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Neuza Botelho dos Santos O ENFRENTAMENTO RELIGIOSO EM SITUAÇÃO DE MIGRAÇÃO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Neuza Botelho dos Santos

O ENFRENTAMENTO RELIGIOSO EM SITUAÇÃO DE MIGRAÇÃO

Mestrado

Psicologia Clínica

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC - SP

Neuza Botelho dos Santos

O ENFRENTAMENTO RELIGIOSO EM SITUAÇÃO DE MIGRAÇÃO

Mestrado

Psicologia Clínica

Dissertação apresentada à banca examinadora do Programa de Psicologia Clínica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica, sob orientação da Profª Drª Marília Ancona-Lopez.

(3)

Banca Examinadora

__________________________________

__________________________________

(4)

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelo dom da vida, e por agraciar-me com o carisma da acolhida e compaixão pelos migrantes.

À Congregação das Irmãs Missionárias de São Carlos Borromeo – Scalabrinianas, na pessoa da superiora provincial, Ir. Neusa de Fátima Mariano, e às Irmãs do Conselho pelo incentivo, confiança e apoio durante este estudo.

À minha família e comunidade pela paciência, compreensão e suporte nos momentos mais difíceis.

Agradeço à Profª Drª Marília Ancona-Lopez, minha orientadora, pela partilha generosa dos seus conhecimentos e por ter me acompanhado durante o desenvolvimento desta pesquisa com atenção e dedicação.

A profª Drª Silvia Ancona e profª Drª Elizabete Montagna que participaram da banca de qualificação, que muito contribuíram com suas observações e sugestões a fim de enriquecer esta pesquisa.

À Carla, colaboradora deste trabalho, muito obrigada por ter relatado sua preciosa experiência migratória.

A minha gratidão às Irmãs e amigas Erta Lemos, Elizângela D. Chaves, Sandra M. Pinheiro, Jucelaine A. Soares, Renilda Teixeira, Beatriz Mattos, Rosa M. Martins, Profª Drª Rosângela F. Almeida pelo apoio e incentivo, leituras, correções e sugestões ao longo desta pesquisa.

(5)

Lourdes, Ondina, pelo apoio, amizade e sugestões, os quais fizeram parte, direta ou indiretamente, contribuindo nesta pesquisa.

Aos funcionários e professores da PUC-SP, muito obrigada, por este período de convivência, colaborando assim para meu crescimento pessoal e profissional.

(6)

“No coração um punhado de histórias fala de vida,

nas mãos, a força e a esperança trazem paz nos pés, a utopia, sempre renovada, é desafiada a deixar o berço seguro e

se fazer estrada.”

(7)

SANTOS, Neuza Botelho. O enfrentamento religioso em situação de migração. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, SP, Brasil, 2011. 77 f.

RESUMO

Este trabalho tem o objetivo de compreender como se dá o enfrentamento religioso em situação de migração. Para tanto se utilizou o método fenomenológico. A partir da realidade migratória, levantou-se a possibilidade do enfrentamento religioso, considerando as vicissitudes do processo de migração. Foram enfocadas as funções da religião no referido contexto. Em seguida, baseando-se nos estudos de Pargament sobre o enfrentamento religioso, procedeu-se à análise do relato da experiência de uma migrante. Os resultados apontam as diversas práticas religiosas que podem ser eficazes no campo do enfrentamento em situação de migração. Neste sentido observa-se como a relação com o sagrado, a inserção e a participação em grupos religiosos, além da solidariedade e da partilha das mesmas crenças e valores, se revelam possíveis recursos para o migrante no enfrentamento das dificuldades encontradas em sua trajetória, ajudando-o, assim, a dar um novo significado às próprias experiências.

Palavras-chave: psicologia e religião, migração, enfrentamento religioso.

(8)

SANTOS, Neuza Botelho. The Religious coping in migration situations. Master‟s

Degree Dissertation. Pos-graduate Program in Clinical Psychology. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brazil, 2011. 77 f.

ABSTRACT

The following essay aims the comprehension about the religious coping dealt upon migration. The phenomenological approach was chosen to reach its conclusions. From the current migratory reality, the possibility of religious coping was raised, considering the events of the migration process. The functions of religion were focused in the referred context. Up next, based on Pargament‟s studies upon the religious coping, it proceeds to the analysis of a report based on a migrant woman‟s

experience. The results point the several religious practices that shall be proven effective on the field of religious coping in the referred situation. In that sense, it‟s

verified the relation with sacred values, the insertion and communion in religious groups. Besides the solidarity and sharing of the same beliefs and values, possible resources become available for a migrant on the coping of issues found in his path, therefore providing help in finding a new meaning to his own experience.

(9)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.... 11

CAPÍTULO I: A SITUAÇÃO DO MIGRANTE... 14

1.1. O migrante... 14

1.2. O migrante e o espaço indefinido da fronteira... 17

1.3. A saúde mental do migrante... 18

CAPÍTULO II: A RELIGIÃO NA EXPERIÊNCIA DO MIGRANTE... 23

2.1. A religião... 23

2.2. Religião e religiosidade... 25

2.3. A religião na vida do migrante... 26

2.4. A religião no processo da migração... 28

CAPÍTULO III: PARGAMENT E AS FUNÇÕES DA RELIGIÃO... 31

3.1. As funções da religião... 31

3.2. O enfrentamento religioso... 32

3.3. Modos de enfrentamento religioso... 34

CAPÍTULO IV: CAMINHO METODOLÓGICO... 37

4.1. Objetivo... 37

4.2. Método... 37

4.3. Colaboradora... 38

4.4. O relato... 39

4.5. Análise do relato... 40

CAPÍTULO V: CARLA... 41

(10)

CAPÍTULO VI: ANALISE DO RELATO... 50

CONCLUSÃO... 60

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS... 65

ANEXOS... 70

Anexo I Síntese do relato de Carla... 70

Anexo II Termo de consentimento livre e esclarecido... 75

(11)

INTRODUÇÃO

As migrações constituem um dos fenômenos sociais contemporâneos mais relevantes. De fato, as estatísticas mostram que milhões de pessoas migram em direção às regiões mais desenvolvidas, movidas pelo desejo de crescimento e condições econômicas mais favoráveis. O tema vem sendo destacado em vários estudos que objetivam compreender suas principais causas e consequências na vida do migrante e da sociedade que o recebe. Entre vários sentidos, os migrantes podem ser vistos como elementos de desenvolvimento humano e social. Sob esta perspectiva, é possível considerar que o migrante leva consigo sua força de trabalho, a riqueza da sua cultura e de seus valores. Ele espera por novos horizontes na terra que escolheu como segunda pátria. Scalabrini1 afirma que para o migrante "a pátria é a terra que lhe dá o pão".

Desta forma, muitas pessoas que migram o fazem movidas por um projeto de vida melhor para si e para sua família. Em alguns casos, conseguem crescer e progredir, concretizando assim seus objetivos. Porém, os migrantes podem também se tornar vítimas da xenofobia, dos preconceitos e da rejeição nos locais que escolheram como destino. A isto se soma a dificuldade de encontrar trabalho digno, moradia, e de ter acesso à educação, à saúde e a outros direitos próprios do cidadão.

1

(12)

Em contraposição a essas experiências é possível vislumbrar outras. Elas são capazes de sustentar uma busca persistente de realização do projeto subjacente à decisão de migrar e, nessa busca, os migrantes aportam diversas contribuições à sociedade que os recebe. Neste sentido, Bezerra cita Pacelli no seu livro “O

migrante na rede do outro”, mostra a positividade e a riqueza da experiência do migrante. Se de um lado é verdade que ela está marcada por processos de desenraizamento, ruptura, perplexidade e desorientação, é também verdade que nela se encontra:

Um complexo processo de enfrentamento da diferença, de elaboração da estranheza intrigante, que remete o sujeito a uma reinvenção de si, a uma reconstrução de suas referências, a um processo complicado, doloroso, mas potencialmente criativo de afirmação de si2.

