. Sofreu e sofre emocional e psicologicamente pela perda dos órgãos masculinos e pela perda da mobilidade---

2.44. Perdeu sensibilidade genital e sexual, com dificuldade de atingir a erecção e inibição da relação sexual---

2.45. Perdeu capacidade sexual, com redução do número de reacções e de orgasmos---

2.46. Tem dificuldade em manter relacionamento amoroso, pois a sua situação médica suscita nas mulheres dúvidas quanto à capacidade sexual e à saúde

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futuras, bem como dificulta a possibilidade de constituir família com filhos ---

2.47. Por tal motivo, neste momento não tem namorada e é difícil encontrar mulher que se envolva sexualmente com ele - facto que o perturba

---

2.48. Coxeia, principalmente quando se desloca descalçado, apresenta a zona genital desfigurada, tem de se submeter a tratamentos, com riscos para a saúde da parceira ou de qualquer outra pessoa que tenha contactos íntimos com ele, se essa pessoa tiver contacto com zonas da pele em que tiver sido aplicado gel com testosterona, há menos de seis horas

---

2.49. Tais tratamentos são diários, para toda a vida e obrigam ao uso de vestuário de protecção---

2.50. O AA era um jovem bem desenvolvido fisicamente, com grandes potencialidades militares, desportivas e bem preparado para a vida saudáve1---

2.51. Tinha 19 anos à data dos factos--- 2.52. Aspirava a constituir família e a ter filhos---

2.53. Tem de ser submetido a análises clínicas ao sangue e à urina para apurar os níveis de testosterona ---

2.54. À data dos factos AA auferia enquanto grumete C 850 00 mensais---

2.55. Se tivesse mantido a sua saúde teria então, pelo menos, o posto de marinheiro, auferindo cerca de 890,00 líquidos---

2.56. AA engordou e modificou-se o seu aspecto físico, de um fuzileiro treinado para um aspecto inchado---

2.57. Sofre constante tensão nervosa e frustração elevada, com dificuldade de afirmação pessoal, de concentração nos estudos e de participação social, tornando-se irascível quando sempre fora calmo e ponderado

---

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2.58. Tem de usar calçado corrector, por força do encurtamento do fémur esquerdo, calçado esse que é mais caro do que é destinado à generalidade do público---

2.59. Não pode fazer esforços contínuos, como andar de bicicleta e carregar pesos, começando a sentir dores na coxa esquerda ---

E o Tribunal a quo considerou não provado o seguinte:

Nada mais se provou com interesse à boa decisão da causa, designadamente, que os factos praticados pelo arguido na pessoa de AA o tenham sido no exercício das suas funções de militares da Marinha Portuguesa ou por causa delas; que actualmente AA só se desloca com o auxílio de canadianas; que pode vir a sofrer riscos agravados aquando das operações cirúrgicas a que tiver de ser sujeito para corrigir as deficiências, designadamente, perigo para a vida; pode vir a sofrer agravamento do estado de saúde se as mazelas que o obrigam a tomar medicamentos ou que o diminuem interagirem com doenças de família ou pessoais que venham a manifestar-se com a idade, criando incompatibilidades medicamentosas ou incapacidade de suportar os

tratamentos; que o arguido tinha regressado de uma comissão no estrangeiro, manifestando sinais de exaltação, de estados de alma eufóricos e a

agressivos--- * I

Tentando alcançar uma compreensão holística da questão da

admissibilidade de recurso dir-se-á que o artigo 71 do Código de Processo Penal consagrou o princípio da adesão obrigatória do mecanismo civil de indemnização ao processo penal.

Os fundamentos, tanto teoréticos como práticos, em que pode buscar conforto um sistema, como o nosso, de dependência processual do pedido de indemnização civil perante o processo penal podem, na lição de Figueiredo Dias , elencar-se pela forma seguinte: Na base está a ideia - apregoada pela escola positivista italiana e sobretudo por Ferri - do interesse social...

existente na obrigatoriedade de o delinquente reparar o prejuízo civil que causou com o crime: o dano ex delicto, essencialmente diverso do dano ex contracto e subsistente em qualquer infracção penal, deveria ser sempre e obrigatoriamente reparado no interesse da defesa social, pois que, não sendo embora teoricamente uma pena, constituiria em todo o caso uma sanção

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reparatória que surgindo como consequência necessária da infracção seria imposta não só para legitima reparação da parte lesada, mas também como sanção suficiente para a violação sobrevinda da lei penal».

