• Nenhum resultado encontrado

Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 08P3275

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2022

Share "Sumário. Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 08P3275"

Copied!
21
0
0

Texto

(1)

Supremo Tribunal de Justiça Processo nº 08P3275

Relator: OLIVEIRA MENDES Sessão: 04 Dezembro 2008 Número: SJ20081204032753 Votação: UNANIMIDADE

Meio Processual: RECURSO PENAL Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE

CONCURSO DE INFRACÇÕES CRIME CONTINUADO

CRIME ÚNICO CULPA BENS EMINENTEMENTE PESSOAIS

ROUBO BEM JURÍDICO PROTEGIDO

Sumário

I - Do exame sumário do art. 30.º do CP, na sua globalidade, verifica-se que o mesmo não regula a matéria do concurso de crimes, do crime continuado e do crime único de forma «abrangente e esgotante», na medida em que as

soluções ali indicadas se limitam a estabelecer um critério mínimo de

distinção entre unidade e pluralidade de infracções. Trata-se de um ponto de partida estabelecido pelo legislador, a partir do qual à doutrina e à

jurisprudência caberá, em última análise, encontrar as soluções mais

adequadas, tendo em vista a multiplicidade de situações que se prefiguram.

II - Enquanto no n.º 1 do art. 30.º se estabelecem critérios relativos à

problemática do concurso de crimes tout court, no n.º 2 pretende-se regular situações que também têm a ver com a pluralidade de crimes, mas que o legislador juridicamente unifica em um só crime. Neste último caso estamos perante o chamado crime continuado, bem como face a outros casos de unificação jurídica (crime único com pluralidade de actos ou acções).

III - No n.º 3, aditado pela Lei 59/07, de 04-09, incluiu-se no texto legal

acrescento que chegou a fazer parte do n.º 2 do art. 33.º do Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1963, e que foi aprovado na 13.ª Sessão da

Comissão Revisora, em 08-02-1964, merecendo do Professor Eduardo Correia comentário segundo o qual aquele acrescento podia realmente ser

consagrado, embora não fosse de reputar de todo indispensável, uma vez que

(2)

a conclusão no mesmo contida já se retiraria da expressão «o mesmo bem jurídico».

IV - Do exame do texto do n.º 1 do art. 30.º do CP decorre que o mesmo

contém duas partes, ambas se referindo a situações de pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, sendo que, quer na primeira quer na segunda, o comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só acção, como em vários factos (naturais) ou várias acções.

V - Com efeito, a partir de um só facto ou de uma só acção podem realizar-se diversos crimes, por violação (simultânea) de várias normas incriminadoras, bem como o mesmo crime plúrimas vezes, por violação da mesma norma incriminadora, tal como a partir de vários factos ou várias acções pode

realizar-se o mesmo crime plúrimas vezes, por violação (repetida) da mesma norma incriminadora, bem como diversos crimes, por violação de diversas normas incriminadoras. Em qualquer dos casos, estamos, no entanto, perante concurso de crimes, já que este ocorre, sempre, desde que o agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer através de vários factos.

VI - Mas, porque toda e qualquer infracção criminal é constituída por três elementos – o facto típico, a culpabilidade e a punibilidade – não basta produzir pelo modo previsto na mesma ou em várias disposições legais o evento jurídico de cada uma. É indispensável que relativamente a cada crime concorrente se verifique vontade culpável. É preciso que cada crime seja doloso ou culposo, e como tal punível – nulla poena sine culpa – (art. 13.º do CP).

VII - Assim sendo, a expressão «tipos de crime» utilizada no n.º 1 do art. 30.º tem o significado de «tipo legal objectivo e subjectivo», a significar que a vontade culpável, como dolo ou como negligência, por um só acto de vontade ou por actos plúrimos da vontade, deve ter por objecto todos os crimes

concorrentes, que serão dolosos ou culposos, consoante a vontade tomar quanto a cada um deles a forma de dolo ou de negligência.

VIII - No n.º 2 do art. 30.º do CP pretende-se regular as diversas situações em que, ocorrendo uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, quer por violação repetida do mesmo tipo legal, quer por violação plúrima de vários tipos legais de crime, o legislador procede a uma unificação jurídica, de forma a considerá-las como se um só crime houvesse ocorrido.

IX - Na base do instituto do crime continuado encontra-se, assim, um concurso de crimes, pois que aquele se traduz objectivamente na «realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente

protejam o mesmo bem jurídico (...)». A diferença – que desde logo se salienta – está em que, no caso de «concurso heterogéneo» se limita o campo próprio

(3)

do crime continuado à violação de várias normas incriminadoras que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico, o que equivale a dizer que, por outro lado, se alarga a noção de «concurso homogéneo» consoante resultaria da distinção feita nas 1.ª e 2.ª partes do n.º 1 do art. 30.º. Na realidade, o

«concurso homogéneo», para efeitos do n.º 2 do art. 30.º, compreende não só a plúrima violação da mesma norma incriminadora mas também a violação de diversas normas incriminadoras, desde que sejam da mesma espécie, isto é, protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico.

X - Porém, como se vê da segunda parte do n.º 2 do referido preceito, o

instituto do crime continuado exige algo mais, para além da ocorrência de um concurso de crimes, com o âmbito e conteúdo já referidos: é necessário que aquele concurso seja executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua

consideravelmente a culpa do agente.

XI - Deste modo, verifica-se que, fundamentalmente, são razões atinentes à culpa do agente que justificam o instituto do crime continuado: é a diminuição considerável desta, a qual segundo o texto legal deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que arrastam aquele para o crime, e não em razões de carácter endógeno.

XII - No n.º 3 do art. 30.º do CP excluiu-se a possibilidade de qualificação de uma pluralidade de factos como integrantes de continuação criminosa ou de crime único quando, tutelando aqueles bens eminentemente pessoais, é ofendida mais que uma pessoa.

XIII - O crime de roubo, como crime complexo que é, ofende quer bens

jurídicos patrimoniais – concretamente o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis – quer bens jurídicos pessoais, designadamente a liberdade individual de decisão e de acção e a integridade física, podendo até ofender, em certos casos de roubo agravado, a própria vida (o texto legal alude a constrangimento de outra pessoa, violência e ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física).