Considerando as vicissitudes vividas pelo migrante em sua trajetória, o presente estudo busca conhecer como se dá o enfrentamento religioso em situação de migração. Para acercar-se do objeto em questão esta dissertação foi organizada em cinco capítulos e a conclusão, conforme segue.

No primeiro capítulo, é apresentada uma breve panorâmica sobre o fenômeno da migração e após definir alguns termos referentes à mesma, focalizou-se alguns aspectos da vivência do migrante, evidenciando assim as perdas sofridas por ele durante o processo migratório que, muitas vezes, comportam sofrimentos físicos e psicológicos, exigindo atenção e cuidados especiais por parte da comunidade de acolhida.

No segundo capítulo, se estudará a religião na vivência do migrante, observando que a religião do ponto de vista ontológico é inerente à pessoa humana e esta, mediante sua abertura ao sagrado, busca a transcendência. Com base em estudos sobre a religião realizados em situação de migração, ressaltou-se a função positiva da mesma, ao criar redes solidárias de apoio e acolhida para o migrante, garantindo-lhe um espaço para viver sua fé e por último, a função da religião para

2

BEZERRA JUNIOR, B. A. Somos todos migrantes.Disponível em:

(13)

dar sentido ao processo de migração num ambiente muitas vezes hostil e desafiador.

No terceiro capítulo, a partir da teoria de Pargament sobre o enfrentamento religioso, se estudará as várias funções que a religião pode assumir na vida das pessoas, de modo a ajudá-las a lidar com situações difíceis da vida e a encontrar novos significados para as suas experiências.

No quarto capítulo, se descreverá o método fenomenológico utilizado na presente investigação. Este foi considerado um caminho apropriado para alcançar o objetivo proposto neste estudo, ou seja, a experiência vivida pelo migrante.

No quinto capítulo se apresentará a descrição de um relato seguido de sua respectiva análise, a qual se evidenciam as aproximações entre enfrentamento religioso e a situação de migração.

(14)

CAPÍTULO I

A SITUAÇÃO DO MIGRANTE

1.1 . O migrante

Segundo Bingham3, estima-se que em cada seis pessoas uma é migrante, seja em território nacional ou internacional. No mundo há 214 milhões de migrantes internacionais e aproximadamente 740 milhões de migrantes internos. Dificilmente se chegará a um dado preciso da quantidade de pessoas que se deslocam anualmente – seja em nível nacional ou internacional. Citando um relatório da ONU, Bingham afirma que mais de cinco milhões de pessoas cruzam fronteiras para viver num país desenvolvido a cada ano, porém, o autor faz uma ressalva dizendo que o número de pessoas que se deslocam para um país em desenvolvimento ou dentro do próprio país é superior ao dado, sendo difícil precisar os números exatos.

Diante da imprecisão das estatísticas torna-se difícil categorizar quantos migram com a finalidade de permanecer no local e quantos migram temporariamente, pois as razões da migração são múltiplas. Além do mais, tais razões podem sofrer alterações no decorrer do percurso.

3 Cf. BINGHAM, John K. Priorizando Necessidades: uma abordagem baseada em direitos para as

migrações mistas. In: Cadernos de Debates Refúgio, Migrações e Cidadania, v.5, n.5 (2010). Brasília:

(15)

Apresentam-se aqui algumas causas conhecidas e aceitáveis para o atual movimento migratório mundial:

- Impactos da economia globalizada;

- Necessidade de mão de obra primária em países desenvolvidos; - A crescente desigualdade entre os hemisférios norte e sul; - Barreiras protecionistas, comércio desigual;

- Propagação de conflitos internos e guerras;

- Políticas xenofóbicas ou de limpeza étnicas adotadas por alguns países; - Aceleração da urbanização;

- Busca de novas oportunidades e melhores condições de vida;

- Questões relacionadas ao narcotráfico, à violência e ao crime organizado; - Tráfico de pessoas para fins de exploração sexual;

- Movimentos relacionados às safras agrícolas, projetos da construção civil e serviços em geral;

- Catástrofes naturais.

A OIM4 - Organização Internacional para as Migrações elaborou um

„glossário sobre migração‟ no qual define conceitos para pensar o tema.

Apresentam-se aqui alguns conceitos considerados relevantes para ajudar na elaboração desta pesquisa.

Entende-se por migração5, o movimento de população para o território de outra nação ou dentro do mesmo, o que engloba todo o movimento de pessoas seja qual for seu tamanho, sua composição ou suas causas. Inclui migração de refugiados, pessoas deslocadas, pessoas desenraizadas, migrantes econômicos6.

4 Cf. OIM Organización Internacional para las Migraciones.

Glosario sobre Migración nº 7. Ginebra:

OIM, 2006. (Tradução minha).

5

Cf. OIM. Glosario sobre Migración, 2006, p. 36.

6

(16)

Não há uma definição universalmente aceitável do termo migrante7. Este termo abrange, usualmente, os casos em que a decisão de migrar é tomada

livremente devido a „razões de conveniência pessoal‟ e sem intervenções de fatores

externos que o obrigue. Deste modo, o termo é aplicado a pessoas e a seus familiares que vão a outro país ou região com objetivo de melhorar suas condições sociais e materiais.

Imigração8 se define como o processo pelo qual pessoas não nacionais, ingressam num país com fim de ali se estabelecer; portanto, imigrante é a pessoa que ingressa em outra nação.

No que se refere ao termo emigração9 se entende comoo ato de sair de uma nação com o propósito de estabelecer-se em outra, deste modo, o emigrante é a pessoa que sai de seu próprio país.

Odeslocamento10se dá quando a pessoa é forçada a abandonar ou a sair de seu lugar de origem ou país, devido, em geral, a conflitos armados ou/e desastres naturais. Por deslocados11 entendem-sepessoas que foram forçadas ou obrigadas a fugir ou deixar seu lugar de origem ou residência habitual, para evitar efeitos de conflitos armados, situações de violência, desastres humanos ou naturais. Às vezes são chamadas também de refugiadas.

Após esta breve panorâmica sobre o fenômeno da migração em nível global, e uma vez definidos os termos a ele referentes, prossegue este estudo, dando enfoque a alguns elementos vividos no processo de migração.

7

Cf. OIM. Glosario sobre Migración, 2006, p. 41.

8

Idem. p. 32.

9

Idem. p. 23.

(17)

1.2. O migrante e o espaço indefinido da fronteira

A literatura sobre o fenômeno migratório é bastante extensa. O tema vem sendo abordado em muitas áreas do conhecimento, em diversas perspectivas, visando situar e entender este fenômeno populacional, sua abrangência e seus efeitos para a pessoa do migrante e para a sociedade.

De acordo com Maalouf12, a perda da pátria corresponde à perda de um ser querido. Para ele, questões referentes às fronteiras, à inclusão e exclusão social, entre outras, são fundamentais para a discussão do processo do desenraizamento na imigração, no qual vários aspectos se interpenetram num emaranhado que tece as novas condições de existência.

No mesmo sentido, Gonçalves13 ressalta o conceito de fronteira, como uma possível chave de leitura da condição do migrante.

O migrante é aquele que habita o espaço indefinido da fronteira. Ali, ele não é mais cidadão do país de origem e ainda não é cidadão do país de destino. Neste caso o termo fronteira é entendido não tanto em termos geográficos, mas em termos simbólicos, culturais e psíquicos14.

