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A multifuncionalidade e a questão agrária no Brasil: Uma análise da agricultura familiar como geradora das novas funções da agricultura.

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Academic year: 2022

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A multifuncionalidade e a questão agrária no Brasil: Uma análise da agricultura familiar como geradora das novas funções da agricultura.

Eric Gumes Lopo dos Santos

Graduando em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia – UFBA CPF: 957.190.675.15

R Prof. Aloísio de Carvalho Filho, no. 472, bloco G, apto 302, Bairro Engenho Velho de Brotas CEP 40.243-620

Salvador – BA ericlopo@hotmail.com

Vitor de Athayde Couto

Professor da Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal da Bahia – UFBA CPF: 051.025.965-00

Rua Carmem Miranda, 76, apt 101, Pituba, CEP 41.810-670 Salvador – BA vitor@ufba.br

Alynson dos Santos Rocha

Mestre em Ciências Econômicas pela Universidade Federal da Bahia - UFBA CPF: 921.722.885-00

Rua Direta 504-A, Engomadeira CEP: 41.200-050 Salvador – BA

alynson@bol.com.br

Área temática: 7 (Agricultura Familiar)

Apresentação com presidente da sessão e sem a presença de debatedor

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A multifuncionalidade e a questão agrária no Brasil: Uma análise da agricultura familiar como geradora das novas funções da agricultura.

Resumo

Este trabalho tem como objetivo discutir o caráter multifuncional da agricultura moderna, suas relações com a agricultura familiar brasileira, e a questão agrária. Para tanto, utiliza-se o conceito de multifuncionalidade, especificamente para análise do caso brasileiro. São também apresentados dois estudos de caso, no Estado da Bahia, onde são analisados alguns produtores familiares e seus respectivos sistemas de produção, no intuito de se identificarem algumas características que geram novas funções da agricultura. Discutem-se também algumas propostas de intervenção estatal para estimular a remuneração das novas funções da agricultura, inclusive sociais. Os resultados preliminares apontam para a necessidade de uma redistribuição das terras de forma a intensificar a atuação da agricultura familiar como elemento gerador e dinamizador da multifuncionalidade no Brasil.

PALAVRAS-CHAVE: Multifuncionalidade; agricultura familiar; políticas públicas.

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A multifuncionalidade e a questão agrária no Brasil: Uma análise da agricultura familiar como geradora das novas funções da agricultura.

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como objetivo discutir aspectos relacionados à multifuncionalidade da agricultura como peça fundamental da questão agrária na atualidade. O enfoque principal é dado à análise da agricultura familiar no Brasil, levando-se em consideração as suas possibilidades de vir a exercer novas funções, como: preservação do meio ambiente, distribuição mais efetiva da renda, aumento do emprego no campo, e fixação do homem no meio rural. Procedem-se a dois estudos de caso em comunidades formadas predominantemente por agricultores familiares, onde são analisadas as relações entre os sistemas de produção identificados e a ocorrência das novas funções.

Além da introdução, este artigo é composto por mais três partes e pelas considerações finais.

Na primeira parte discutem-se os principais conceitos de multifuncionalidade. Na segunda, aprofunda-se a análise, especificamente, da multifuncionalidade no Brasil, com enfoque no modelo de agricultura familiar como agente gerador de novas funções. Na terceira parte apresentam-se sucintamente os estudos de caso, relacionando-se os aspectos observados no trabalho de campo com a geração das novas funções oriundas da forma de utilização do espaço agrário por parte dos agricultores familiares, além de propor algumas alternativas de políticas multifuncionais.

Os resultados preliminares deste trabalho indicam que a distribuição de terras ainda é um elemento importante na questão agrária. O que se desloca nesta discussão é o enfoque na produção de alimentos e matérias-primas, passando para a geração das novas funções da agricultura. Considerando-se o conceito de multifuncionalidade observado no Brasil que tem na agricultura familiar seu principal elemento gerador, conclui-se que para atingir estes novos objetivos faz-se necessário, entre outros fatores, uma redistribuição fundiária adequada, estimulando desta forma a agricultura familiar, o que retorna para o foco da questão agrária, da posse e uso da terra.

O CONCEITO DE MULTIFUNCIONALIDADE

A multifuncionalidade pode ser conceituada como um conjunto de novos aspectos relacionados à atividade agrícola, que não estão ligados diretamente à produção de alimentos e matérias-primas, que vêm sendo reconhecidos como fundamentais para o bem-estar da sociedade.