XIV - No entanto, havendo que ter presente que o crime de roubo é um crime contra a propriedade, surgindo a ofensa aos bens pessoais como meio de lesão dos bens patrimoniais, será a partir da lesão destes últimos, em ligação com a pessoa ou pessoas ofendidas, que se terá de aferir da ocorrência de um ou mais crimes de roubo.

XV - Numa situação em que os recorrentes, com intenção de se apropriarem de bens existentes na residência dos ofendidos NC e JC (pertença de ambos) e de bens que cada um deles ostentava e consigo trazia (pertença de cada um), exerceram violência sobre ambos e ofenderam a integridade física do ofendido NC, tendo-se apoderado daqueles bens, dúvidas não restam de que cometeram

(4)

dois crimes de roubo (qualificado), posto que os recorrentes, com o

comportamento delituoso conscientemente assumido, ofenderam o direito de propriedade de ambos e de cada um dos ofendidos, bem como a sua liberdade e a integridade física do ofendido NC, não sendo a sua conduta subsumível ao n.º 2 do art. 30.º do CP.

Texto Integral

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

No âmbito do processo comum com intervenção do tribunal colectivo n.º 436/06, do 3º Juízo da comarca de Olhão, foram condenados como co-autores materiais de dois crimes de roubo qualificado os arguidos AA, BB e CC, com os sinais dos autos, tendo sido aplicada a cada um deles a pena conjunta de 13 anos de prisão.

Os arguidos interpuseram recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, sendo do seguinte teor o segmento conclusivo da respectiva motivação - (1).:

I - Os recorrentes discordam da douta decisão em dois pontos essenciais:

a) Qualificação jurídica;

b) Medida concreta da pena.

II - Os recorrentes foram condenados pelo Tribunal Judicial de Olhão, em co- autoria, por dois crimes de roubo qualificado p. e p. pelo artigo 210º, n.ºs 1 e 2 alínea b), com referência ao artigo 204º, n.ºs 1, alínea f) e 2, alínea f), do Código Penal.

III - Face aos factos apurados no julgamento, e uma vez que, ficou provado, que os recorrentes dirigiram todo o seu objectivo da sua actividade criminosa, ao queixoso DD, veja-se os factos provados 1) a 11).

IV - Só relativamente aos actos praticados aquele, se poderia enquadrar, como crime de roubo qualificado, nos termos artigo 210, n.º 1 e 2 al. b), com

referência ao art.204º n.º1 al. f) e n.º 2 al. f) do Código Penal.

V - Em relação à actividade criminosa exercida sobre a ofendida, EE,

entendem pois os recorrentes que, aquelas actividades deveriam ter tido outro enquadramento penal.

VI - Não concordam assim com aquela qualificação jurídica.

Sem prescindir

VII - Face aos factos e direito apurados no julgamento, a pena de prisão aplicada aos recorrentes (13 anos de prisão) peca por si só, por

excessivamente gravosa, ultrapassando a medida da culpa.

VIII - Discordam da mesma medida da pena aplicada de 9 anos para cada um

(5)

dos crimes.

IX - Consideram que não dada relevância devida aos relatórios sociais e ao facto de não haver qualquer registo criminal.

X - Consideram assim, que o tribunal “a quo” violou o art.71 do CP:

XI - A pena de prisão, face ao apurado em julgamento, e pela experiência comum, aquela pena é demasiado gravosa. Pelo que foi violado, pelo Tribunal

“a quo” o n.º 2 do artigo 40 do CP.

Na contra-motivação apresentada o Ministério Público formulou as seguintes conclusões:

a) Os factos dados por assentes no acórdão recorrido preenchem todos os elementos constitutivos de um crime de roubo praticado pelos arguidos contra EE;

b) E, face aos bens eminentemente pessoais envolvidos, não é configurável a hipótese de haver um só crime continuado com relação às duas vítimas;

c) Motivos por que carece de fundamento a pretensão dos arguidos de que cometeram um (só) crime de roubo;

d) A medida das penas está devida e correctamente fundamentada no acórdão;

e) Considerando as penas demasiado gravosas, os recorrentes não invocam circunstâncias que ponham em causa tal fundamentação e justifiquem medida diferente;

f) Pelo que o recurso não merece provimento, devendo ser mantido o acórdão recorrido.

Igual posição assumiu nesta instância o Exm.º Procurador-Geral Adjunto.

Não foi apresentada resposta.

Colhidos os vistos, cumpre agora decidir.

*

São duas as vertentes da decisão impugnada que os recorrentes colocam em causa:

a) Qualificação jurídica dos factos;

b) Medida das penas parcelares e conjunta.

O tribunal colectivo considerou provados os seguintes factos - (2):

1) No dia 18 de Novembro de 2006, cerca das 22.00 hrs., AA, BB, CC e um individuo cuja identidade não foi possível apurar dirigiram-se à moradia propriedade de DD e de EE, sita na Casa ..., Caixa Postal 290-Z, Sitio da Fornalha, em Moncarapacho, Olhão, na sequência de prévio acordo estabelecido entre os quatro, com vista a apropriarem-se de bens que existissem naquela habitação, usando os meios que se mostrassem necessários.

2) Em execução do referido plano, os arguidos e o indivíduo não identificado aproximaram-se de FF, que se encontrava no exterior da moradia.

(6)

3) Chegados junto deste, desferiram-lhe uma pancada nas costas, fazendo com que o FF fosse projectado para o chão, tendo-lhe ainda dado pelo menos

pontapés enquanto estava no chão, atingindo-o na cara, tronco, braços e pernas.

4) Com esta conduta, os arguidos e aquele indivíduo não identificado

provocaram no DD equimose peri-orbitária direita, equimose na região malar direita e escoriações superficiais na face posterior do tórax, antebraços, cotovelos, joelhos e tornozelos, que lhe determinaram um período de doença de doze dias, sem afectação para o trabalho geral e profissional.

5) Após, agarraram o DDe taparam-lhe a cara com umas calças que se encontravam no estendal da roupa.