Segundo Gonçalves15, nesse cenário, a partir desse lugar, o migrante é movido a interrogar a Deus e ao próprio destino. Ele vê suas certezas e referências se esvaírem como se as luzes se apagassem e os marcos desaparecessem da estrada. Diante desta realidade, ele se sente inseguro, podendo ser tomado pelo medo e pela dúvida, dando espaço à solidão, à anomia e ao desespero. Gonçalves, citando Boaventura, sublinha que neste momento o migrante pode ser levado a lançar mão de sua herança cultural, para reinventar novas formas de sociabilidade.

Nesta situação o migrante, desafiado por esta nova condição de vida na qual se encontra, muitas vezes, compelido a ultrapassar suas próprias forças para

12

Cf. MAALOUF, Jorge Fouad. O sofrimento de imigrantes: um estudo clínico sobre os efeitos do

desenraizamento no self. Dissertação (Doutor em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2005, p. 08.

13 Cf. GONÇALVES, Alfredo J.

Imigrantes no Brasil. 2005, p. 6-7. Disponível em:

<http://provinciasaopaulo.com/?p=645>. Acesso em: 25 mai. 2011. 17h10min.

14 GONÇALVES, Alfredo J.

Imigrantes no Brasil. 2005, p. 7.

15 GONÇALVES, Alfredo J.

(18)

responder às exigências da realidade atual e adaptar-se a ela, pode comprometer sua saúde física e mental.

1.3. A saúde mental do migrante

A saúde mental é um dos fatores considerados relevantes na situação de migração. Os países ou regiões que recebem os migrantes já não podem ignorar que as diversas mudanças, desafios e adversidades enfrentados no caminho da migração, podem contribuir para o seu adoecimento. Achotegui16 que, na Espanha criou o Serviço de Atenção Psicopatológica e Psicossocial aos Imigrantes e Refugiados alertou aos profissionais da saúde sobre a „descoberta‟ de uma nova

patologia chamada a Síndrome do Imigrante com estresse crônico e múltiplo17, ou,

“Síndrome de Ulisses” 18.

Achotegui ressalta que, na atualidade, um fenômeno natural e positivo como é o fato de emigrar está se tornando para milhões de pessoas no mundo, um processo que possui níveis de estresse muito intensos, que chegam a superar a capacidade de adaptação dos seres humanos. Em sua obra, o autor faz uma analogia entre o migrante e o protagonista do poema épico A Odisséia, ou seja, Ulisses. Desta forma, a Odisséia um fascinante poema épico grego, mostra uma realidade, a história e a tragédia de milhões de migrantes que sofrem a „Síndrome do Imigrante, com estresse crônico e múltiplo‟. Segundo Achotegui a síndrome pode surgir naquelas pessoas que, migrando para viver em outro país, se encontram com uma cultura diferente da própria.

16

ACHOTEGUI, Joseba. El síndrome de Ulises. El síndrome del inmigrante con estrés crónico y

múltiple. Barcelona, 2002. p. 1. Disponível em: <http://www.pensamientocritico.org/josach0407.html>. Acesso: 18 de jun. 2011. 17h. O psiquiatra Joseba Achotegui é Professor Titular da Universidade de Barcelona e Diretor do SAPPIR (Servicio de Atención Psicopatológica y Psicosocial a Inmigrantes y Refugiados.

17 A Síndrome do Imigrante com estresse crônico e múltiplo é definida como um conjunto de sintomas

que se manifesta em pessoas migrantes que sofrem de estresse crônico e múltiplo e que vivem experiências tão penosas que lhes afeta a saúde mental.

18

(19)

Nesta perspectiva, Achotegui19 desenvolveu seus estudos e individuou algumas características para descrever a referida síndrome. Ele atribui a origem da doença à mudança de idioma, de costumes e de paisagem e observa que a sua manifestação se dá por meio dos seguintes sintomas:

A tristeza, relacionada com um sentimento de abandono e de renúncia; pranto, baixa autoestima, que se associa com o sentimento de fracasso; culpa; ideias de morte e de suicídio; ansiedade, preocupações excessivas, irritabilidade, alterações no sono e fadiga20.

No mesmo contexto, cabe salientar aqui aportes teóricos de outros autores como Calvo e González21 que desenvolveram estudos sobre as migrações contemporâneas, com vistas a uma melhor compreensão do sofrimento do migrante, a fim de lhes proporcionar tratamento adequado e o desenvolvimento de programas de saúde preventiva.

Segundo Calvo22, a migração traz consigo muitas perdas e nem sempre o fenômeno é analisado a partir de uma perspectiva individual focalizando a pessoa, de modo a perceber os sofrimentos que comporta deixar seu lugar de origem e tentar integrar-se em um país ou região de acolhida, muitas vezes pouco hospitaleiro.

Ao falar das perdas vividas pelo migrante, Calvo recorda as inúmeras denominações utilizadas para designá-las: “Síndrome de Ulisses, luto migratório,

mal do migrante, síndrome do migrante, melancolia, nostalgia do estrangeiro” 23. O autor esclarece que este tipo de luto ou sofrimento se aplicaria a qualquer tipo de migrante, independentemente do motivo pelo qual decidiu deixar sua terra natal para ingressar em outro território.

19

Cf. ACHOTEGUI, Joseba. La depresión en los inmigrantes: una perspectiva transcultural. 2007, p.

1-5. Disponível em: <http://www.fhspereclaver.org/migra-salut-mental/>. Acesso: 10 jun. 2011. 22h10min. (Tradução minha).

20 ACHOTEGUI, Joseba.

El síndrome de Ulises. El síndrome del inmigrante con estrés crónico y

múltiple. 2002, p.1-5.

21

CALVO, Valentín González. El duelo migratório. Sevilla, Espanha, 2006, p. 1-2.

<http://www.psicologiacientifica.com/bv/psicologia-132-1-el-duelo-migratorio.html> Acesso: 18 mai. 2011. 16h15min. (Tradução minha).

22

Cf. CALVO, Valentín González. El duelo migratorio. 2006, p.2.

23 Cf. CALVO, Valentín González.

(20)

A referência a este processo de luto não é uma novidade. Calvo salienta que o mesmo foi descrito no século XVII por Harder e por Zwinger ao relacionar o fenômeno migratório com a nostalgia. Desde o princípio, observou-se esta nostalgia e desenraizamento em situações diversas: em soldados que depois de prolongadas campanhas militares sem voltar a seu país caíram em profundo desalento e tristeza, e em camponeses que migram às cidades (Tizón, 1993)24. Neste sentido, Calvo busca raízes mais distantes para confirmar sua teoria, e diz que de fato não se trata de um fenômeno novo, ao contrário é tão antigo como o próprio homem, na medida em que este se encontra entre duas forças polarizadas: a necessidade-desejo de conhecer-explorar novos territórios e o desejo-necessidade de lançar raízes e afincar-se nos territórios conhecidos.

Para Calvo, o processo de luto começa a transmutar a dor quando se integram as perdas através de mecanismos de reorganização interna:

Se as circunstâncias de acolhida forem favoráveis - integração social e laboral - a nostalgia do perdido é compensada pela conquista dos objetivos, isto ajuda muito no processo de reestruturação. O indivíduo se sente dono de sua liberdade e capaz de controlar seu destino. No entanto, quando se prolongarem as incertezas, a insegurança e a nostalgia podem aflorar, debilitando assim o projeto de se instalar em uma terra alheia. O projeto de retorno se torna mais presente e o sofrimento diário torna-se insuportável25.

Esse processo de reorganização interna (luto) não acontece somente com um bom emprego e uma situação legal estável, mas sim, quando a pessoa começa a examinar sua experiência, confrontando seus sofrimentos com as próprias conquistas, de uma maneira realista26

.

No que se refere às consequências da migração, Calvo salienta como esta experiência pode afetar à vida dos filhos dos migrantes:

Quando as pessoas obrigadas a emigrar o fazem acompanhadas de suas famílias, o contexto de angústia e estresse influencia negativamente as crianças e adolescentes que desenvolvem muitas

24

Tizón citado por CALVO, Valentín González. El duelo migratorio. 2006, p.3.

