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A DIMENSÃO ÉTICO-PEDAGÓGICA DA RESPONSABILIDADE PATERNA E POLÍTICA RESUMO

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Academic year: 2022

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A DIMENSÃO ÉTICO-PEDAGÓGICA DA RESPONSABILIDADE PATERNA E POLÍTICA

Lourenço Zancanaro Programa de Mestrado em Educação Universidade Estadual de Londrina

RESUMO

A reflexão sobre a dimensão pedagógica da responsabilidade nos remete ao pensar ético e a sistematização dos seus fundamentos que são base da educação, pois explicitam fundamentos como: dignidade humana, qualidade de vida, bem-estar e justiça. A ética é condição sine qua non para cidadania. Em outras palavras, a responsabilidade indica que nossas ações necessitam se tornar políticas públicas. Só assim a ação pedagógica passa a ser um ato político por excelência. A responsabilidade com o futuro requer uma ação direcionada não somente na perspectiva antropocêntrica que se caracteriza pelo agir próximo, mas também antropocósmica. Significa dizer que o cuidado deve dar-se em escala planetária. As mudanças no agir devem acontecer primeiramente na esfera individual para que os reflexos possam tornar-se coletivos. Em sentido pleno, a transformação deve adquirir uma dimensão “glocal”. As ações devem se dar localmente, no interior de cada um para que os reflexos sejam globais. Em suma, quanto mais cuidamos do presente mais estaremos cuidando do futuro. Esta é a essência da educação. Existe ainda a dimensão paterna e política. A responsabilidade paterna segundo Hans Jonas é incondicional. Ou os pais cuidam no sentido de nutrir, acalentar, vestir, higienizar ou a vida não terá continuidade, pois é um momento de pura fragilidade e vulnerabilidade. O cuidado deve ser total. Esta é a maior de todas as responsabilidades. Enquanto a responsabilidade paterna é incondicional, total, inegociável, por tratar-se da necessidade do cuidado incondicional em relação ao frágil, na política o governante é eleito para exercer a responsabilidade em relação ao bem público. Quando o candidato solicita votos ao eleitor, tal ação tem um profundo significado ético: Conceda-me responsabilidade para que possa exercê-la em função dos vulneráveis. Sua função é assegurar os direitos e garantir sempre a possibilidade para que a autonomia possa se constituir.

Palavras-chave: Ética, Educação, Responsabilidade.

INTRODUÇÃO

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A ética de responsabilidade com o futuro é um dos temas mais candentes da atualidade. Reflete sobre uma temática que envolve o agir dos indivíduos, não só como responsabilidade social, antropocêntrica, mas também como cooresponsabilidade com o planeta inteiro, constituindo-se desse modo, uma responsabilidade antropocósmica.

Não pensamos a responsabilidade em nosso mundo por idealismo ou pelo fato de ser um discurso politicamente correto. Pensar a ética, refleti-la e ensiná-la, faz parte de uma necessidade de sobrevivência. Se o século XX foi o século das grandes revoluções tecnológicas, e, entre elas podemos citar o Projeto Manhattan, o Projeto Apolo e o Projeto Genoma Humano, o século XXI deverá ser o da ética.

Ela é uma questão de sobrevivência e deve estar voltada para todas as direções do agir e não exclusivamente para um antropocentrismo característico da ética tradicional, como se as relações fossem somente voltadas para o agir próximo.

É nessa direção que caminharemos. Veremos que a responsabilidade vai a todas as direções do nosso agir. Deste uma ação cotidiana de cidadania que envolve os problemas persistentes, até às questões da ética de fronteira que envolve as grandes conquistas tecnológicas como: as possibilidades do Projeto Genoma Humano e os avanços nas pesquisas, problemas ambientais oriundos do

“excesso de poder” centrado na tecnologia. Se para a ciência tudo o que pode ser feito deve ser feito, para a ética nem tudo pode e ser feito. Portanto, é necessário uma ética da responsabilidade, do cuidado, da renúncia, da humildade. Em outras palavras, isto seria o reconhecimento de que não podemos tudo, que nossas ações podem ter conseqüências imediatas e também a longínquas para as gerações futuras.