Que, deste ponto de vista, o sistema processual mais adequado à realização daquelas funções fosse o da obrigatória dependência processual do pedido civil, ligada a um arbitramento também obrigatório da indemnização,

resultaria não apenas do interesse e da função iminentemente públicos ligados à indemnização, mas também de que assim se cumpririam da melhor forma exigências compreensíveis de economia processual, protecção do lesado e auxílio à função repressiva do direito penal.

De tal pressuposto emergem, a nosso ver, duas consequências:-em primeiro lugar e, ainda na esteira da referência de Figueiredo Dias, as partes podem (e porventura devem) ser consideradas sujeitos do processo penal num sentido eminentemente formal, já que, de um ponto de vista material, são sujeitos da acção civil que adere ao processo penal e que como acção civil permanece até ao fim.

Por outro lado temos por adquirido que o sistema de adesão cria uma situação de subordinação ao procedimento formal estatuído na lei processual penal e, como refere Lopes do Rego, as normas processuais civis que podem ser importadas para integrar o processamento da acção enxertada serão, não apenas as que estão expressamente ressalvadas pelo CPP, mas todas as que se mostrem compatíveis com o essencial da estrutura do processo penal e se mostrem necessárias à defesa eficaz dos direitos das partes civis

Este último tema é fulcral na apreciação da ritologia do pedido cível deduzido no processo penal e reflecte-se em situações tão distintas como a regra de custas, ou o ónus da prova, passando pelos incidentes de intervenção de

terceiro. Por qualquer forma temos por assente que o processamento de actos decorrentes de dedução do pedido de indemnização civil deverá ser

considerado como um acto normal do processo penal, assumindo essa natureza.

Lateralmente dir-se-á, ainda, que um dos temais mais polémicos relacionados com articulação dos dois ordenamentos processuais refere-se á problemática dos recursos. No que concerne e fazendo apelo às palavras de Jorge Ribeiro de Faria neste particular momento dos recursos a única solução que vale é a que

«combina» os aspectos positivos de ambas as teses em presença e em conflito.

Nem só «subordinação», nem só «coexistência». Da tese da subordinação, e

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tempestivo do recurso «civil» sem prejuízo para o recurso propriamente penal, receberá o processo de adesão o princípio da limitação dos recursos nele

admitidos àqueles que o processo penal prescreve. Isto quer dizer que, no nosso entendimento, as decisões no processo de adesão só são susceptíveis de impugnação por via dos recursos que o processo penal estabelece, e com o respeito, pois, em segunda instância, dos princípios que regeram até aí o desenrolar da adesão processual.

A nosso ver, também aqui, no segmento do sistema de recursos, a coerência lógica e sistémica que deve revelar o processo implica a consideração de que as normas que regem a respectiva formatação são aquelas que regem o

processo penal, sendo apenas importadas as regras de processo cível que abranjam matéria não regulada naquele processo penal e que com o mesmo não contendam

II

O regime de admissibilidade consagrado no artigo 400 do Código de Processo Penal tem de ser considerado globalmente em qualquer momento que se suscite a sua aplicabilidade. No caso de uma alteração legislativa devem,

assim, ser considerados os regimes que, unitariamente, se consubstanciam em cada um dos momentos considerados.

Significa o exposto que importa considerar que a norma em apreço tem duas redacções distintas, antes e depois da Lei 48/2007, e que cada uma delas vale por si, e constitui a premissa maior da operação lógica que conduz á conclusão sobre a lei aplicável.

No que concerne á aplicação da lei no tempo refere o artigo 5 do CPP que a lei processual é de aplicação imediata sem prejuízo da validade dos actos

realizados na vigência da lei anterior. Por esta forma consagram-se dois princípios:

- o princípio do "tempus regit actus" - a lei processual penal é de aplicação imediata (aplica-se mesmo aos processos iniciados anteriormente à sua vigência), excepto se daí resultar:

a- agravamento da posição processual do arguido (sensível e ainda evitável);

b- anarquia processual (choque entre legislações eventualmente conflituantes,

(17)

perturbando a «boa ordem processual).

c- o princípio do respeito pelo anterior processado - a lei nova mantém íntegros os actos realizados à sombra da lei antiga.