25

CALVO, Valentín González. El duelo migratorio, 2006, p.4.

26 Cf. CALVO, Valentín González.

(21)

vezes quadros de ansiedade depressiva e este transtorno os fazem mostrar-se mais agressivos27.

Ele observou ainda que as crianças que se encontram nesta situação, apresentam baixo rendimento escolar e dificuldades de atenção e aprendizagem. Considerando esta realidade e pensando em facilitar a integração dos alunos e das famílias migrantes no sistema educativo, na Espanha criou-se a figura do “mediador intercultural”. O mediador intercultural desempenha um papel fundamental ao facilitar a comunicação com os estudantes e as famílias que falam outro idioma.

Em síntese, Achotegui28 retoma a presença do luto em maior ou menor grau em todos os processos migratórios, alertando que não é a mesma coisa vivê-los em boas condições ou em situações difíceis. Por último, o autor postula três tipos de

lutos possíveis: “os lutos simples, lutos complicados e lutos extremos29.

O autor comenta que Ulisses era um semideus que sobreviveu a duras penas às terríveis adversidades e perigos aos quais foi submetido:

Ulisses passava os dias sentado nas pedras, na beira do mar, consumindo-se no pranto, suspiros e penas, fixando seus olhos no mar estéril, chorando incansavelmente...” (Odisséia, Canto V). E para proteger-se de Polifemo, ele disse “perguntas cíclope como me chamo..., vou dizer-lhe. Meu nome é Nada e Nada me chamam todos... (Odisséia Canto IX). Solidão, medo, desesperança... As migrações do novo milênio nos recordam cada vez mais

os velhos textos de Homero30.

Se, para sobreviver, a pessoa tem que ser Nada, tem que ser permanentemente invisível, não pode haver identidade nem integração social e nem tão pouco pode haver saúde mental, conclui Achotegui.

27 Cf. CALVO, Valentín González.

El duelo migratorio, 2006, p.3.

28 Cf. ACHOTEGUI, Joseba.

El síndrome de Ulises está entre la frontera de la salud mental e la

enfermedad mental. 2007, p.2. Disponível em: <http://www.fhspereclaver.org/migra-salut-mental/>.

Acesso em: 19 jun. 2010. 10h25min. (Tradução minha).

29

Lutos simples: são aqueles que se dão em boas condições e que podem ser elaborados. Os lutos complicados: quando existem sérias dificuldades para serem elaborados e os lutos extremos: são aqueles lutos que não são elaboráveis, pois superam as capacidades de adaptação do sujeito.

30 Cf. ACHOTEGUI, Joseba.

(22)
(23)

CAPÍTULO II

A RELIGIÃO NA EXPERIÊNCIA DO MIGRANTE

2.1. A religião31

Desde tempos remotos da história da humanidade é possível identificar a presença da religião. Os conceitos de religião, no entanto, podem ser divergentes e até mesmo antagônicos. Alguns autores divergem, inclusive, quanto à raiz etimológica da mesma, atribuindo-lhe ao menos três derivações do latim: reler,

reeleger e religar.

Segundo Freitas32, “a palavra religião evoca de imediato um complexo de

representações [...] que traduzem as relações do homem com o divino ou sagrado”.

A dificuldade de explicar ou colher a essência do fenômeno religioso começa desde a tentativa de buscar a raiz da palavra “religião”, a qual tem-se como derivada do latim religio, cuja etimologia já os antigos romanos discutiam. O autor continua dizendo que segundo Cícero, religio, remontaria a relegere, que significa curar,

31 Cf. MADURO, Otto.

Religião e luta de classes. Petrópolis: Vozes, 1981, p. 27-32; CROATTO, José

Severino. As linguagens da experiência religiosa: uma introdução à fenomenologia da religião. 2.

ed.São Paulo: Paulinas, 2004, p. 72-74. VALLE, João Edênio dos Reis. Religião e espiritualidade: um olhar psicológico. In: AMATUZZI, Mauro Martins (org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo:

Paulus, 2005, p. 90-100; JASPARD, Jean-Marie. A natureza simbólica das representações religiosas. In: PAIVA, Geraldo José de – ZANGARI, Wellington (orgs.). A representação na religião: perspectivas

psicológicas. São Paulo: Loyola, 2004, p.51-52.

32

Cf. FREITAS, Manuel da Costa. In: Logos: Enciclopédia Luso-Brasileira de Filosofia. Vol. 4. São

(24)

tomar a sério, medir. Deste modo, religio seria então sinônimo de disposição subjetiva, de cuidado vigilante e meticuloso. Mesmo não encontrando na Bíblia termo correspondente à idéia geral de Religião, os primeiros autores cristãos souberam recolher do conceito formulado por Cícero o conteúdo que fazia valer a fé e a prática cristã como sendo Cultus Dei, culto ao Deus único, que divergia da Romana Religio.

Segue Freitas comentando que, no contexto cristão, para Lactâncio o termo religio deriva do verbo religare, relacionado a união dos homens a Deus. Porém, se deve a Agostinho de Hipona33, o aprofundamento e desenvolvimento dos mesmos termos. Desde então este conceito foi tornando-se universal, para designar tanto a experiência do sagrado em si mesmo como as diversas organizações religiosas.

Cabe ainda colocar em evidência uma distinção da religião enquanto busca pessoal e enquanto instituição social. Na perspectiva pessoal, a religião é uma experiência complexa, que se enraíza na pessoa humana dando um sentido à sua vida.

Antropologicamente a religião é constitutiva e específica ao homem, homo religiosus, e se manifesta na abertura do horizonte cognoscitivo e sensitivo do homem para o infinito.

Do ponto de vista das ciências sociais a religião é um sistema de crenças, práticas, símbolos e estruturas mediante as quais as sociedades humanas e as pessoas, nas diferentes culturas e tempos, vivem sua relação com o mundo do sagrado34. Valle recorda que o psicólogo ao se debruçar sobre este conceito, tende enfocar nos modos de sua apropriação por pessoas dotadas de emoções, necessidades, motivações e diferentes anseios35.

33

Cf. SANTO AGOSTINHO, A verdadeira religião. São Paulo: Paulinas, 1987, 1,1; 7 13. Texto

traduzido para o português por Nair de Assis Oliveira.

34

Cf. VALLE, João Edênio dos Reis. Religião e espiritualidade: um olhar psicológico. In: AMATUZZI, Mauro Martins (org.). Psicologia e espiritualidade. São Paulo: Paulus, 2005, p. 91.

35 Cf. VALLE, João Edênio dos Reis. Religião e espiritualidade: um olhar psicológico. In: AMATUZZI,

(25)

Nesse contexto, o autor observa que os termos religião, religiosidade e espiritualidade muitas vezes são utilizados como sinônimos, no entanto, é importante diferenciá-los.

2.2. Religião e religiosidade

O termo espiritualidade é mais amplo do que religiosidade e religião. De acordo com Miller & Thorensen, citados por Pargament36, a religião e a religiosidade dizem respeito a entidades sociais ou instituições, modos de organização social que se caracterizam por crenças, normas e práticas específicas. A espiritualidade refere-se aos aspectos não-materiais da vida, àqueles que não são comumente percebidos pelos sentidos. Para eles a religião é a formalização social da espiritualidade.

A espiritualidade, para Pargament37 é um modo de ser amplo e profundo, que toca praticamente todas as dimensões da vida; é a busca de sentido, de unidade e de transcendência. Ele define a espiritualidade utilizando a imagem de caminho. Para Pargament, a espiritualidade é uma via que pode ter diferentes direções, positivas ou negativas. Os caminhos positivos são definidos como:

Amplos e profundos, receptivos às situações da vida, nutridos pelo contexto social maior, capaz de flexibilidade e continuidade e orientadas para um destino sagrado que é grande o suficiente para englobar a gama completa de potencial e luminosidade humanos, suficiente para prover o indivíduo com uma poderosa visão orientadora38.