6) Em seguida, dois dos membros do grupo formado pelos arguidos e pelo indivíduo não identificado arrastaram o DD pelos braços para o interior da habitação, levando-o para uma sala de pequenas dimensões que fica situada ao lado da cozinha.

7) Durante o referido trajecto um dos membros daquele grupo disse mais que uma vez ao DD, “para se lembrar da sua mulher”.

8) Os arguidos AA, BB, CC e o indivíduo não identificado entraram para o interior da referida habitação sem que tivessem autorização dos proprietários para tal, utilizando para o efeito a porta da cozinha, o que sabiam e quiseram fazer.

9) No interior da referida habitação, obrigaram o DD a ficar sentado numa cadeira e disseram-lhe que não se podia mexer.

10) Entretanto, dois dos membros do grupo constituído pelos arguidos e pelo indivíduo não identificado, após entrarem na moradia, agarraram a EE, que se encontrava no interior da moradia, pelos braços e levaram-na para a cozinha.

11) No interior das carteiras do DDe da EE, que membros daquele grupo revistaram, encontravam-se três cartões de crédito e três cartões de débito, sendo dois cartões de débito e dois cartões de crédito do DD(respeitando um cartão de crédito e um cartão de débito a uma conta portuguesa de que o DDe a EE são titulares, e respeitando os outros dois cartões a uma conta inglesa de que aqueles também são titulares) e um cartão de débito e um cartão de

crédito da EE (respeitantes à aludida conta conjunta portuguesa).

11) Na posse dos cartões de crédito e débito, os arguidos e o indivíduo não identificado disseram à EE para esta lhes dar os códigos respectivos, o que aquela acabou por fazer, confirmando depois o DDos números, uma vez que o DDdisse à EE para o fazer e um dos elementos do grupo formado pelos

arguidos e pelo indivíduo não identificado fez um gesto, usando uma faca da cozinha, que indicava que cortava a garganta ao DD, e disse ainda que se os códigos fornecidos estivessem errados o matava.

(7)

12) Pela mesma altura, um dos membros do grupo constituído pelos arguidos e pelo indivíduo não identificado pôs a ponta da faca de cozinha sobre um dos pulsos da EE, que esta repousava em cima de uma mesa, e disse “códigos PIN correctos”, enquanto fazia movimentos ascendentes e descendentes com a faca sobre o pulso.

13) Os arguidos e o indivíduo não identificado apoderaram-se dos seis cartões (de crédito e de débito) da EE e do DD, que fizeram seus.

14) Na posse destes cartões, com o propósito de efectuar o maior número de levantamentos de dinheiro possíveis, dois dos elementos do grupo formado pelos arguidos e pelo indivíduo não identificado ausentaram-se da moradia do DDe da EE, onde regressaram para se voltarem de novo a ausentar, ausências essas que serviram para esses elementos efectuarem levantamentos com os aludidos cartões.

15) Enquanto aqueles dois elementos do grupo se ausentaram, ficaram os outros dois elementos do grupo naquela moradia, junto ao FF e à EE, mantendo-os vigiados.

16) Entre as 22.44 hrs. do dia 18 (quando alguns dos membros do grupo ainda se encontravam na residência do DDe da EE) e as 00.50 hrs. do dia 19 de Dezembro de 2006 (quando já todos os membros do grupo tinham saído daquela residência), elementos do grupo formado pelos arguidos e pelo indivíduo não identificado, sempre com o propósito de efectuar o maior número de levantamentos de dinheiro possíveis, dirigiram-se à Caixa

Multibanco existente na Estrada Nacional n.º 125, em Alfandanga, em Olhão, e à Caixa de Multibanco existente na Estrada de Mar e Guerra, Faro, e após terem introduzido os quatro cartões referidos (dois de débito e dois de crédito) e digitado os códigos fornecidos pelos titulares dos cartões, efectuaram

levantamentos no valor de 3.200 euros da conta do Banco Totta & Açores, tendo, da mesma forma e usando o cartão de débito da conta inglesa, levantado pelo menos 1.100 libras dessa conta inglesa.

17) Os arguidos e o indivíduo não identificado retiraram do interior da

habitação e fizeram seus os seguintes objectos (propriedade conjunta da EE e do DD):

i) um telemóvel, marca Siemens, e respectiva bateria, com o cartão SIM da rede TMN inserido;

ii) um cartão de débito da dependência bancária do Banco Totta & Açores, em nome de DD com o número 4100000000;

iii) um cartão de crédito da dependência bancária do Banco Totta & Açores, em nome de DD, com o número 550000000000;

iv) uma pulseira de prata;

v) um colar de prata com três pêndulos:

(8)

vi) um anel de noivado, com um diamante, em ouro e platina;

vii) uma caixa de óculos;

viii) um computador portátil, marca Toshiba Satélite Pro, no valor de 1.600 euros.

ix) um telemóvel, de marca nokia, modelo 6100, com o cartão SIM da rede TMN, com o cartão n.º 9600000000, e respectiva bateria;

x) um cartão de débito com o n.º 67000000000000, da agencia bancária inglesa Banco First Direct, da cidade de Leeds;

xi) um cartão de crédito gold, com o n.º 40000000000000, da agencia bancária inglesa Banco First Direct, da cidade de Leeds;

xii) um cartão de débito da dependência bancária do Banco Totta & Açores em nome de EE, com o número 4100000000000;

xiii) um cartão de crédito da dependência bancária do Banco Totta & Açores, em nome de EE com o número 55000000000000;

xiv) uma carteira de pele preta;

xv) pelo menos 20 euros em notas;

xvi) uma máquina de barba gilette e recargas;

xvii) um anel de ouro amarelo, com uma pedra redonda de pequenas dimensões, de cor verde e vermelha;

xviii) um anel de ouro amarelo, com forma quadrada, com as iniciais EHC, relativas ao nome do pai do DD;

xix) um anel de noivado.

18) Os três anéis referidos em 17.xvii) a xix) tinham, no total, o valor aproximado de 1.000 euros.

