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Poro uma Antropologia Mundial. Eric W olf e os "Povos sem História" *

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Poro uma Antropologia M undial. Eric W o lf e

os "Povos sem História" *

Gu s t a v o Li n s Rib e ir o

A con trib u içã o de Eric W olf para o estudo d o cam p en sin a to é bastan te c o n h e cid a (v e ja -se , p or exem p lo, W o lf 1969; 1970). Parte de sua ob ra v in cu la -se ao en ten d im en to das form a ções sociais cria ­ das pela exp an são colon ia l, p rin cip a lm en te n o Caribe e A m érica C entral (W olf 1956; 1959a). Aqui en traram em cen a n oções com o

en com ien d a s, h acien das, p la n ta tion s, com u n id a d e corp ora d a aberta

e com u n id a d e co rp o ra d a fech a d a , que m arcaram perspectivas e dis­ cussões n ovas (W o lf 1955; 1959b; 1983). A a b ra n gên cia do interesse e do co n h e c im e n to de Eric W olf, n o en tan to, esten de-se, p ra tica ­ m en te, a tod as as àreas d o m undo.

Seu ú ltim o livro, E urope and th e P eo p le W ith ou t H istory (1982) é um a d em on stra çã o in equ ívoca disto. D enso volum e de quinhentas páginas, d iv id e-se em três partes. A p rim eira, C on exões, d ed ica -se a u m a discu ssão teórica, a um a critica a diversas teorias de Ciências S ociais, e à m on ta g em do quadro — o m u n d o n o século X V — on de a exp a n sã o eu ropéia se realizaria. Em term os de um a con trib u içã o origin al — que o d ista n cia de obras com o a de W allerstein (1974) — está u m a discussão co m o co n ce ito de m o d o de p rod u çã o e a ên fa se n o im p a cto d iferen cia d o da exp a n sã o capitalista (v e ja e n ­ tre v ista ). Aqui seu con h ecim en to de h istória e a n trop olog ia são fu n d a m en ta is para realizar um a síntese que resulta n a p rop osta da ex istên cia de um m o d o de p rod u çã o ord en a d o via paren tesco, um m od o de p ro d u çã o tribu tário (en g lob a n d o os m od os de p rod u çã o asiático e feu d a l) e, n atu ralm en te, o capitalism o. Na segunda parte,

* Resenha e Entrevista com Eric W olff sobre Europe and The People

W ithout History. Berkeley; University o f California Press, 1982, 503 pp.

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A P rocura da Riqueza, o fo c o é a expan são m ercan tilista européia.

A presen ça espan hola n a A m érica é u m dos capítulos, ju n ta m en te com o com ércio de peles n a A m érica do Norte, o co m é rcio de escravos e a relação entre o m ercan tilism o e a conquista d o O riente. A ter­ ceira parte, Capitalism o, d ivide-se em cap ítulos sobre a R evolu ção Industrial, Crise e D ife re n cia çã o n o C apitalism o, o M ovim ento das M ercadorias e Os Novos T rabalhadores. Neste últim o, através da n o çã o de seg m en ta çã o é tn ica d o m erca d o de tra b a lh o — um a e x ­ ten são a n trop ológ ica das discussões sobre cria çã o, segm en tação e con trole do m erca d o de trabalh o (cf., p or ex em p lo, G ord on 1972; B o n a cich 1972) — W o lf m ostra co m o a cen tra liza çã o e co m p lex i- fica çã o in teg ra cion a l p rom ovid a pela expan são cap italista agrupam diferentes p op u lações para m an ter o m aior e m ais con sta n te possível

in p u t do ou ro do ca p ita lism o: o trabalh o h um ano.