Na medida em que o espaço rural se urbaniza, dada a interseção crescente entre a agricultura e os demais setores da economia, e o rápido crescimento das zonas urbanas e da oferta de serviços, uma série de novas demandas surgem relacionadas as demais funções exercidas pelas atividades agrícolas até então desconsideradas. Boa parte dessas funções tem como característica a não-apropriabilidade, o que as aproxima do conceito de bem público. São algumas externalidades positivas geradas pela atividade agrícola que começam a ser demandadas pela sociedade, na medida em que as áreas rurais começam a ser transformadas pelo fenômeno denominado “novo mundo rural” (GRAZIANO, 1997).

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Devido às características singulares de cada região, certos aspectos são mais importantes e conseqüentemente mais estimulados, no que tange às novas funções da agricultura. As políticas multifuncionais européias, por exemplo, têm como objetivo a manutenção da paisagem, a proteção do meio ambiente e a qualidade dos alimentos. Com base nesses objetivos a União Européia formulou políticas de incentivo fiscal e subsídios aos produtores, o que vem causando divergências quanto à sua legalidade, em disputas na Organização Mundial do Comércio - OMC. Questionam-se os reais objetivos desses subsídios que são retratados, segundo Jorge (2005), como “[...] uma ‘construção política’ para manter ‘o velho proteccionismo em novas roupas’”. Contudo, foi na Europa onde começaram a surgir as novas demandas associadas à atividade agrícola, dada a proximidade espacial das zonas rurais e urbanas (JORGE, 2005).

Em outras partes do mundo também se pode observar as novas demandas relacionadas à agricultura. Nos Estados Unidos, por exemplo, alguns movimentos atribuídos a organizações da sociedade civil têm buscado atender a suas demandas relacionadas à paisagem rural, estilo de vida do campo, e preservação do meio ambiente, como se pode constatar nos casos citados por Friedland (2004). Uma das diferenças é que, no caso americano, o Estado não atua da mesma forma que no caso europeu. A importância das organizações sociais no reconhecimento da multifuncionalidade da agricultura é fundamental para a busca desses novos “serviços rurais”.

No próximo tópico apresentam-se os principais conceitos de multifuncionalidade no Brasil e suas relações com a agricultura familiar.

AGRICULTURA FAMILIAR E MULTIFUNCIONALIDADE

No Brasil, o conceito de multifuncionalidade engloba, desde as funções de proteção ao meio ambiente, até as funções socioeconômicas que envolvem o lazer, a cultura, distribuição de emprego e renda. Diante da diversidade de tipos de exploração agrícola do Brasil, a questão da multifuncionalidade pode ser observada em diversos níveis. Essa questão revela-se de forma distinta no território nacional. Desde as chácaras no entorno das grandes cidades, que têm representado uma demanda crescente pelas características rurais como forma de moradia e lazer, até as novas demandas por alimentos sócio-ecologicamente sustentáveis, a multifuncionalidade surge de forma representativa no Brasil, nos últimos anos.

É possível identificar diversas novas funções da agricultura no Brasil, dentre elas a conservação dos mananciais, dos solos, das paisagens e de alguns ecossistemas através da implantação de atividades agroflorestais, a preservação de grupos étnicos e suas identidades culturais, promover atividades de lazer e turismo nos ambientes rurais, ampliação dos serviços sociais básicos na zona rural como luz, educação e saúde, aumento da distribuição de renda, aumento do emprego, promover a fixação do homem no campo e a segurança alimentar.

Boa parte dessas novas funções constituiu-se em demandas da sociedade. As novas demandas surgem de forma espontânea a partir de efeitos causados pelo atual paradigma produtivista além do processo de urbanização da zona rural, entre outras causas. Em alguns casos pode-se observar o pagamento dessas novas funções da agricultura embutido no preço do produto agrícola. Um exemplo é o preço pago pelos produtos orgânicos ou agroecológicos que em média são mais altos do que os produtos originados pelo pacote produtivista. Esses preços

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refletem, entre outros elementos, o custo da preservação ambiental materializada através de processos “limpos” de produção. Pode-se considerar que a parcela “a mais” paga pelos produtos orgânicos é também uma remuneração pela função de “guardiões do meio ambiente” exercida pelos agricultores modernos.

A multifuncionalidade no Brasil apresenta-se de acordo com as características regionais. Nas áreas que circundam as grandes cidades, pode-se observar a nova função de lazer e moradia representada pelas chácaras e sítios, que fazem as atividades agrícolas destas propriedades se caracterizarem como uma atividade secundária. Nestas áreas os moradores e veranistas tendem a proteger as características rurais como a paisagem, o meio ambiente, de forma que se possa usufruir as mesmas, independentemente das demandas agrícolas.