Falar em amor a distancia é necessário. Com isso demonstraremos um envolvimento com o presente, que se revela como cuidado e prevenção com as gerações futuras. A responsabilidade paterna e política revela, sobretudo um cuidado com o futuro que pode ser resumido na citação abaixo.

“O futuro é o presente que se descortina em possibilidades. O presente germina no futuro, move-se para o que vem, para o que

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ainda não é. O que vem não está fora do presente; é antes, o presente mais dinâmico, mais ativo, mais atual, pois atualiza o que vem, isto é, o futuro. Por isso se diz que vivemos mais o futuro que o presente. O homem é futuro. Vive ultrapassando o presente (BUZZI.

1989, p. 252).

1. A ÉTICA DA RESPONSABILIDADE COM O FUTURO

A compreensão do que seja um agir ético e do que possa se constituir uma ação moral é o primeiro ponto para a discussão. Sem ele torna-se mais difícil atingir os objetivos que propusemos na introdução. A base para qualquer reflexão compreensiva em torno dessa questão requer conceitos claros sobre, até que ponto o ato e o efeito das nossas ações podem ser entendidos como éticas ou antiéticas.

Preferimos começar pelos fundamentos filosóficos da ética e em seguida aprofundar a idéia de moralidade.

A ação, o ato e o efeito das nossas ações podem nos trazer conseqüências imediatas ou futuras. Levando-se em conta que elas são fruto da liberdade, da escolha entre um bem ou um mal, as conseqüências podem ser positivas ou negativas. A escolha entre essas duas possibilidades deixa entrever a esfera da liberdade enquanto opção que exige uma decisão livre e consciente. Em relação ao bem dizemos que é uma escolha por indicar que estamos predispostos a buscar os bens que lhe são próprios. Quais são os bens que são próprios do bem? Entendemos que são aqueles que tem em seu âmago a intenção explícita da honestidade, da justiça, de permitir bem-estar, diminuição da dor, e, assim por diante.

Da mesma forma quanto falamos do mal, o entendimento como expressão contrária às prerrogativas do bem. O mal seria, então, a busca dos bens que lhe são próprios. Novamente formulamos a mesma pergunta: Quais são os bens que

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são próprios do mal? O ato e o efeito das nossas ações buscam o mal porque nas suas conseqüências estão imbricadas as injustiças, desonestidade, enfim, aquilo que provoca a infelicidade seja no âmbito individual ou coletivo. Fica patente que a escolha entre essas duas possibilidades, está exatamente a capacidade de arbitrar, de escolher, de liberdade. Então a liberdade se realiza pela soma de atos livres. Eles caracterizam nossa liberdade. É a soma de atos livres que expressam na prática, a busca dos bens que são próprios do bem ou o seu oposto. Com isso dizemos que a condição de moralidade está na liberdade de escolha.

Desta forma, estabeleceremos quatro fundamentos que podem ser caracterizados fundamentais para a compreensão do que é ética. Eles podem ser assim demonstrados. O fundamento da dignidade humana, da qualidade de vida, da felicidade ou bem-estar e da justiça: São necessários para toda e qualquer argumentação em torno da ética e da sua importância no seio de qualquer sociedade. Aprofundarei somente o primeiro fundamento.

Quando falamos em educação uma pergunta deve tornar-se prioritária: Que homem ou cidadão queremos ou pretendemos enquanto educadores? A resposta para esta indagação necessita uma abordagem ética que resgate o significado da dignidade humana. Qualquer compreensão sobre a pessoa humana deve levar em conta o conceito de respeito pela dignidade do outro e isto se refere à responsabilidade pelas conseqüências das ações por parte de quem exerce um poder que neste caso é o educador. O argumento kantiano talvez seja o que melhor se adequa ao que queremos aprofundar. Trata-se de, em suas palavras:

“Nunca tratar a pessoa do outro como simples meio, mas sempre como um fim em si mesmo”. O significado dessa afirmação deve abranger o entendimento do “puro meio” e do “fim em si mesmo”. O primeiro requer a compreensão de que considerar a pessoa como puro meio significa tê-la nas relações interpessoais como objeto, como simples razão instrumental. A objetualização das pessoas é um fato que requer atenção, sobretudo em nossa época, na medida em que vivemos numa sociedade em que reina a obsolescência programada dos objetos culturais. Tal conceito se nutre no pressuposto de que tudo necessita ficar velho o mais rapidamente para que seja substituído por outro. Tal fenômeno acontece não

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somente nas relações comerciais de objetos culturais, mas também em grande escala nas relações interpessoais. Consideramos o outro como meio, à medida que não conseguimos viver sem ele, portanto, o necessitamos como meio. O problema está em considerá-lo como simples meio. Aqui está a chave do entendimento da formulação kantiana.