Como se verifica, pois, o regime desenhado evidencia que:

- a lei nova não interfere com os actos já praticados antes do começo da sua vigência, que se mantêm válidos;

- a lei nova aplica-se imediatamente aos actos a praticar nos processos em curso, desde que dessa aplicação não resulte sacrifício (sensível e evitável) da posição do arguido no processo, ou não gere choque entre legislações

diferentes e distanciadas no tempo.

O artigo em causa articula realidades que suscitam, por vezes alguma dificuldade de concretização. Na verdade, e desde logo, não fornece o legislador critério algum para estabelecer as fronteiras da expressão

«agravamento sensível» utilizada na al a) do nº 2.

A abstracção do conceito empregue suscita resulta de uma realidade de contornos fluidos e subjectivos que levaram o legislador a abster-se de

avançar para uma formulação concreta, deixando antes ao intérprete o ónus de construir jurisprudencialmente o que constitui ou não agravamento

sensível da situação processual do arguido.

Foi nessa sequência que sei proferiu a decisão de uniformização de

jurisprudência de 18 de Fevereiro de 2009 que, incidindo sobre o tema em apreço, refere que: Na concretização que resulta da lei («nos termos da lei»), o direito a «recorrer das decisões que [ao arguido] sejam desfavoráveis»

(artigo 61º, nº 1, alínea i) do CPP), supõe, desde logo e como pressuposto primeiro, a existência de uma decisão desfavorável, cuja reapreciação o arguido pretenda deferir a uma instância superior segundo a ordenação e as regras sobre a competência dos tribunais em razão da hierarquia.

E perante a existência de uma decisão desfavorável, impor-se-á ainda verificar se tal decisão é, «nos termos da lei», susceptível de recurso, e em que termos, de acordo com as regras e os critérios de admissibilidade dos recursos.

Com efeito, como se salientou, a concretização dos (vários) direitos

(18)

decurso do processo (momentos; fases; actos), se verificarem os respectivos presssupostos

No caso de decisão condenatória, a verificação da existência dos pressupostos dos quais, «nos termos da lei», depende a recorribilidade (admissibilidade, instâncias e graus de recurso) só pode ocorrer quando seja proferida a decisão, pois será apenas o conteúdo da decisão (qualificações e âmbito das questões decididas; natureza dos crimes; penas aplicadas) que permite aferir, perante a natureza «desfavorável» da decisão, quais os termos e a amplitude da recorribilidade.

O momento em que é proferida a decisão será «aquele em que se configura o exercício do direito de dela recorrer, no pressuposto de que só depois de

conhecida a decisão final surge na esfera jurídica dos sujeitos processuais por ela afectados, na decorrência de um abstracto direito constitucional ao

recurso, o concreto “direito material” em determinado prazo, deste ou daquele recurso ordinário ou extraordinário» (cfr., v. g., José António Barreiros,

Sistema e Estrutura do Processo Penal Português, I, p. 189).

Deste modo, anteriormente à decisão final sobre o objecto do processo, no termo da fase do julgamento em primeira instância, não estão concretizados, nem se sabe se processualmente vão existir, os pressupostos de exercício do direito ao recurso, que como «direito a recorrer» de «decisão desfavorável», concreto e efectivo, apenas com aquele acto ganha existência e consistência processual.

Pode-se, assim, afirmar que constitui antecedente lógico da decisão de uniformização referida o pressuposto de que é ao momento em que se profere a decisão de que se pretende recorrer que constitui o elemento essencial para aferir da admissibilidade do respectivo recurso.

Mas, sendo assim, assumido que não se vislumbra razão para divergir da jurisprudência fixada, estamos em crer que o critério enunciado na referida fixação de jurisprudência constitui um princípio geral a observar em relação a todos os sujeitos processuais sob pena de a coerência lógica, e a unidade de tramitação, ser substituído pela quebra da unidade e harmonia processual.

III

Retomando o tema da admissibilidade do recurso cível deduzido em processo penal a Lei 48/2007 introduziu uma alteração substancial, acrescentando um nº3 á mesma norma, tornando admissível o recurso daquela parte cível,

(19)

mesmo que não exista recurso de sentença no segmento relativo á decisão penal.

