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OS VERBOS DE MODO DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

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Universidade Federal de Minas Gerais Faculdade de Letras

OS VERBOS DE MODO DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Luana Lopes Amaral Orientadora: Márcia Cançado

Belo Horizonte 2010

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Luana Lopes Amaral

OS VERBOS DE MODO DE MOVIMENTO NO PORTUGUÊS BRASILEIRO

Monografia apresentada ao Colegiado de Graduação em Letras da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Letras (habilitação em Linguística).

Orientadora: Profa. Dra. Márcia Cançado

Belo Horizonte

Faculdade de Letras da UFMG 2010

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Resumo

Este trabalho se insere na área de pesquisa que estuda a interface entre a sintaxe e a semântica lexical. Assumimos, juntamente com outros autores, que propriedades semânticas específicas das classes verbais determinam o comportamento dos verbos nas alternâncias verbais das quais participam. Assim, descrevemos uma classe de verbos do português brasileiro, ainda pouco estudada nessa língua, os verbos de modo de movimento, a fim de investigar as propriedades semânticas desses verbos que têm papel de determinar seu comportamento sintático. Esses verbos são verbos como sacudir, quicar e girar e descrevem o modo como determinado objeto se move, sem que seja acarretada uma trajetória do movimento. Além de descrever semantica e sintaticamente essa classe de verbos, pretendemos descrever e explicar a alternância verbal da qual participa: um tipo de alternância transitivo- intransitiva. Tomando como base o trabalho de Cançado e Godoy (2010), propomos representações semântico-lexicais para os verbos de modo de movimento do português brasileiro, em termos de decomposição em predicados primitivos. Chegamos à conclusão de que esses verbos podem ser subdivididos ainda em três classes de acordo com propriedades sintáticas e semânticas, como a reflexivização e o aspecto lexical. Essa subdivisão não afeta a alternância transitivo-intransitiva, já que a diferença que há entre esses verbos não tem relação com a propriedade semântica relevante para a alternância: o modo de movimento. Ainda, discordamos de alguns autores que propõem que os verbos de modo de movimento participam da alternância causativo-incoativa. Mostramos a diferença entre verbos de modo de movimento e verbos causativos e incoativos e porque a alternância em questão não se trata da alternância causativo-incoativa.

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Abstract

The present work is inserted in the research field which studies the syntax-lexical semantics interface. We assume, together with other authors, that specific semantic properties of verb classes determine the syntactic behavior of verbs within argument alternations. We describe a verb class of Brazilian Portuguese, which has not been much treated in the semantic literature of that language, the manner of movement verbs. We search for semantic properties of these verbs that determine their syntactic behavior. These are verbs like balançar, quicar and girar and they describe the manner how a determined object moves, without the entailment of a path. Besides describing semantically and syntactically this verb class, we also describe and explain the argument alternation in which it participates: a kind of transitive-intransitive alternation. Following Cançado and Godoy (2010), we propose lexical- semantic representations for the manner of movement verbs, in terms of predicate decomposition. We conclude that these verbs can be subdivided in three classes, according to their syntactic and semantic properties, like reflexivization and aktionsart. This subdivision does not affect the transitive-intransitive alternation, since the difference between the verbs is not related to the semantic property relevant to the alternation: the manner of movement. Still, we disagree with some authors who propose that the manner of movement verbs participate in the causative-inchoative alternation. We show the difference between manner of movement verbs and causative and inchoative verbs and why the alternation is not the causative- inchoative.

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Conteúdo

1. Introdução ... 6

2. Os verbos de modo de movimento na literatura ... 10

2.1 Levin e Rappaport (1992) e Levin (1993) ... 10

2.2 Jackendoff (1990) ... 13

2.3 Talmy (1985) ... 14

2.4 Ribeiro (2010) ... 17

3 Referencial Teórico ... 19

4 A nossa análise para os verbos de modo de movimento do PB ... 25

4.1 Verbos de modo de movimento que denotam atividade: sacudir e quicar ... 26

4.2 Verbos de modo de movimento causativos: girar ... 30

4.3 Estrutura de predicados ... 34

4.4 Alternância verbal ... 38

5 Conclusões ... 43

6 Referências Bibliográficas... 45

Anexo ... 49

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6 1. Introdução

Na literatura em Semântica Lexical, encontramos vários trabalhos sobre alternâncias verbais e como essas alternâncias ocorrem em classes verbais específicas. Por exemplo, para o inglês temos Levin (1993), Levin e Rappaport (1995), Hale e Keyser (2002), e outros; para o português brasileiro, temos Cançado (2010), Ciríaco (2007), Godoy (2009), entre outros.

Neste trabalho, pretendemos contribuir com os estudos na interface sintaxe-semântica lexical do português brasileiro (PB) através da descrição e da análise de uma classe verbal dessa língua e de uma alternância verbal característica dessa classe. Assumimos, juntamente com outros autores como Levin e Rappaport (1992, 1995), Cançado (2005, 2010), entre outros, que as possibilidades das alternâncias verbais são determinadas por propriedades semânticas sintaticamente relevantes das classes verbais.

A classe de verbos que tomamos como objeto de estudo são os verbos que chamaremos de verbos de modo de movimento, pois são verbos que descrevem o movimento de um objeto pelo ponto de vista do modo como se dá esse movimento, sem que haja a descrição de uma trajetória. O objeto que sofre o movimento não tem necessariamente controle sobre o evento. Verbos desse tipo são exemplificados a seguir:

(1) a. A empregada sacudiu os tapetes.

b. O menino quicou a bola de basquete.

c. O participante girou a roleta.

Esses verbos não expressam uma trajetória e não descrevem a direção do movimento, nem implicitamente. Um objeto pode sacudir, quicar e girar sem sofrer mudança de lugar.

Segundo Levin e Rappaport (1992) e Talmy (1985), estas duas propriedades semânticas, modo do movimento e direção do movimento, nunca são lexicalizadas pelo mesmo verbo, ou seja, estão em distribuição complementar1. Alguns verbos do PB que lexicalizam a trajetória são exemplificados a seguir:

1O próprio Talmy cita contra exemplos para essa proposta, porém assume que esse tipo de lexicalização é raro.

Para Levin e Rappaport (2010) verbos que aparentemente lexicalizam modo e trajetória são, na verdade, polissêmicos, de forma que em cada uso ou o verbo expressa modo ou trajetória, nunca os dois ao mesmo tempo.

Para o PB, podemos citar como contra exemplos a essa proposta verbos como rolar e caminhar, que são tratados geralmente como verbos de modo de movimento. Esses verbos denotam o modo do movimento e acarretam uma trajetória. Se um objeto rola, necessariamente ele muda de lugar. Jackendoff (1990) afirma que correr, no inglês run, possui um argumento implícito que denota uma trajetória. Goldberg (2010) também cita contra exemplos e propõe outro tipo de restrição para a lexicalização dos verbos.

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7 (2) a. O brinquedo caiu no chão.

b. A menina foi para a casa da amiga.

c. A Maria voltou de Nova York.

Existe, ainda, um outro tipo de verbo que podemos também classificar como sendo de modo de movimento. São verbos necessariamente agentivos como andar e correr2. Em um primeiro momento, assumiremos que não é relevante separar esses verbos da classe maior de verbos inergativos, que inclui verbos como falar e cantar. Além disso, esses verbos diferem dos verbos que tomamos como objeto de estudo, por terem uma trajetória implícita. Se alguém anda ou corre, anda ou corre de um lugar A até um lugar B. Deixaremos esses verbos para uma pesquisa futura e neste trabalho, sempre que usarmos a denominação de verbos de modo de movimento, estaremos nos referindo aos verbos que não acarretam trajetória nem expressam direção do movimento e que denotam o movimento de um objeto, sem que este tenha necessariamente controle sobre o evento.