Há necessidade de razões pelas quais somos responsáveis em buscar o bem-estar, já que o futuro depende, em grande parte, de nossas ações e do uso responsável do nosso poder. A responsabilidade pela educação entra nesse rol enquanto cuidado paterno e político em relação aos que dependem das nossas informações e conhecimentos para que seja possível seu sucesso amanhã. A obrigação está na prevenção e preservação como parte intrínseca da responsabilidade com o futuro. Promover a educação, a saúde, à conservação do meio ambiente, lutar para que a ética se torne política pública, é uma exigência do agir responsável com o amanhã. Desta forma, o agir e o seu efeito estará implicado com o “bem intrínseco”. A responsabilidade adquire um sentido pedagógico de “pastor do ser”(Heidegger, 1979, p. 163) diante do niilismo irresponsável e destruidor e do vazio de valores da nossa sociedade atual. Isto deve acontecer em todas as direções do agir.

Hans Jonas refere-se à necessidade de sabedoria, de um novo gênero de humildade, enfim, de razões éticas que imponham limites a certas pretensões da ciência e da tecnologia. A situação presente revela que estamos inseridos na ditadura tecnológica de poder tudo, e, numa ausência de limites, tanto na esfera do conhecimento como do consumo.

“Temos mais do que tudo necessidade da sabedoria num momento em que menos se acredita nela”, afirma Jonas. A responsabilidade se torna tão ampla quanto nossa capacidade de interferir nos destinos da natureza. Por sua vez, a ética para o agir tecnológico exige um novo gênero de humildade que possa limitar o excesso de poder da vontade de dominação. É uma humildade que se confunde com a prudência e sabedoria.

Nesse aspecto, a orientação antropocêntrica da ética tradicional está mantida. Porém, preservar a natureza e a humanidade da possibilidade de uma

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catástrofe é ampliar a responsabilidade, levando em conta o alargamento espacial e temporal das relações de causa e efeito que a prática tecnológica suscita. Essa é a idéia forte da ética de responsabilidade com o futuro. O dever é pensado a partir do “poder-fazer”. O poder passa a ter sentido de obrigação moral diferente da obrigação contratual, isto é, da esfera do agir próximo. O retorno aos pressupostos ontológicos dos pré-modernos é estratégico para Jonas. Ele quer chamar a atenção para a HIBRYS, para a ONIPOTÊNCIA E O EXCESSO DE PODER nas mãos de cientistas ou empresas interessadas em lucro. Combater o niilismo moderno pela doutrina do ser seria combatê-lo pelo que tem de mais frágil que é o desconhecimento da dignidade da vida. O bem concreto a ser preservado é a vida, ela exige ser respeitada. Somos responsáveis por tudo e por todos, porque tudo isto está na esfera do nosso poder, e, ele nesse caso, torna-se efetivamente responsável.

Podemos afirmar que a responsabilidade manifesta-se concretamente em nosso cotidiano em quatro aspectos fundamentais: a) Como responsabilidade pela existência; b) Como responsabilidade pelo conhecimento; c) Como responsabilidade dos educadores; d) Como responsabilidade paterna e política (esta última dedicaremos especial atenção no próximo item).

a) A responsabilidade com a continuidade da existência gera uma obrigação com a vida que clama viver. Não é um mero sobreviver, mas um viver com qualidade e dignidade, porque dizer sim a vida é deixar que ela seja. Ser sem obrigação não tem sentido. Para quem é a obrigação? Para com a vida, para com o bem intrínseco que clama viver.