Tal inovação contrariou a jurisprudência fixada pelo acórdão do pleno das secções criminais do STJ nº 1/2002, segundo a qual seria irrecorrível a decisão proferida relativamente ao pedido de indemnização civil se fosse irrecorrível a decisão penal, ainda que se encontrassem reunidos os pressupostos do artigo 400, nº 2, do CPP, na versão posterior à reforma de 1998. Saliente-se que tal conclusão foi considerada pelo Tribunal Constitucional como compatível com a Constituição da República em diversas decisões proferidas sobre o mesmo tema considerando ainda que não se mostrava ofensiva do princípio da igualdade-acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 320/2001, de 04-07-2001, processo n.º 641/00, in DR - II Série, n.º 258; de 07-11-2001, n.º 94/2001; de 13-03-2001, processo n.º 589/00-3ª, in DR - II Série, n.º 96; de 24-04-2001, n.º 100/2002; de 27-02-2002, processo n.º 557/2001-1ª, in DR - II Série, n.º 79, de 04-04-2002, e referenciando o citado AUJ n.º 1/2002, o acórdão n.º 338/2005, de 22-06-2005, proferido no processo n.º 596/2002-2ª, in DR - II Série, n.º 145, de 29-07-2005, que decidiu: «Não julgar inconstitucional o artigo 432º, alínea b), conjugado com o artigo 400º, n.º s 1, alínea e) e 2, do CPP, interpretado no sentido de que não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de

decisão do Tribunal da Relação relativa à indemnização civil, proferida em 2ª instância, se for irrecorrível a correspondente decisão penal.

Esta jurisprudência ficou necessariamente prejudicada com a alteração introduzida no nº3 pela Lei 48/2007. A mesma alteração consubstancia, na verdade, uma quebra do princípio da adesão que o legislador justificou em função do princípio da igualdade. Com a mesma afirmou-se solução oposta àquela a que chegou o citado acórdão de fixação de jurisprudência do

Supremo Tribunal de Justiça, estabelecendo-se agora que as possibilidades de recurso relativamente ao pedido de indemnização são as mesmas, seja o

pedido deduzido no processo penal ou em processo civil, sendo inequívoca a afirmação com que na Exposição de Motivos da Proposta de Lei n° 109/X se justificou a disposição: «Para garantir o respeito pela igualdade, admite-se a interposição de recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil mesmo nas situações em que não caiba recurso da matéria penal)).

Consagrou-se uma alteração a que subjaz o propósito de colocar em pé de igualdade todos aqueles que pretendam impugnar decisão civil proferida, dentro ou fora do processo penal, ou seja, quer a respectiva causa ou pleito se desenvolva em processo penal ou em processo civil o que é manifesto pela simetria entre o artigo 678 do Código de Processo Civil e o artigo 400 nº 2 do

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Código de Processo Penal e a correcção agora introduzida legalmente, contrária á jurisprudência que tinha sido fixada nos sobreditos termos Se o legislador, através da alteração introduzida pela Lei 48/2007, quis

consagrar o principio de equiparação das possibilidades de recurso, quanto à indemnização civil, no processo penal e em processo civil, há que implementar tal propósitos até às ultimas consequências em sede de interpretação,

concluindo que uma norma processual civil, como a do nº 3 do art. 721º do CPC, eixo estruturante da admissibilidade de recurso dos acórdãos da Relação, é, também, aplicável ao processo penal, assim se consagrando o principio de que não é admitido recurso do acórdão da Relação que confirme, sem voto de vencido e ainda que por diferente fundamento, a decisão

proferida na lª instância. É o princípio da denominada "dupla conforme”.

Na verdade, o legislador, ao afirmar a igualdade de oportunidades de recurso em processo civil e em processo penal no que se refere ao pedido de

indemnização, já conhecia a norma do nº 3 do artº721 do CPC (a publicação do DL nº 303/2007 é anterior à da Lei nº 48/2007) pelo que, inelutavelmente, assumiu aquela aplicabilidade sem quais quer restrições. Por outro lado não existe motivo para que em relação a duas acções civis idênticas haja

diferentes graus de recurso apenas em função da natureza civil, ou penal, do processo usado, quando é certo que neste último caso a acção civil conserva a sua autonomia.

