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Verbos de modo de movimento causativos: girar

2. Os verbos de modo de movimento na literatura

4.2 Verbos de modo de movimento causativos: girar

Outro grupo de verbos de modo de movimento do PB é o grupo de verbos que denotam movimento giratório, como girar13. Esses verbos também podem aparecer em duas configurações sintáticas: transitiva ou intransitiva.

Na forma transitiva, o verbo toma dois argumentos, assim como quicar e sacudir, um argumento provocador do movimento e um argumento que é o objeto que se move. Entretanto, no caso de verbos como girar, o provocador do movimento pode ser um ser animado, um fenômeno da natureza com força própria ou um evento:

(34) a. O menino girou a roleta. b. O vento girou o cata-vento.

c. A ventania que deu ontem girou o cata-vento.

Diferentemente do caso de verbos como sacudir e quicar, no caso do verbo girar, a ação do provocador provoca o movimento, que continua mesmo depois que o provocador pára de agir sobre o objeto movido. Imagine que quando o menino gira uma roleta, ele inicia o

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Apesar de o verbo rolar ser um exemplo prototípico dessa classe de verbos na literatura, excluímos esse verbo do nosso corpus porque é semanticamente diferente dos outros verbos. O verbo rolar é um verbo que acarreta trajetória, ou seja, diferentemente de verbos como girar, o verbo rolar denota um movimento em que o objeto movido percorre uma trajetória. Neste trabalho tratamos exclusivamente de verbos que não denotam trajetória.

31 movimento e a roleta continua girando independente do menino. Podemos dizer, então, que não há sobreposição temporal entre a ação do provocador e o movimento do objeto. Dessa forma, é possível propor que existe uma relação de causa e que sentenças como as em (34) denotam eventos complexos, compostos por dois subeventos. Evidência para isso é o fato de que sentenças transitivas com esses verbos denotam accomplishments14. Accomplishments são caracterizados como eventos compostos.

Para tornar a classificação aspectual do verbo girar mais clara, vejamos como a sentença transitiva se comporta com relação a outro teste de aspecto proposto por Dowty (1979), o teste do advérbio quase. Esse teste diferencia accomplishments de atividades através dos acarretamentos gerados pelas sentenças modificadas pelo advérbio quase. Sentenças compostas de dois subeventos são ambíguas quando modificadas pelo advérbio quase, pois a modificação pode incidir sobre qualquer um dos dois subeventos. Por exemplo:

(35) O menino quase abriu a janela.

As interpretações possíveis para a sentença em (35) são: o menino tinha a intenção de abrir a janela, mas mudou de idéia e não o fez (interpretação decorrente da modificação no primeiro subevento) ou o menino fez alguma coisa para abrir a janela, mas a janela não ficou aberta (interpretação decorrente da modificação no segundo subevento).

Sentenças que denotam um único evento não são ambíguas nesse sentido, já que o advérbio quase tem a possibilidade de modificar apenas um evento. Por exemplo:

(36) O bebê quase chacoalhou o xique-xique.

A única interpretação possível para a sentença em (36) é que o bebê nem começou a realizar a ação.

Vejamos como a sentença transitiva com o verbo girar se comporta com relação a esse teste:

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De acordo com Levin (2000), eventos complexos são equivalentes a eventos causativos. Porém, a noção de accomplishment deve ser desvinculada da noção de evento causativo. Para a autora, essas noções são independentes. Exemplos de eventos de accomplishment não causativos são os denotados por sentenças como O João comeu uma maçã e O João correu até a esquina. Exemplos de eventos causativos que não são accomplishments são os denotados por sentenças como O João quebrou copos por uma hora. Entretanto, Dowty (1979) propõe formas lógicas para cada classe aspectual que sugerem que a estrutura interna de um accomplishment é um evento complexo, composto por dois subeventos relacionados pelo operador cause. O teste do advérbio quase proposto pelo autor reflete a complexidade de eventos de accomplishment. A ambiguidade só se dá por causa da possibilidade de o advérbio incidir sobre um ou outro subevento.

32 (37) O menino quase girou a roleta.

A sentença em (37) pode ter as seguintes interpretações: o menino tinha a intenção, mas não realizou a ação ou o menino fez alguma coisa para girar a roleta, mas não chegou a provocar o movimento do objeto. Podemos imaginar que a roleta era muito dura e, apesar de seus esforços, o menino não conseguiu girá-la. Assim, concluímos que, de fato, a sentença transitiva com o verbo girar denota um accomplishment e que a relação estabelecida entre a ação do provocador do movimento e o movimento do objeto é uma causação.

O fato de que a sentença transitiva com verbos que denotam movimento giratório denota um evento composto justifica a possibilidade de um evento poder ser o provocador do movimento.