b) A responsabilidade com o conhecimento é uma obrigação porque ele está na esfera do nosso poder. Há um excesso de poder, uma hibrys, uma onipotência da ciência. A ética não é contrária à ciência, porém, uma boa ética poderá fazer uma boa ciência.

c) A responsabilidade de educadores está no fato de estar vinculada às conseqüências futuras que nosso ato de educar pode provocar. A omissão quanto ao empenho de quem ensina, pode comprometer o

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futuro de quem aprende. Os educadores também assumem compromissos. Uma vez que aceitaram a função, são levados a assumir a obrigação perante pessoas, de que parte do sucesso futuro, está na esfera do seu poder. A condição de mestre é de responsabilidade e de respeito à vida.

2. A RESPONSABILIDADE PATERNA

A analogia entre responsabilidade paterna e política, elaborada por Hans Jonas, nos remete numa primeira análise a aspectos comuns entre ambas. A política denota uma responsabilidade fruto da liberdade de escolha; a paterna advém de uma relação natural, incondicional e menos livre. Na paterna, os frutos da procriação constituem seu objeto. Há neles uma “identidade individual”, um processo de amadurecimento que o indivíduo realiza ao longo do tempo. A dependência dos engendrados se caracteriza pela mais “elementar naturalidade”, sua marca reside no fato de seu objeto estar presente concretamente. Ser pai é ser responsável pela própria condição de alento que o recém-nascido exige. É uma responsabilidade com a vida, inseparável do “bem substancial”, porquanto exige dever de cuidado em relação ao “frágil”.

Na política, os objetos são “anônimos” e ignorados em sua identidade pessoal. Nela impera o interesse coletivo construído “artificialmente” e impregnado pelos instrumentos organizacionais em que o objeto da responsabilidade está presente somente na “idéia”. Entretanto, “se o político compreender também o legislador”, aí a forma mais abstrata e mais distanciada do verdadeiro objeto real se dá, à medida que o “bem intrínseco” se incorpora ao próprio ser responsável, tornando-o concreto e próximo ao objeto. É por esse caminho que o político poderá aproximar-se do fenômeno originário da responsabilidade, “buscar o poder” para ter responsabilidade. “Cobiçar o poder supremo para tê-la”, numa relação análoga à dos pais consiste o verdadeiro sentido da responsabilidade

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política, pois ela se revela na extensão comunitária, à medida que participa do

“bem comum” (Jonas, 1984, p. 96).

A “vida” é o “fim” de cada ser vivo e, nesse sentido, não há diferença entre os homens e os animais. Entretanto, existe uma peculiaridade que diferencia os homens dos outros seres. Só o homem tem consciência de si e por isso pode ter responsabilidade por tudo e por todos. Seu “poder” gera um dever, uma responsabilidade de zelar pelo “fim intrínseco”. Para Jonas, o arquétipo clássico, o protótipo da responsabilidade é aquele do homem para com o homem. É nesse campo que nasce a mais exigente e implacável obrigação com o interpessoal, pois, enquanto viventes, somos também responsáveis por alguém. Realizamos pela primeira vez a experiência da “responsabilidade primordial” na paternidade, no cuidado que dispensamos aos outros que se revela como arquétipo de toda a responsabilidade. Mostra que devemos ter pelos outros aquilo que nós próprios temos experimentado.

Na responsabilidade interpessoal há um elemento comum que resumimos nos conceitos de “totalidade, continuidade e futuro”. A totalidade enquanto uma relação de conjunto entendida como uma dialética da complementaridade; Eu existo enquanto o outro existir como algo distinto de mim. A continuidade do outro é condição necessária para a minha continuidade. Nesse sentido o futuro é essencialmente projeto: Cuidar do presente é cuidar do futuro. Quem melhor cuida do presente, mais estará zelando do futuro. Tudo isto é relevante porque a marca da existência é a “transitoriedade, precariedade e vulnerabilidade”. Nesse caso, para que a vida continue existindo, é necessário que seja preservada a possibilidade de continuidade como interdependência de tudo e de todos.