E urope and th e P eo p le W ith o u t H istory é um a síntese fascin an te

P ara um leitor n ão a n trop ólog o, ou h istoriador, é um a espécie de e n ciclop é d ia fid e d ig n a e eru dita sobre a exp an são européia a p artir d o século X V . Para um an trop ólog o, apresenta estim ulantes pers­ pectivas e propostas teóricas, a ca d a vez que se cruza co m a n e­ cessidade irrecusável de se la n ça r m ão de um co n h e cim en to h istó­ rico global sobre a n atu reza do fen ô m e n o h u m a n o. Com efeito, é um livro teoricam en te so fistica d o que n ã o ca i n a ten ta çã o de a priorism os. Pelo con trá rio, Eric W o lf tem a ca p a cid a d e de d iferen cia r diversas h istórias locais e in te g rá -la s n o b o jo de um sistem a cen tra l que se con stitu i em sofistica d a s e diversificadas relações de ordem e con ôm ica , p olítica , social, cu ltu ral e ecológica.

C onsiderar o m u n d o co m o um a in trin ca d a rela çã o de sistem as e con ô m ico s é um a discussão clássica (N ash 1981). W o lf toca nesta vasta tem ática p or um a das verten tes m ais tra d icion a lm en te an ­ tro p o ló gica s: a tentativa de recon stru çã o da realidade social com o resultado do que fa zer de m últiplos e d iferen cia d os agentes sociais. E nfatiza, especialm en te, aqueles que n ã o tiveram acesso ao registro da sua ex p eriên cia : “ os p ovos sem h istória ” . De fa to, a discussão cen tra l desta obra leva ao en ten d im en to do m u n d o co m o um a a rti­ cu la çã o ord en a da de m últiplas (p orém e sp e cífica s) histórias. Ao m esm o tem po, W o lf exp õe o eixo orga n iza d or d o p rocesso: a e x ­ p an são do ca p ita l e de suas necessidades, cria n d o diversas a rti­ cu la ções de elites co m diferentes form a s de ex p lora çã o da fo rça de tra b a lh o, da corvéia ao pu ro salário. O “ o u tro ” , essa en tidade da an álise a n trop ológ ica , aparece co m o aquele, ou aqueles, desprovidos d e poder. T ra ta -se, sem dúvida, de ou tra co n trib u içã o que os a n ­

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trop ólogos p od em ía z e r: apresen tar com o se fo rm a m d iferen cia tía - m en te as classes locais em d eterm in ados sistem as p o lític o -e c o n ô ­ m icos. E urope and th e P eop le W ith o u t H istory, m ais um a vez, co lo ca a a n trop olog ia da fren te com um a a n tiga relação sua: a história. A gora, porém , tra ta -se de bu scar, p elos m ais diversos m eios p o s­ síveis, as m an eiras de en ten der as diversas p articip a ções das dis­ tintas p op u la ções hum anas n o su rgim en to e rep rod u çã o do atual sistem a em que vivem os. N ovam ente se am plia a a m b içã o do p ro je to a n trop ológico.

* * *

Eric W o lf é atu alm ente D istinguished P rofesso r n o H erb ert

L eh m a n C ollege e n a G rad u ate S ch ool da C ity U niversity o f New Y ork, on d e con versam os sobre suas co n cep çõe s e seu ú ltim o livro.

ENTREVISTA COM ERIC WOLF, P O R G U STAVO LINS R IBEIRO. NOVA IORQUE, FEVEREIRO /84

P. E xistem m uitas m an eiras de se fa la r de E urope and th e P eop le

W ith o u t H istory. No en tan to, a prim eira pergu nta é tra d icion a l:

qual é o lugar desse livro n a sua ob ra com o um tod o?

R . Desde os m eus tem pos de estudante estive interessado em ten tar com b in a r a n trop olog ia e história, fa zen d o isso de um a m an eira in tercon tin en ta l. Sem pre pensei que era n ecessário en ten der relações n o d ecorrer d o tem po, para en ten d er cau salidade ou a direcion a lid a d e da m u dan ça. E su p on h o que sem pre adm irei pessoas com o L in ton e K roeb er p o r ten ta rem escrever um a a n trop olog ia m undial. Em diversos m om en tos de m in h a vida, ten tei sistem atizar distintos m a ­ teriais sobre essa questão. Desta form a, E urope an d th e P eo p le

W ith o u t H istory é o resultado de um interesse sem pre presente, mas

n ã o necessiariam en te um a seqüência lóg ica de todos os fra gm en tos do tra b a lh o que ten h o feito.