O turismo rural é uma forma de se atribuir uma remuneração às atividades de lazer proporcionadas pela agricultura. Na região da serra gaúcha, por exemplo, o turismo relacionado à produção de vinhos tem-se revelado como atividade complementar significativa à agricultura. O desenvolvimento do turismo naquela região é um exemplo de função onde a própria sociedade paga pelo seu usufruto sem a necessidade de intervenção estatal.

Já no caso da produção de cacau no sul da Bahia, a função de proteção do ecossistema de Mata Atlântica, atribuída a este cultivo, não é remunerada pela sociedade e nem é subsidiada pelo governo. Uma das conseqüências deste fato é a crescente onda de desmatamento gerada pela mais recente crise do cacau.

Grande parte da geração dessas novas funções ocorre na agricultura familiar. Seja pelo seu caráter conservacionista (que lhe atribui uma maior retorno econômico no longo prazo), seja pelas características de seus itinerários técnicos e pela quantidade de mão-de-obra utilizada na produção, a unidade familiar de produção consegue fornecer serviços ambientais, sociais e econômicos o que corrobora seu caráter multifuncional. No Brasil, uma das principais funções atribuídas à agricultura é a da garantia de segurança alimentar. O elo entre a agricultura e a segurança alimentar é a agricultura familiar, principalmente nos Estados do Nordeste, onde se observa um alto índice de desnutrição.

As principais políticas multifuncionais do governo têm como objetivo o estímulo à agricultura familiar como forma de garantir o mínimo necessário para a alimentação das famílias da zona rural. Políticas de incremento da renda, sejam por transferências governamentais, sejam por incentivo à produção, acabam por viabilizar a permanência do homem no campo.

Em geral, as políticas governamentais buscam transferir renda para as famílias por intermédio de programas como Bolsa-Família. Porém não há programas de estímulo à demanda por produtos sócio-ecologicamente sustentáveis. Programas de estímulo a essas demandas poderiam gerar, por meio do mercado, uma maior sustentabilidade econômica tanto para o governo quanto para os produtores familiares, que passariam a ser remunerados pela sociedade haja vista o caráter multifuncional da sua atividade agrícola.

No primeiro momento, as políticas de transferência de renda são fundamentais, pois garantem o mínimo necessário para a reprodução das famílias. Entretanto, em um segundo momento, o papel das políticas públicas passa a ser o de fomentar a organização dos produtores e viabilizar a comercialização da sua produção, atuando como divulgador e certificador dos produtos originários das unidades familiares. Esse tipo de desenvolvimento rural torna-se

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sustentável a partir da inserção dos produtores familiares em um novo mercado, estimulado pelo Estado.

A seguir trata-se de dois estudos de caso onde se pode identificar a vocação multifuncional dos produtores familiares. Também são propostas algumas políticas multifuncionais de remuneração das novas funções da agricultura.

ESTUDOS DE CASO

Os estudos de casos foram realizados em duas comunidades baianas, sendo uma delas um assentamento de reforma agrária. Os estudos foram realizados entre os meses de Setembro e Dezembro de 2004 e as áreas têm em comum o fato de serem formadas essencialmente por agricultores familiares.

Utiliza-se, nos estudos, a metodologia Análise-Diagnóstico de Sistemas Agrários, que tem como objetivo avaliar os principais sistemas de produção identificados e os respectivos tipos de produtores na tentativa de se compreender a lógica das decisões relacionadas a esses produtores. Essa metodologia tem como característica a abordagem sistêmica, o que significa que aspectos ambientais, sociais e econômicos são considerados no estudo, revelando não só a eficiência em termos econômicos dos sistemas avaliados, mas também a sua interação com o meio ambiente e sua relação com a mão-de-obra empregada (BRASIL 2004).

A análise consiste em se estudarem os sistemas de produção típicos de cada comunidade considerando uma amostra dirigida, com base nos preceitos do método.

a) O Projeto de Assentamento São Jorge, município de Uruçuca, Bahia

O caso do projeto de assentamento São Jorge retrata as características produtivas de um grupo de 42 famílias assentadas em uma área de 526 ha. O assentamento localiza-se no município de Uruçuca, região cacaueira do Estado. No estudo, avaliou-se a forma de produção de cinco tipos de produtores representativos, considerando o nível de integração entre os subsistemas de cultivo, criação e transformação, além de considerar na composição da renda familiar o efeito das atividades não-agrícolas. Dentre os cinco tipos selecionados como produtores representativos, destaca-se a produção comunitária gerida pela Associação Agrícola do Projeto São Jorge (AAPSJ), que também foi avaliada no estudo.