Os caminhos negativos são definidos como caminhos carentes de finalidade e profundidade. Ao encontrarem os desafios e exigências da vida, chocam-se com o sistema social no qual estão inseridos, são superficiais ou muito rígidos e orientam mal o indivíduo na busca de valores espirituais.

36

Cf. PARGAMENT, Kenneth I. Spiritually Integrated Psycotherapy: understanding and addressing

the sacred. New York: the Guilford Press, 2007, p. 171. (Tradução minha).

37 Cf. PARGAMENT, Kenneth I.

Spiritually Integrated Psycotherapy: understanding and addressing

the sacred, 2007, p.171. (Tradução minha).

38

PARGAMENT, Kenneth I. Spiritually Integrated Psycotherapy: understanding and addressing the

(26)

Para o autor o conceito de sagrado possibilita a unificação entre religião e espiritualidade, uma vez, que a religião é a busca de significado pela via do sagrado,

e a espiritualidade, “a busca do sagrado”39. Para ele, a espiritualidade é a função central da religião. O sagrado para Pargament refere-se “a conceitos de Deus e de

poderes superiores” 40 e ele considera que uma pessoa é religiosa quando ela envolve o sagrado na sua busca de significado. Assim, é o sagrado que torna a busca religiosa distinta e potencialmente poderosa. O indivíduo pode integrar o sagrado em qualquer dimensão de sua vida, o que faz da religião um fenômeno complexo e multifacetado, que pode evoluir de formas muito diversas.

Deste modo, evidencia-se que definir religião é uma tarefa difícil, por se tratar de um conceito amplo e dialético. A religião está presente nas várias culturas e suas expressões são variadas. Nesta pesquisa, a religião será abordada do ponto de vista antropológico e existencial, considerando a abertura do homem ao sagrado com o qual busca relacionar-se. Na visão clássica do termo seria no sentido de „religare‟,

isto é, a ligação com o transcendente.

2.3. A religião na vida do migrante

Considerando a reflexão realizada sobre o conceito de religião, pergunta-se sobre o lugar que ela ocupa na vivência do migrante. A idéia de lugar abre possibilidades que permitem emergir as múltiplas facetas do fenômeno da vivência religiosa em situação de migração, pois os migrantes ao sair de seu lugar de origem levam consigo também suas crenças, valores e religião, e ao chegar à outra terra tendem a manifestá-los por meio da sua prática cotidiana. Neste contexto, cabe salientar alguns autores que estudam o fenômeno religioso: Dias41, Prado42,

39

PARGAMENT, Kenneth I.1999, p.12.

40

PARGAMENT, Kenneth I. Spiritually Integrated Psycotherapy: understanding and addressing the

sacred, 2007, p.32. (Tradução minha).

41 DIAS, Elizangela Chaves. L‟esperienza umana e Cristiana del peregrinare. In

Traditio

Scalabriniana, Centro Studi e Ricerche per L‟Emigrazione: Basel, 2004, p 3-4. (Tradução minha).

42

PRADO, Adélia. A arte como experiência religiosa. In: MASSIMI, M.; MAHFOUD, M. Diante do

(27)

Croatto43 evidenciam nos seus estudos alguns elementos que caracterizam a busca religiosa da pessoa humana.

Dias44 fala da experiência humana do peregrinar, em uma visão cristã,

ressaltando que o termo peregrinação pode ser caracterizado pela distância da família, da casa, da pátria e também significar uma viagem e o caminho em curso, ou ainda a permanência ou estadia em terra estrangeira. A autora mostra que “a

origem do peregrinar como experiência humana corresponde à própria origem do homem, peregrino sobre a terra desde o princípio da humanidade45”. Ela descreve as primeiras peregrinações dos homens que os levavam das cavernas às planícies, às montanhas, às margens dos lagos e dos mares. Deste modo os homens se encontravam muitas vezes diante de fenômenos naturais desconhecidos, propiciando-lhes ocasiões para uma verdadeira experiência existencial. Estes lugares, pela sua beleza e magnitude, se tornavam uma espécie de santuários, vistos como manifestação da divindade. Neste sentido, Dias salienta que o peregrinar como experiência conatural ao homem comporta também uma dimensão transcendente.

Prado46 relaciona a experiência religiosa à necessidade do indivíduo de

encontrar respostas para questões últimas da existência, “Quem sou eu? De onde

vim? Para onde vou?” Para a autora esse perguntar constitutivo do ser humano está

radicado na sua própria origem: “A pergunta nasce de uma orfandade original, eu nasço órfão, eu me vejo existindo numa orfandade que é original”47, por isso o homem tem necessidade de perguntar. Mediante esta afirmação a autora chama a atenção para a natureza peculiar dessa pergunta. O homem pergunta a algo que não conhece e não vê; assim, a resposta é mistério. Aprofundando o seu discurso, Prado introduz o leitor no campo da relação humana com o sagrado, sublinhando a dimensão paradoxal da experiência religiosa. Para ela, a experiência mística, a experiência religiosa, a arte e a poesia são análogas, pois são tentativas de falar do

43

CROATTO, José. Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa. [Trad. Carlos Maria Vásquez

Gutiérrez]. 2ª ed. São Paulo: Paulinas, 2001, p. 62,63 e 69.

44

DIAS, Elizangela Chaves, L‟esperienza umana e Cristiana del peregrinare, p 3-4.

45

DIAS, Elizangela Chaves, L‟esperienza umana e Cristiana del peregrinare, 2004, p. 3.

(28)

inefável, daquilo que não pode ser comunicado por meio de palavras. A linguagem humana parece sempre inadequada para expressar tais experiências.

Ainda na perspectiva da relação do homem com o transcendente, Croatto48 sublinha que o „homo religiosus’ é o sujeito da experiência do mistério49, pois a relação com o mistério que acontece na experiência religiosa é de sujeito a sujeito.

O crente não fala de Deus como um “ele”, mas fala a ele como um “tu”. Segundo

Buber50, é na oração que o próprio mistério fala ao crente. Para Croatto 51, a relação

sujeito a sujeito, que se estabelece na experiência religiosa, produz efeitos na pessoa humana: admiração, temor, oração, adoração, etc. A experiência de estar diante do mistério gera atitude e gestos que se transformam em rituais e palavras.

Os autores citados acima destacam a abertura do homem ao sagrado e a sua capacidade de transcendência mediante a experiência religiosa. Nesse sentido, o homem é visto como um ser em relação, em busca de crescimento e de novos significados para sua própria experiência e do mundo que o rodeia.

2.4. A religião no processo da migração

Ribeiro52 salienta que a experiência religiosa se caracteriza pela busca de um

sentido para a vida. Essa busca acontece na vivência pessoal cotidiana da pessoa sem implicar, obrigatoriamente, na participação em uma comunidade religiosa. Esta participação nem sempre reflete uma busca de espiritualidade e no caso do migrante, pode ocorrer por outros motivos. Apesar dessa relativa autonomia, na prática estas duas dimensões se entrecruzam na vida do migrante.

Ribeiro analisa as múltiplas formas mediante as quais os migrantes vivem suas experiências religiosas. Observa que nas regiões onde vivem os migrantes, as

48

Cf. CROATTO, José Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa, 2001, p.63-64.

49 O Mistério representa a perenidade, a eficácia, a fertilidade e a força. Tudo o que não é Mistério é

irreal na percepção do homo religiosus. CROATTO, José Severino. Cf. As Linguagens da Experiência

Religiosa, 2001, p.66.