A manifestação de vontade do legislador no sentido da igualização do sistema de recursos nos dois ramos de processo, ou seja, a sua plena equiparação, induz a conclusão de que aquele, ao alterar a norma do artigo 400 do Código de Processo Penal da forma como o fez, não conseguiu traduzir na norma o seu pensamento isto é a alteração ficou aquém daquilo que o mesmo

legislador pretendia consagrar em termos normativos e do propósito expressamente afirmado. Na estrutura do complexo normativo processual desenhado pela Lei 48/2007 ficou a faltar algo o que nos reconduz á categoria de uma lacuna normativa.[1]

Repescando, a propósito, o pensamento de Batista Machado[2] importa sublinhar a mais importante das categorias das "lacunas da lei" são as

"lacunas teleológicas". São lacunas de segundo nível, a determinar em face do escopo visado pelo legislador ou seja, em face da ratio legis de uma norma ou da teleologia imanente a um complexo normativo. Estamos no domínio de eleição da analogia: a analogia serve aqui tanto para determinar a existência de uma lacuna como para o preenchimento da mesma.

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Nesta categoria de lacunas, adianta o mesmo Mestre, a doutrina costuma distinguir entre lacunas "patentes" e lacunas "latentes". Verifica-se um caso da primeira espécie sempre que a lei não contém qualquer regra que seja

aplicável a certo caso ou grupo de casos, se bem que a mesma lei, segundo a sua própria teleologia imanente e a ser coerente consigo própria, devera conter tal regulamentação. A lacuna teleológica será "latente" ou "oculta"

quando a lei contém na verdade uma regra aplicável a certa categoria de casos, mas por modo tal que, olhando ao próprio sentido e finalidade da lei, se verifica que essa categoria abrange uma subcategoria cuja particularidade ou especialidade, valorativamente relevante, não foi considerada. A lacuna

traduzir-se-ia aqui na ausência de uma disposição excepcional ou de uma disposição especial para essa subcategoria de casos.

As lacunas teleológicas, são preenchidas sempre pelo mesmo processo por que são descobertas: pelo recurso à analogia. Como se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 30 de Novembro de 2011 estamos em

presença de uma lacuna de regulamentação sustentada e sugerida desde logo porque não se vê qualquer razão para os intervenientes processuais penais pleiteando no enxerto cível usufruam de uma perspectiva de favor, aliás chocante, se lhes adicionarmos privilégios como, por ex. os de a falta de contestação não importar confissão, de o julgamento do enxerto não estar sujeito ao espartilho da base instrutória, de que o autor não goza em processo cível, ali beneficiado por uma postura inquisitória que se sobrepõe a um quase puro dispositivo de parte, sem falar já no aspecto tributário, onde, só a final, surge o custo da litigância

O recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa (princípio da igualdade: casos semelhantes ou conflitos de interesses

semelhantes devem ter um tratamento semelhante) a que acresce ainda uma razão de certeza do direito: é muito mais fácil obter a uniformidade de

julgados pelo recurso à aplicação, com as devidas adaptações, da norma aplicável a casos análogos do que remetendo o julgador para critérios de equidade ou para os princípios gerais do Direito.

Ainda na esteira de uma outra decisão deste Supremo Tribunal de Justiça datada de 15 de Dezembro de 2011 pode mesmo dizer-se que outro

entendimento, que não o aqui defendido, conduziria ao inquinamento da decisão a tomar pelo lesado nos casos em que a lei lhe permite deduzir em

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separado, perante os tribunais civis, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime.[3]

Adquirimos assim os elementos essenciais à lógica argumentativa que nos irá conduzir na matéria da admissibilidade de recurso:-em primeiro lugar precisar que o momento em que se profere a decisão de que se pretende recorrer

constitui o elemento essencial para aferir da admissibilidade do respectivo recurso. No caso concreto a decisão recorrida data de 14 de Fevereiro de 2014 pelo que os pressupostos de admissibilidade são encarados à face da actual redacção do artigo 400 do Código de Processo Penal.

Remetendo este, na interpretação que se defende, para o processo civil é linear, numa primeira análise, que o regime de recursos aplicável é o que consta do Novo Código de Processo Civil introduzido pelo Decreto-Lei 41/2013 de 26 de Junho que dispõe no seu artigo 7.º que: Aos recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei em acções instauradas antes de 1 de Janeiro de 2008 aplica-se o regime de recursos decorrente do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de agosto, com as alterações agora introduzidas, com excepção do disposto no n.º 3 do artigo 671.º do Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei.