P. Quais são as in flu ên cia s, em teoria geral, e n a teoria a n tro ­ p ológ ica em p articular, que m arcam seu tra b a lh o?

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tan to em term os da d ife re n cia çã o in terna a essas totalidade m aiores, qu anto em term os de co m o elas são con stru ídas, m an tidas e se expan dem . Esse tipo de interesses é con tin u o através da m inh a obra. C om eça com m eu prim eiro trabalho de ca m p o em P orto R ico. Su­ p on h o que seja p o r isso que o tra b a lh o de Julian Stew ard m e atraía. Mais tarde, trabalhei n o M éxico e parti daí para o estudo do ca m ­ p esin ato e rebeliões cam ponesas. O últim o livro fa z parte da mesm a trajetória. Sem pre tam bém acreditei que n ã o é su ficien te fa la r de in terações sociais, ou interações num sentido sociológ ico, ou de sistem as de sig n ifica d o, m as que o ord en a m en to das relações é fe ito via poder. É, então, m uito im p ortan te en ten der com o o poder opera.

P. Em E urope and th e P eo p le W ith ou t H istory existe um a seção sobre a im p ortâ n cia do m arxism o. Qual é a con trib u içã o que o m arxism o pode dar para o pen sam en to a n tro p o ló g ico ? É posaível ver seu livro com o um a leitura a n trop ológica do m arxism o ou com o um a leitura m arxista da an trop olog ia ?

R. Nesse livro eu realm ente estou ten tan do usar idéias de M arx para a p licá -la s em an trop ologia. Não ao con trá rio, com o M aurice G od elier ten ta : usar a an trop olog ia para ren ovar o m arxism o. Isso é acid en ta l em relação aos meus interesses. A ch o que a abordagem de M arx é m uito prod u tiva precisam ente porque é um m étodo para en ten der co m o certas relações dão form a ao m eio am biente, estru­ tu ra n d o -o de m aneira que, quaisquer que seja m as in terações so ­ ciais que ocorram , têm de fa z ê -lo d en tro dos can ais estruturantes que essas força s provêem . Isso é algo que eu a ch o que fa lta na a n trop olog ia com o um tod o, e que é m uito forte em M arx. T en h o m u ito m enos certeza sobre os p rogn ósticos de m u d a n ça feitos por M arx. Não estou certo de que a sua visão de que o proletariad o iria criar um a n ova con sciên cia na sociedade seja utilizável d ire­ tam ente.

P. P or quê? V ocê atribuiria isso a lim itações de M arx com o um h om em em um certo co n te x to h istórico?

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que existe um a relação estruturada. P orque antes disso as pessoas pen savam em term os de p op u la ch o, gen talh a, de classes baixas d e­ sordenadas, desestruturadas. A ch o que M arx estava cien te do cism a que dividiria o proletariad o na In glaterra. Ele fa la sobre os c o n fli­ tos entre op erá rios ingleses e irlandeses. Mas pensava que, a lon go prazo, eles d escobririam sua a lien ação com u m . A lon g o prazo isso pode ser verdadeiro. M as tam bém é verdade que o capitalism o tem um a ca p a cid a d e fo ra d o com u m de alterar a sua estrutura e, em d ecorrên cia , a lterar a estrutura das pessoas que vivem d en tro dele.

P. V oltan d o para o quadro an trop ológ ico. Seu uso do m arxism o em an trop olog ia é tam bém o resultado de um a crítica de várias ten dên cias d o pen sam en to an trop ológ ico, especialm en te a id éia de grupos isolados, próp ria a certos estudos funcionalistas. Não ob s­ tante, ain da p erm an ece a questão de co m o com b in a r a necessidade de estudos de caso co m a n ecessidade de en ten d er o sistem a que vai além do caso particular. C om o v ocê vê esse tipo de relações com plexas que os a n trop ólogos estão sem pre ten tan d o eq u a cion a r?