O que nos leva a tomar os verbos de modo de movimento do PB como objeto de estudo é o fato de que eles, assim como outros verbos do PB e de outras línguas, participam de um tipo de alternância transitivo-intransitiva. Essa alternância ocorre quando um verbo alterna o número de argumentos que toma, podendo aparecer tanto em uma forma intransitiva, como em uma forma transitiva. Alguns autores, como Levin e Rappaport (1992, 1995) e Ribeiro (2010), assumem que tal alternância se trata da alternância conhecida como causativo- incoativa3. Entretanto, pretendemos mostrar que o tipo de alternância que ocorre com verbos de modo de movimento, do ponto de vista semântico, não é o mesmo que ocorre com verbos causativos e incoativos4. Vejamos o que estamos entendendo por alternância causativo- incoativa.

A alternância causativo-incoativa é um processo semântico que possui um reflexo na sintaxe na forma de uma alternância transitivo-intransitiva. Esse processo faz com que um determinado predicador verbal alterne o número de argumentos que toma. Por exemplo, verbos causativos como abrir podem aparecer na sintaxe com um argumento ou com dois:

2 Esses verbos podem ter usos não agentivos, como em A agulha andou/correu pelo corpo do rapaz ou em A água correu, mas esses usos são claramente metafóricos e não invalidam a afirmação de que tais verbos são agentivos.

3 Para mais detalhes sobre a alternância causativo-incoativa ver Levin e Rappaport (1995), Hale e Keyser (2002), Ciríaco (2007), Ribeiro (2010), Chagas de Souza (1999) e Cançado e Amaral (2010).

4 Chamamos de verbos causativos verbos como quebrar, abrir, clarear e machucar. Chamamos de incoativos verbos como amadurecer, apodrecer, murchar e talhar.

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8 (3) a. A porta (se) abriu.

b. O menino/o vento abriu a porta.

Semanticamente, podemos analisar a alternância por meio de paráfrases. A forma transitiva pode ser parafraseada da seguinte forma: um elemento X causa um elemento Y mudar de estado. No exemplo em (3b), X é o menino ou o vento e Y é a porta. A forma intransitiva pode ser parafraseada da seguinte forma: um elemento Y muda de estado. A forma transitiva, que contém uma causa, é a contraparte causativa da alternância. A forma intransitiva, que só expressa uma mudança de estado, é a contraparte incoativa5. Sintaticamente, essa alternância é um tipo de alternância transitivo-intransitiva e, nesse ponto, ela se assemelha a alternância da qual participam os verbos de modo de movimento.

Neste trabalho, mostraremos que, na verdade, os verbos de modo de movimento são diferentes dos verbos causativos e incoativos. Os verbos de modo de movimento não são verbos de mudança de estado. Em um evento descrito por um verbo de modo de movimento, o objeto não muda de estado, apenas sofre um movimento. Vejamos exemplos da alternância transitivo-intransitiva que ocorre na classe de verbos de modo de movimento:

(4) a. O vento sacudiu a cortina.

b. A cortina sacudiu.

(5) a. O jogador quicou a bola de basquete.

b. A bola de basquete quicou.

(6) a. O Joãozinho girou a roleta.

b. A roleta girou.

Portanto, a hipótese que norteará esta pesquisa é a de que a alternância transitivo- intransitiva que ocorre com os verbos de modo de movimento é um processo sintático que ocorre também com verbos causativos e incoativos. Porém, semanticamente, a alternância em questão é específica dessa classe de verbos e sofre restrições de propriedades semânticas que compõem os verbos dessa classe. Os objetivos deste trabalho são descrever os verbos de

5O termo incoativo é muitas vezes utilizado na literatura para tratar de fenômenos diferentes. Segundo Haspelmath (1987) o termo é utilizado na tradição da linguística americana para caracterizar verbos que descrevem a transição para um estado. Para Jackendoff (1990), incoativo é um evento cujo ponto final é um estado. Em outras abordagens, o termo se refere a um tipo de aspecto que especifica o início de uma ação (Crystal, 2000).

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9 modo de movimento do PB; explicar e caracterizar semanticamente a alternância transitivo- intransitiva da qual eles participam e propor uma representação lexical, em termos de decomposição em predicados primitivos para essa classe de verbos.

Os procedimentos metodológicos a serem seguidos são coleta de dados através do dicionário de Borba (1990) e dos trabalhos de Levin (1993) e Ribeiro (2010), aplicação de testes aspectuais para verificar o aspecto lexical desses verbos, criação de sentenças gramaticais e agramaticais com os verbos coletados.

Analisaremos os dados coletados tomando como quadro teórico o trabalho de Cançado e Godoy (2010).

Esta monografia se organiza da seguinte forma: na parte seguinte, discutimos os principais trabalhos encontrados na literatura sobre os verbos de modo de movimento; na parte 3, apresentamos o referencial teórico adotado na pesquisa; na parte 4, mostramos a nossa análise para os verbos de modo de movimento do PB; concluímos a monografia na parte 5.

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10 2. Os verbos de modo de movimento na literatura

2.1 Levin e Rappaport (1992) e Levin (1993)

No trabalho de Levin e Rappaport (1992), as autoras estão preocupadas com a relação entre a classe de verbos de movimento e o fenômeno da inacusatividade. Tomados como pertencentes a uma única classe verbal, os verbos de movimento pareciam ser um grande contra exemplo para a Hipótese Inacusativa. A Hipótese Inacusativa, como formulada por Perlmutter (1978) e adotada por Burzio (1986), é uma hipótese sintática que propõe que os verbos intransitivos são divididos em duas classes: verbos inergativos e inacusativos, cada uma associada a uma configuração sintática diferente. O único argumento de um verbo inergativo possui propriedades de sujeito e o único argumento de um verbo inacusativo possui propriedades de objeto direto.

Além de propriedades sintáticas, cada classe de verbos intransitivos apresenta propriedades semânticas em comum, o que levou os pesquisadores a postularem a determinação da semântica sobre a inacusatividade. Segundo as autoras, é possível, através da Hipótese Inacusativa postular uma regra de correspondência entre a sintaxe e a semântica que determina a qual classe o verbo pertencerá. Argumentos agentes são sujeitos em Estrutura Profunda e argumentos pacientes são objetos diretos em Estrutura Profunda. Também, classes semânticas de verbos tendem a se comportar da mesma forma com relação à inacusatividade.

Através dessas propriedades, foram propostos vários testes para saber se um verbo intransitivo se comporta como inergativo ou inacusativo. Esses testes foram chamados de diagnósticos de inacusatividade. Porém, nem sempre esses diagnósticos agrupavam a mesma classe semântica. Os verbos de movimento, por exemplo, não apresentam comportamento uniforme com relação aos diagnósticos de inacusatividade. Alguns verbos de movimento se comportam como inacusativos, outros como inergativos e outros, ainda, parecem se comportar como ambos, dependendo do uso.