O homem em tem seu próprio “fim”, assim como cada ser vivo. Se o seu fim é viver, fica claro que ele salvaguarda o fim dos outros à medida que salvaguarda seu “fim último” que é viver. No que se refere ao fim como existência, não há diferença entre os homens e os animais. Quando dizemos que só o homem pode ter responsabilidade por tudo e por todos, salvaguardamos seu “fim intrínseco”.

Assim, o protótipo da responsabilidade é aquele do homem para com o homem, à

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medida que é sempre responsável por alguém, à medida que vive entre iguais, revelando a diferença entre não reciprocidade e reciprocidade da responsabilidade contratual.

O fato de o homem ser vivente é só a primeira condição de ser objeto de responsabilidade, sendo por isso, uma condição necessária; a capacidade de responsabilidade é a condição suficiente de sua fatuidade. Por isso, a marca da existência humana reside no “fato de que só o homem poder ter responsabilidade”

por ele próprio e por seus semelhantes. Esta, por sua vez, é extensiva a tudo o que pode contribuir para que homem e natureza existam, significando que nada pode existir sem a complementaridade. Ser responsável pela existência do mundo implica em cultivar a reciprocidade, porquanto O existir implica na existência da natureza. Num mundo tecnológico o homem tem o poder da destruição. Impor freios ao poder e criar nele sentimentos de reciprocidade é fundamental para a

“continuidade”, à medida que somos “executores e guardiões” (Jonas, 1984, p. 99) pela capacidade do nosso poder.

Para Jonas o arquétipo de toda a responsabilidade é aquele do homem para com o homem, de guardião do seu próprio fim: a existência. Somos um para o outro, objetos de responsabilidade no que respeita à reciprocidade ontológica. “A existência da humanidade” é o primeiro mandamento, independente das barbáries, das abordagens pessimistas ou do tratamento que o homem dispensou à natureza e a si próprio, até o momento. Em suma, quem deve ser preservada é a existência. Esta é a prioridade da ética do futuro, vinculada às ações inéditas das modernizações tecnológicas cujo agir tornou-se coletivo e perigoso para sua continuidade.

Jonas não quer um balanço avaliativo do que a humanidade fez ou deixou de fazer. Ao citar as “bestialidades”, não pretende ofender as “bestas”, o que pode resultar, segundo a disposição do julgador, num balanço negativo. Ressalta, entretanto que a grandeza do homem é muito maior que sua perversidade. A existência tem prioridade, apesar de tudo o que possa ter contribuído para desmerecer seu trabalho no que tange ao cuidado. O suporte para a continuidade

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é o mandamento ontológico ou a “reivindicação ontológica da idéia de humanidade”. É ontológica porque não depende do balanço avaliativo, mas porque mantém viva a possibilidade da humanidade existir aqui e agora, e, no futuro. Nesse sentido o mandamento que supõe bem-estar deve também pressupor uma reivindicação ontológica.

“Existência da humanidade significa simplesmente: que haja vida humana na terra; o mandamento seguinte é que ela viva bem. O fato ôntico puro, que a humanidade exista, em geral se converte em mandamento ontológico para os que não foram perguntados antes sobre isto: no mandamento de que deve seguir existindo a humanidade. Este primeiro mandamento, que em si permanece oculto, está contido implicitamente em todos os demais, a menos que estes tenham feito do não-ser sua causa” (Jonas, 1984, p. 100).

A existência torna-se objeto de responsabilidade por exigência ontológica e não através de mandamentos direcionados a um ideal como o “sumo bem”; seu objeto é a vida, é ela que suplica cuidado. “Age de tal maneira que o efeito das tuas ações não comprometam a possibilidade de vida futura” (Jonas, 1984, p. 11).

Isto quer dizer que a ação está diretamente implicada com a existência.

Explicitamente, Jonas arranca do ser um dever. Num mundo onde o agir é coletivo, não é mais suficiente dizer: “Deves, portanto podes”. É necessário dizer:

“Podes, portanto deves”.

A responsabilidade deve acontecer em todas as direções que nosso agir pode afetar: na política, na paternidade, no artista, no físico, no cientista social, no jurista, no químico, no educador, etc. Fora dessa dimensão pedagógica inter- relacional, é impossível entender a grandeza do seu projeto. Portanto, não é simplesmente uma obrigação interna como aquela do cientista ao investigar rigorosamente seu objeto de pesquisa. Ela acontece em todas as direções; está implicada com o conceito de “totalidade, continuidade, futuro”, e em todos os casos em que a existência estiver relacionada.