Fazendo apelo à doutrina defendida no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Dezembro de 2011 havendo dedução de pedido de

indemnização civil em processo penal, o equivalente da petição inicial do processo civil não está na notícia do crime, na participação ou na queixa, figuras alheias à acção civil, mas sim no requerimento em que é deduzido o pedido de indemnização.[4]

Deste modo, no caso vertente, tendo o processo ou acção cível iniciado com a dedução do respectivo pedido, em 2006 estava pendente na data da entrada em vigor da nova versão do nº 3 do artº 721º do CPC, que por isso não se lhe aplica, em face do disposto no artº 11º, nº 1, do DL nº 303/2007 que dispõe

«(…) as disposições do presente decreto-lei não se aplicam aos processos pendentes à data da sua entrada em vigor».

Consequentemente, face ao disposto no artigo 678 do Código de Processo Civil na redacção vigente ao tempo da dedução de pedido cível é admissível recurso ordinário nas causas de valor superior à alçada do tribunal de que se recorre desde que as decisões impugnadas sejam desfavoráveis para o recorrente em valor também superior a metade da alçada desse tribunal; em caso, porém, de fundada dúvida acerca do valor da sucumbência, atender-se-á somente ao

(23)

valor da causa. [5]

É, assim, admissível o recurso interposto

II

Dispõe o art. 22º, da Constituição da República Portuguesa (CRP), sob a epígrafe “Responsabilidade das entidades públicas”, que “O Estado e as demais entidades públicas são civilmente responsáveis, em forma solidária com os titulares dos seus órgãos, funcionários ou agentes, por acções ou

omissões praticadas no exercício das suas funções e por causa desse exercício, de que resulte violação dos direitos, liberdades e garantias ou prejuízo para outrem” (sublinhado nosso).

No tempo em que decorreram os factos integradores da causa de pedir desta acção, a responsabilidade civil extracontratual do Estado e demais pessoas colectivas públicas, no domínio dos actos de gestão pública, regia-se pelo disposto no DL 48 051, de 21 de Novembro de 1967 (entretanto revogado pelo art. 5º, da Lei 67/2007, de 31/12).Estatui o art. 2º n.º 1 (pois o art. 6º não releva para esta questão), do citado DL 48 051, que:“O Estado e demais pessoas colectivas públicas respondem civilmente perante terceiros pelas ofensas dos direitos destes ou das disposições legais destinadas a proteger os seus interesses, resultantes de actos ilícitos culposamente praticados pelos respectivos órgãos ou agentes administrativos no exercício das suas funções e por causa desse exercício”

Conforme resulta dos dois normativos citados, a responsabilidade civil do Estado (bem como das demais pessoas colectivas públicas), por facto ilícito e culposo de gestão pública dos titulares dos seus órgãos e dos seus agentes, tem como pressuposto que tal facto tenha sido praticado pelo titular do órgão ou pelo agente no exercício de funções e por causa desse exercício, ou seja, excluem-se do âmbito da responsabilidade administrativa os actos lesivos que tenham sido praticados, por titulares de órgãos e agentes, fora do exercício de funções ou, no exercício de funções, mas não por causa desse exercício, e, que por isso, se devam qualificar como actos pessoais dos seus respectivos autores materiais (que não envolvem qualquer responsabilidade directa da

Administração, mas apenas a responsabilidade individual do agente que, como tal, se encontra sujeita ao regime de direito privado, a exercer nos tribunais comuns).

A propósito desta questão esclarece Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, Vol. II, 10ª Edição, 4ª Reimpressão, 1991, págs. 1228 a 1230,

(24)

o seguinte:“Para que a Administração fique constituída em responsabilidade civil é indispensável, nos termos do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 48 051 (…), que o facto ilícito tenha sido praticado por órgãos ou agentes de uma pessoa colectiva de direito público «no exercício das suas funções e por causa desse exercício»: resulta com efeito, do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 48 051 (…) que a responsabilidade compete exclusivamente aos titulares dos órgãos e aos agentes, a título pessoal, «se tiverem excedido os limites das suas funções».

Importa, por conseguinte, abrir uma distinção entre actos funcionais e actos pessoais.

São actos funcionais todos aqueles que, embora ilícitos, sejam praticados durante o exercício das funções do seu autor e por causa desse exercício;

pelos danos que produzirem é responsável a pessoa colectiva de direito público a que pertença o órgão ou agente.

São actos pessoais todos os outros, isto é, os que forem praticados fora do exercício das funções do seu autor ou que, mesmo praticados durante tal exercício e por ocasião dele, não forem todavia praticados por causa desse exercício; pelos danos que produzirem é responsável, única e exclusivamente, a pessoa do seu autor.