Levin e Rappaport propõem então que a inacusatividade é semanticamente determinada, ou seja, as propriedades semânticas de um verbo, como os papéis temáticos que esse verbo atribui a seus argumentos, como o seu aspecto lexical ou como outras partes de seu sentido, determinam se ele será um verbo inacusativo ou inergativo. O fato de que os verbos

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11 de movimento não se comportam da mesma forma com relação aos diagnósticos de inacusatividade é evidência de que movimento não é uma das propriedades semânticas que determinam inacusatividade. Isso quer dizer que verbos que denotam movimento, que tem essa propriedade semântica como parte de seu significado, não se comportam da mesma forma com relação à inacusatividade. Podem existir verbos de movimento inacusativos e inergativos. As autoras propõem, então, que os verbos de movimento não formam uma classe, mas que entre eles existem três classes distintas, cada qual se comportando uniformemente com relação aos diagnósticos de inacusatividade. As três classes que elas propõem são:

a) classe de arrive

Esses verbos incluem em seu significado a direção do movimento; denotam achievements6 e são inacusativos. Direção do movimento é a propriedade semântica que diferencia essa classe das outras duas. Exemplos em português (traduzidos dos exemplos em inglês das autoras) são:

chegar, ir, cair, retornar e partir.

b) classe de roll

Os verbos dessa classe são verbos cujo significado inclui a maneira como ocorre o movimento; denotam atividades e também são inacusativos. Exemplos em português (traduzidos dos exemplos em inglês das autoras) são: rolar, escorregar, mover, balançar.

c) classe de run

Esses verbos são inergativos e, como no caso dos verbos da classe de roll, o significado dos verbos dessa classe inclui a maneira como ocorre o movimento; também denotam atividades.

Exemplos em português (traduzidos dos exemplos em inglês das autoras) são: correr, andar, galopar, pular e nadar.

O que diferencia os verbos da classe de roll dos verbos da classe de run é um traço proposto pelas autoras denominado DIRECT EXTERNAL CAUSE (DEC). Esse traço especifica se a ação denotada pelo verbo só ocorre espontaneamente ou se é diretamente causada por um agente ou uma força externa. É também o valor desse traço que determina se um verbo será inergativo ou inacusativo. Verbos da classe de roll são +DEC, por isso inacusativos. Verbos da classe de run são -DEC, por isso inergativos.

6 O aspecto lexical, ou aksionsart, é uma propriedade semântica dos verbos que se relaciona com o modo como o evento ou estado denotado por um verbo se dá no decorrer do tempo. Tradicionalmente, segundo Vendler (1967), os verbos podem ser divididos em quatro classes aspectuais diferentes: estados, atividades, accomplishments e achievements. Os estados são situações que não mudam, não se desenvolvem no decorrer do tempo, como O João sabe matemática. As atividades são processos que não possuem um ponto final definido, como O João nada. Os accomplishments são eventos que caminham para um ponto final, que é o resultado de outro evento, como em A Maria abriu a janela. Por último, os achievements são eventos que não se estendem no tempo, como O menino chegou.

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12 Até aqui, a proposta das autoras consegue explicar os diferentes comportamentos dos verbos de movimento com relação à inacusatividade. Porém, o aspecto lexical é uma propriedade semântica relevante para a determinação da inacusatividade. Verbos inacusativos são normalmente verbos que denotam achievements, porém os verbos da classe de roll denotam atividades e ainda assim são classificados através dos diagnósticos como inacusativos. Levin e Rappaport propõem, então, que, nesse caso, o traço DEC é mais determinante que o aspecto lexical. É somente nessa classe de verbos que a inacusatividade é determinada inteiramente pelo valor do traço DEC.

Sobre os verbos da classe de roll, que são os que mais nos interessam aqui, as autoras dizem que são verbos de modo de movimento cujo significado implica uma causa externa direta. O argumento desses verbos não tem necessariamente controle sobre o evento. A causativização desses verbos é uma evidência disso. As autoras apontam que é uma propriedade de verbos +DEC participarem da alternância causativo-incoativa, mas nem todos os verbos da classe de roll participam da alternância. Verbos como glide 'escorregar, deslizar' e drift7 'flutuar, mover-se lentamente' não permitem que o movimento seja controlado por uma força externa, por isso, não aceitam causativização. Exemplos de outros verbos +DEC no português (traduzidos dos exemplos em inglês das autoras) são esfriar, endurecer, secar e quebrar. Todos participam da alternância causativo-incoativa no PB.

Os modos lexicalizados nos verbos da classe de roll não especificam se as ações que os verbos denotam são causadas por uma força externa ou por um agente que tem controle sobre o próprio movimento. Por exemplo, a sentença em (7) é ambígua nesse sentido:

(7) O João girou.

Por fim, uma conclusão importante das autoras é que as propriedades semânticas modo e direção do movimento estão em distribuição complementar, ou seja, um verbo que denota a direção do movimento não lexicaliza também o modo do movimento e um verbo que denota o modo do movimento não lexicaliza também a direção do movimento. Além disso, essas propriedades parecem ter uma correspondência com telicidade, de modo que verbos que expressam modo são atélicos e verbos que expressam direção são télicos.

7 Esses verbos não possuem uma tradução exata para o português. O inglês é uma língua que tende a lexicalizar movimento e modo de movimento, enquanto o português é uma língua que tende a lexicalizar movimento e trajetória, como veremos mais adiante. Por isso, é esperado que encontremos muitos verbos de modo de movimento do inglês que não possuem uma tradução correspondente no português.

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13 Para as autoras, esses verbos são basicamente transitivos como os outros verbos que participam da alternância causativo-incoativa.

A proposta de Levin e Rappaport é interessante para tratar do problema da determinação semântica sobre o fenômeno da inacusatividade. Porém, a classe que elas chamam classe de roll pode não ser uma classe relevante para outros fenômenos sintáticos e pode também não ser uma classe semanticamente uniforme, dependendo da propriedade semântica que se toma como referência.

Seguindo Levin e Rappaport (1992), Levin (1993) divide os verbos de modo de movimento em dois grupos: classe de run e classe de roll. A autora afirma que verbos da classe de roll participam da alternância causativo-incoativa com algumas exceções. Isso sugere que há ainda classes mais específicas dentro dessa classe. Levin coloca como uma subclasse da classe de roll verbos de movimento em torno de um eixo, como rodar e girar.

2.2 Jackendoff (1990)

Para Jackendoff, os verbos de modo de movimento descrevem o movimento de um objeto, mas não implicam que esse objeto percorre uma trajetória. Exemplos no português (traduzidos dos exemplos do autor para o inglês) são: requebrar, dançar, girar e balançar.

Verbos como esses descrevem o movimento interno de um objeto. Não descrevem locação, mudança de lugar, ou configuração em relação a outro objeto. Isso sugere que a função em questão (o verbo) toma um único argumento. Além disso, outro motivo para dizer que esses verbos são intransitivos é o paralelismo entre os verbos de modo de movimento não agentivos e os verbos de modo de movimento agentivos, que Jackendoff agrupa em uma mesma classe.

O autor não parece levar em conta a alternância transitivo-intransitiva e como os verbos de modo de movimento agentivos são intransitivos e não participam de uma alternância transitiva, os verbos de modo de movimento não agentivos também são tratados como intransitivos por pertencerem à mesma classe.

Jackendoff propõe para esses verbos a seguinte representação:

(8) [Event MOVE (Thing )]

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14 A representação em (8) é uma decomposição do sentido dos verbos de modo de movimento. É composta por uma função MOVE, que indica a parte comum do sentido desses verbos. Essa função toma um argumento, que é da categoria ontológica das coisas (Thing). O constituinte conceptual formado pela função e seu argumento é da categoria ontológica dos eventos (Event). A função MOVE diferencia esses verbos de verbos de movimento que implicam trajetória. Esses verbos são representados pela função GO, que é biargumental e toma um argumento que é o objeto que se move e um argumento que é a trajetória percorrida pelo objeto.