A responsabilidade paterna e política receberam por parte de Jonas destaque primordial por representar o arquétipo clássico de todo a

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responsabilidade. Elas contêm características comuns que estão na esfera do nosso poder possibilitando uma compreensão objetiva da essência da responsabilidade.

“O objeto da responsabilidade paterna é o filho como totalidade e em todas suas possibilidades, não só em suas necessidades imediatas. O aspecto corporal vem em primeiro, é claro, somente no início; em seguida vêm todas as demais coisas que caem sob o conceito de ‘educação’ no sentido mais amplo:

capacidades, comportamentos, relações, caráter, conhecimentos, aspectos que precisam ser cuidados e promovidos em seu desenvolvimento; e junto com esses também, se possível, felicidade. Em síntese: o cuidado paterno tem em vista o todo, o puro ser como tal, o melhor ser dos seres” (Jonas, 1984, p. 130s).

3. A RESPONSABILIDADE POLÍTICA

Na responsabilidade política, o que importa é o bem público. Esta deve ser a prioridade durante o tempo que o governante se mantiver no cargo (como o governante chegou ao poder é uma outra questão). Nesse caso, o poder comporta objetivamente responsabilidade. Ali se evidencia o caráter ético do poder político fundado no imperativo da existência. O cuidado perpassa a existência física, interesses, segurança, plenitude da existência, do bom comportamento à felicidade (idem, p. 102).

A essência do político, especialmente quando seu poder é responsável pelo bem comum, é elevar o nível da comunidade durante o tempo em que se mantiver no poder. Esse argumento também está direcionado ao princípio ontológico onde a prioridade deve ser sempre o mais elevado e não o menos, e com isso, o governante deve responder à chamada da necessidade pública. Quer dizer, se, no âmbito pessoal, pelo fato de vivermos em sociedade, somos responsáveis por alguém, da mesma forma o governante terá como exigência o outro, a coisa pública, que possui seu fundamento no “bem intrínseco”. A preocupação é com a

“felicidade” da vida em comunidade. O poder “sobre” deve transformar-se em

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“para a totalidade da vida comum”. O “poder” do governante se transforma em dever por exigência do “bem substancial” e não por seu desejo egoísta. À medida que cumpre os fins substanciais da existência, o “bem” torna-se “valor”. Em suma:

o governante não é o criador original, mas criatura que toma a causa em suas mãos, transforma-a em responsabilidade com o presente e o futuro (ibidem).

Há uma interconexão entre as responsabilidades quanto ao objeto. Os pais socializam os filhos através da apropriação dos códigos sociais, das normas e valores culturais, para que efetivamente possam viver em sociedade. Isto significa que “o cidadão é meta imanente da educação paterna”. O Estado participa, proporcionando-lhe continuidade e, nesse sentido, ambas tornam-se complementares. “Os pais educando os filhos para o Estado e este tomando para si a responsabilidade da educação dos filhos” (idem, 1984, p. 103).

Outro aspecto importante na analogia entre a responsabilidade paterna e política, deve ser entendido da seguinte forma. Se a responsabilidade paterna necessita de decisões, re-direcionamentos e melhoramentos constantes, a responsabilidade pública também é filha da necessidade. O governante nesse caso será obrigado a transformar o “nós” em “eu”, pois acredita no que é melhor para todos nesse momento, isto é, tendo como fundamento a necessidade pública. Nisto se resume o caráter “totalidade” da responsabilidade do governante.

O governante é um igual entre os iguais. Mesmo que se eleja a si mesmo, também se submete à necessidade de direcionar suas decisões a um “bem comum” e não aos interesses particulares. A partir deste conceito, nasce o sentido de “bem comum”, como entendimento de que só o homem com responsabilidade pode percebê-lo, por força de um dever ontológico. Já afirmamos que só o homem pode ter responsabilidade por alguém que lhe seja semelhante e, por isso mesmo, necessita direcionar suas ações em vista ao “bem comum” (idem, p. 104).