R. Os estudos de caso são m uito im p ortan tes, especialm ente aqu e­ les baseados em trabalho de cam p o, porque d ão ao pesquisador. de um a m a n eira possivelm ente sem igual, um sen tido visual e au ­ ditivo de com o as pessoas estão resp on d end o às necessidades de suas vidas, lu ta n d o com elas, m u d a n do-a s. O que é deixado de fora da teoria a n trop ológ ica é um a análise das fo rça s su b ja cen tes que d ão form a às vidas das pessoas. G eralm en te o an trop ólog o observa com p orta m en to, em p en sam en to e em ação, e raram en te ten ta ir a n íveis m ais p rofu n d os do que esse. As estruturas p rofu n d a s das quais os a n trop ólog os fa la m são quase sem pre aquelas de sistem as de sig n ifica d o. Mas a ch o que as in tera ções sociais têm realm ente suas form a s determ in adas por fo rça s m ais profu n das. Assim, é necessário ter um a a bord agem teórica para o co n te x to m ais am plo dentro do qual as in terações ocorrem . M as tam bém h á que se c o n ­ tar com u m senso da realidade da vida das pessoas em circu n s­ tân cias e con d ições particulares.

P. V ocê a ch a que essa a bord agem teórica pode ser con stru íd a apenas con sid era n d o esse m ovim en to com p lexo entre “ isola d os” e um a “ tota lid a d e ” m ais am pla que os in flu e n cia ?

R. Penso que um a das d ificu ld ad es é precisam ente que se com eça su pondo a existência de isolam ento, ou de que se pode dem a rca r

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fron teira* em sua u nidade de observação, e se usa isso co m o um a aupoilç&o. No en ta n to, depois torn a -se um a prem issa real, um a pressuposição d o trabalh o de todos. Se pensarm os em term os de fo rça s em relações que n ã o têm , n ecessariam ente, fron teiras, p o d e - se evitar esta questão. A fin a l de con tas, nós, realm ente, n ã o obser­ vam os com u n idades c o m fron teira s físicas firm es. Nós vem os gente fa zen d o certo tipo de coisas em certos con textos. P od em os con h ecer 15 pessoas bem , 30 pessoas razoavelm ente bem , e 100 o bastante p a ra reco n h e cê-la s. M as ain da existe um a gran de qu antidade de pessoas que categorizam os em term os daquelas que con hecem os. Creio que os tipos de su posições que M ax G lu ckm an d efin iu com o sen d o “ in gen u idade p rop osita l” em an trop olog ia são realm ente p e ­ rigosas porque elas fa zem v ocê ver cristais ou estruturas on d e não existem .

P. V ocê a ch a que o seu livro represen ta um a n ov a d ireçã o em term os da clássica idéia a n trop ológ ica de ten ta r recon stru ir a rea­ lidade “ a p a rtir do p o n to de vista d o n a tiv o ” ?

R . Os estudos d o “ p o n to de vista do n a tiv o ” são interessantes. M as com p a rto em certa m edida a idéia de M arvin Harris de que as pessoas p en sam sobre a situação pode n ã o ser, n ecessariam ente, o determ in ante que faz com que as coisas a con teça m . Algum as pessoas têm o sentido in telectu a l de on d e estão. M as n em todos no m u n do são intelectuais. P odem os en con tra r in telectu ais an alíticos en tre o s B a ru ya de N ova G uiné, m as n em todos os B aruya são este tip o de gente. Isso tam bém é válido para a socied ad e ociden tal. E xiste um a espécie de co n h e c im en to do senso com u m que não, n e ­ cessariam ente, representa co m o a socied a d e realm ente fu n cion a . No en tan to, é im p ortan te saber do que se trata porqu e tem con se­ qüências nas m an eiras de agir das pessoas. Mas pode n ã o ser o ú ltim o d eterm in ante de co m o elas agem .