O autor também propõe que a diferença entre os verbos de modo de movimento não está codificada na estrutura conceptual (o componente da gramática que comporta a semântica). A estrutura em (8) vale para todos os verbos de modo de movimento, não apresenta diferenças entre os verbos. Esses verbos se diferenciam somente em uma estrutura visual-espacial que está ligada à estrutura conceptual.

O problema da proposta de Jackendoff é que, segundo o próprio autor, somente propriedades semânticas codificadas na estrutura conceptual são visíveis na sintaxe. Assim, a diferença entre verbos de modo de movimento como dançar e andar e verbos de modo de movimento como girar e balançar não seriam relevantes sintaticamente. O que não ocorre na realidade. Esses verbos se diferenciam em várias propriedades sintáticas, ou seja, é relevante que eles sejam agrupados em classes diferentes e que tenham representações diferentes. Um exemplo dessa distinção na sintaxe é a própria alternância transitivo-intransitiva e a inacusatividade (como mostram Levin e Rappaport, 1992).

2.3 Talmy (1985)

Nesse texto, Talmy trata da relação sistemática encontrada nas línguas entre elementos semânticos e elementos sintáticos. Elementos semânticos são Movimento, Trajetória, Modo, Causa, entre outros. Elementos sintáticos são verbo, adposição, oração subordinada, entre outros. O autor mostra que a relação entre esses dois tipos de elementos linguísticos não é um-para-um, mas mesmo assim obedece a regras específicas. A preocupação do autor é justamente encontrar essas regras e observar seu comportamento em diferentes línguas a fim de descobrir se as regras são particulares e cada língua se comporta de uma forma, se elas

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15 apresentam um certo padrão tipológico ou se podem ser aplicadas a todas as línguas, ou seja, se são universais.

Para isso, Talmy elegeu a raiz verbal como elemento sintático a ser investigado. Ele busca quais elementos semânticos são lexicalizados nas raízes verbais. A lexicalização está envolvida quando um componente de significado particular é associado regularmente a um morfema particular.

Para a expressão do elemento semântico Movimento, Talmy propõe que existem três padrões de lexicalização nas línguas do mundo. Cada língua elege um destes padrões:

a) Lexicalização de [Movimento + Modo/ Causa]

Línguas que elegem esse padrão possuem verbos de movimento que especificam o modo como se dá o movimento ou a causa do movimento.

b) Lexicalização de [Movimento + Trajetória]

Línguas que elegem esse padrão possuem verbos de movimento que especificam a trajetória que o objeto movido percorre, ou a direção do movimento.

c) Lexicalização de [Movimento + Objeto que move]

Línguas que elegem esse padrão possuem verbos que especificam o tipo de objeto que está sendo movido. Por exemplo, uma língua desse tipo terá verbos diferentes para descrever o movimento de objetos redondos e de objetos não redondos.

O quadro abaixo mostra quais línguas apresentam quais padrões (adaptado de Talmy, 1985):

Línguas/Famílias de línguas Componente semântico lexicalizado no verbo de movimento

Românicas Semíticas Polinésias Nez Perce Caddo

[Movimento + Trajetória]

Indo-européias, exceto Românicas Chinês

[Movimento + Modo/Causa]

Atsugewi Navajo

[Movimento + Objeto que move]

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16 O fato de uma língua eleger um padrão de lexicalização não significa que ela não possua verbos de outros tipos. Talmy afirma que qualquer língua usa apenas um desses tipos para o verbo em sua expressão mais característica do movimento. Expressão mais característica significa o uso coloquial, o uso frequente e uma grande quantidade de itens lexicais na língua. Podem ocorrer lexicalizações fora do padrão nas línguas, mas esses casos serão especiais e muito restritos.

O que nos interessa mais na tipologia de Talmy é o padrão de lexicalização [Movimento + Modo]. Verbos desse tipo expressam a maneira do movimento. O autor apresenta três formas em que podem aparecer os verbos que expressam movimento e modo de movimento: não agentiva, agentiva e auto-agentiva. A forma não agentiva se caracteriza por descrever um evento autônomo, sem o desencadeamento de forças externas ou do próprio objeto movido. Por exemplo:

(9) A garrafa girou.

A forma agentiva é o uso dos verbos na alternância transitiva. Nesse caso, existe um agente que provoca o movimento de um objeto que não tem controle sobre o evento:

(10) O Joãozinho girou a garrafa.

A terceira forma é um uso específico em que o agente provoca o movimento do próprio corpo.

A forma auto-agentiva tem uma interpretação reflexiva, ou seja, o agente age sobre ele mesmo, porém não apresenta uma forma reflexiva com se:

(11) O menino girou (no ritmo da música).

Os dados desta pesquisa estão de acordo com a proposta de Talmy. Os verbos de modo de movimento do PB são poucos, como previsto para uma língua românica. Além disso, encontramos também as três formas desses verbos no PB: não agentiva, agentiva e auto- agentiva, como exemplificadas em (9)-(11).

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17 2.4 Ribeiro (2010)

O objetivo do trabalho de Ribeiro é explicar a ocorrência do clítico se nas formas intransitivas dos verbos que participam da alternância causativo-incoativa no PB. Segundo o autor, os verbos de modo de movimento participam da alternância causativo-incoativa sem o se. Para ele, a ausência do clítico se nas formas intransitivas desses verbos se deve à sua estrutura argumental básica. Ribeiro assume que esses verbos são basicamente intransitivos e que o clítico se sinaliza a retirada de um argumento da estrutura argumental de um verbo.

Assim, o clítico se não ocorre nas formas intransitivas dos verbos de modo de movimento, já que esses verbos são basicamente intransitivos e nenhum argumento é retirado de sua estrutura argumental. O autor conclui que esses verbos sofrem um processo de causativização, e não de incoativização.

O autor conclui para os verbos de modo de movimento que "Assim, não seria necessária a utilização do clítico se para evitar a ambiguidade [em relação ao papel temático do argumento - sempre tema], o que explicaria o comportamento destes verbos em relação ao uso deste clítico."

A proposta de Ribeiro apresenta alguns problemas. Como já dissemos anteriormente, é um problema assumir que a alternância em questão é a alternância causativo-incoativa.

Sintaticamente, as alternâncias que ocorrem com verbos causativos e incoativos e com verbos de modo de movimento são as mesmas. Porém, não podemos assumir que se tratam da mesma alternância do ponto de vista semântico. Mostraremos o porquê na parte 4.

Outro problema é sugerir que o clítico se é um desambiguizador de ambiguidades de papel temático e que, por isso, não é necessária a inserção do clítico na forma intransitiva dos verbos de modo de movimento. Alguns verbos de modo de movimento geram ambiguidade de papel temático na forma intransitiva. É o que ocorre em casos como A menina girou, em que a menina pode ter girado propositalmente ou não. O papel temático dos argumentos de verbos de modo de movimento não pode ser tratado unicamente como Tema. Existem outras propriedades semânticas acarretadas pelos verbos a seus argumentos que são relevantes e que não estão incluídas no rótulo Tema. Na literatura8, encontramos trabalhos que problematizam os rótulos dados aos papéis temáticos, especialmente a noção de Tema, que geralmente é

8 Problemas da abordagem que trata os papéis temáticos como unidades indivisíveis e problemas de se utilizar rótulos como agente, paciente e tema são abordados por vários autores. Dentre eles Jackendoff (1990), Levin e Rappaport (2005), Dowty (1991) e Cançado (2005).

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18 muito vaga, sendo utilizada às vezes como sinônimo de Paciente ou para rotular o papel temático de um objeto em movimento.