19) Os arguidos e o indivíduo não identificado retiraram o anel de ouro amarelo, com uma pedra redonda de pequenas dimensões, de cor verde e vermelha, o anel de ouro amarelo, com forma quadrada, com as iniciais EHC, e o anel de noivado, das mãos do DD, e retiraram um anel de prata de topázio azul, com pedra oval, um anel de prata normal e um anel de prata com um pequeno diamante, das mãos da EE, mas acabaram por não levar consigo estes anéis da EE, e retiraram ainda a pulseira de prata, o colar de prata com três pêndulos e o anel de noivado, com um diamante, em ouro e platina, das mãos do pulso e do pescoço da EE.

20) Um dos elementos do grupo formado pelos arguidos e pelo indivíduo não identificado tinha na sua posse um pé de cabra, que trazia nas mãos enquanto esteve na moradia do DDe da EE.

21) Enquanto se mantiveram na moradia do DDe da EE, os arguidos e o

indivíduo não identificado efectuaram uma revista a todas as divisões da casa.

22) Por volta das 00.00 hrs., e quando dois dos elementos do grupo formado pelos arguidos e pelo indivíduo não identificado se encontravam ausentes, a

(9)

EE, depois de ter pedido para ir à casa de banho, conseguiu fugir pela janela desta, o que levou a que os restantes dois elementos do grupo que se

mantinham na moradia também fugissem.

23) Os arguidos, em comunhão de esforços e agindo conjuntamente entre si e com o indivíduo não identificado, fizeram suas as quantias e objectos

referidos, sem que possuíssem autorização dos respectivos proprietários e conhecendo o seu carácter alheio, tendo para tal agido nos termos descritos e constrangendo o DDe a EE, o que quiseram fazer e conseguiram.

24) Mais quiseram os arguidos e o indivíduo não identificado, actuando concertadamente, privar de liberdade o DD e a EE, o que efectivamente conseguiram.

25) Os arguidos e o indivíduo não identificado, actuando da forma descrita, em comunhão de esforços, quiseram, pelos meios que usaram e acima descritos, obrigar o DD e a EE a revelar-lhe os seus códigos dos cartões de crédito e débito, o que efectivamente conseguiram.

26) Quiseram os arguidos e o indivíduo não identificado, actuando

conjuntamente, obter para si enriquecimento ilegítimo, através de intervenção não autorizada no sistema informático que gere os movimentos e

levantamentos de dinheiro em caixas ATM, abusando da posse dos referidos cartões de débito e crédito, levando o emitente a entregar o dinheiro e

causando dessa forma prejuízo aos titulares dos cartões, o que efectivamente conseguiram.

27) Os arguidos e o indivíduo não identificado agiram como descrito em 11) e 12) e em 14) a 16) também na execução de plano entre si elaborado e

acordado.

28) Os arguidos agiram de forma livre e consciente, tendo pleno conhecimento de que as referidas condutas lhes estavam vedadas por lei penal, tendo

capacidade para se determinarem de acordo com tal conhecimento.

29) O arguido CC nasceu na Roménia, inserido num grupo familiar com um estrato sócio-económico referenciado como carenciado.

O pai faleceu quando tinha catorze anos de idade, o que, para além dos efeitos emocionais, agudizou o contexto de precariedade existente.

Iniciou o ensino básico em idade adequada, abandonando a escolaridade após dez anos de frequência - mencionando um desempenho escolar adequado por condicionalismos de ordem económica. Teve a primeira experiência laboral aos 16 anos de idade, como servente de pedreiro, situação que se manteve durante um ano, após o que exerceu a actividade de segurança, durante sete meses, numa empresa privada. Registou depois um período de inactividade, de cerca de um ano, face às dificuldades na obtenção de colocação laboral,

dedicando-se, então, ao desempenho de tarefas agrícolas - estufas - em

(10)

contexto familiar.

As dificuldades laborais determinaram a sua deslocação para Portugal aos dezanove anos, procurando melhores condições de vida. Juntamente com dois amigos fixou residência em Estói, debatendo-se, inicialmente, com algumas dificuldades de adaptação a uma nova realidade sócio - laboral, após o que passou a exercer actividade na área da montagem de alumínios, situação que se manteve durante dois meses, após o que regressou ao país de origem, em virtude das dificuldades económicas existentes, nomeadamente por

incumprimento salarial por parte da entidade patronal. Volvido um mês de permanência na Roménia regressa a Portugal, com o intuito de proceder à aquisição de maquinaria, para revenda no país de origem.

À data dos factos residia, juntamente com outros co-arguidos, numa casa térrea, arrendada, de tipologia T1, com precárias condições de habitabilidade.

Em meio prisional tem vindo a registar algumas infracções disciplinares.

O arguido BB é oriundo de um agregado familiar com um estrato sócio- económico mediano. Na sequência do divórcio dos progenitores, quando o arguido tinha dois anos, ficou a viver com o pai. Nesse contexto, a infância e a adolescência são recordados como períodos pouco gratificantes, ao nível

afectivo, na medida em que para além de não ter usufruído de um

relacionamento próximo com a mãe e irmã, vivenciou uma dinâmica familiar perturbadora, decorrente dos maus tratos infligidos, principalmente pela madrasta.

Os oito anos de escolaridade decorreram de forma regular, com um

aproveitamento bastante satisfatório, não tendo continuado os estudos por decisão paterna. Assim, aos catorze anos de idade, começou a ajudar o progenitor, numa oficina de pintura de automóveis, actividade que

desenvolveu durante seis anos, até ser convocado para o serviço militar (1 ano). Posteriormente, e face à inexistência de uma dinâmica relacional afectiva no agregado familiar, optou por se autonomizar habitacionalmente, fixando-se numa outra cidade, trabalhando como serralheiro civil.

A ruptura de uma relação marital que manteve durante cerca de três anos, concomitante com uma hipótese de trabalho em Portugal, mais aliciante em termos remuneratórios, esteve na origem da sua decisão em emigrar, aos vinte e seis anos de idade.

Aparentemente, e durante o ano de 2006, esteve em Portugal três vezes. O incumprimento ao nível do pagamento dos vencimentos por parte da entidade patronal, do sector da construção civil, determinou que regressasse à

Roménia, depois de dois meses de trabalho, tendo regressado a Portugal, decorridos cerca de quatro meses (para trabalhar para a anterior entidade

(11)

patronal), regressando novamente à Roménia, passadas duas semanas dada a falta de concretização das suas expectativas.