Deduzimos que a responsabilidade na perspectiva da “totalidade”, está relacionado a tudo o que é susceptível ao nosso poder, para que se torne possível a continuidade. Não é mais uma obrigação individual, mas uma responsabilidade cósmica.

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O princípio da responsabilidade política também é estabelecido por um agir em função do futuro indeterminado. O homem de Estado não é o criador primeiro, mas ele próprio criatura da comunidade. Por mais que influencie, “não é o criador original, mas criatura que toma em suas mãos” uma boa causa. Do seu “poder”

emana um “dever” em vista da “continuidade” futura. Este aspecto também é aplicado, de modo análogo, aos pais e à educação. É o sentido da “continuidade”

como possibilidade de existência. Ser responsável é preservar precisamente a possibilidade da vida, no futuro. Não é uma responsabilidade de sentido contratual, mas que se prolonga em direção ao “futuro longínquo” (Idem).

A responsabilidade do médico termina com o tratamento e a cura do paciente; a do capitão, com a condução dos passageiros sãos e salvos ao término do percurso. O mesmo não acontece com a “responsabilidade total”. Esta não tem só em vista o momento, mas a “continuidade da existência” pois se preocupa com o antes e o depois, com o presente, o passado e o futuro, com o “desenvolvimento total da existência”. Esse é o sentido concreto da existência e o significado próprio da “continuidade”, que se estende no mundo histórico em direção ao futuro.

A responsabilidade política é ampla, abarcando maior espaço de tempo e inúmeras direções em relação à continuidade histórica. Na paterna, a continuidade se dá no indivíduo concreto, no desenvolvimento individual da criança, que possui sua história pessoal e adquire historicamente sua identidade. A vida, nesse sentido, é dialética, assim como a história e a educação. Por isso a responsabilidade política e paterna tem poder de decisão de continuidade. A “vida”

reclama do poder político e paterno, responsabilidade em relação à continuidade do “valor” presente no futuro.

“Na responsabilidade paterna que se dirige claramente ao indivíduo singular e se encontra nele, os horizontes da responsabilidade se duplicam. Um horizonte mais estreito compreende o desenvolvimento individual da criança que tem sua própria historicidade individual e adquire sua identidade de maneira ‘histórica’.

Qualquer educador sabe disto. Para, além disso, e sem que seja possível separar, é a comunicação da tradição coletiva, desde o primeiro som articulado até a

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preparação para a vida em sociedade. Com ele o horizonte de continuidade se estende dentro do mundo histórico: Um passa ao outro e então a responsabilidade educacional não pode ajudar o ser, mesmo nas coisas mais privadas, é também uma responsabilidade ‘política” (idem, p. 106).

No contexto da “responsabilidade total”, inclui-se o futuro como uma preocupação com a temporalidade. Este adquire significado novo ao ser colocado na perspectiva de que somos responsáveis pela existência futura.

CONCLUSÃO

Se não é isso que efetivamente acontece, então temos boas razões para acreditar que a ética é um exercício, como a entendiam os gregos e queremos também entendê-la hoje.

É necessário superar o emprego corrente da responsabilidade como imputação, tal como é concebida pelo o direito civil e penal. A ética da responsabilidade com o futuro consiste num agir que se antecipa a ação e não como cobrança ou imputação de um ato já acontecido. Portanto, a prudência, o cuidado, a renúncia, a prevenção e a preservação, estão na esfera do nosso poder. Implicam sabedoria e humildade quanto à capacidade de antecipar possíveis danos ou riscos.

A analogia entre a responsabilidade paterna e política pode ser entendida mediante uma relação de cuidado com a existência e sua vulnerabilidade. A vida no seu início é essencialmente vulnerabilidade. O recém- nascido necessita de todos os cuidados porque é pura fragilidade. Necessita ser amamentado, nutrido, higienizado, aquecido, enfim, responsabilidade é incondicional. A responsabilidade política também é o cuidado em relação ao frágil, em relação àquele que não voz nem voto. É o cuidado em relação ao frágil, mas seu destino é o bem público enquanto dimensão coletiva.

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BIBLIOGRAFIA

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Referências

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