Em que casos se pode dizer, de uma maneira geral, que um órgão ou um agente se comportam, na prática de um facto ilícito, dentro dos limites das suas funções ou, pelo contrário, excedendo esses limites?

(…) interessa averiguar (…) se o facto ilícito foi ou não praticado no exercício das funções do seu autor e por causa desse exercício.

(…) O que importa é delimitar objectivamente as funções do autor do facto ilícito e verificar se ele o praticou no exercício de tais funções e por causa desse exercício.

(…) há que averiguar se o autor do facto ilícito procedeu ou não no exercício das suas funções e por causa desse exercício, quer dizer, se o facto praticado representou o legítimo exercício da competência para fins de interesse público ou, antes, um abuso de autoridade com excesso do que no caso exigia o

cumprimento das funções.

Em qualquer dos casos o facto terá sido ilícito; mas no primeiro a ilicitude foi como que um acidente da actividade profissional do órgão ou agente

administrativo, ao serviço da pessoa colectiva de direito público, ao passo que

(25)

no segundo o autor do facto ilícito exorbitou das suas funções, servindo-se delas para prosseguir os seus próprios fins.”

Sobre o exercício de funções que constitui o pressuposto de responsabilização extracontratual do Estado refere Carlos Cadilha que [6] a responsabilidade directa dos titulares de órgão, funcionários e agentes apenas opera em relação a acções ou omissões por eles cometidas no exercício das suas funções e por causa desse exercício. Embora se caracterize, desta forma, uma

responsabilidade pessoal dos titulares de órgão, funcionários e agentes, ela reporta-se aos respectivos actos funcionais, excluindo, por isso, os actos da vida privada do servidor, ainda que tenham sido praticados no local de

trabalho ou dentro do período de prestação laboral, pelos quais este responde pessoalmente mas segundo o regime geral de direito civil.

De resto, a conexão do acto lesivo com o exercício de funções constitui um pressuposto material quer da responsabilidade civil das entidades públicas quer da responsabilidade directa dos funcionários e agentes, que decorre do próprio texto constitucional, tal como resulta dos artigos 22.° e 271.°, n." 1, da CRP (cfr. nota 3 ao artigo 7.°).

Temos, por conseguinte, que a responsabilidade dos titulares de órgãos, funcionários e agentes é sempre uma responsabilidade funcional- como tal, derivada de acções ou omissões praticadas no exercício das suas funções ou por causa desse exercício.

Nesse contexto a circunstância de uma determinada acção ter inscrito na sua génese um acto praticado sob a tutela do dever de obediência a uma ordem proferida no âmbito da disciplina militar que parametrizava a vida profissional de arguido e vítima assume uma relevância fundamental na caracterização do caso vertente. Na verdade, não se pode ignorar que, paralelamente ao dever de disponibilidade permanente, que implica para o militar a apresentação com pontualidade no lugar a que for chamado, o dever de obediência está inscrito no catálogo de deveres que oneram o estatuto castrense.

Assim, no caso vertente, e não obstante tudo se passar numa instalação militar e com intervenção de militares, uma de duas: ou estamos um caso fortuito que ali aconteceu como poderia terá acontecido num qualquer “diálogo entre amigos” ou estamos perante a obediência a um chamamento que, entendido como uma ordem dum superior, motivou o comparecimento da vítima e o infeliz desenlace.

(26)

A assumir o caso vertente tal configuração, e em nosso entender, não se

poderá afirmar liminarmente que o facto ilícito nada tem a ver com o exercício de funções pelo arguido. Na verdade, em tal hipótese, em maior ou menor medida concorre para a eclosão do evento a existência duma determinação, e uma dinâmica, que só foi possível pela relação de hierarquia militar.

Mas, a ser assim, o certo é que a existência duma ordem, ou de uma determinação que como tal foi entendida, assume uma importância relevante.

Tal facto foi alegado indirectamente no pedido cível quando por remissão se alude à matéria da acusação (artigo 30) e nesta se refere que: Artigo 16- o arguido era marinheiro, posto superior ao ofendido que era grumete pelo que podia dar ordens a que o ofendido não podia deixar de obedecer atenta a condição militar.

Artigo 17-Consequentemente, o ofendido tendo sido chamado pelo arguido deslocou-se na direcção dele e permaneceu de pé e de frente.