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19 3 Referencial Teórico

Para representar e definir a classe de verbos de modo de movimento do PB, explicar e caracterizar a alternância transitivo-intransitiva que ocorre nessa classe e mostrar as propriedades semântico-lexicais relevantes, utilizaremos a decomposição dos itens lexicais em predicados primitivos. Tomaremos como base a proposta de representação lexical de Cançado e Godoy (2010).

Cançado e Godoy propõem uma representação lexical para os verbos do PB em dois níveis: um nível semântico-lexical e um nível sintático-lexical. O nível semântico-lexical organiza e caracteriza semanticamente as classes verbais e é dado em termos de decomposições em predicados primitivos. O nível sintático-lexical é o nível que faz a correspondência entre as propriedades semânticas dos verbos e sua realização sintática sentencial. Esse nível é dado em termos das estruturas arbóreas propostas por Hale e Keyser (2002). Seguindo a proposta inicial de Cançado (2010), que propõe associar a estrutura de decomposição de predicados às estruturas de Hale e Keyser (2002), Cançado e Godoy expandem e aprofundam a idéia da vinculação entre esses dois níveis de representação lexical.

Primeiramente, vejamos a representação semântico-lexical. Segundo Rappaport (2006), a decomposição de itens lexicais em predicados primitivos foi introduzida pelos pesquisadores da semântica gerativa com o propósito de capturar relações temáticas entre usos de predicadores. A decomposição em predicados primitivos é uma representação do sentido dos verbos formulada em termos de um ou mais predicados primitivos. O significado dos verbos é decomposto em unidades menores. Os predicados primitivos são unidades de sentido recorrentes nos sentidos dos verbos. Por exemplo, verbos de mudança de estado compartilham a propriedade semântica de mudança de um estado A para um estado B. A unidade de sentido Mudança é representada pelo predicado BECOME. As representações formadas a partir da decomposição em predicados primitivos são compostas por predicados primitivos, argumentos (indicados pelas variáveis X, Y, Z, etc.) e um elemento idiossincrático do verbo, a raiz, que o diferencia dos outros verbos da mesma classe. A idéia é que todo verbo que expresse Mudança seja composto pelo predicado BECOME e assim ocorra com os demais predicados. A decomposição dos itens lexicais em predicados primitivos é uma ferramenta de análise que nos permite revelar propriedades semânticas comuns às classes de verbos,

(20)

20 possibilitando-nos descrevê-las semanticamente e isolar as propriedades semânticas relevantes para as alternâncias argumentais das quais participam os verbos.

Cançado e Godoy propõem estruturas de decomposição em predicados primitivos para as classes de verbos de resultado do PB. Os verbos de resultado são divididos pelas autoras em verbos de mudança de estado e verbos de ação. Dentre os verbos de mudança de estado, estão os verbos causativo/agentivos, estritamente causativos e incoativos. Vejamos as estruturas semântico-lexicais que as autoras propõem para esses verbos.

Para os verbos causativo/agentivos, como quebrar, abrir e clarear, as autoras seguem Cançado (2010) e propõem a estrutura:

(12) v: [[X (ACT) ] CAUSE [Y BECOME <STATE> ]]

Na estrutura acima, X é uma força externa, como um agente, um instrumento ou mesmo uma eventualidade. Os parênteses no predicado ACT indicam que volição é uma propriedade opcional para o argumento X desses verbos. Y é a entidade afetada e STATE é a raiz, ou seja, o verbo denota uma mudança de estado, e não de lugar, por exemplo.

Os verbos estritamente causativos, como preocupar e aborrecer, terão uma pequena distinção semântica com relação aos verbos causativo/agentivos:

(13) v: [[X] CAUSE [Y BECOME <STATE> ]]

A ausência do predicado ACT na estrutura dos verbos estritamente causativos expressa uma propriedade semântica peculiar dessa classe de verbos: uma eventualidade, seja um evento ou estado, é que causa a mudança de estado de Y. Como no caso dos verbos causativo/agentivos, a mudança é de estado.

Os verbos incoativos são verbos intransitivos que aceitam causativização. O argumento que entra na estrutura argumental de um verbo incoativo só pode ser uma causa, assim como o argumento X dos verbos estritamente causativos. Verbos incoativos são verbos como amadurecer, embolorar e enferrujar. Para eles, as autoras adotam a estrutura em (14), seguindo a proposta de Cançado e Amaral (2010):

(14) v: ([X] CAUSE) [Y BECOME <STATE>]

(21)

21 Nessa estrutura, X é uma eventualidade que pode ser acrescentada ao verbo, ou seja, a causa não é inerente ao verbo incoativo.

Todos os verbos de mudança de estado possuem semelhanças e diferenças entre si. As diferenças são encontradas na parte da estrutura em que se situa o argumento X. O que esses verbos têm em comum é serem verbos de mudança de estado. A parte da estrutura semântica desses verbos que explicita essa propriedade semântica é igual para os três tipos de verbo.

Dentre os verbos de ação, as autoras destacam três tipos de verbo: verbos de location, verbos de locatum e verbos benefactivos.

Para os verbos chamados verbos de location, como hospitalizar, engarrafar e engavetar, as autoras propõem a estrutura:

(15) v: [[X ACT] CAUSE [Y BECOME [IN <PLACE> ]]]

O predicado ACT fora de parênteses indica que esses verbos são estritamente agentivos. A categoria ontológica da raiz desses verbos é um lugar. Isso quer dizer que o resultado final denotado por esses verbos é uma mudança de lugar.

Outra classe de verbos estritamente agentivos são os verbos chamados de locatum, como amanteigar, algemar e selar. A estrutura proposta para esses verbos é:

(16) v: [[X ACT] CAUSE [Y BECOME [WITH <THING>]]]

Verbos de locatum apresentam uma estrutura que reflete o resultado final de Y: não tinha algo e passa a ter algo. As autoras sugerem que também verbos benefactivos, como ajudar, premiar e indenizar possuem essa estrutura. Elas ressaltam que talvez a única diferença entre verbos benefactivos e verbos de locatum seja o fato de a denotação da raiz ser algo mais abstrato, como ajuda ou prêmio e não algo concreto como manteiga, algema e sela.

Tomando as estruturas apresentadas acima como a representação semântico-lexical das classes de verbos de resultado do PB e assumindo que tais propriedades semânticas determinam as configurações dos argumentos dos verbos na sintaxe, as autoras propõem que a sintaxe lexical de Hale e Keyser (2002) tem o papel de hierarquizar os argumentos dos verbos e fazer a interface entre a semântica lexical e a sintaxe sentencial.

Na decomposição de predicados, a raiz é um elemento que representa o sentido idiossincrático do verbo e pode ser classificada quanto a uma ontologia das raízes. Nas

(22)

22 estruturas sintático-lexicais, a raiz é um elemento pertencente a uma categoria gramatical. As autoras propõem, então, que as raízes das estruturas semânticas serão projetadas nas estruturas sintáticas de acordo com a categoria ontológica a que pertencem. É a raiz que relaciona os dois níveis de representação lexical. Os verbos causativo/agentivos, os verbos estritamente causativos e os verbos incoativos têm uma raiz da categoria ontológica dos estados (STATE).

Essa informação é projetada na sintaxe lexical do verbo como um adjetivo. Isso faz com que a estrutura argumental desses verbos seja representada na sintaxe lexical por uma estrutura sintática cuja raiz é de natureza adjetival. É essa a estrutura que permite que ocorra na sintaxe sentencial a alternância causativo-incoativa. A parte da estrutura semântica que é relevante para a projeção desses verbos na sintaxe lexical é [Y BECOME <STATE>]. Então, nesse nível, as três classes de verbos se comportarão da mesma maneira. A parte da estrutura que diferencia esses verbos será relevante para outros fenômenos sintáticos, como a passivização.