À data dos factos encontrava-se em Portugal, pela segunda ou terceira vez, havia poucos dias, sendo sua intenção reintegrar o mercado de trabalho, no sector da construção civil.

Encontrava-se a residir na zona de Estói, em mais de um alojamento, correspondente a espaços arrendados por conterrâneos com quem tinha estabelecido contacto nos períodos anteriores de permanência em Portugal.

No meio prisional tem registado um comportamento conforme ás normas, encontrando-se, desde o início, a frequentar um curso de português para estrangeiros.

O arguido AA é oriundo de um meio sócio-familiar mediano. O seu processo educativo decorreu normalmente. A mãe morreu quando o arguido tinha dezasseis anos de idade, encontrando-se o pai ainda vivo. Tem um irmão que constituiu agregado próprio e vive na Roménia.

Estudou durante dez anos com aproveitamento satisfatório.

Começou a trabalhar como carpinteiro aos 17 anos, tendo desenvolvido essa actividade durante cerca de 3 anos. Depois passou a dedicar-se ao cultivo e venda de produtos agrícolas.

Manteve durante cerca de 5 anos uma relação marital, tendo-se o casal separado sem filhos. Mantinha uma prática desportiva constante, quer no futebol quer no ténis de mesa.

À data dos factos encontrava-se em Portugal, pela segunda ou terceira vez desde início de 2006, para trabalhar no sector da construção civil. Encontrava- se a residir na zona de Estói, no apartamento de um seu conterrâneo, co-

arguido. Não tem familiares em Portugal.

Tem mantido um comportamento prisional adequado ás normas.

Os arguidos não têm antecedentes criminais em Portugal.

*

Qualificação Jurídica dos Factos

Alegam os recorrentes que o comportamento delituoso por si assumido deve ser qualificado como integrante de um só crime de roubo, visto que a intenção apropriativa e os actos perpetrados nesse sentido se dirigiram à pessoa do ofendido DD, sendo que relativamente à actividade criminosa exercida sobre a ofendida EE deve a mesma ser objecto de enquadramento legal distinto.

Contrapõe o Ministério Público que perante os bens eminentemente pessoais violados pelo comportamento dos recorrentes, na pessoa dos dois ofendidos, não é configurável a hipótese da ocorrência de um só crime continuado de

(12)

roubo.

Decidindo, dir-se-á.

A lei substantiva penal vigente regula a problemática do concurso de crimes, do crime continuado e do crime único constituído por uma pluralidade de actos ou acções no último artigo do Capítulo II, do Título II, do Livro I, sob a epígrafe de «Concurso de Crimes e Crime Continuado» (artigo 30º),

traduzindo o pensamento desde há muito expresso pelo Professor Eduardo Correia, na sua obra Unidade e Pluralidade de Infracções – Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz.

Do exame sumário do referido preceito -(3), na sua globalidade, verifica-se, no entanto, que o mesmo não regula esta matéria de forma «abrangente e

esgotante», na medida em que as soluções ali indicadas se limitam a

estabelecer um critério mínimo de distinção entre unidade e pluralidade de infracções.

Trata-se pois de um ponto de partida estabelecido pelo legislador, a partir do qual à doutrina e à jurisprudência caberá, em última análise, encontrar as soluções mais adequadas, tendo em vista a multiplicidade de situações que se prefiguram.

Certo é que enquanto no nº 1 do artigo 30º se estabelecem critérios relativos à problemática do concurso de crimes «tout court», no n.º 2 pretendem-se regular situações que também têm a ver com a pluralidade de crimes, mas que o legislador juridicamente unifica em um só crime. Neste último caso estamos perante o chamado crime continuado, bem como face a outros casos de

unificação jurídica (crime único com pluralidade de actos ou acções).

No número 3, aditado pela Lei n.º 59/07, de 4 de Setembro, incluiu-se no texto legal acrescento que chegou a fazer parte do n.º 2 do artigo 33º do Projecto da Parte Geral do Código Penal de 1963, acrescento que foi aprovado na 13ª

Sessão da Comissão Revisora, em 8 de Fevereiro de 1964, o qual mereceu do Professor Eduardo Correia comentário, segundo o qual aquele acrescento podia realmente ser consagrado, embora fosse de reputar de todo

indispensável, uma vez que a conclusão no mesmo contida já se retiraria da expressão «o mesmo bem jurídico».

Vejamos pois se no caso ora submetido à nossa apreciação e julgamento

estamos perante uma pluralidade de crimes subsumível ao conceito constante do n.º 1 do artigo 30º (concurso de crimes) ou, ao invés, estamos face a um só crime ou perante uma pluralidade de crimes subsumível ao conceito constante do n.º 2 daquele artigo (crime continuado).

Deste modo, comecemos por analisar o texto do n.º 1 do artigo 30º.

Do exame e análise do texto já atrás transcrito decorre que o mesmo contém duas partes, ambas se referindo a situações de pluralidade de crimes

(13)

cometidos pelo mesmo agente.

Na primeira parte, estatui-se que o número de crimes se determina pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos (... pela conduta do agente); na segunda parte, declara-se que o número de crimes (também) se determina pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

Na primeira situação estamos face ao apelidado «concurso heterogéneo»

(realização de diversos crimes - violação de diversas normas incriminadoras).

Na segunda estamos perante o chamado «concurso homogéneo» (realização plúrima do mesmo crime - violações da mesma norma incriminadora).

Certo é que, quer na primeira quer na segunda situação, o comportamento do agente tanto se pode consubstanciar num só facto ou numa só acção, como em vários factos (naturais) ou várias acções. Com efeito, a partir de um só facto ou de uma só acção podem realizar-se diversos crimes, por violação

(simultânea) de diversas normas incriminadoras, bem como o mesmo crime plúrimas vezes, por violação da mesma norma incriminadora -(4) , tal como a partir de vários factos ou várias acções pode realizar-se o mesmo crime plúrimas vezes, por violação (repetida) da mesma norma incriminadora, bem como diversos crimes, por violação de diversas normas incriminadoras.

Em qualquer dos casos, estamos, no entanto, perante concurso de crimes, já que este ocorre, sempre, desde que o agente cometa mais do que um crime, quer mediante o mesmo facto, quer através de vários factos.