Pronunciando-se sobre a matéria do libelo acusatório naquele segmento concreto a decisão de primeira instância não os considerou provados, bem como não provados, limitando-se a um juízo conclusivo referindo que nada mais se provou com interesse à boa decisão da causa, designadamente, que os factos praticados pelo arguido na pessoa de AA o tenham sido no exercício das suas funções de militares da Marinha Portuguesa ou por causa delas.

Face à impugnação recursória incidindo sobre esse elemento

especifico refere a decisão recorrida que …….Antes de mais cumpre referir que do pedido cível do ofendido, não consta qualquer referência ao posto militar da testemunha Paulo Alves e muito menos que tivesse sido aí alegado o cumprimento de ordem legítima ou ordem de serviço, dada por este ao

assistente como causa/motivo para o acidente (disparo de arma de fogo) que veio a ocorrer.

Por outro lado, importa também lembrar que em rigor não foi nunca alegado (nem se provou) que o arguido fosse superior hierárquico do assistente: o arguido podia ter um posto (1° Marinheiro) hierarquicamente superior ao do assistente (2° grumete) e não ser seu superior hierárquico funcional directo, por não trabalhar directamente sob as suas ordens.

Contudo a verdade é que atento o circunstancialismo em que o disparo foi efectuado segundo o depoimento das testemunhas presenciais, não é especialmente relevante para o esclarecimento dos factos, saber qual a

(27)

qualidade militar e o posto do Paulo Alves, bem como não releva

especialmente saber se o posto de... Marinheiro do arguido estava acima do posto de... grumete do assistente, na ordem hierárquica da Marinha

Portuguesa (embora essa hierarquia militar existisse na realidade, de acordo com o Estatuto dos Militares das Forças Armadas).

Consequentemente a decisão recorrida, partindo dum pressuposto incorrecto, incorreu numa omissão, omitindo uma pronúncia sobre aquele concreto ponto o qual poderá, ou não, configurar a existência dum acto por causa das funções exercidas pelo arguido e que o assistente erigiu em pressuposto da

responsabilidade civil extracontratual.

Consequentemente, considerando o disposto no artigo 379 do Código de Processo Penal e face ao exposto entende-se que a decisão recorrida incorre em nulidade na medida em que não se pronunciou sobre questão sobre a qual deveria tomar conhecimento.

Termos se determina a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa para supressão da mesma nulidade.

Sem custas

Santos Cabral (relator) Oliveira Mendes

---

[1] 1] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, págs. 1007/8

[2] Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador pag 200 e seg

[3] Este entendimento tem sido uniformemente sufragado pelas decisões de 11 de Abril de 2012; 30 de Novembro de 2011;29 de Setembro de 2010; 22 de Junho de 2011

[4] Argumenta-se naquele aresto que o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respectivo, como

estabelece o artº 71º do CPP, que consagra o denominado processo de adesão.

Quando isso acontece, há, na verdade, um só processo em sentido material, ou seja, enquanto conjunto de autos e outros documentos, mas dois processos em sentido jurídico, isto é, considerando o processo como procedimento ou acção.

Nesses casos, no mesmo processo em sentido material, coexistem duas

(28)

acções, uma penal e outra cível, autónomas entre si, de tal sorte que, além do mais, uma pode terminar com decisão de absolvição e a outra com decisão condenatória. O processo ou procedimento penal inicia-se com um acto do MP, em regra, a abertura de inquérito; o processo ou acção cível tem início com a dedução do pedido de indemnização civil. Toda a actividade processual

anterior a esse momento nada tem que ver com a acção cível. Ao contrário do que diz o reclamante BB (nº 5 da sua reclamação),

[5] Convem sublinhar a propósito que não se ignora o teor do. Assento n.º 1/2002,in DR I Série de 21.05.2002 (com rectificação, que não altera o

Assento, DR 27.06.2002) segundo o qual «No regime do Código de Processo Penal vigente - n.º 2 do artigo 400.º, na versão da Lei n.º 59/98, de 25 de Agosto - não cabe recurso ordinário da decisão final do Tribunal da Relação, relativa indemnização civil, se for irrecorrível a correspondente decisão penal.» Porém tal uniformização jurisprudencial surge em função duma redacção que não é aquela que foi considerada aplicável no caso vertente [6] Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado e demais entidades publicas pag 84 e seg

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