P. C om o v o cê coloca ria seu livro em relação às teorias m arxistas sobre o im perialism o, e em relação à literatura sobre a em ergên cia d o m erca d o m u n d ia l? Qual seria a relação com autores com o André G u n d er Frank, Im m anu el W allerstein e S am ir A m in, p or exem p lo?

R. C reio que vários tipos de m arxistas d iferem em term os da im ­ p ortâ n cia que atribuem à periferia. T a n to W allerstein e F rank têm u m a fo rte ten d ên cia de ver a p eriferia apenas em relação à divisão in tern a cion a l d o trabalho. Eles n ã o estão interessados nas variações

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particulares das m an eiras esp ecífica s co m o as pessoas se in c o r p o ­ ram nesta divisão, n em co m o elas, de fa to, reagem a isto. Am in, creio que é a lgo m ais sofistica d o. Ele tem um sen tid o m ais real de que a p eriferia pode ter din âm icas locais que lhes são próprias. T od os esses, d en tro da trad ição m arxista, são um p ou co heréticos. S eguem m ais os passos de R osa L uxem burgo do que os do m arxism o clássico, ou ao m en os a tra d içã o da S egun da e T erceira In tern a cio­ nais, que via o m u n d o co m o determ in ado p o r um tip o de seqüência repetitiva que seguiria a lin h a gem européia, ou um a seqüência de estágios. Assim , v ia -se a p eriferia, ou o m u n d o colon ia l, sim ples­ m en te repetindo o que já tin h a a con tecid o n a E uropa.

P. Com o situaria F ern an d o H enrique C ardoso en tre eles?

R . Ele ta m b ém tem um a co n ce p çã o de que a p eriferia está n um a relação p rob lem á tica com o cen tro. Não é um a relação que se possa sim plesm ente supor. Sua crítica a A ndre G u n d er P rank me parece totalm en te co rre ta : de que existem con stelações de possibilidades n o m u n do p e rifé rico que n ã o são exauridas pelo m odelo estreito ce n tro -p e rife ria , ou m etrópole-satélite.

P. Existe um a n ov a abordagem teórica para a expan são c a p ita ­ lista em E urope and th e P eop le W ith o u t H istory?

R. Não sei se é n ova, m as realm ente en fa tizo ta n to a d ife re n cia çã o do im p a cto do cap italism o qu anto sua unidade e u niform id ad e. P a rece-m e, ju sta m en te, que o p róp rio m od elo de M arx é m u ito ú til para en ten d er co m o o cap italism o avan ça, com o a a cu m u la ­ çã o de ca p ita l avan ça. Isso ocorre através de im pactos d ife re n ­ cia d os e variáveis nas diversas partes d o m undo, cria n d o m uitas situações locais diferen tes e, em con seqü ência, tam bém m uitas res­ postas locais d iferentes. Não argu m en to que seja um a a bordagem tota lm en te nova. T alvez seja m ais um a questão de ênfase do que da cria çã o de um n ov o p on to de partida.

P. Uma das áreas trad icion ais da in terp reta çã o a n trop o ló g ica é o que v ocê ch a m a de m od o de p ro d u çã o ord en a d o via parentesco. Um dos p on tos p rin cip a is é a idéia de que a m u d a n ça ocorre a tra ­ vés da articu la çã o destes arra n jos ord en a d os via paren tesco, com sistem as m ais am plos, os m od os de p rod u çã o tributário ou c a p i­ talista. O ch e fe é um a fig u ra fu n d a m en ta l aqui, porque cola b ora co m os representantes do m od o de p rod u çã o que se expan de. No

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en tan to, existem diversos gru pos que querem p erm a n ecer com o índios e n ã o querem cola b ora r, digam os assim. Neste sentido, com o se pode fa la r da resistência das populações in d ígen as?

R. S u pon h o que a lig u ra do ch e fe , qualquer que seja, é m uito am bígua. C lassicam ente, e n co n tra -se num a p o siçã o in term ediária entre as fo rça s em co n flito. P ierre Clastres tem essa im agem da p op u la çã o nativa p u xa n d o o c h e fe de volta para o n ível de igual­ dade com tod os os dem ais, en quan to os outsid ers estariam sem pre ten tan d o tra n sfo rm á -lo em algu m tipo de represen tan te “ desses índios desord en ados” . Suspeito que am bos os p rocessos ocorram .