Os resultados obtidos revelaram a diversidade de sistemas de produção. O primeiro resultado deste estudo é que, mesmo em um assentamento onde as condições de produção são relativamente as mesmas para todos os agricultores, a realidade revela que as lógicas na utilização dos recursos ambientais são bem diferentes. Isso requer do formulador de políticas de desenvolvimento agrário (sejam multifuncionais ou não) um reconhecimento significativo da pluralidade dos sistemas de produção envolvidos.

Todavia, duas características relativas aos sistemas de produção estudados revelam uma certa similaridade. A primeira refere-se ao grau de intensificação no uso da mão-de-obra. Em

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termos de Unidade de Trabalho Familiar - UTF1, observou-se o uso intensivo de 3,6 UTF, em média, por unidade estudada (excetuando a produção comunitária). Relacionando-se esse resultado ao tamanho médio das unidades de produção (que é de aproximadamente 5,6 ha), obtém-se um uso de aproximadamente 0,6 UTF/ha. Este resultado demonstra que no assentamento estudado, a cada 1,6 ha em média ocupa-se uma unidade de mão-de-obra, enquanto “[...] entre os agricultores patronais são necessários em média 67,5 ha para ocupar uma pessoa [...]” (INCRA/FAO apud SOARES, 2000/2001). Esta pode ser considerada uma primeira característica multifuncional atribuída à agricultura familiar brasileira. O incentivo ao produtor familiar neste caso levaria a um aumento significativo no emprego rural.

O segundo aspecto a ser analisado nos resultados deste estudo é a relação entre o produtor familiar e a preservação do ecossistema de Mata Atlântica, predominante na região estudada.

Em todos os sistemas de produção estudados, foi identificado um subsistema de cultura que envolve a produção de cacau. A permanêcia dessa atividade por parte dos agricultores revela um elo importante na manutenção do ecossistema regional. Em todos os casos, o cultivo do cacau apresentou-se como a atividade mais intensiva em relação ao uso da mão-de-obra, da área utilizada e seus retornos como renda agrícola (UTF/SAU/RA)2. Este fato pode ser parcialmente explicado pela alta utilização de mão-de-obra exigida por este cultivo, que se intensifica a partir do surgimento da praga da vassoura-de-bruxa3. A disponibilidade de mão- de-obra aliada a técnicas de manejo adequadas representa um diferencial de custo significativo em relação aos demais tipos de sistema de produção (patronais e capitalistas) encontrados na região. O retorno financeiro das lavouras de cacau familiares incentiva a manutenção desses subsistemas de cultivo por parte dos produtores, evitando assim a derrubada das florestas para a abertura de pastos ou implementação de novas monoculturas como as de eucalipto e de seringueiras.

Portanto, considerando os resultados do estudo de caso, pode-se concluir que o incentivo a sistemas de produção familiares na região cacaueira da Bahia pode atribuir-lhes uma nova função, a de protetores do ecossistema de Mata Atlântica.

Esses estímulos podem surgir mediante políticas de reforma agrária, o que estimularia a preservação ambiental através da ampliação da ocorrência de produtores familiares nessa região.

Outra política multifuncional possível é o investimento em certificações dos produtos oriundos da agricultura familiar, valorizado, junto à sociedade, as funções sócio-ambientais desempenhadas por esses atores sociais. Um dos papéis do Estado seria o de estimular a demanda por esses produtos até o nível em que os mesmos possam interagir com o mercado, sem a necessidade de intervenções, gerando uma maior sustentabilidade econômica.

1 Uma UTF corresponde ao trabalho de um adulto em jornada integral de trabalho, empregado dentro da unidade produtiva.

2 A relação “UTF/SAU/RA” demonstra a quantidade de renda agrícola (RA) gerada pelo uso de uma unidade de trabalho familiar (UTF) em uma unidade da superfície agrícola utilizada (SAU). Esta análise permite verificar o nível de intensidade os sistemas e subsistemas de produção.

3 O combate à praga pode ser feito com base na poda constante das partes infectadas, o que demanda uma grade quantidade de mão-de-obra.

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b) A Comunidade Camuruji, município de Taperoá, Bahia

A mesma metodologia de estudo foi aplicada na comunidade de Camuruji localizada no município de Taperoá. Essa comunidade tem uma população de aproximadamente 1,5 mil pessoas. A maior parte dos produtores são familiares e vivem de policultivos bastante integrados internamente, com a predominância da cultura do dendê. O estudo identificou cinco agricultores típicos da região, com base nos passos da metodologia, e analisou as interações entre os cultivos e criações, e o meio ambiente, além de avaliar economicamente os seus respectivos sistemas de produção.