50

Buber citado por CROATTO, José Severino. As Linguagens da Experiência Religiosa, 2001, p.63.

51 Cf. CROATTO, José Severino.

As Linguagens da Experiência Religiosa, 2001, p. 62,63 e 69.

52

Cf. RIBEIRO, Lúcia. Religious experiences among brazilian migrants. In: REMHU, Revista

(29)

igrejas representam redes de autoajuda, espaços de sociabilidade, reafirmação da identidade nacional, assim como uma expansão coletiva da fé. No entanto, lembra que a experiência religiosa não se reduz a esses aspectos, ela se manifesta na vida

cotidiana, como uma “religião vivida” tomando formas concretas de expressão e de

fé.

A sua pesquisa foi feita com migrantes que possuem uma filiação religiosa e os resultados mostraram uma tendência de intensificação da religiosidade no contexto migratório. Nesse contexto, a crença em uma presença divina tende a ser vista como algo que dá segurança e estabilidade para a pessoa.

Vásquez e Ribeiro53 desenvolveram uma pesquisa com migrantes brasileiros que viviam em uma região recém urbanizada no Condado de Broward, Flórida, EUA em 2007. Os autores relatam que nesta região não existiam organizações estabelecidas de migrantes e, neste contexto, as igrejas eram espaços de sociabilidade, identidade coletiva e ajuda mútua. Esta pesquisa evidenciou que a religião pode dar sentido ao processo migratório em um ambiente hostil, vinculando tal processo à experiência profundamente emotiva do sagrado. Os autores analisaram também as formas pelas quais os recursos religiosos foram utilizados pelos migrantes brasileiros nesta região.

O estudo apontou que diante dos poucos espaços públicos e das restrições estruturais à vida associativa, os migrantes brasileiros se queixavam da falta de solidariedade entre eles. A necessidade mais intensa era a de desenvolver um sentido de comunidade, seguida pela necessidade de legalização no país. Para responder a esta necessidade de construírem seus próprios espaços de sociabilidade, as igrejas se mostraram um recurso importante. Ao lado dos pequenos negócios como restaurantes, supermercados e salões de beleza, as igrejas foram uns dos poucos espaços disponíveis para reunir a comunidade e construir uma identidade coletiva.

53 Cf. VÁSQUEZ, Manuel; RIBEIRO, Lúcia.

A igreja é como a casa da minha mãe: Religião e espaço

vivido entre brasileiros no condado de Broward. Ciencias Sociales y Religión/Ciências Sociais e

Religião. América do Norte, 2007. Disponível em:

(30)

Vásquez e Ribeiro recordam que de acordo com o Maduro54 “as organizações religiosas representam para muitos imigrantes a primeira e única esperança de comunidade, depois de ter abandonado ou perdido a que conheciam em seu país de origem55”.

Os autores identificaram 39 organizações religiosas em sua pesquisa individuando, nas mesmas, quatro funções principais:

A primeira função diz respeito a redes de autoajuda formadas entre os migrantes. Elas lhes oferecem muitos recursos, desde a possibilidade de contatos e informações até ajuda material. A segunda função é de ser um espaço social de lazer e de apoio emocional. A terceira é de proporcionar um espaço no qual os migrantes podem reafirmar coletivamente sua identidade nacional. Por último, a quarta função oferece marcos interpretativos para viver o processo da migração, melhorando sua autoestima e sua relação com o sagrado.

Os autores acima citados ressaltam que o papel da religião não se reduz às funções públicas exercidas pelas igrejas, mas transcende as atividades puramente funcionais de providenciar redes de ajuda mútua, recursos materiais e espaços sociais compartilhados. Para eles, as igrejas de diferentes denominações exercem uma função positiva na vida do migrante, pois buscam criar redes solidárias de apoio e acolhida, assegurando-lhes um espaço para a vivência de sua fé, oferecendo-lhes também orientações e ajuda para facilitar a integração na nova comunidade. Os autores sustentam ainda que: “a religião serve para dar sentido ao processo de

migração em um ambiente hostil, vinculando tal processo à experiência

profundamente emotiva do sagrado” 56.

54 Cf. VÁSQUEZ, Manuel; RIBEIRO, Lúcia.

A igreja é como a casa da minha mãe: Religião e espaço

vivido entre brasileiros no condado de Broward, 2007, p. 18.

55

VÁSQUEZ, Manuel; RIBEIRO, Lúcia, A Igreja é como a Casa da Mãe: religião e espaço vivido

entre brasileiros no condado de Broward, 2007, p. 18.

56

VASQUEZ, Manoel; RIBEIRO, Lúcia. A igreja é como a casa da minha mãe: Religião e espaço

(31)

CAPÍTULO III

PARGAMENT E AS FUNÇÕES DA RELIGIÃO

3.1. As funções da religião

Pargament57 ressalta que a religião pode desempenhar muitos papéis na conservação e transformação de significados. Entre outros, ela “proporciona uma

sensação de significado e propósito à vida, saúde, intimidade, conforto e autodesenvolvimento – a mais essencial de todas as funções religiosas é o desejo de relacionar-se com algo que é considerado sagrado”58. Embora, ele considere importante lembrar que a religião pode também impedir o processo do enfrentamento, sublinha o papel positivo da religião para compreender e lidar com situações estressantes na vida. Para ele, a religião pode fornecer uma variedade de mecanismos para ajudar as pessoas a preservarem o que é importante para elas em momentos de dificuldades.

Diz também que as crenças religiosas, práticas e instituições podem desempenhar uma função positiva preventiva do ponto de vista da saúde mental. Fundamentando-se em Payne, Bergin, Bielema & Jenkins, cujos estudos evidenciaram que o envolvimento religioso, definido e medido em uma variedade de

57

Cf. PARGAMENT Kenneth I. Religious Methods of Coping: Resources for the Conservation and Transformation of significance. In: SHAFRANSKE Edward. P. Religion and the Clinical Practice of

Psychology. Washington: DC:American Psychological Association, 1996, p.217. (Tradução minha).

58 PARGAMENT, Kenneth I.

Spiritually Integrated Psychotherapy: understanding and addressing the

(32)

maneiras, está associado a um risco menor do uso de drogas, suicídio, abuso de álcool e desintegração familiar, Pargament sustenta que o apoio religioso pode apelar a Deus, como também à multiplicidade de indivíduos e instituições associadas com o divino.

Considerando que a religião pode ter custos e benefícios para o psiquismo, dependendo de como atua na vida do indivíduo, Paloutzian (1996) diz que as pesquisas sobre religião e saúde sugerem que mais importante do que saber se uma pessoa é religiosa, é saber como ela é religiosa59.

Para Pargament, a religião tem um papel proeminente em tempos difíceis, nos quais as pessoas vivem muito estressadas. Daí a importância de que teóricos pesquisadores e psicólogos conheçam o papel da religião no enfrentamento. Neste sentido, ele salienta que a linguagem do enfrentamento religioso é muito comum nos relatos das pessoas que passam por estresse ou confusão.

Deste modo é possível dizer que para Pargament as funções da religião consistem de fato em oferecer às pessoas significado, saúde, intimidade, conforto entre outras. Pargament coloca em evidência o papel da religião no enfrentamento.

3.2. O enfrentamento religioso

O enfrentamento religioso, proposto por Pargament refere-se ao modo pelo qual as pessoas recorrem às suas crenças religiosas para lidar com situações difíceis ou estressantes (1997). Segundo o autor quando as pessoas se voltam para a religião para lidar com o estresse, ocorre o enfrentamento religioso. Koenig et all (1998) definem o enfrentamento religioso como o recurso a crenças e comportamentos religiosos para a resolução de problemas e prevenção ou alivio de consequências emocionais negativas de situações estressantes.