Não basta, porém, a ocorrência deste concreto condicionalismo (objectivo) para que se conclua, sem mais, estar-se perante «concurso de crimes».

Vejamos.

Como é sabido, o crime é um facto humano, tipicamente ilícito e culpável. O mesmo facto ou a mesma acção, como já vimos, pode simultaneamente

realizar um ou mais «tipos de crime». Mas o «tipo de crime» realizado abarca o conteúdo global da norma incriminadora, isto é, o tipo legal, objectivo e subjectivo. Toda e qualquer infracção criminal é constituída por três elementos, quais sejam, o facto típico, a culpabilidade e a punibilidade.

Deste modo, não basta produzir pelo modo previsto na mesma ou em várias disposições legais o evento jurídico de cada uma. É indispensável que

relativamente a cada crime concorrente se verifique vontade culpável. É preciso que cada crime seja doloso ou culposo, e como tal punível - nulla poena sine culpa - (artigo 13º, do Código Penal) - (5).

Assim sendo, certo é que a expressão «tipos de crime» utilizada no n.º 1 do artigo 30º tem o significado de «tipo legal objectivo e subjectivo», a significar que a vontade culpável, como dolo ou como negligência, por um só acto de vontade ou por actos plúrimos da vontade, deve ter por objecto todos os

(14)

crimes concorrentes, que serão dolosos ou culposos, consoante a vontade tomar quanto a cada um deles a forma de dolo ou de negligência - (6).

Fixado o sentido da norma do n.º 1 do artigo 30º passemos ao exame e análise do seu n.º 2.

Como já se referiu e claramente decorre do respectivo texto, pretendem-se aqui regular as diversas situações em que, ocorrendo uma pluralidade de crimes cometidos pelo mesmo agente, quer por violação repetida do mesmo tipo legal, quer por violação plúrima de vários tipos legais de crime, o

legislador procede a uma unificação jurídica, de forma a considerá-las como se um só crime houvesse ocorrido.

Na base do instituto do crime continuado, como revela a primeira parte do respectivo dispositivo, encontra-se assim um concurso de crimes, pois que aquele se traduz objectivamente na «realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico (...)». No entanto, uma diferença desde logo se salienta. A

diferença está em que, no caso de «concurso heterogéneo» se limita o campo próprio do crime continuado à violação de várias normas incriminadoras que protejam essencialmente o mesmo bem jurídico, o que equivale a dizer que, por outro lado, se alarga a noção de «concurso homogéneo» consoante resultaria da distinção feita nas 1ª e 2ª partes do n.º 1 do artigo 30º.

Na realidade, o «concurso homogéneo», para efeitos do n.º2 do artigo 30º, compreende não só a plúrima violação da mesma norma incriminadora mas também a violação de diversas normas incriminadoras, desde que sejam da mesma espécie, isto é, protejam fundamentalmente o mesmo bem jurídico -(7).

Certo é, porém, que o instituto do crime continuado exige, obviamente, algo mais, para além da ocorrência de um concurso de crimes, com o âmbito e conteúdo já referidos.

Como se vê da segunda parte do n.º 2 do artigo 30º, exige-se que aquele concurso (realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crimes) seja executado por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

Deste modo, verifica-se que, fundamentalmente, são razões atinentes à culpa do agente que justificam o instituto do crime continuado. É a diminuição considerável desta, a qual segundo o texto legal deve radicar em solicitações de uma mesma situação exterior que arrastam aquele para o crime, e não em razões de carácter endógeno.

Perante culpa significativamente diminuída entende o legislador apenas ser admissível um só juízo de censura, e não vários, como seria de fazer, o que alcança precisamente mediante a unificação jurídica em um só crime

(15)

(continuado) de comportamento ou comportamentos que violam diversas

normas incriminadoras ou a mesma norma incriminadora por mais de uma vez - (8).

No número 3 do artigo 30º, excluiu-se a possibilidade de qualificação de uma pluralidade de factos como integrantes de continuação criminosa ou de crime único quando, tutelando aqueles bens eminentemente pessoais, é ofendida mais que uma pessoa.

Como se deixou consignado na nota de rodapé 4, onde se transcrevem

ensinamentos de Eduardo Correia, a repetição de um tipo de crime que tutela bem eminentemente pessoal implica, necessariamente, o preenchimento de tantos crimes quantas as pessoas ofendidas.

*

O crime de roubo, como crime complexo que é, ofende quer bens jurídicos patrimoniais, concretamente o direito de propriedade e de detenção de coisas móveis (o texto legal alude a apropriação de coisa móvel alheia), quer bens jurídicos pessoais, designadamente a liberdade individual de decisão e de acção e a integridade física, podendo até ofender, em certos casos de roubo agravado, a própria vida (o texto legal alude a constrangimento de outra pessoa, violência e ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física).

No entanto, há que ter presente que o crime de roubo é um crime contra a propriedade (9), sendo que a ofensa aos bens pessoais surge como meio de lesão dos bens patrimoniais - (10), pelo que será a partir da lesão destes últimos, em ligação com a pessoa ou pessoas ofendidas, que se terá de aferir da ocorrência de um ou mais crimes de roubo - (11).

No caso dos autos constata-se que os recorrentes, com intenção de se apropriarem de bens existentes na residência dos ofendidos DD e EE

(pertença de ambos) e de bens que cada um deles ostentava e consigo trazia (pertença de cada um), exerceram violência sobre ambos e ofenderam a integridade física do ofendido DD, tendo-se apoderado daqueles bens.

Deste modo, dúvidas não restam de que não merece qualquer censura o enquadramento jurídico-penal dos factos feito na 1ª instância, posto que os recorrentes, com o comportamento delituoso conscientemente assumido, ofenderam o direito de propriedade de ambos e de cada um dos ofendidos, bem como a sua liberdade e a integridade física do ofendido DD, não sendo aquele comportamento subsumível ao n.º 2 do artigo 30º do Código Penal.

*

Medida das Penas

Alegam os recorrentes que, face às suas condições pessoais e à circunstância de nunca haverem sido objecto de censura jurídico-penal em Portugal, devem

(16)

ser reduzidas, por demasiado gravosas, as penas parcelares e a pena conjunta em que foram condenados.