Os resultados revelaram a importância das rendas não-agrícolas na composição da renda familiar, além de terem salientado a interação entre cultivos e a extensa variedade de culturas.

Mais uma vez, pode-se destacar uso intensivo da mão-de-obra nos sistemas de produção, o que atribui à agricultura familiar a função de distribuição de renda e emprego no ambiente rural. O cultivo do dendê, da forma extrativista como é praticado na região, exige um uso intensivo de mão-de-obra para sua extração e processamento.

Além disso, devido à grande diversificação de cultivos e criações indicada durante o estudo, aliada a forte interação entre os subsistemas, pode-se conferir a esses produtores a função de conservação ambiental. Os fluxos de fertilidade gerados através do estudo revelaram o aproveitamento de subprodutos em praticamente todos os sistemas de produção. Outro aspecto relevante que confirma a função de conservação ambiental destes produtores é o baixo nível de utilização de produtos químicos. Devido à grande fertilidade do solo, o uso de adubos é praticamente nulo, restringindo-se os insumos químicos a alguns defensivos utilizados, principalmente na cultura do cravo-da-índia. Esse fator revela outro aspecto importante da agricultura familiar. Os tipos de sistemas de produção aproximam-se bastante das chamadas agroecologias, que utilizam recursos do próprio meio ambiente para combater pragas e devolver a fertilidade ao solo, evitando a quimificação e conseqüentemente produzindo alimentos de melhor qualidade.

A demanda por esses alimentos é crescente no mundo e também no Brasil. Atrelar a produção familiar a essa nova demanda pode representar uma alternativa viável para a remuneração da conservação ambiental, gerada por estes sistemas de produção. Políticas multifuncionais que incentivem a associação e a organização dos produtores, além de capacitá-los a produzir conforme as normas de certificação para produtos orgânicos e agroecológicos, podem revelar-se mais sustentáveis do ponto de vista econômico do que os subsídios e as transferências diretas de renda.

Desta maneira, ao se incentivar a agricultura familiar na região, pode-se obter, como resultado, uma melhor distribuição de renda e do emprego, além de estimular a produção de alimentos mais saudáveis.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com base no conceito de multifuncionalidade discutido neste artigo e considerando especificamente a realidade apresentada nos estudos de caso, conclui-se que a distribuição das terras ainda é um elemento importante na questão agrária.

Partindo do pressuposto que a agricultura familiar é fundamental para a geração das novas funções agrícolas, sejam elas sociais, ambientais ou econômicas, a questão da redistribuição

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das terras permanece como algo a ser discutido. Contudo, com as novas demandas sociais relacionadas a essas novas funções da agricultura, não basta apenas uma política de reforma agrária. Fazem-se necessárias também políticas de desenvolvimento territorial que considerem as especificidades de cada sistema agrário e estimulem a geração das multifuncionalidades. Essas políticas não devem se resumir a subsídios e transferências unilaterais de renda aos agricultores. Elas devem estimular demandas, criando mercados, e envolvendo a sociedade na remuneração dessas novas funções.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAHIA, Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais - SEI. Análise Territorial da Bahia Rural. Série estudos e pesquisas, 71. Salvador, SEI, 2004. p. 7-24.

BRASIL, Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA. Guia Metodológico: Análise-Diagnóstico de Sistemas Agrários. Disponível em: <

http://www.incra.gov.br/_htm/serveinf/_htm/pubs/pubs.htm>. Acesso em: 18 ago. 2004.

GRAZIANO DA SILVA, J. O novo rural brasileiro. Nova Economia. Belo Horizonte. v. 7, n.

1, mai. 1997. p. 43-80.

JORGE, R. A dimensão regional da multifuncionalidade e as políticas de desenvolvimento rural: Viabilidade da abordagem multifuncional na PAC do futuro. Disponível em: <

http://www.usc.es/~idega/conferenciac.doc>. Acesso em: 13 jan. 2005.

PARLAMENTO EUROPEU, Comissão da Agricultura e do Desenvolvimento Rural.

Projecto de Relatório: sobre a multifuncionalidade agrícola e a reforma da PAC. Disponível em: < http://www.europarl.eu.int/meetdocs/committees/agri/20030428/475207pt.pdf >.

Acesso em: 13 jan. 2005.

SOARES, A. C. A multifuncionalidade da agricultura familiar. Proposta, n. 87, dez/fev 2000/2001.

Referências

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