Pargament, em 1997, começou articular conceitos referentes ao enfrentamento religioso. Ele identifica vários modos de enfrentamento religioso que

59

ROEHE, M. V. Experiência religiosa em grupos de auto-ajuda:o exemplo de neuróticos anônimos.

Psicol. estud. [online]. Maringá, vol.9, n.3, p.401, 2004. Disponível em:

(33)

ajudam as pessoas a encontrarem sentido para os sofrimentos que se deparam no decorrer de suas vidas: a interpretação das Escrituras, o ritual, o modo de relacionamento com os outros, a prática de boas ações, a meditação e a oração entre outros.

Pargament postula que todo ser humano busca o sagrado em suas vidas de diferentes maneiras, e assim que o encontra se empenha para conservá-lo. Buscando maximizar o significado sagrado, o indivíduo pode utilizar um dos modos de enfrentamento: conservação ou transformação. Estes modos de enfrentamento religioso aparecem de diversas formas e podem envolver várias crenças, práticas, experiências e relacionamentos capazes de ajudar as pessoas e oferecer suporte psicológico, social, físico e espiritual no meio de uma crise.

O autor recorda que diante de questões terríveis, profundas e dolorosas, a religião oferece a esperança de uma resposta, pois, na sua ótica a dor e o sofrimento adquirem um significado. Assim sendo, no processo de criar um significado, a pessoa reavalia os eventos traumáticos colocando-os em um contexto religioso mais benévolo, feito de símbolos, mitos e figuras, capazes de oferecer esperança para si e para os outros. Deste modo, as reavaliações espirituais positivas de eventos negativos ajudam as pessoas a conservar não só seus sentidos de benevolência e significado no mundo, mas também seus relacionamentos com o

sagrado”60.

Para ele, a dor e o sofrimento podem ser compreendidos como provas e oportunidades para o crescimento espiritual. As reavaliações positivas infundem esperança, confortam e ajudam a pessoa a dar significado à situação de estresse que está vivendo. Além disso, auxiliam as pessoas a “preservarem suas crenças em

uma divindade benevolente e a conservarem suas conexões com o sagrado61”.

O suporte do sagrado pode vir da percepção de um encontro que neutraliza a provação do sofrimento. Ele

60 PARGAMENT, Kenneth I.

Spiritually Integrated Psycotherapy: understanding and addressing the

sacred, 2007, p.100-101.

61

PARGAMENT, Kenneth I. Spiritually Integrated Psycotherapy: understanding and addressing the

(34)

pode ser resultado do crescimento de outras fontes: oração e meditação, relacionamentos com membros do clero ou da congregação, práticas de rituais, envolvimento em cultos religiosos, crenças, o estudo do livro sagrado (Bíblia e/ou literaturas), música, natureza, arte e etc.62.

O suporte religioso é um meio de sustentar aspectos sagrados da vida, não apenas com o divino. Assim, crenças na vida após a morte expressam um modo de conservar os laços sagrados com as pessoas que amamos mesmo depois de falecidas. Essas experiências podem reduzir o desconforto físico, e servir a finalidades psicológicas e sociais.

A partir dos conceitos de Pargament sobre o enfrentamento religioso espiritual procederá a análise dos relatos registrados para este trabalho procurando compreender os significados da religião na vivência do migrante nas vicissitudes de sua condição. Para isto, apontam-se em seguida alguns parâmetros de referência que serão utilizados na análise dos mesmos.

3.3. Modos de enfrentamento religioso

(Pargament. 2000)

Os modos de enfrentamento religioso para Pargament estão ligados a estratégias que podem ser classificadas como positivas ou negativas. O enfrentamento religioso positivo abrange estratégias que trazem benefícios para o indivíduo que o pratica.

Pargament63 apresenta os seguintes modos de enfrentamento religioso positivo:

 Reavaliação religiosa benevolente: o estressor é redefinido por meio da religião ou da espiritualidade como benevolente e potencialmente benéfico;

 Enfrentamento colaborativo: a pessoa e Deus trabalham juntos para resolver os problemas;

62

PARGAMENT, Kenneth I. Spiritually Integrated Psycotherapy: understanding and addressing the

sacred, 2007, p.101.

(35)

 Ajuda por meio da religião: a pessoa se esforça para prover conforto e assistência espiritual aos outros;

 Apoio espiritual: a pessoa busca conforto espiritual por meio do amor e do cuidado do sagrado;

 Apoio de membros e/ou participantes da instituição religiosa: a pessoa procura o conforto e a renovação da confiança por meio do amor e do cuidado dos membros da instituição religiosa;

 Purificação espiritual: a pessoa busca “limpeza” espiritual através dos rituais;

 Conexão espiritual: a pessoa busca conexão com forças transcendentais.

Por outro lado, o enfrentamento religioso negativo envolve estratégias que acarretam consequências prejudiciais ao indivíduo, podendo se expressar em diversas maneiras:

 Reavaliação de Deus como punitivo: a pessoa redefine o estressor como punição divina aos pecados individuais;

 Redefinição demoníaca ou malévola: a pessoa redefine o estressor como fenômeno do mal ou ato do demônio;

 Delegação: a pessoa espera passivamente que Deus resolva os seus problemas;

 Descontentamento espiritual: a pessoa expressa confusão e descontentamento com Deus;

 Descontentamento religioso interpessoal: a pessoa manifesta descontentamento com os membros da instituição religiosa.

(36)

O estilo é um modo da pessoa sentir, pensar, interagir com sua religião para lidar com as dificuldades ou estresses da vida, constitui o seu estilo de enfrentamento religioso. Assim, cada pessoa desenvolve um estilo próprio. Pargament identifica quatro estilos que as pessoas costumam utilizar no enfrentamento religioso.

a) Estilo autodireção: O indivíduo é mais ativo na resolução de seus problemas e Deus mais passivo, ou seja, baseia-se na premissa de que Deus dá aos indivíduos tanto liberdade como recursos para dirigirem as suas próprias vidas;

b) Estilo delegação: O indivíduo espera passivamente que Deus solucione seus problemas, outorgando-lhe responsabilidade;

c) Estilo colaboração: O indivíduo e Deus são ativos, havendo parceria e corresponsabilidade na resolução dos problemas;

d) Estilo súplica: O indivíduo tenta influenciar ativamente a vontade de Deus, mediante rogos, petições por sua divina intervenção.

(37)

CAPÍTULO IV

CAMINHO METODOLÓGICO

4.1. Objetivo

O objetivo desse estudo é de compreender como se dá o enfrentamento religioso em situação de migração.

4.2. Método

Trata-se de uma pesquisa qualitativa fenomenológica. A pesquisa qualitativa para González Rey64 ocorre em um processo contínuo no qual se definem e se redefinem constantemente todas as decisões e opções metodológicas no decorrer da própria pesquisa. Ela é concebida em um movimento circular em torno do que se

deseja compreender. Assim sendo, “não existirá neutralidade do pesquisador em relação à pesquisa, pois ele atribui significado seleciona o que do mundo quer conhecer, interage com o conhecido e se dispõe a comunicá-lo” 65.

64

Cf. GONZALEZ, Fernando Rey. Pesquisa Qualitativa e Subjetividade: os processos de construção da informação. In:______. Diferentes momentos do processo de pesquisa qualitativa e suas

exigências metodológicas. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2005, p. 79-113.

65 GARNICA, Antonio Vicente Marafioti.

Algumas notas sobre pesquisa qualitativa e fenomenologia:

(38)

A pesquisa qualitativa fenomenológica, segundo Forghieri66, tem como um dos seus princípios fundamentais “ir às próprias coisas”, refletir sobre a experiência vivida. Para ela “o método fenomenológico apresenta-se [...] à Psicologia como um

recurso apropriado para pesquisar a vivência”. Afirma ainda que:

O sentido que uma situação tem para a própria pessoa é uma experiência íntima que geralmente escapa à observação do psicólogo, pois, o ser humano não é transparente; para desvendar sua experiência o pesquisador precisa de informações a esse respeito, fornecidas pela própria pessoa67.