Com relação aos testes aspectuais, temos ainda uma observação. Outro teste proposto por Dowty (1979) é o teste dos sintagmas adverbiais em X tempo e por X tempo. Esses testes separam eventos durativos de eventos não durativos. Os eventos durativos são aqueles que se desenrolam através do tempo, sem que haja um ponto final específico. Os eventos não durativos são aqueles que possuem um ponto final determinado. Dessa forma, sentenças que denotam eventos durativos podem ocorrer com o sintagma por X tempo e ficam agramaticais com o sintagma em X tempo. Com sentenças que denotam eventos não durativos ocorre o oposto, elas podem ocorrer com o sintagma em X tempo e ficam agramaticais com o sintagma

por X tempo. Exemplificamos o teste com o verbo de accomplishment abrir e com o verbo de

atividade aplaudir:

(38) a. O menino abriu a janela em um minuto. b. *O menino abriu a janela por um minuto. (39) a. *A platéia aplaudiu o músico em um minuto. b. A platéia aplaudiu o músico por um minuto.

Vejamos agora a aplicação desse teste com o verbo girar:

33 A sentença em (40) é gramatical e a sua interpretação é que o menino levou um minuto para girar a roleta.

Entretanto, uma sentença como a em (41) também é gramatical:

(41) O menino girou a roleta por um minuto.

A interpretação dessa sentença é que o menino repetiu a ação que provoca o movimento da roleta durante um minuto. Ou seja, nesse caso há sobreposição de tempos entre a ação do provocador do movimento e o movimento do objeto.

Segundo Rothstein (2004), a possibilidade de ocorrência com os dois sintagmas temporais, em X tempo e por X tempo, é uma característica de verbos semelfactivos. Um verbo semelfactivo pode denotar um evento pontual ou uma série de repetições do mesmo evento. Uma sentença como João bateu na porta pode ter uma leitura pontual, em que João bate uma única vez na porta, ou uma leitura em que João bate repetidamente na porta. Essa última leitura é relacionada aos eventos que denotam atividades. Assumiremos, então, que sentenças transitivas com verbos do tipo de girar são ambíguas. Elas podem denotar tanto um

accomplishment, em que não há sobreposição temporal entre a ação do provocador e o

movimento do objeto, como um evento em que há sobreposição temporal entre a ação do provocador e o movimento do objeto. Sendo que a última interpretação é que a ação pontual do provocador ocorre repetidamente.

Ressaltamos aqui a diferença entre verbos de atividades e verbos semelfactivos. No caso de um verbo de atividade, como sacudir, a interpretação é de um único evento que se desenvolve no tempo, mesmo que a ação do provocador seja repetitiva. Para que a ação seja uma ação de sacudir é necessário que haja um movimento repetitivo de um lado para o outro, porém a realização de apenas um movimento de ida e volta não se trata do evento descrito pelo verbo sacudir. Já no caso de verbos semelfactivos, a interpretação é de um evento pontual que se repete várias vezes. O evento descrito por uma sentença transitiva com o verbo

girar não é um evento único que se desenvolve no tempo, é um evento pontual em que o

provocador realiza uma ação em um ponto determinado no tempo. A interpretação de atividade de uma sentença desse tipo é gerada quando se entende que a ação foi realizada várias vezes, repetidamente. Ou seja, tanto a realização de apenas um movimento pontual do provocador do movimento, quanto a repetição desse mesmo movimento várias vezes podem ser eventos descritos pelo verbo girar.

34 Com relação à forma reflexiva com o se, os verbos do tipo de girar também se

comportam diferentemente de verbos como sacudir. Verbos que denotam movimento

giratório não entram na construção reflexiva, apesar de aceitarem objetos animados:

(42) a. O João girou o menino. b. *O menino se girou.

Entretanto, a forma intransitiva com sujeito animado desses verbos é ambígua entre uma interpretação em que o objeto movido apenas sofre o movimento e outra em que o objeto que move é também o provocador do próprio movimento. A forma intransitiva em que o objeto tem controle sobre o próprio movimento é chamada por Talmy (1985) de auto-agentiva, como mostramos anteriormente. Essa forma possui uma interpretação reflexiva.

(43) a. O menino girou (conforme a dança).

b. O menino girou (feito um pião depois que saiu daquele brinquedo maluco). (44) a. A dançarina rodopiou (pelo salão).

b. A dançarina rodopiou (até que alguém a socorresse).

Concluindo, os verbos como girar são verbos que denotam movimento giratório e podem aparecer nas formas transitiva e intransitiva. Na forma transitiva, esses verbos pedem dois argumentos, sendo um deles uma causa do movimento e outro o objeto que se move. Ainda, a forma transitiva desses verbos denota um evento composto, um accomplishment, mas pode também ter uma interpretação iterativa. Esses verbos aceitam como provocadores do movimento seres animados, fenômenos naturais com força própria e eventos. Aceitam, também, sujeitos e objetos animados e inanimados. Entretanto, não entram na construção reflexiva. A forma intransitiva pede apenas o argumento que denota o objeto que se move, porém essa forma é ambígua quando o sujeito é animado. As interpretações possíveis são o objeto ter controle sobre o próprio movimento ou o objeto apenas sofrer o movimento.

Outros verbos como girar são rodar e rodopiar.

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