Verbos de location, locatum e benefactivos possuem raízes das categorias ontológicas lugar (PLACE) e coisa (THING). Esses verbos serão projetados em uma estrutura cuja raiz é um nome. Essa estrutura não possibilita a ocorrência da alternância causativo-incoativa. E nesse ponto, também os três tipos de verbos de ação não se diferenciam. Entretanto, as diferenças semânticas entre esses verbos podem ser relevantes para outros fenômenos sintáticos. Um dos argumentos de Cançado e Godoy para a subdivisão dos verbos de ação em três grupos é o comportamento deles com relação à construção reflexiva.

Assim, Cançado e Godoy conseguem prever a configuração sintática dos argumentos dos verbos de acordo com propriedades semânticas das classes verbais. Neste trabalho, proporemos apenas uma representação semântico-lexical para a classe de verbos de modo de movimento do PB. Deixaremos uma proposta de representação sintático-lexical para um trabalho futuro.

As autoras não tratam dos verbos de maneira ou modo, mas focam sua análise nos verbos de resultado, que são verbos que estabelecem uma relação causal entre dois subeventos e acarretam um resultado final. Dessa forma, assumiremos as propostas das autoras para esses verbos e as estenderemos à classe de verbos de modo de movimento do PB.

Para estender as idéias das autoras aos verbos de modo de movimento, utilizaremos, além das estruturas propostos por elas, alguns elementos da decomposição lexical encontrados na literatura, como um conectivo que não estabelece relação de causa, um predicado para exprimir movimento e uma raiz que seja adequada aos verbos de modo de movimento.

(23)

23 Primeiramente, vamos esclarecer o conceito de causa. Goldberg (2010) define a relação de causa como uma relação entre dois eventos, e1 e e2, que não se sobrepõem temporalmente, ou seja, e2 ocorre depois de e1, e e1 é suficiente para desencadear e2.

Também Wunderlich (no prelo) afirma que existe uma relação de causa se os elementos a serem relacionados estão ordenados temporalmente em sequência. Lewis (1973) e Dowty (1979), ambos apud Wunderlich (no prelo), também consideram a causação primeiramente como uma relação entre eventos. Dois subeventos de um evento complexo, não podem ocorrer concomitantemente. Por isso a relação de causa, que é uma relação entre eventos, está relacionada à temporalidade, ou à sobreposição de tempos.

Cançado e Godoy (2010) utilizam o predicado CAUSE para ligar dois eventos que se relacionam por uma causação na estrutura semântico-lexical. Já Wunderlich (no prelo) utiliza o conectivo & para ligar dois componentes de um evento, sejam eles concomitantes, situados em um mesmo tempo, ou em relação de causa. O autor elimina o predicado CAUSE e sugere que & terá uma leitura de causa sempre que os dois elementos ligados pelo conectivo não forem sobrepostos temporalmente e que o primeiro desencadeie o segundo.

Seguindo Godoy (em prep.), adotaremos o predicado CAUSE para ligar dois subeventos relacionados por uma causação na estrutura de predicados e utilizaremos o conectivo & proposto por Wunderlich (no prelo) somente para ligar dois elementos de um evento único na estrutura de predicados.

Também utilizaremos o predicado MOVE proposto por Jackendoff (1990). O autor representa verbos de modo de movimento como requebrar, dançar, girar e balançar com o predicado MOVE porque esses são verbos que expressam o movimento interno de um objeto, sem implicações com respeito a locação e trajetória. Como explicitamos na seção 2.2, esses verbos não podem ser decompostos em uma função GO. A função MOVE é monoargumental e toma um argumento que é o objeto que se move. Cada um desses verbos expressa uma maneira específica de movimento, porém, para Jackendoff, essa maneira específica não está codificada na estrutura conceptual. Repetimos em (17) a estrutura proposta pelo autor para os verbos de modo de movimento:

(17) [Event MOVE (Thing )]

A proposta do autor é que esses verbos se diferenciam somente em uma estrutura visual- espacial que está ligada à estrutura conceptual.

(24)

24 Entretanto, seguimos a proposta de Rappaport e Levin (1998) e também de Cançado e Godoy (2010) de que o sentido idiossincrático dos verbos, o que os diferencia dos outros membros da mesma classe, é codificado na raiz, que é representada na estrutura semântico- lexical do verbo. Dessa forma, o modo específico do movimento de cada verbo será codificado na raiz.

Segundo Rappaport e Levin (1998), as raízes podem ser inseridas na estrutura de decomposição em predicados primitivos de duas formas. Uma raiz pode ser argumento de um predicado, como é o caso das raízes dos verbos de resultado, ou pode servir como modificador de um predicado. As autoras afirmam que uma raiz que tem o papel de modificador de um predicado é a mais apropriada para representar o sentido idiossincrático dos verbos de modo de movimento, que se diferenciam somente na maneira específica do movimento. Uma raiz desse tipo é da categoria ontológica "manner" 'maneira' e é notada como subscrito ao predicado que modifica. Apesar de afirmarem que essa é a raiz ideal para os verbos de modo de movimento, as autoras não propõem uma estrutura para os verbos de modo de movimento não agentivos. A estrutura que as autoras propõem é para os verbos de modo de movimento agentivos, como correr e andar:

(18) v: [X ACT <MANNER>]

Não podemos adotar a estrutura das autoras por dois motivos: primeiro, o argumento do predicado ACT é um ser que age intencionalmente, ou por força própria. Essa não seria a representação ideal para verbos de modo de movimento em sentenças como A cortina saucdiu, em que o argumento apenas sofre o movimento, não tendo nenhum papel no desencadeamento do evento. Também, essa estrutura não diferencia os verbos de modo de movimento de outros verbos de maneira como cantar e falar, já que a raiz especifica maneira e não maneira de movimento. Além disso, já ressaltamos na seção 2 a importância de se separar os verbos de modo de movimento agentivos dos verbos de modo de movimento não agentivos.

Concluindo, para propor representações semântico-lexical para os verbos de modo de movimento do PB tomaremos como base a proposta de Cançado e Godoy (2010) e a estenderemos utilizando para isso algumas adaptações de outras propostas encontradas na literatura, as de Wunderlich (no prelo), Rappaport e Levin (1998) e Jackendoff (1990).

(25)

25 4 A nossa análise para os verbos de modo de movimento do PB

De acordo com a proposta de Talmy (1985), o português é uma língua que tende a lexicalizar Trajetória em seus verbos de movimento. Por isso, os verbos que lexicalizam o modo de movimento devem ser especiais e restritos nessa língua. Nossos dados do PB evidenciam esse fato, já que os verbos de modo de movimento são muito poucos quando comparados a outras classes verbais9, principalmente a dos verbos de trajetória10. Em nossa análise, conseguimos encontrar apenas 11 verbos que mostraram as características de denotarem o modo como um objeto se move, sem expressar trajetória ou direção do movimento e sem que o objeto que se move tenha necessariamente controle sobre o movimento. Esses dados foram escolhidos de um conjunto de verbos coletados através do dicionário de Borba (1990). Alguns verbos foram excluídos do nosso corpus por serem pouco usados, por exemplo, verbos como menear e fremir.

Primeiramente, além de denotar modo de movimento, esses verbos também participam de uma alternância transitivo-intransitiva que é exemplificada a seguir:

(19) a. O vento sacudiu a árvore.

b. A árvore sacudiu.

(20) a. O jogador quicou a bola de basquete.

b. A bola de basquete quicou.