Considerando estas afirmações, a pesquisa qualitativa fenomenológica mostrou-se um caminho apropriado para compreender a experiência religiosa do migrante, e analisar as funções que ela desempenha no processo de enfrentamento das vicissitudes de sua condição.

4.3. Colaboradora

Na pesquisa fenomenológica, a escolha do colaborador se dá pelo critério do reconhecimento por parte do pesquisador da experiência que deseja estudar68.

Para esta pesquisa definiu-se alguns critérios iniciais para a escolha da colaboradora: que a pessoa tenha feito a experiência de migração por um período mínimo de um ano e, seja capaz de contar esta experiência. O período de tempo sugerido visa assegurar, que a pessoa tenha tido tempo suficiente para viver e refletir sobre a própria experiência de migração. Optou-se pela análise de um relato, por considerá-lo suficiente para responder ao objetivo da pesquisa.

No contato com a colaboradora explicou-se em linguagem simples o objetivo e os procedimentos a serem utilizados na pesquisa, solicitando o seu consentimento

66FORGHIERI, Yolanda Cintrão.

Psicologia fenomenológica:fundamentos, métodos e pesquisas. São

Paulo: Cengage Learning, 2009, p.9-10.

67 FORGHIERI, Yolanda Cintrão.

Psicologia fenomenológica: fundamentos, métodos e pesquisas.

2009, p.10; 58 e 90.

68

Cf. PEREIRA, Leidilene Cristina. A Interface entre o Aconselhamento Psicológico e o

Aconselhamento Espiritual. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica)- Pontifícia Universidade

(39)

formal, mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, que foi lido e explicado à mesma.

O Termo de Consentimento informou a colaboradora as garantias de privacidade, acesso às informações a qualquer momento, procedimentos que seriam utilizados, possíveis riscos e benefícios.

Informou-se também sobre o direito de retirar o consentimento e deixar de participar do estudo a qualquer momento, assim como sobre a confidencialidade, sigilo e privacidade do sujeito em caso de futuras publicações. Colocou-se ainda à disposição da colaboradora para conversar sobre os efeitos do relato, caso ela considerasse necessário.

O projeto de pesquisa foi apresentado ao Comitê de Ética da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, no dia 16 de novembro de 2010 e foi aprovado no dia 21 de fevereiro do seguinte ano, com o Protocolo de Pesquisa nº 011/2011.

4.4. O relato

Nessa pesquisa utilizou-se como instrumento de análise um relato de experiência de migração. Esta modalidade de relato favorece ao colaborador a expressão livre e espontânea sobre o tema proposto, bem como a manifestação de seus pensamentos, sentimentos e emoções.

Pereira69 fala que é preciso que o pesquisador esteja atento para manter o foco do relato sobre o tema abordado, sugerindo ao colaborador não se afastar demais do tema central. Assim, o relato se constituirá, não só como um momento de obtenção de informações, mas como uma busca conjunta pela experiência vivida do sujeito por meio do interesse do pesquisador.

69

Cf. PEREIRA, Leidilene Cristina. A Interface entre o Aconselhamento Psicológico e o

(40)

4.5. Análise do relato

No primeiro momento, procedeu-se a “leitura ingênua”70 do relato, com o objetivo de obter a apreensão geral da experiência narrada pela colaboradora. Em seguida realizou-se uma segunda leitura buscando focalizar os temas emergentes, que convergiam com o objetivo da pesquisa. A seguir, fez-se uma síntese descritiva, com a finalidade de aprofundar a compreensão do relato e “discriminar unidades de significado na perspectiva psicológica”71, que foram destacadas em negrito no próprio texto. A análise foi completada com a discussão dos trechos mais significativos do relato em consonância com o objetivo, refletindo-os em diálogo com a teoria de Pargament sobre o enfrentamento religioso. A análise e discussão do relato serão apresentadas no capítulo seguinte.

70 Cf. FREITAS, Sylvia Mara Pires de. A Pesquisa Fenomenológica em Psicologia. In: BAPTISTA, M.

N.; CAMPOS, Dinael Corrêa. C. Metodologias de pesquisa em ciências: análise quantitativa e

qualitativa. Rio de Janeiro: LTC, 2007, p. 196-218.

71

(41)

CAPÍTULO V

CARLA

Carla, 48 anos, é casada, tem um filho de 25 anos, é graduada em psicologia e atualmente faz mestrado. Sua religião é espírita. A escolha de Carla como colaboradora se deu a partir de uma conversa sobre o tema desta pesquisa envolvendo o enfrentamento religioso e a experiência do migrante. Sentindo-se identificada com o tema Carla se dispôs espontaneamente a ser colaboradora no referido estudo. Após a explicação de que o trabalho seria realizado a partir de relatos, para orientá-la na descrição de sua experiência, lhe foi dito que receberia uma pergunta disparadora enfocando o motivo da migração, as dificuldades encontradas, e o que a sustentou para se estabelecer neste lugar. Carla se dispôs prontamente a relatar sua experiência de migração e, no mesmo dia, a redigiu e a enviou por e-mail. O seu relato está descrito integralmente nas páginas que seguem:

5.1. O relato de Carla

Este relato começa muito antes da vivência que me caracterizou como colaboradora possível para esta pesquisa. Ele começa com minhas avós: minha avó paterna, Dona Rosinha, uma católica apostólica romana fervorosa, devota de Santa Rita de Cássia, a santa dos pedidos impossíveis e minha avó materna, Dona Isabel, espírita kardecista convicta que evangelizava num centro de umbanda.

De minha avó Rosinha aprendi o fervor, a trezena de Santo Antônio que “permitiu”

(42)

Isabel aprendi que tudo nesta vida tem consequência e que a cada um é dado segundo suas obras.

Estas duas mulheres marcaram meu coração com sua fé e suas histórias de luta na vida, luta da qual se sentiam vitoriosas pela graça de Deus. Por muito tempo conviver com religiões diferentes, de princípios tão diferentes, não foi grande problema, afinal eu era pequena e estas coisas iam apenas sendo registradas em mim, mesmo estudando num colégio de freiras em minha cidade natal (interior de São Paulo) e onde eu não deveria jamais dizer que também acreditava em espíritos e reencarnação.

O tempo passou, e envolvi-me muito com os movimentos jovens dentro da igreja católica (JOIC – Jovens Irmãos em Cristo, Grupos de Oração, grupos de filantropia). Fiz a primeira comunhão em meu colégio até que, aos 14 anos, vi-me confrontada por um padre num confessionário: ou eu escolhia uma religião ou outra. Se minha mãe, nas palavras dele, tinha feito a escolha errada – ser espírita, eu tinha a oportunidade de fazer a escolha certa, ser católica... Não se fala “mal” da

mãe de ninguém, menos ainda da mãe de uma menina que se sentia acolhida nas reuniões espíritas em que participava. Foram anos difíceis, havia muita dúvida em mim, os estudos muito voltados para prestar vestibular nos 3 anos que se seguiram, e também a mudança para um colégio sem filiação religiosa, ajudaram a apaziguar este mal estar e a necessidade de uma escolha tão abrupta.

Depois vieram os anos da faculdade de psicologia, onde o tema religião era totalmente banido. Estávamos no auge da psicanálise como linha psicológica por excelência! Pude adiar mais um pouco esta escolha.

Veio o casamento, o filho e os fenômenos ditos paranormais. Pressentia coisas, via às vezes pessoas que só eu via. Voltei-me de vez para o espiritismo, ali eu era normal, tinha faculdade mediúnica, algo tão comum e corriqueiro.

Referências

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