Culpa e prevenção, constituem o binómio que o julgador terá de utilizar na determinação da medida da pena, obviamente, dentro dos limites (mínimo e máximo) definidos na lei – artigo 71º, n.º 1, do Código Penal.

A culpa como expressão da responsabilidade individual do agente pelo facto e como realidade da consciência social e moral, fundada na existência de

liberdade de decisão do ser humano e na vinculação da pessoa aos valores juridicamente protegidos (dever de observância da norma jurídica), é o

fundamento ético da pena e, como tal, seu limite inultrapassável – artigo 40º, n.º 2, do Código Penal - (12)

Dentro deste limite a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de

prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização,

excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

É este o critério da lei fundamental – artigo 18º, n.º 2 – e foi assumido pelo legislador penal de 1995

- (13)..

Observação prévia a fazer é a de que a circunstância de o arguido CC ter 19 anos de idade à data dos factos não é suficiente para aplicação do regime legal previsto no DL 401/82, de 23 de Setembro.

É que, como bem se decidiu em 1ª instância, inexistem razões para crer que da atenuação especial da pena resultem sérias vantagens para a reintegração social daquele arguido.

Tal circunstância, no entanto, não pode deixar de pesar na determinação das penas parcelares, uma vez que se reflecte, necessariamente, quer ao nível da culpa, quer ao nível da prevenção, devendo funcionar como circunstância atenuante geral.

Pese embora a gravidade dos factos, o elevado grau de culpa dos arguidos e as concretas exigências de prevenção, com destaque para as de prevenção geral, entendemos que as penas parcelares cominadas, situadas em 9 anos de prisão, se mostram, como aqueles alegam, excessivas, tanto mais que estamos

perante delinquentes presumivelmente primários.

Tendo em vista que o crime de roubo agravado é punível com pena de 3 a 15 anos de prisão, fixa-se em 8 anos de prisão a pena por cada um dos crimes

(17)

perpetrados pelos arguidos AA e BB. Relativamente ao arguido CC, face à sua idade à data dos factos, fixa-se em 6 anos de prisão a pena por cada um dos crimes que cometeu.

*

Procedendo ao cúmulo jurídico daquelas penas, dir-se-á que a pena conjunta através da qual se pune o concurso de crimes, tem a sua moldura abstracta definida entre a pena mais elevada das penas parcelares e a soma de todas as penas em concurso, não podendo ultrapassar 25 anos, o que equivale por dizer que no caso vertente a respectiva moldura varia entre o mínimo de 8 anos de prisão e o máximo de 16 anos para os arguidos AA e BB e o mínimo de 6 anos e o máximo de 12 anos para o arguido CC – n.º 2 do artigo 77º do Código Penal.

Por outro lado, segundo preceitua o n.º 1 daquele artigo, na medida da pena são considerados em conjunto, os factos e a personalidade do agente, o que significa que o cúmulo jurídico de penas não é uma operação aritmética de adição, nem se destina, tão só, a quantificar a pena conjunta a partir das penas parcelares cominadas.

Primeira observação a fazer face ao regime legal da punição do concurso de crimes é a de que o nosso legislador penal não adoptou o sistema de

acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem o sistema da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e os singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), tendo mantido todas as opções possíveis em aberto, desde a absorção – aplicação da pena mais grave – ao cúmulo material, passando pela exasperação.

Segunda observação a fazer é a de que a lei elegeu como elementos determinadores da pena conjunta os factos e a personalidade do agente, elementos que devem ser considerados em conjunto.

Não tendo o legislador nacional optado pelo sistema de acumulação material é forçoso concluir que com a fixação da pena conjunta pretende-se sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente.

Como doutamente diz Figueiredo Dias - (14), como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

Importante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a

(18)

averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, a existência ou não de qualquer relação entre uns e outros, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem

esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente

referenciada aos factos, tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso.

Analisando os factos verifica-se que os crimes em concurso evidenciam uma estreita relação, visto que foram planificados e concertados em simultâneo e executados na mesma ocasião.

Não são reveladores de propensão ou tendência criminosa.

Tudo ponderado, fixa-se em 10 anos de prisão a pena conjunta relativamente aos arguidos AA e BB, fixando-se em 8 anos de prisão a pena conjunta do arguido CC.

*

Termos em que se acorda conceder parcial provimento aos recursos,

reduzindo as penas parcelares cominadas a cada um dos arguidos AA e BB para 8 (oito) anos de prisão, fixando-se a pena conjunta de cada um deles em 10 (dez) anos de prisão.

Quanto ao arguido CC reduzem-se as penas parcelares para 6 (seis) anos de prisão, fixando-se a pena conjunta em 8 (oito) anos de prisão.

Custas pelos recorrentes, sendo a taxa de justiça devida por cada um deles de 4 UCs.

***

Lisboa, 04 de Dezembro de 2008

Oliveira Mendes (relator) Maia Costa

___________________________

(1) - O texto que a seguir se transcreve corresponde integralmente ao da motivação de recurso.

(2) - O texto que a seguir se transcreve corresponde ipsis verbis do acórdão recorrido.

(3) - É do seguinte teor o artigo 30º, do Código Penal (redacção dada pela Lei

(19)

n.º 59/07, de 4 de Setembro):

«1. O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime

efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

2. Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente.

3. O disposto no número anterior não abrange os crimes praticados contra bens eminentemente pessoais, salvo tratando-se da mesma vítima».

(4) - Que assim é dúvidas não há, como doutamente demonstra Eduardo Correia, ibidem, 121 e sgs. . Segundo refere aquele saudoso Mestre, um só comportamento, uma só «expressão da vida», tanto pode preencher um só crime como vários crimes. Por outro lado, como refere também, nem sempre se pode fazer derivar a afirmação de que só um tipo de crime é aplicável a uma dada situação concreta, da circunstância de um só preceito, uma só norma ou artigo de lei lhe corresponder na parte especial dos códigos ou, de maneira geral, nas leis criminais. É que certas disposições legais descrevendo aparentemente um só tipo, descrevem efectivamente um número

indeterminável de figuras de crime, na medida em que um dos seus elementos constitutivos tem de se considerar tomado pela lei concreta e individualmente.