(21) a. O menino girou o pião.

b. O pião girou.

Entretanto, por trás de uma aparente uniformidade entre as formas em que esses verbos ocorrem na alternância, existem peculiaridades em cada caso. Vejamos cada um deles.

9 Amaral (2009) apresenta cerca de 70 verbos para a classe dos verbos incoativos, Godoy (2008) apresenta cerca de 200 verbos para classe dos verbos recíprocos, Cançado (1995) apresenta cerca de 300 verbos para a classe dos verbos psicológicos, Moreira (2000) apresenta mais de 100 verbos para a classe dos verbos estativos, Wenceslau (2003) apresenta mais de 350 verbos da classe dos verbos beneficiários, Silva (2002) apresenta mais de 300 verbos de locação, Ciríaco (2007) apresenta cerca de 200 verbos para a classe dos verbos causativos. Dados de classes verbais do PB estão disponíveis em www.letras.ufmg.br/nucleos/nupes.

10 Corrêa (2005) faz um levantamento de mais de 200 verbos para essa classe.

(26)

26 4.1 Verbos de modo de movimento que denotam atividade: sacudir e quicar

Verbos como sacudir são verbos que denotam um movimento oscilatório, de um lado para outro. Em um processo de alternância verbal transitivo-intransitiva, como em (19b), esses verbos perdem um argumento que é o provocador do movimento oscilatório. No caso desses verbos, o provocador do movimento pode ser um ser animado que age intencionalmente ou um fenômeno natural que possui força própria. Um evento nunca pode provocar o movimento do objeto:

(22) a. O menino sacudiu a roupa (para que secasse logo).

b. O vento sacudiu a roupa.

(23) a. *A chuva que deu ontem sacudiu a roupa.

b. *A chegada da frente fria sacudiu a roupa.

c. *O empurrão que João levou sacudiu a roupa.

O movimento do objeto só acontece enquanto a força do provocador é aplicada sobre o objeto que move concomitantemente. Imagine, nos exemplos em (22a) e (22b), que se o vento pára e se o menino cessa seu movimento, a roupa não sacode mais. Como definimos anteriormente, a causação é uma relação entre dois eventos que não se sobrepõem temporalmente. Por isso, faz sentido propor que a relação entre a ação do provocador do movimento e o movimento do objeto não se trata de uma causação e que uma sentença transitiva com o verbo sacudir denota um evento único.

Também podemos utilizar esse argumento para justificar a agramaticalidade de sentenças como as em (23). O fato de que uma sentença transitiva com um verbo do tipo sacudir é um único evento impede, naturalmente, que um outro evento possa ser o provocador do movimento.

O fato de que sentenças como O menino sacudiu a roupa não denotam uma relação de causa é evidenciado pelo aspecto lexical desses verbos. Mesmo na forma transitiva, esses verbos denotam atividades. Alguns testes encontrados na literatura comprovam essa afirmação, como o teste do progressivo proposto por Dowty (1979). Esse teste procura distinguir eventos que possuem um ponto final determinado, accomplishments, de eventos que se desenvolvem no tempo, as atividades. A diferença entre esses dois tipos de eventos

(27)

27 está nos acarretamentos que os verbos geram quando colocados no progressivo. Como um accomplishment é um evento que só se efetiva quando o ponto final é atingido, a forma no progressivo de um verbo que denota esse tipo de evento não acarreta que o evento se completou, somente que ele foi iniciado.

(24) a. O menino estava abrindo a janela.

b. O menino abriu a janela.

A sentença em (24a) não acarreta a sentença em (24b). Ou seja, o evento foi iniciado, mas não chegou até seu ponto final. Essa é uma característica de accomplishments, que são eventos compostos por dois subeventos.

No caso das atividades, que são eventos únicos, o simples fato de o evento ter sido iniciado faz com que ele tenha ocorrido completamente. Ou seja, não é necessário que se chegue a um ponto final para dizer que o evento ocorreu. Assim, a forma no progressivo de um verbo que denota uma atividade acarreta que o evento ocorreu por completo. A sentença em (25a) acarreta a sentença em (25b).

(25) a. O menino estava sacudindo a roupa.

b. O menino sacudiu a roupa.

Outra peculiaridade de verbos como sacudir é que eles aceitam um objeto animado, como no exemplo em (26):

(26) O menino sacudiu o amigo.

Na forma intransitiva, um objeto animado pode aparecer na posição de sujeito, sem que a leitura seja agentiva:

(27) a. O gatinho sacudiu (com o forte vento).

b. O gatinho balançou11 (pendurado no arbusto).

11 Os exemplos de sentenças intransitivas com sujeitos animados parecem melhores com o verbo balançar. Não utilizamos esse verbo como exemplo prototípico dessa classe por causa de uma polissemia desse verbo que parece envolver uma relação de causa. Em um contexto bem específico, em que alguém balança outra pessoa em um balanço, a ação do provocador não parece ser necessariamente concomitante ao movimento de balançar.

(28)

28 Para que se tenha uma leitura em que o objeto que se move é o provocador do próprio movimento, ou seja, uma interpretação reflexiva, é necessário que se tenha a construção reflexiva com se:

(28) O menino se sacudiu (para tirar a poeira da roupa).

É importante observar que a forma intransitiva com o se não pode ser interpretada como uma forma incoativa. A única leitura possível é a reflexiva, tanto que a sentença não é boa se o objeto que move for inanimado:

(29) *A roupa se sacudiu.

Concluindo, verbos como sacudir são verbos que denotam um movimento oscilatório em que o provocador desse movimento pode ser um ser animado ou um fenômeno da natureza com força própria. Esses verbos podem ocorrer na forma transitiva, em que há dois argumentos: o provocador do movimento e o objeto movido; e na forma intransitiva, em que há apenas um argumento: o objeto movido. Na forma transitiva, a ação do provocador do movimento e o movimento do objeto são concomitantes, ou seja, a sentença transitiva denota um único evento. Além disso, esses verbos aceitam objetos animados e entram na construção reflexiva.

Outros verbos como sacudir são balançar, chacoalhar, mexer e sacolejar.

Os verbos como quicar, em (20), denotam um modo de movimento em que o objeto se move até um determinado ponto e volta ao ponto inicial. Em um processo de alternância verbal transitivo-intransitiva, como em (20b), esses verbos perdem um argumento que é o provocador do movimento, assim como os verbos do tipo de sacudir. Entretanto, esses verbos só aceitam argumentos provocadores humanos. Isso ocorre porque o movimento específico que o verbo descreve precisa de um provocador também específico, capaz de realizar um movimento que é típico de seres humanos.

(30) a. O jogador quicou a bola.

b. *O vento quicou a bola.

(29)

29 Também como os verbos do tipo de sacudir, o movimento só acontece enquanto a força do provocador é aplicada sobre o objeto que move concomitantemente. Imagine que se o jogador pára de realizar a ação determinada de quicar, o objeto que se move também pára de sofrer o movimento. Esse fato também pode ser explicitado através do aspecto lexical de sentenças transitivas com o verbo quicar. Elas também denotam atividades, ou seja, um evento único, como mostra o teste do progressivo:

(31) a. O jogador estava quicando a bola.

b. O jogador quicou a bola.

Como explicitamos anteriormente, esse teste mostra que em eventos únicos o simples fato de o evento ter sido iniciado faz com que ele tenha ocorrido completamente. A sentença em (31a) acarreta a sentença em (31b), então o teste mostra que se trata de uma atividade. Como no caso de verbos como sacudir, podemos dizer que não há também no caso de verbos como quicar uma relação de causa entre a ação do provocador do movimento e o movimento do objeto.