P. A resistência, então, seria algo que acon teceria in tern am en te ao grupo e em op osiçã o a o c h efe en ten d id o co m o um m ed ia d or?

R. O c h e fe pode não ser b om m ed ia dor tam zém , e isso pode cu sta r- lhe o a poio que tem. O grupo pod e tam bém d ividir-se. P od e existir fissão. A lgum as pessoas vão com ou tro líder possível que n ã o d e­ sem pen h a o papel de m ediador. E creio que existem m uitas res­ postas diferen tes a esta situação. Eu pensaria tam bém que resistên­ cia é um a m aneira útil de se fa la r sobre certos fen ôm en os, mas tam bém n ã o é um a ca tegoria que explique m uito. Quero dizer, se as pessoas resistem ou não, depende de suas situações e interesses reais. Assim, a resistência p od e tom a r qualquer fo rm a : desde em ­ bebed ar-se, ex clu in d o-se, a queim ar a ca b a n a do ch efe. D evíam os pensar a resistência co m o um con tin u u m de ações e n ão um tipo p a rticu lar de estratégia rá p id a e palpável.

P. Mas, e quanto a estas “ resistências” p olitica m en te orien tadas, que são organizadas p or índios em con fed era ções que lutam pela m an u ten çã o de suas iden tidades?

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de fato, realizar in ven ções sociais para vigiar o que elas fa zem com estes recursos. Não estou dizendo que isso seja im possível, apenas que é p roblem ático.

P. P od e-se ter a im pressão de que a ú n ica form a através da qual o m odo de p rod u çã o ord en a do via pa ren tesco se m o d ifica é p or con ta to com outros. É de fa to assim ?

R. Não apenas desse m odo. Escrevi que os grupos se dividem , se fissionam , podem m udar para diferentes m eio-am bien tes, em d ife ­ rentes circu n stân cias. P ode ser um lim ite ecológ ico ou um lim ite p olítico em relação a outros grupos. Pode ser um a situação na qual a m a n eira que eles ten h a m que se ad ap tar ecolog ica m en te tenha im p lica ções para a crista liza çã o de lideranças e d e org a n iz a ­ ção. G eralm en te, n ã o pensam os sobre esse processo porque h á um a espécie de su posição que a unidade que se fission a replicará a p ré-existen te. E, apesar de que, de certo m odo, isso seja sem pre verdadeiro, creio que seja m ais com p lica d o do que isso. P ara a m ­ pliar um p o u co : em trabalhos sobre a Nova G uiné, freqüentem ente, se vê pessoas sep a ra n d o-se de um grupo e m u d a n do para ou tro com todo tipo de a rra n jos diferentes. Esse tip o de flu x o de pessoas que rom p em com o seu gru po orig in a l in d o p a ra um ou tro com o aliados, clientes, parceiros em m atrim ôn ios, etc., acon tece to d o o tem po e pode, sutilm ente, m u dar am bos os lados em con ta to. Assim, não creio que a m u d an ça, en quan to tal, esteja fora da co n ce p çã o de m odo de p ro d u çã o o rd en a d o via paren tesco. Creio que a m udan ça cum ulativa em d ireçã o a ou tro m od o de p rod u çã o é o que é d ifícil.

P. A inda com relação a m udan ça. V isto que existem autores que en fa tiza m m ais o papel da esfera da circu la çã o de m ercadorias, e outros que en fa tiza m a p rodu ção, o que se pode con siderar com o m ais im p orta n te: a tra n sform a çã o dos n ativos em u m dos elos da cadeia m ercan til, ou sua tra n sform a çã o em produtores co m p le ta ­ m ente subm etidos às regras de um m od o de p rod u çã o em exp a n sã o?