Este é seguramente o caso das disposições que visam proteger bens jurídicos eminentemente pessoais, como a vida, a honra, a integridade física, a

liberdade, uma vez que se trata de bens jurídicos que se não podem desligar da personalidade, que apenas podem ser violados na pessoa que os cria com o só existir. Quando a lei pune de certa maneira aquele que voluntariamente mata outrem ou sujeita a cativeiro algum homem livre, tudo se deve passar e entender como se tais disposições dissessem: aquele que voluntariamente matar ou sujeitar a cativeiro A, B, C... . Com tais normas deve-se considerar visada a protecção da vida e da liberdade, não como valores comuns, mas como valores encarnados nas pessoa de A, B, C, etc. . Se tal especificação não é feita expressamente... isso deve-se tão só a razões de economia e viabilidade técnico-legislativa, que de nenhuma maneira podem impedir, mas até

justamente exigir, que se faça a interpretação de que estes preceitos carecem.

Os tipos legais descritos em tais disposições desdobram-se, assim, em tantos outros quantos os possíveis indivíduos aos quais se estende a protecção da lei.

Só uma apressada visão das coisas pode, pois, levar a dizer que quem matou A, B, C e D praticou um mesmo crime, porque só preenche com a sua

(20)

actividade (mesmo que única) um tipo legal.

(5) - Cf. Lobo Moutinho, Da Unidade à pluralidade dos crimes no Direito Penal Português, 376 e ss.

(6) - Cf. Cavaleiro de Ferreira, Lições de Direito Penal, Parte Geral, I, 1992, 537/538, obra que, aliás, temos vindo a seguir de perto na abordagem de toda esta problemática.

(7) - Cf. Cavaleiro de Ferreira, ibidem, 541/542.

(8) - Em sentido não totalmente coincidente veja-se Lobo Moutinho, ibidem, 1226, ao referir que a exigência de diminuição da culpa exprime, não

propriamente uma menor gravidade da culpa do agente no crime continuado, mas uma característica da situação exterior que se repete, facilitando a

decisão de reiteração.

(9) - Como tal se acha inserido no Código Penal.

Como refere Luís Osório, Notas ao Código Penal Português, IV, 116: «Desde que o nosso legislador fez consistir o crime de roubo em subtrair por meio de violência, a sua colocação no capítulo dos crimes contra a propriedade não levanta sérias objecções. Se, porém, o crime consistisse em exercer violência ou ameaças com o fim de subtrair, outra devia então ser a sua colocação».

(10) - Cf. a propósito desta questão, Leal Henriques e Simas Santos, Código Penal Anotado, 2, 494, para os quais o roubo não é mais que um furto

qualificado em função do emprego violência, física ou moral, contra a pessoa, ou da redução desta, por qualquer modo, à incapacidade de resistir, bem como Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, II, 160 e 180, onde alude a aspecto patrimonial do crime, e Maia Gonçalves, Código Penal Anotado, anotação ao artigo 210º, onde refere que o roubo é, estruturalmente um furto qualificado (pela violência, pelas ameaças ou pela colocação da vítima na impossibilidade de resistir).

Segundo Manzini, Tratado, 8º, 313, o objecto da tutela penal mediante a incriminação do roubo é o interesse público relativo à garantia da

inviolabilidade da propriedade associada ao interesse concernente à liberdade e à segurança das pessoas, enquanto se liga particularmente à inviolabilidade da posse de coisas móveis, contra apossamento doloso delas por meio de outrem, acompanhado ou seguido de violência física ou psíquica.

(11) - A não ser assim confrontar-nos-ia mos com situações absurdas como, por exemplo, a de um assalto ocorrido num avião em que o assaltante pretende apoderar-se, apenas, de obra de arte que um dos passageiros

(21)

transporta, no entanto, para tal necessita de ameaçar e de manietar todos os demais passageiros e a tripulação. Nesta situação, adoptando-se orientação distinta, teríamos que o assaltante ao apropriar-se (apenas) da obra de arte pertença de um dos passageiros, incorreria na autoria material de tantos crimes de roubo quantos os passageiros e tripulantes ameaçados e

manietados.

(12) - A pena da culpa, ou seja, a pena adequada à culpabilidade do agente, deve corresponder à sanção que o agente do crime merece, isto é, deve

corresponder à gravidade do crime. Só assim se consegue a finalidade político- social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o

fortalecimento da consciência jurídica da comunidade – Cf. Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.

(13) - Vide Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111. Na

esteira desta doutrina, entre muitos outros, o acórdão deste Supremo Tribunal de 04.10.21, na CJ (STJ), XII, III, 192.

(14)Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, 290/292

Referências

Documentos relacionados

a) Em termos formais, parecem estar cumpridos, in casu, os requisitos constantes do n.º 3 no artigo 400.º do Código de Processo Penal e do artigo 678.° n.° 1 do Código de

recorrente, tendo em conta o disposto nos art.ºs 21.º, n.º 1, e 31.º do Dec.-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e 73.º do CP, condená-lo na pena de 3 anos de prisão (reduzindo a pena

Supremo Tribunal de 6 de Janeiro de 1994, in BMJ n.º 433, pág.. corpus a verificação da legalidade da prisão reportada a momentos anteriores, designadamente o cumprimento dos prazos

Por isso, se é certo que, na apreciação da procedência dos fundamentos.. invocados para o despedimento por extinção do posto de trabalho, tal como no despedimento colectivo, o

Mas também se não trata de um contrato de compra e venda celebrado entre a recorrente e a recorrida, porque não declararam que a primeira transmitia para a segunda, mediante

O Recorrido ficou com o direito a uma pensão mensal global de reforma, (calculada de harmonia com as regras próprias do sistema de segurança social dos trabalhadores bancários,

acidente, em local que lhe não era permitido fazê-lo, ( vedação de uma das bermas com barras de protecção metálica) e, sobretudo, por o ter feito sem tomar a devida atenção, por

II - O contrato de compra e venda do tractor não depende da observancia de qualquer formalidade especial e o registo não e constitutivo de direitos.. III - Não existe declaração