Mas diferentemente de sacudir, verbos como quicar não aceitam um objeto animado e não entram na construção reflexiva12:

(32) *O jogador quicou o colega.

(33) *O colega se quicou.

Concluindo, os verbos como quicar são verbos que denotam um tipo específico de movimento que só pode ser provocado por um ser humano. O objeto que se move só pode ser um objeto inanimado. Esses verbos não entram na construção reflexiva. Assim como verbos do tipo de sacudir, esses verbos podem ocorrer na forma transitiva, em que há dois argumentos: o provocador do movimento e o objeto movido; e na forma intransitiva, em que há apenas um argumento: o objeto movido. Na forma transitiva, a ação do provocador do movimento e o movimento do objeto são concomitantes, ou seja, a sentença transitiva denota um único evento. Ainda, o provocador do movimento só pode ser um ser humano.

12Segundo Godoy (em prep.) a restrição que impede que esses verbos aceitem a construção reflexiva é o fato de que eles não aceitam objeto animado. Ou seja, se trata de uma restrição que diz respeito a restrições selecionais dos verbos e não a suas propriedades semântico-lexicais.

(30)

30 Outros verbos como quicar são picar e vibrar.

Então, podemos concluir que a diferença entre esses dois tipos de verbo encontra-se nas restrições selecionais do sujeito e do objeto. Ou seja, o que diferencia verbos do tipo de sacudir de verbos do tipo de quicar é o fato de que os primeiros aceitam tanto sujeitos como objetos animados e não animados e os últimos somente aceitam objetos não animados e sujeitos humanos.

Apesar dessas diferenças, esses verbos são semelhantes no que diz respeito à estrutura de evento. Em sentenças com os verbos apresentados, se existe um provocador do movimento, o movimento ocorrerá concomitantemente à aplicação da força que provoca o movimento.

4.2 Verbos de modo de movimento causativos: girar

Outro grupo de verbos de modo de movimento do PB é o grupo de verbos que denotam movimento giratório, como girar13. Esses verbos também podem aparecer em duas configurações sintáticas: transitiva ou intransitiva.

Na forma transitiva, o verbo toma dois argumentos, assim como quicar e sacudir, um argumento provocador do movimento e um argumento que é o objeto que se move.

Entretanto, no caso de verbos como girar, o provocador do movimento pode ser um ser animado, um fenômeno da natureza com força própria ou um evento:

(34) a. O menino girou a roleta.

b. O vento girou o cata-vento.

c. A ventania que deu ontem girou o cata-vento.

Diferentemente do caso de verbos como sacudir e quicar, no caso do verbo girar, a ação do provocador provoca o movimento, que continua mesmo depois que o provocador pára de agir sobre o objeto movido. Imagine que quando o menino gira uma roleta, ele inicia o

13 Apesar de o verbo rolar ser um exemplo prototípico dessa classe de verbos na literatura, excluímos esse verbo do nosso corpus porque é semanticamente diferente dos outros verbos. O verbo rolar é um verbo que acarreta trajetória, ou seja, diferentemente de verbos como girar, o verbo rolar denota um movimento em que o objeto movido percorre uma trajetória. Neste trabalho tratamos exclusivamente de verbos que não denotam trajetória.

(31)

31 movimento e a roleta continua girando independente do menino. Podemos dizer, então, que não há sobreposição temporal entre a ação do provocador e o movimento do objeto. Dessa forma, é possível propor que existe uma relação de causa e que sentenças como as em (34) denotam eventos complexos, compostos por dois subeventos. Evidência para isso é o fato de que sentenças transitivas com esses verbos denotam accomplishments14. Accomplishments são caracterizados como eventos compostos.

Para tornar a classificação aspectual do verbo girar mais clara, vejamos como a sentença transitiva se comporta com relação a outro teste de aspecto proposto por Dowty (1979), o teste do advérbio quase. Esse teste diferencia accomplishments de atividades através dos acarretamentos gerados pelas sentenças modificadas pelo advérbio quase. Sentenças compostas de dois subeventos são ambíguas quando modificadas pelo advérbio quase, pois a modificação pode incidir sobre qualquer um dos dois subeventos. Por exemplo:

(35) O menino quase abriu a janela.

As interpretações possíveis para a sentença em (35) são: o menino tinha a intenção de abrir a janela, mas mudou de idéia e não o fez (interpretação decorrente da modificação no primeiro subevento) ou o menino fez alguma coisa para abrir a janela, mas a janela não ficou aberta (interpretação decorrente da modificação no segundo subevento).

Sentenças que denotam um único evento não são ambíguas nesse sentido, já que o advérbio quase tem a possibilidade de modificar apenas um evento. Por exemplo:

(36) O bebê quase chacoalhou o xique-xique.

A única interpretação possível para a sentença em (36) é que o bebê nem começou a realizar a ação.

Vejamos como a sentença transitiva com o verbo girar se comporta com relação a esse teste:

14 De acordo com Levin (2000), eventos complexos são equivalentes a eventos causativos. Porém, a noção de accomplishment deve ser desvinculada da noção de evento causativo. Para a autora, essas noções são independentes. Exemplos de eventos de accomplishment não causativos são os denotados por sentenças como O João comeu uma maçã e O João correu até a esquina. Exemplos de eventos causativos que não são accomplishments são os denotados por sentenças como O João quebrou copos por uma hora. Entretanto, Dowty (1979) propõe formas lógicas para cada classe aspectual que sugerem que a estrutura interna de um accomplishment é um evento complexo, composto por dois subeventos relacionados pelo operador cause. O teste do advérbio quase proposto pelo autor reflete a complexidade de eventos de accomplishment. A ambiguidade só se dá por causa da possibilidade de o advérbio incidir sobre um ou outro subevento.

(32)

32 (37) O menino quase girou a roleta.

A sentença em (37) pode ter as seguintes interpretações: o menino tinha a intenção, mas não realizou a ação ou o menino fez alguma coisa para girar a roleta, mas não chegou a provocar o movimento do objeto. Podemos imaginar que a roleta era muito dura e, apesar de seus esforços, o menino não conseguiu girá-la. Assim, concluímos que, de fato, a sentença transitiva com o verbo girar denota um accomplishment e que a relação estabelecida entre a ação do provocador do movimento e o movimento do objeto é uma causação.

O fato de que a sentença transitiva com verbos que denotam movimento giratório denota um evento composto justifica a possibilidade de um evento poder ser o provocador do movimento.

Com relação aos testes aspectuais, temos ainda uma observação. Outro teste proposto por Dowty (1979) é o teste dos sintagmas adverbiais em X tempo e por X tempo. Esses testes separam eventos durativos de eventos não durativos. Os eventos durativos são aqueles que se desenrolam através do tempo, sem que haja um ponto final específico. Os eventos não durativos são aqueles que possuem um ponto final determinado. Dessa forma, sentenças que denotam eventos durativos podem ocorrer com o sintagma por X tempo e ficam agramaticais com o sintagma em X tempo. Com sentenças que denotam eventos não durativos ocorre o oposto, elas podem ocorrer com o sintagma em X tempo e ficam agramaticais com o sintagma por X tempo. Exemplificamos o teste com o verbo de accomplishment abrir e com o verbo de atividade aplaudir:

(38) a. O menino abriu a janela em um minuto.

b. *O menino abriu a janela por um minuto.

(39) a. *A platéia aplaudiu o músico em um minuto.

b. A platéia aplaudiu o músico por um minuto.

Vejamos agora a aplicação desse teste com o verbo girar:

(40) O menino girou a roleta em um minuto.

Referências

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