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só cios especializados n um a divisão de tra b a lh o m ais am pla, e passam a dep end er m ais e m ais dos bens externos. Em torn o de 1750, os in d ios das florestas do leste a m erica n o p ra tica m en te n ão rep rod u ­ zem m ais seu aparato produ tivo. V ivem de peles, ob ten d o bens de con su m o que são produ zidos em ou tro lugar. P ara a vida em qual­ quer p o n to determ in ado existe um a razão entre esses dois p ro­ cessos: sua p róp ria p rod u çã o e ca p a cid a d e de reprodu zir sua vida e um a d ep en d ên cia externa. Esta é m ais Im portante para o rg a n i­ zar as pessoas em term os de fa zê -la s en ten d er on de estão, quem elas são.

P. V ocê sem pre ch a m a a a ten çã o para a necessidade de se falar m ais em term os de classes op erárias e cam pesinatos, n o plural, do que em term os de classe operária e cam pesinato, n o singular. P o ­ deria com en ta r sobre isso?

R. F a la n d o prim eiro sobre cam pesinatos. T en to d e fin i-lo s em ter­ m os de um a relação estrutural na qual p rodu tores cam poneses p a ga m renda a prop rietários ou a um a socied ad e m ais am pla. C on ­ tu do, essa rela çã o estrutural n ã o explica, d iretam en te, as d ife re n ­ tes form a s que p od em existir. Assim, cam p on eses chineses, v en e­ zuelanos, andinos, são m u ito diferentes p or m uitas razões que se deve considerar. A ch o que o m esm o é verdadeiro para as classes operárias. A rela çã o bá sica que M arx e x p licou en tre aqueles que possuem ca p ita l e os que têm que vender sua fo rça de trabalho p a ra se m an ter é a relação estrutural básica. Mas isso — em term os históricos, ecológ icos, e em vários ou tros aspectos, in clu in d o o s trabalhos do m od o cap italista n um a dada reg iã o num d eterm i­ n a d o tem po — cria grupos diferentes de trabalhadores que entram neste processo.

P. Sua n o çã o de “ segm en ta çã o é tn ic a ” , em E urope and th e P eop le

W ith o u t H istory, in trodu z um a perspectiva a n trop ológ ica na dis­

cussão da cria çã o do m erca d o de trabalho. Qual seria a utilidade de n oções co m o id en tid ade étn ica para en ten der a exp an são de um m od o de p rod u çã o?

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co m o fa to que tipos distintos de em p reen d im en tos la n ça m m ã o de d iferen tes fon tes de fo rça de trabalho. Isso é assim em u m tem po determ in ado, m as tam bém m uda co m o passar do tem po. As classes op erárias resultam d iferen cia d a s p o r este processo, o que leva a um a d ife re n cia çã o de van tagen s e desvan tagen s d en tro da p o p u la ­ çã o da classe operária. A ch o que id en tid ade, iden tidades de tod os o s tipos — n ã o é n ecessários que seja m étnicas, p od em ser de outra o rd em — se d esen volvem em relação a este processo de d ife r e n c ia ­ ção. A a ristocra cia do trabalho, co m o se costum ava ch am ar, tem interesses e iden tidades bastan te d iferen tes das d o tra b a lh a d or n ã o - qu alificad o, oca sion a l, sem em prego estável. A ch o que a m an eira c o m o se re la cion a m en tre si e en tre os m em bros da m esm a ca te ­ goria é um a cau sa de d ife re n cia çã o que, m uitas vezes, tom a a form a de etn icidade.

P. A o fin a l de um livro que en fa tiza a p rod u çã o e a expan são econ ôm ica, v ocê afirm a a n ecessidade de repensar o con ce ito de cu ltu ra e estudar ideologia. P or que ch eg ou a esta con clu sã o?

R. P recisam en te porqu e a m an eira através da qual as pessoas criam iden tidades b a seia -se n os recursos que têm e n a defesa con tra outros, cria lim ites, m as tam bém as m a rca s de suas identidades. Isso é a lgo que os a n tro p ó lo g os sem pre têm discu tido so b o rótu lo de cu l­ tura. M as, visto que eles n u n ca co lo ca ra m a questão d en tro do q uadro de co m o op era um m o d o de p rod u çã o, cu ltu ra sem pre tem sid o tra ta da de m a n eira sui gen eris. É, con tu d o, u m aspecto im p or­ tante. Não se pode, de fa to , p rever com o um gru po estruturará sua iden tidade e desen volverá suas m a rca s sign ifica n tes, sua "cu ltu ra ” . Se abordarm os, d o p o n to de vista d o m e rca d o d e tra b a lh o e m g era l, do capitalism o em geral, n ã o p od erem os ch eg a r àquele m ic r o -p r o - cesso de cria çã o de cultura. P or ou tro lado, os an trop ólog os que fa la m sobre cu ltu ra n ã o a vêem em rela çã o às fo rça s de p rodu ção. P o r isso, p en so que é necessário repen sar cu ltu ra desta m aneira. P orque é sem pre a lgo que é con stru íd o, n ã o é a lgo co m o u m a tra ­ d içã o que se passa integralm ente. É sem pre algo feito e refeito. M as co m o se fa z e refaz, em rela çã o a co n d içõe s reais determ in adas por um m od o d e p rod u çã o, é, realm ente, o problem a.

P. Neste sen tido, quais são as tem áticas de pesquisa e reflex ã o m ais im p ortan tes a serem desenvolvidas a tu alm ente?

R. P o d e-se ir em duas direções, m e parece. Um a, é de que, real­ m ente, necessitam os de m ais estudos sobre classes operárias e agru ­

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pam en tos em sociedades industrializadas, en ten didos, con tu d o, n ão apen as n o con tex to da m od ern ização ou d a u rbanização, m as em term os das posições d en tro d o m od o de p rod u çã o capitalista. Creio que p od em os ju n ta r estudos d em og rá ficos sobre o m erca d o de tra ­ b a lh o, h istória econ ôm ica , an trop olog ia u rbana, sociolog ia urbana, de um a m a n eira que a in d a n ã o fizem os. U m a situ ação industrial poderia tam bém ser a de p la n ta tion s, ou de classes trabalhadores em áreas rurais, ou cam p esinatos que existam em certos tipos de relações co m este processo. A ou tra coisa é que m e p arece que necessitam os pen sar cu ltu ra teoricam en te, b u sca n d o e x p licá -la se­ gu in d o a n o çã o de id eolog ia que vincula, de fa to, a p rod u çã o de idéias a questões de poder. Isso é o que fa lta na discussão de cultura.

P. Existe algum a coisa que gostaria de com en ta r, ou dizer, e que n ã o toca m os nessa con versa ?

R. Queria fa zer um com en tário. E urope an d th e P eo p le W ith ou t

H istory é um livro p olítico porque é, em parte, um a resposta a meus

colegas an trop ológ icos que diziam nos an os 60: a gora sabem os sobre colon ia lism o e im perialism o, e m ais sobre ca p ita lism o; precisam os de um a n ov a an trop olog ia . M as n in gu ém fe z n a d a nesse sentido. A lguém tem que ten tar fa zer isso, m esm o que seja um a prim eira ten tativa. Há que ver se é possível fa zer Isso. Eu su p on h o que é possível fa zê -lo . U m ou tro com en tá rio é que eu queria e n fo c a r os vários p ovos do m u n do co m o p a rticip a n tes n u m m esm o processo p orque, em parte, isso depende de u m p rog ra m a p o lítico de ig u a l­ dade. Estam os todos n isto, ju n tos, co m o tipos iguais de seres h u ­ m an os. E tam bém , p o r ou tro lado, espero que esse livro nos afaste desse tip o de con ta b ilid a d e de cu lp a que existe. Não creio que c a ­ p italistas sejam , necessariam ente, m aus e suas vítim as, n ecessaria­ m en te, boas. Não se trata de um co n to sobre m oralidade. São forças con tra -estru tu ra is que co lo ca m as pessoas em certas relações entre si.

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Referências

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